O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, meus Senhores, Portugueses:
Esta cerimónia marca o ponto mais alto nos actos com que o povo português tem vindo a celebrar o 25 de Abril.
Nos dois anos anteriores o povo celebrou-o exercendo os direitos reassumidos: votou e através do seu voto ergueu as traves-mestras da nova sociedade.
Hoje, plenamente instituídos os órgãos do Poder, a Assembleia da República, que em si consubstancia a própria democracia pluralista, culmina as celebrações com esta sessão em que o País está presente nos seus mandatários e nos seus responsáveis.
Pesam sobre a nossa geração sacrificada as agonias do império, as dores de uma nova sociedade que renasce nos limites do corpo primitivo e o sofrimento de um povo em diáspora no mundo que ajudou a conhecer-se.
Em Abril de 1974 as forças armadas saíram à rua em defesa dos ideais da liberdade e da democracia.
Em Novembro de 1975, apoiados pela PSP e pela GNR, ...
Vozes:
- Muito bem!
Aplausos do PS, PSD e CDS, de pé.
O Sr. Presidente da República:
- ... de novo intervieram para assegurar que a liberdade reconquistada não seria traída.
Hoje desfilaram nas ruas de Lisboa, reafirmando o seu empenhamento no serviço dos mesmos valores.
A elas, todas elas, se deve privilegiadamente a liberdade de que hoje se fez uso nesta Assembleia.
Esta Assembleia da República recebeu do povo o encargo de traduzir os ideais da Revolução na realidade concreta do dia-a-dia dos cidadãos.
Não podemos continuar a iludir o futuro com base nas frustrações do passado.
O desencanto que se apodera já de muitos é fruto de três anos de hesitações e erros: que é feito da fraternidade que encheu as ruas e os campos deste país?
Que é feito das torrentes de alegria com que nos lançámos na construção de um país diferente, de uma pátria renovada?
Que é feito da tolerância e do respeito com que decidimos conviver?
Que é feito da segurança e da paz assente na justiça que afirmámos respeitar?
Que é feito das habitações que quisemos construir?
Que é feito da saúde que decidimos melhorar?
Que é feito da educação que nos propusemos elevar?
Que é feito da velhice que nos obrigámos a proteger?
Que é feito do trabalho que prometemos redobrar?
Que é feito da riqueza que protestámos aumentar?
Que é feito das promessas de uma vida melhor que nos propusemos atingir?
Srs. Deputados:
Os compromissos que firmámos com o povo que a todos elegeu impõem que reflictamos nas responsabilidades, como esse mesmo povo crescentemente reclama.
Somos uma geração de sacrifício:
Quantos de nós, em busca do pão ou por força do dever, abandonámos a terra e a família, o País e os amigos para voltar, tantos anos depois, marcados pelos encontros da morte, da violência, da injustiça?!
Somos de facto uma geração de sacrifício.
Mas é imperativo reanimar este país e organizar o esforço dos seus cidadãos para que os ideais de Abril não venham a ser um sonho traído.
No seu trajecto histórico o povo português teve de enfrentar momentos difíceis, vencer crises, derrotar inimigos e defender a independência da Pátria, a identidade cultural, a dignidade da Nação.
Hoje, como tantas vezes no passado, são muitas as dificuldades a vencer para merecer o esforço daqueles que conquistaram o respeito do Mundo; para dar um sentido aos duros sacrifícios que se exigem a todos os Portugueses.
Se temos o crédito das liberdades e dos direitos conquistados, se temos a segurança da democracia a definir as regras do comportamento político, se temos a esperança de um povo a respeitar, nada pode desculpar que os ideais de Abril continuem por concretizar, à mercê dos que deles se servem, sem servir a Pátria.
Aplausos do PS, PSD, CDS e PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Portugueses:
As ameaças que o País enfrentou nestes últimos anos não chegaram para impedir que o povo português definisse livremente o projecto político da nossa sociedade.
A disputa política quase levou à confrontação violenta entre as forças empenhadas na democracia pluralista e as forças interessadas em novas ditaduras.
O 25 de Novembro permitiu que a Constituição da República viesse a definir os objectivos, as metas e os caminhos que hão-de guiar o povo português e mobilizar o seu esforço na construção de um país mais rico e mais igual para legar às gerações que despontam nos horizontes da vida.
Será querela inútil pretender basear nas leis fundamentais do País novas guerras da disputa do Poder.
Esta Assembleia recolhe em si mesma a parte mais nobre dos ideais de Abril que do projecto parlamentar fizeram um objectivo principal.
A essa responsabilidade corresponde uma função essencial, a condução do processo democrático.
Mas corresponde ainda a exigência de tornar viável um modelo constitucional, respondendo sem hesitações, nem adiamentos às dúvidas que ainda existem e que deixam Portugal sem normas claras de orientação nos campos económico e social.
Não se pode ser democrata nesta Assembleia e fomentar lá fora a agitação e o desrespeito das leis.
Aplausos do PS, PSD, CDS e PCP.
Não se pode violar lá fora os preceitos que aqui se votam.
Os que tentam em simultâneo a conquista do Poder através do voto e através do golpe excluem-se voluntariamente do convívio democrático em que têm lugar.
Portugal viveu inundado de palavras e embriagado de promessas.
Do vaivém dos profetas da abundância ficou-nos um país empobrecido e um povo atónito.
O que antes lhe era negado, invocando as várias heranças, passou agora a ser adiado, invocando a crise.
O povo português aceita as consequências do passado que sepultou, conhece no seu quotidiano as dificuldades do presente e vê cada vez mais incerto o futuro.
Não aceita, porém, a fatalidade da crise, do plano inclinado do empobrecimento, do regresso a piores condições de vida.
Sobram-lhe as palavras de polémica e de promessa, aguarda com sacrifício as soluções concretas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
As dificuldades que enfrentamos não podem apagar a imagem do País em convulsão em que até há pouco vivemos.
Persistem, é certo, os efeitos das sementeiras de violência e de ódio e as consequências da desorganização do aparelho de Estado, programada e sistematicamente executada pelos assaltantes do Poder.
A partilha política da Administração Pública também facilita as manobras daqueles que vivem à sombra da função sem a servir.
Não falta mesmo quem enjeite responsabilidades, atribuindo os males e a indisciplina sociais à liberdade recuperada.
Temos, porém, de reconhecer que o País, tem desfrutado de um período de acalmia política e de harmonização de forças sociais que os mais optimistas não se atreveriam a prever há dois anos atrás.
Fizemos progressos evidentes na nossa convivência em liberdade.
Para lhe dar continuidade é forçoso encontrar uma resposta concreta para aspirações que se vão tornando desespero e sobretudo descobrir os caminhos de mobilização do povo português para modernizar o País e vencer a crise.
Há que reabrir pela via corajosa das reformas profundas as portas que o desvario revolucionário fechou.
Um exame atento das soluções propostas pelos vários partidos delimita plataformas programáticas que suscitam entendimentos e prometem garantias de uma sólida base social de apoio às medidas de salvação nacional que se reclamam.
Vozes:
- Muito bem!
O Sr. Presidente de República:
- Não é difícil reconhecer que, para além da negociação das naturais divergências, de ideologia e de programa, a mobilização do povo português para a modernização do País passa também pela capacidade de colaboração entre os homens sobre quem pesa a responsabilidade da liderança dos movimentos políticos.
Ficaram do passado ligações e compromissos, assim como barreiras de desentendimento.
A solidariedade que há-de unir os Portugueses na recuperação do País põe aos responsáveis a exigência de subordinarem os laços pessoais de um passado comum aos apelos do futuro a construir.
A intolerância introduzida na sociedade portuguesa mantém ainda afastados do contributo que devem à Pátria homens indispensáveis em sectores decisivos para o desenvolvimento do País.
Não podemos fugir à realidade da nossa integração num espaço em que a competência e o mérito têm um prémio para além das fronteiras.
Precisamos de quadros, de quadros qualificados e motivados, para conceber e realizar programas audaciosos que multipliquem os empregos.
A recuperação da economia e a absorção do desemprego não se resolverão unicamente com os grandes investimentos que ao sector público compete lançar.
Estas metas nacionais dependem em larga medida do dinamismo da iniciativa privada.
Vozes do PSD e CDS:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- A regularização das indemnizações e a sua canalização para o investimento é por isso objectivo que o aparelho de Estado tem de conseguir com rapidez.
Há que introduzir no mercado financeiro novos agentes ou novos métodos que respondam à celeridade de decisão que exige o funcionamento de uma economia moderna.
Aguardam apreciação desta Assembleia diplomas importantes para a regulamentação das instituições representativas dos trabalhadores.
Na ausência de ordenamento legal, todos os dias se assiste a conflitos que, em rigor, têm de ser encarados como sabotagem económica.
Vozes do PSD e CDS:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- A maioria dos trabalhadores não aceita livremente este tipo de actuações, que mais cedo ou mais tarde lhe roubariam o pão e a liberdade.
É por isso urgente regulamentar a greve, assim como os modos de intervenção dos trabalhadores na gestão das empresas.
Vozes:
- Muito bem!
O Sr. Presidente de República:
- Da voz desta Assembleia nasce a legalidade.
O seu silêncio é fonte de arbítrio.
Srs. Deputados:
Passado o período de violência política, avoluma-se a insegurança pelo crescendo das violações à pessoa e aos haveres dos cidadãos.
As consequências desta situação adivinham-se graves.
Importa reconhecer frontalmente, que as forças de segurança - PSP, GNR e Polícia Judiciária - se encontram, apesar dos seus esforços, que é de justiça aqui realçar, manietadas.
Há disposições que, em nome da defesa da liberdade dos indivíduos contra o Estado, deixam ambos à mercê da violência dos marginais da política ou dos profissionais do delito.
Não pode esta câmara dos representantes do povo ignorar as ansiedades e o medo que vêm assaltando a população.
A verificar-se o agravamento da situação, a tranquilidade será restabelecida com as medidas de excepção adequadas.
O melhor modo de defender as liberdades e os direitos consagrados pelas leis fundamentais do País é impedir que eles sejam quotidianamente desrespeitados.
Vozes do PSD e CDS:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Portugueses:
Em 14 de Julho do ano passado jurei, neste mesmo lugar, garantir condições de existência de um Estado de direito democrático.
Mas não sou eu o único português que assumiu compromissos com a Nação.
Porque recuso demitir-me das responsabilidades que o povo português colocou sobre os meus ombros, é meu dever exigir aos meus compatriotas que estejam à altura das suas próprias responsabilidades.
Vozes do PSD e CDS:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Uma nação é um corpo que só colectivamente se justifica, conquistando o direito à existência independente pelo esforço conjugado de todos.
Sabemos todos, por duras experiências até nesta Assembleia, que os ideais do 25 de Abril têm sido muitas vezes adulterados no decurso destes três anos.
Temos conseguido sobreviver aos desvios, mas estamos a pagá-los com duros sacrifícios.
Não é possível continuar a esbanjar o pouco que nos resta.
O mandato que recebi do povo português obriga-me a garantir, dentro das soluções democráticas, a recuperação do País, a identidade nacional e o desbloqueamento da angústia colectiva perante o presente e perante o futuro.
Não hesitarei em tomar as medidas necessárias e correctas que assegurem a viabilidade da Nação como sociedade livre onde valha a pena viver.
Aplausos do PS, PSD e CDS (de pé) e do PCP.
Para tal contribuirão, com igual espírito, as forças armadas como parcela integrante da democracia e da Pátria Portuguesa.
Não haverá mais transferências de responsabilidades políticas porque todos os meios necessários à defesa da democracia estão à disposição dos poderes políticos.
Só a eficácia da democracia permite manter a estima do povo pelo regime democrático.
E é ainda a defesa da democracia que exigirá a procura de alternativas que a garantam.
Nesta hora do nosso destino de nação independente, não é legítimo ignorar a crise que nos ameaça: o estado da nossa economia, as contradições que dilaceram a nossa sociedade.
Vivemos a primeira oportunidade democrática em meio século.
O esforço consciente de cada um fará desta oportunidade uma vitória do povo português e de Portugal.
Aplausos gerais com toda a Assembleia e toda a assistência de pé.
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Portugueses:
Celebramos hoje a liberdade dos Portugueses e a legitimidade das instituições que nos regem.
Celebramos o projecto democrático que esteve na origem e que justifica o 25 de Abril.
Estes são o dia e o lugar apropriados para que se medite no que foi feito e para que se afirme o que é possível e necessário fazer de modo que Abril não fique como uma esperança sem resposta.
0 momento não autoriza que esta cerimónia decorra sem a sombra de perigos que ameaçam a obra incompleta da Revolução e que obrigam os Portugueses a considerar o futuro com natural ansiedade.
Neste dia, que devia ser de alegria e confiança, as palavras não podem ser usadas para ocultar ou iludir a gravidade da situação.
Para que a fé dos Portugueses possa ser recuperada, para que a consciência de cada um possa ser força da Nação, é preciso que a verdade seja dita e reconhecida.
Momento singular da vida nacional, encontro de vontades e desejo de solidariedade, o movimento militar do 25 de Abril não tira a sua legitimidade das armas que o permitiram, mas sim da intenção democrática original que o País recebeu com entusiasmo e que o seu autêntico programa claramente estabelecia e impunha.
É a fidelidade a esse princípio fundamental que exige a denúncia dos que pretenderam usar a confiança do País para atingir os seus objectivos sectários.
Explorando as emoções dos que pensavam tudo possível e o sofrimento dos que nada tinham, servindo-se dos militares, perturbando e destruindo as condições da vida económica, abalando a coesão social, fizeram dos factos consumados a fonte do seu poder, quando não dispunham de representatividade para os decidir.
A ingenuidade de alguns, o desespero de outros e a passividade de muitos permitiram que a estratégia organizada ou o oportunismo se servissem dos ideais de Abril.
Não ganharam os que traíram.
Mas liquidaram oportunidades, esgotaram meios, quebraram a solidariedade, mancharam a esperança.
Com o seu modo de fazer política, praticaram muitos dos erros que diziam atacar, contribuíram para que se esquecesse a culpa de um regime caduco por carências que ainda persistem, quiseram desfigurar a identidade cultural da Nação.
Srs. Deputados:
A cegueira histórica da ditadura não preparara Portugal para resistir às forças que romperam os equilíbrios mundiais dos últimos trinta anos.
Certos progressos da década de sessenta eram enganadores e assentavam em condições, internas e externas, que não podiam manter-se.
A ordem estabelecida não tinha bases sólidas.
Sem capacidade de evolução política, estava condenada a desaparecer quando a riqueza da Europa não mais transbordasse para Portugal, quando cessasse a exploração colonial, quando as tensões internas da sociedade portuguesa livremente se manifestassem.
Sem a expansão europeia, que alimentava a emigração e as exportações; sem o trabalho dócil e barato, que tornava rentável o que era obsoleto; sem o investimento externo, que procurava em Portugal vantagens ilegítimas; sem as remessas de emigrantes e as divisas dos turistas; sem o domínio dos mercados coloniais e a sua contribuição para a balança de pagamentos metropolitana; sem a capitalização iludida nas práticas especulativas, tudo era uma frágil construção, produto de situações transitórias ou insustentáveis e resultado da imposição policial.
0 25 de Abril marcou o encontro com a realidade das coisas que nenhum poder humano conseguiria evitar.
Mas o que devia ter sido um sóbrio regresso à simples necessidade de viver do nosso trabalho, com crescente igualdade e dentro dos severos limites que os nossos recursos materiais temporariamente impunham, foi a ocasião da aventura e da demagogia.
Distribuiu-se para consumo o capital acumulado pela Nação e que o regime anterior não soubera aplicar produtivamente; criaram-se expectativas a que não se podia corresponder; difundiu-se a confusão e sectarismo na Administração do Estado; desorganizou-se uma parte importante do aparelho produtivo; instalou-se um clima de insegurança, de incerteza e de arbitrariedade.
Porém, apesar dos ataques e da violência, apesar das dificuldades acrescidas, o que era essencial no projecto que fez o 25 de Abril foi retomado em 25 de Novembro e tem vindo a ser realizado.
Vivemos em liberdade; não há presos políticos; não há censura.
Assegurou-se a expressão regular e periódica da vontade popular.
As instituições encontram-se legitimadas e os órgãos de Soberania dispõem de condições para o exercício efectivo das suas competências.
Respeita-se a responsabilidade democrática dos representantes do povo.
Abriram-se perspectivas de uma maior justiça social.
Estão reconhecidos os direitos fundamentais dos trabalhadores.
As forças armadas restabeleceram a sua unidade e a sua dignidade com base nos valores da hierarquia e da subordinação à sua vocação nacional.
Concretiza-se o abandono gradual de funções políticas pelos militares.
Vivemos em paz.
Recuperámos uma posição de convivência democrática na comunidade internacional, diversificámos relações e voltámos a inserir-nos na Europa, a que pertencemos.
São realidades quotidianas que gerações de portugueses desconheceram, mas a que já nos habituámos.
Para que assim fosse se fez o 25 de Abril.
Para que assim fosse lutou a esmagadora maioria dos Deputados à Assembleia Constituinte contra os que defendiam um novo projecto totalitário.
Do seu esforço resultou a lei fundamental que nos rege, consagradora do princípio democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
A Constituição é instrumento de liberdade e segurança.
Mas não é um texto imutável e intocável, nem o poderia ser, porque, assenta na vontade popular, que não se fixa nunca de uma vez para sempre.
Ela mesma prevê a sua alteração.
A Constituição tem virtudes e tem defeitos.
Tem, contudo, a flexibilidade suficiente para permitir uma interpretação adequada às necessidades nacionais.
E confronta-se com uma experiência histórica concreta, que há-de determinar o que deve ser alterado, para que se possa ajustar à realidade portuguesa.
Não é por isso na Constituição que devemos procurar a justificação das nossas dificuldades, das incapacidades e deficiências dos dirigentes políticos, da permanência e agravamento dos factores de crise.
Temos de ganhar a consciência plena de que a crise que Portugal vive não é episódica, não é conjuntural, nem é dissipável em poucos anos com modesto sacrifício.
É necessário que tenhamos a coragem de saber e afirmar que se trata de uma crise profunda, que põe em jogo a própria independência de Portugal, que só será vencida pela inteira mobilização dos recursos humanos e materiais da Nação e que exigirá um alto preço, que todos os portugueses terão de pagar.
Os problemas nacionais não serão resolvidos pela apologia ritual de modelos políticos pretensamente perfeitos, nem deverão ser invocados como expediente de ocasião ou pretexto para pressionar a opinião pública.
Nenhuma forma de poder político imaginável poderá honestamente oferecer aos Portugueses a rápida superação das suas dificuldades ou pedir-lhes menos esforço e menos disciplina.
Como contrapartida, os Portugueses esperam dos seus dirigentes lucidez, isenção e a coragem rara e difícil do realismo e do rigor.
Ao direito de exigir austeridade, corresponde o dever de dar uma resposta organizada à crise, de pôr de parte os interesses particulares de facções e pessoas, de a cada momento escolher sempre e só as soluções que mais convêm ao País, acarretem elas impopularidade ou impliquem firmeza.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Das mais insignificantes, às mais vastas questões, é imprescindível que a acção do Poder seja límpida, adequada, eficaz.
Só assim o Poder se não separará do País, só assim se identificará com os desejos profundos dos Portugueses e contará com o seu permanente apoio.
Os critérios a que deve obedecer este quadro de rigor e de realismo estão bem definidos e foram confirmados pela evolução política recente:
A vontade de reviver o orgulho da Nação e a confiança na perenidade da sua história, da sua cultura e do seu destino;.
A vontade de liberdade, que é a primeira manifestação da vocação democrática;.
A vontade de construir o equilíbrio entre todas as regiões que compõem o País;.
A vontade de integração plena na Europa;.
A vontade de estreitar os laços de cultura e convivência com os povos que, num passado distante ou próximo, Portugal ajudou a tornarem-se cada vez mais livres e independentes.
É tempo de estabelecer, sem dúvidas ou concessões, o que é possível para Portugal.
E de começar a cumpri-lo sem hesitações e colectivamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Os objectivos imediatos que hoje se nos impõem são a afirmação clara da autoridade do Estado, a formação de uma classe dirigente capaz e patriótica, a criação de um instrumento eficiente de governo através da reforma da Administração Pública e o estabelecimento de um correcto equilíbrio entre a actividade do Estado e as actividades privadas.
É urgente pôr termo às situações irregulares ou ilegais.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Essa é a condição para que se restabeleça a confiança geral na lei e nas autoridades constituídas, para que se afirme o respeito pela ordem jurídica.
Não é aceitável nem democraticamente justificável que leis indispensáveis não sejam aprovadas ou que leis aprovadas e promulgadas continuem sem concretização efectiva por falta de regulamentação ou de decisão adequadas.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Contra uma lei publicada não poderá erguer-se outra limitação que não seja a declaração, pelos órgãos competentes, da sua inconstitucionalidade.
Pode o Governo contar com todo o apoio que considerar necessário para fazer cumprir integralmente as leis do País.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- É necessário que a capacidade, a competência e o zelo não continuem a receber tratamento semelhante ao que é dado à incapacidade, à incompetência e ao desleixo.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Sob pena de sufocar irremediavelmente as energias da Nação, temos de reconhecer que há aparentes igualdades que são profundamente inigualitárias.
Não é realista esperar esforço considerável de um país em que os melhores e os piores são premiados da mesma maneira.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- As posições adquiridas não devem servir de único critério de emprego, de remuneração e de escolha para posições de chefia.
Não se instaurou a liberdade para que as pessoas, tendo deixado de ser prejudicadas por motivos políticos, passassem a ser promovidas por motivos políticos.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Torna-se imperativo restaurar a hierarquia do mérito e julgar o mérito, imparcialmente, pelos resultados.
Como se torna também imperativo apoiar a autoridade dos responsáveis nas organizações públicas e privadas, de modo a desembaraçar de entraves a sua acção.
Sem isso, será difícil apelar para a sua colaboração, eficiência e sentido das responsabilidades sociais.
É essencial, por outro lado, acelerar a reforma da Administração Pública, restituindo ao Estado o seu valor como instrumento de gestão nacional.
É preciso, por fim, que a função do Estado na organização económica, social e cultural seja reavaliada com serenidade.
0 Estado assumiu, directa ou indirectamente, encargos demasiado extensos para as suas possibilidades presentes e previsíveis.
Em vastas áreas, a intervenção estatal transformou-se em fonte de paralisia.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Não é aceitável que o papel do Estado na economia, no ensino, na comunicação social, na cultura, seja tão vasto ou se transforme em factor de bloqueamento, de incerteza, de gasto imoderado de recursos, quando deveria ser fonte de dinamismo e de expansão.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- As normas do projecto político de democracia pluralista impõem, em particular, que se defina o equilíbrio adequado entre o sector público e a iniciativa privada, garantindo a esta as condições indispensáveis para que a sua criatividade e capacidade de inovação e de investimento sejam plenamente aproveitadas em termos do interesse nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Portugueses:
A autonomia regional dos Açores e da Madeira tem de ser concretizada rapidamente no quadro da Constituição.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
Aplausos do PS, PSD, CDS e Governo.
O Sr. Presidente da República:
- Mas é necessário distinguir o que é a vontade de autonomia do que é frustração, receio, exploração partidária ou ameaça de interesses estrangeiros.
Aplausos do PS, PSD, CDS, alguns Deputados do PCP e Governo.
Para vencer a frustração, importa reafirmar a identidade nacional dos Portugueses no continente e nas ilhas.
Para dissipar o receio, os portugueses dos Açores e da Madeira têm a minha garantia de que nada justifica a exploração que ainda se faz da tentativa totalitária que abalou o continente em 1975.
Aplausos do PSD (de pé), CDS, alguns Deputados do PS e Governo.
Pelo contrário, o projecto autonómico tem agora fácil acolhimento na vontade colectiva da Nação e é um campo privilegiado para a cooperação interpartidária e de todas as forças democráticas e patrióticas.
Na medida em que qualquer ameaça ponha em causa a unidade da Nação, o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas assegura que utilizará todos os meios necessários para garantir a integridade pátria.
Aplausos (de pé) do PS, PSD, CDS, PCP, Governo e Conselho da Revolução.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
No nosso quadro constitucional, as funções e responsabilidades dos órgãos de Soberania estão definidas com flexibilidade bastante para que se possam ajustar a diferentes condicionalismos políticos.
A responsabilidade do Presidente da República impõe que respeite a autonomia constitucional dos outros órgãos de Soberania.
Reciprocamente, devem estes respeitar a autonomia constitucional do Presidente da República, a nenhum competindo apreciar a sua acção.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
Aplausos do PSD e alguns Deputados do PS, CDS, PCP e Governo.
O Sr. Presidente da República:
- Eleito por sufrágio universal, o Presidente da República tira o sentido do seu mandato, directamente, da vontade de quantos nele votaram e que tinham em comum a fidelidade aos valores da democracia pluralista e do Estado de direito capaz de responder às necessidades reais da sociedade portuguesa.
Nesta fase da vida nacional, as principais preocupações do Presidente da República são assegurar o funcionamento pleno das instituições e garantir a existência de alternativas políticas, condição de validade e vitalidade da democracia.
É neste contexto que se deve compreender o conteúdo da confiança presidencial indispensável à legitimidade constitucional de um governo.
Ao Presidente da República importa menos quem governa e mais como se governa.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Não há homens, nem facções, nem partidos, superiores às exigências da Nação.
Vozes:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Há somente homens, facções e partidos que, num dado momento, servem bem ou servem mal a Nação.
Os Portugueses sabem que não serão apenas alterações de pessoas ou de instituições que irão permitir realizar os objectivos de uma vida decente e pacífica, em que a incerteza do futuro não seja uma angústia constante.
Preferem a razão e a prudência à linguagem da emoção e das promessas demagógicas, que, como as do passado, são impossíveis de cumprir.
Vozes:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- É preciso que de aparentes soluções não nasçam outros e mais graves problemas, é preciso que o caminho para a recuperação material e para a ordem cívica não corra o risco de acabar na miséria e no caos.
O Presidente da República mantém a sua inflexível determinação de assegurar, por todos os meios constitucionais, as condições de realização do projecto nacional.
Dos deveres que o povo português livremente lhe impôs, nenhuma incompreensão, nenhum obstáculo, nenhum desafio, nenhum perigo o poderão demover.
Aplausos (de pé) do PS, PSD, CDS, PCP, Governo, Conselho da Revolução e público nas galerias.
O Sr. Presidente da República (Ramalho Eanes):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Deputados, Portugueses:
É difícil imaginar outra data histórica em que o País pudesse mais legitimamente celebrar a liberdade da Pátria e mais justamente prestar homenagem aos que a tomaram possível.
Homenagem às forças armadas, que em 25 de Abril de 1974 restituíram Portugal aos Portugueses, permitindo à Nação que reassumisse a sua dignidade soberana e a direcção do seu próprio destino.
Homenagem às forças militares e políticas que, no 25 de Novembro, repudiando todos os totalitarismos, restabeleceram as condições de construção de um país fraterno e viabilizaram de novo o projecto nacional de liberdade, de democracia e de justiça que impulsionou a intervenção militar.
Homenagem aos que nesta Casa se bateram, em circunstâncias por vezes quase dramáticas, para consagrar constitucionalmente a intenção democrática original e fizeram triunfar sobre os desvios vanguardistas a concepção democrática do Estado, assente no sufrágio universal, na coexistência de diferentes opções ideológicas, no pluralismo político e no respeito da vontade maioritária.
Homenagem, enfim, ao povo português, vencedor real do 25 de Abril e do 25 de Novembro, e vencedor porque criou os pressupostos do êxito do movimento libertador; porque assumiu com confiança e entusiasmo a promessa que as forças armadas lhe fizeram; vencedor porque, quando pôde determinar a dinâmica da revolução, tornou possível o regime democrático de que os órgãos institucionais são expressão e garantia; porque resistiu às ameaças e venceu as confrontações que tentaram impedi-lo de definir livremente a sua decisão de concretizar os ideais de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Portugueses:
Continuamos a viver tempos de confusão e perplexidade.
Trata-se de uma evidência irrecusável no quotidiano dos portugueses: é uma realidade social, determinante e determinada, em que a acção política se exerce.
Mas importa também reconhecer que não nos falta, que não nos faltou, o conjunto de condições indispensáveis à consolidação da democracia e ao desenvolvimento económico do País.
Se a confusão e a perplexidade persistem, e a crise se instala, é sobretudo porque continuamos a não conseguir o que parece e é realmente mais fácil num regime democrático: o entendimento entre os partidos; o compromisso político estável; o exercício consequente do Poder com conhecimento, trabalho, determinação, liberdade e integridade.
Entendimento e compromisso possíveis, dada a existência de objectivos comuns.
Entendimento e compromisso indispensáveis para que a democracia, arduamente alcançada, se vitalize e consolide através da adequação dinâmica das estruturas e instituições às exigências e expectativas do povo português.
Entendimento e compromisso necessários, enfim, para que se atinja a mobilização de todas as forças da colectividade, de modo a enfrentar com êxito a crise e a fundamentar solidamente a posterior recuperação.
Porque falta o que pareceria mais simples, tudo fica ameaçado.
Esquecem-se ou minimizam-se as vitórias democráticas do nosso passado recente.
Os progressos na situação económica, apesar de tudo conseguidos, defrontam uma atitude de reserva, nascida muitas vezes de causas passageiras ou mesmo acidentais.
Subsiste uma tendência generalizada para o desânimo e para a descrença - aliás intencionalmente ampliada com vista a recordar o destino trágico de outras experiências democráticas e liberais da História de Portugal.
Como noutras ocasiões aconteceu, também agora podemos dizer que os mais temíveis adversários da democracia não são os antidemocrática declarados - que não encontram acolhimento entre o povo português -, mas os próprios democratas, quando se deixam prender na teia de conflitos secundários e esquecem o campo real de entendimento que melhor responderia aos interesses de Portugal.
A esperança democrática, que continua viva, tornou-se assim mais vulnerável.
O povo português está cansado de esperar.
Comemorar hoje o 25 de Abril de 1974 exige por isso de todos nós a coragem de enfrentar com clareza os desafios que podemos ganhar.
Que deveremos ganhar, se quisermos ser dignos do que esse dia nos trouxe como promessa de vida em liberdade, como responsabilidade de comportamento democrático e como obrigação do respeito permanente das regras da democracia pluralista.
Sr. Presidente.
Srs. Deputados:
Os fundamentos políticos da nossa democracia estão claramente balizados por duas datas - 25 de Abril e 25 de Novembro.
Elas separam e anulam duas situações que, sendo diferentes, tinham de comum o carácter antidemocrático.
Mas o 25 de Abril e o 25 de Novembro são manifestações integradas de afirmação democrática, que não pertencem a nenhuma entidade, a nenhum grupo ou classe social.
Por muito que pese aos que delas tentaram apropriar-se, para prosseguir objectivos particulares, elas são, de facto, expressões da vontade profunda do povo português.
Compete-nos analisar com serenidade e ponderação esse período de luta pela democracia e de fundação democrática, de modo a encontrar nele rumos de futuro, firmes e portugueses.
Os valores que a esmagadora maioria dos portugueses vitoriosamente defendeu e consagrou nessa altura são a tolerância política, a exigência de democracia pluralista e o consequente exercício das liberdades públicas nomeadamente as de religião, expressão, reunião e associação, a defesa permanente da liberdade individual, o respeito pelas regras da legitimidade e da legalidade democrática e a procura de uma autêntica justiça social.
São em si mesmos, valores que sintetizam e afirmam inequivocamente o civismo político e cultural dos Portugueses.
E são, também, caboucos de qualquer projecto político que queira basear-se na realidade social portuguesa e nela realizar-se em plena liberdade.
Mas nesse período de luta pela instauração de um regime democrático a vontade da Nação afirmou também outros valores mais concretos que, com maior ou menor nitidez, têm orientado a nossa actividade política.
Desses valores concretos apenas sublinharei os que, além de se imporem pela sua actualidade, contribuem para definir os contornos do quadro de possibilidades políticas.
São eles: a defesa da Constituição, como afirmação determinada de democracia, de justiça, de liberdade real, de dignidade cultural e de independência nacional; o estabelecimento do primado do Estado de direito democrático e, por consequência, a imposição firme de todas as suas leis; a afirmação de um projecto de modernização da economia, tendo em vista uma rápida integração na Comunidade Económica Europeia que, só por si, exige a mobilização racional de todos os recursos disponíveis; a garantia dos direitos dos trabalhadores, livremente organizados para defesa dos seus interesses, num quadro de compatibilização com as possibilidades nacionais e com o processo de modernização da economia portuguesa; a defesa de uma política social justa, que corrija os actuais desequilíbrios e salvaguarde a solidez do crescimento económico a médio e a longo prazos; a colaboração democrática entre as instituições, de modo a dar ao sistema coerência e estabilidade e a garantir-lhe eficiência perante as situações de crise; a procura constante de soluções negociadas, para evitar o confronto e o conflito, sem prejuízo do recurso a toda a firmeza democrática sempre que uma divergência de posições ponha em causa interesses nacionais essenciais; a afirmação de uma politica externa aberta que, respeitando e defendendo a nossa especificidade, vise a correcta inserção de Portugal na comunidade internacional, traduzida na integração do País na Europa Ocidental, na co-responsabilização do seu sistema integrado de defesa na participação activa nas diversas instâncias internacionais e na cooperação e amizade com todos os povos do Mundo, dedicando especial atenção ao Brasil, aos novos Estados africanos de expressão portuguesa e aos restante Estados onde se radicaram comunidades portuguesas significativas.
Recordando sem preconceitos estes valores, defendidos em 1974 e 1975, e confirmados nas diferentes eleições que institucionalizaram a democracia, não poderemos deixar de concluir que o quadro resultante é suficientemente claro como balizador da acção política corrente.
Mais ainda:
Este quadro político é tão inequívoco que não admite a alusão a ambiguidades ideológicas nem a permanente reposição de dúvidas sobre os objectivos nacionais.
Apenas exige eficácia política para ser concretizado.
Naturalmente, é de acordo com este sistema de valores, uns globais e outros concretos, que se orienta a minha acção como Presidente da República.
A sua afirmação clara - e repetida desde a campanha eleitoral - leva a olhar com reserva e profunda desconfiança os jogos confusos em que parecem participar, numa estranha aliança, responsáveis de formações democráticas e outras forças que prosseguem fundamentalmente totalitarismos sem regresso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Se evoquei os princípios consagrados pelo povo português é porque considero que a situação presente exige a cada responsável político que explicite com clareza os critérios a que obedece a sua actuação, para que os portugueses possam identificar e compreender as razões que continuam a impedir um esforço de entendimento e de concertação de posições partidárias.
Sempre entendi - e foi esse entendimento que expressei aos Portugueses em 1976, no compromisso eleitoral e na declaração de princípios, quando me submeti à decisão do sufrágio popular -, sempre entendi, repito, que não compete ao Presidente da República substituir-se aos partidos na definição de um programa político concreto, adoptar um modelo de desenvolvimento específico ou optar institucionalmente por um dos diferentes modelos abstractos de sociedade que são propostos à consideração dos Portugueses.
Pelo contrário, considero que é responsabilidade institucional do Presidente dia República interpretar a vontade dos Portugueses nas suas opções eleitorais, reconhecendo que diversos programas e modelos são possíveis no quadro dos valores essenciais que o povo português tem defendido e que já sintetizei.
Em coerência com esta posição constante, tenho orientado a minha acção política por cinco critérios fundamentais: consolidar as estruturas e os órgãos fundamentais do Estado democrático de modo que, no fim da fase de transição que se atinge em 1980, se passe a viver em plena normalidade democrática; aumentar a coesão e a operacionalidade das forças armadas portuguesas, ao serviço da democracia e da independência nacional, e promover a sua correcta e definitiva inserção na nação civil; promover a formação de executivos capazes de apresentar programas de governo que correspondam aos valores essenciais afirmados e defendidos pelo povo português; assegurar o pragmatismo da acção política que as necessidades do País impõem e as possibilidades humanas e materiais determinam; manter como objectivo prioritário a implementação de mudanças nos sectores económicos e sociais que mais importam à construção democrática e à satisfação das esperanças legítimas abertas pelo 25 de Abril.
Estou certo de que as decisões tomadas desde a institucionalização do regime democrático, em particular no que respeita à formação dos governos, corresponderam às exigências decorrentes dos princípios enunciados.
Não sendo clara nem unanimemente reconhecida a vantagem da realização de eleições legislativas intercalares - aliás, até agora irrealizáveis por indisponibilidade de legislação adequada -, sendo indispensável assegurar a continuidade governativa e tornando-se imperativa a existência de executivos aptos a negociar com países amigos programas essenciais à recuperação económica do País, não hesitei em assumir as responsabilidades da função que exerço, recorrendo a modalidades de governo pouco frequentes em regimes como o nosso, mas nem por isso menos democráticas.
Considero que as soluções adoptadas foram as ajustadas ao tempo histórico, inclusive quando a única via que ficava aberta era a formação de governos democráticos extra-partidários que pudessem responder às principais dificuldades do País e oferecessem o tempo de meditação e de negociação de que os partidos necessitavam para superar as suas divergências.
É ainda este o quadro de condicionantes que caracterizam a situação presente, até porque, apesar de eu próprio anunciar a excepcionalidade de solução adoptada, não foram ainda criadas pelos partidos políticos condições que permitam alternativas diferentes.
Mas um tal governo - repito - em nada vê diminuída a sua legitimidade constitucional e democrática.
Dispondo da confiança política do Presidente da República e de aceitação política da Assembleia da República, desde que esta não inviabilize nem o seu programa nem a sua existência, um governo extra-partidário está vocacionado para o exercício de três missões essenciais.
A primeira é governar, no quadro da legalidade existente, com respeito pelas normas de articulação e vigilância política estabelecidas entre os diversos Órgãos de Soberania, procurando, na medida do possível, compatibilizar as diferentes posições que se integrem no sistema de valores por que optou o povo português.
A segunda é assegurar uma continuidade governativa que, como disse, deixe aos partidos o tempo necessário para que encontrem condições de entendimento e de cooperação.
A terceira é não interromper o esforço para criar condições que permitam salvaguardar, no presente e no futuro, a dignidade dos Portugueses e a independência nacional.
Esta terceira missão cumpre-se na aplicação criteriosa dos recursos e medidas de política que melhorem a resposta interna à procura e contribuam para um maior equilíbrio da balança de pagamentos, para a estabilização económica, base da estabilidade política, e por isso pressuposto do aperfeiçoamento da convivência democrática.
Neste triplo sentido, não quero deixar de sublinhar claramente que o actual Governo assumiu objectivos patrióticos de continuidade da acção governativa e de defesa institucional da democracia, e tem tido, como recentemente referi, uma actuação que entendo globalmente meritória.
Por ambas as razões, mantém a minha confiança.
A mera continuação em actividade de um governo extra-partidário significa, naturalmente, que ele é considerado politicamente conveniente pelos partidos representados na Assembleia da República.
O Sr. António Arnaut (PS) - Não apoiado!
O Sr. Presidente da República:
- É evidente que este juízo implica também que o Governo seja considerado politicamente conveniente para o País, dado que seria inadmissível que qualquer partido responsável colocasse os seus eventuais interesses eleitoralistas acima das conveniências e interesses nacionais.
No actual estado de crise, tal comportamento, qualquer que fosse o resultado final, nunca se traduziria em ganhos para a estabilidade das formações partidárias e do Estado democrático.
Por todas estas razões, ao juízo prático sobre a conveniência política da continuidade deste Governo terá de corresponder uma atitude consciente da Assembleia da República no sentido de, sem limitar a sua crítica e a sua fiscalização política, assegurar ao executivo, de modo continuado, os instrumentos necessários à acção governativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
É nosso dever considerar, no plano teórico, as vias políticas possíveis se a Assembleia da República vier a colocar ao Governo obstáculos políticos insuperáveis ou se vier a decidir accionar os mecanismos constitucionais que impeçam a continuidade do actual Executivo.
Uma delas, e que importa analisar com clareza, consistiria na realização de eleições legislativas intercalares.
Independentemente dos custos que a concretização dessa hipótese acarretará para a democracia e para a vida económica, é uma saída legítima e por isso mesmo irrecusável.
Não posso, porém, deixar de sublinhar a eventualidade de o quadro parlamentar não se alterar de modo significativo - pelo menos, de não se alterar de um modo que permita encontrar uma base maioritária sem recurso necessário a um entendimento interpartidário.
A verificar-se tal eventualidade, continuaríamos a ter, depois dessas eleições intercalares, exactamente o mesmo problema com que hoje nos defrontamos.
E ainda que uma composição parlamentar idêntica à actual permita, depois de eleições intercalares, o que até hoje não se atingiu, será difícil compreender porque é que dirigentes políticos conscientes do estado do País e das dificuldades da consolidação democrática não conseguiram concretizar a mesma solução antes da realização de eleições intercalares.
Vozes do CDS e de Deputados independentes ex-PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Nestes termos, e se não se verificar qualquer dos casos que constitucionalmente conduzem à dissolução da Assembleia da República, reservarei a decisão de realizar eleições legislativas intercalares e só a tomarei se e quando entender que ela corresponde, sem qualquer dúvida, ao interesse nacional.
Vozes do CDS e de Deputados independentes ex-PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- É evidente que a ocorrência de novos factos políticos significativos e a vontade maioritária desta Assembleia serão factores de decisão.
Outra solução entretanto possível - e, na perspectiva democrática, mais desejável - consistirá na concretização de alguma modalidade de acordo que assegure à governação a conveniente base parlamentar maioritária, estável e coerente.
É uma solução que nunca deixou de estar posta à consideração dos partidos.
Continuo a pensar que será possível encontrar, em função do interesse nacional, um consenso mínimo das forças políticas e sociais em torno de questões basilares como as seguintes:
Desenvolvimento prioritário das actividades ligadas à produção e distribuição de bem alimentares, que elevem o nível da nossa alimentação e tornem disponíveis meios financeiros para investir em sectores de imediata reprodutividade;.
Vitalização do sector exportador, tornando-o competitivo a nível europeu, de maneira a contribuir para o equilíbrio da balança comercial e para a redução do desemprego;.
Definição e implementação de uma política económica que permita, a médio prazo, o lançamento de actividades que melhor correspondam ao integral aproveitamento dos recursos disponíveis, quer humanos, quer financeiros, quer naturais;.
Utilização, a exemplo de outros países do ocidente europeu, e sem preconceitos ideológicos, das técnicas de planeamento económico e financeiro como instrumentos que, além do mais, possibilitem a fundamentação de uma política de redistribuição de rendimento e o incremento simultâneo do sector público e da iniciativa e actividade do sector privado;.
Definição, no quadro dos objectivos referidos, de modalidades de acordo entre os representantes das forcas económicas e do Executivo, de modo que se possa estruturar em bases seguras a política económica de estabilização e recuperação e, em particular, as decisões empresariais;.
Descentralizar a vida política, com vista a interessar a generalidade dos portugueses na resolução dos seus próprios problemas, para uma responsável e crescente participação democrática na vida da Nação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Os tempos de confusão e de perplexidade que vivemos não decorrem de alterações da opinião política do povo português em relação aos valores essenciais que escolheu.
Melhor do que ninguém o sabem os inimigos da democracia, que, no nosso país como, aliás, em toda a parte, aproveitam as liberdades que o regime democrático lhes concede para explorar as dificuldades de entendimento entre formações democráticas com projectos políticos largamente coincidentes.
Não falta quem utilize, para fundamentar o afastamento, razões que bem melhor justificariam a aproximação.
Os democratas terão de estar atentos a este fenómeno, porque, se aquela situação se pode aceitar como normal em regimes políticos estáveis e clarificados por longos anos de prática democrática, não deixa de ser justificável que apenas gere confusão e perplexidade num povo que durante dezenas de anos acumulou esperanças legitimas e fundamentadas na democracia.
As discussões ideológicas inconsequentes prolongam-se, apesar de a crise continuar sem que se lhe oponha uma resposta organizada, socialmente mobilizadora e politicamente apoiada, mas também tecnicamente fundamentada.
De facto, em todos os países democráticos, crises bem menos graves do que a que vivemos têm justificado a colaboração entre técnicos de diferentes filiações partidárias, que todavia se encontram unidos por uma idêntica concepção global dos interesses nacionais.
Uma preocupação excessiva com as questões políticas tem levado a esquecer que Portugal, devido à limitação dos seus recursos materiais e técnicos, não poderá, sob pena de colapso, dispensar a colaboração aberta e motivada de todos aqueles que podem gerar alternativas fundamentadas e concretizações produtivas.
Neste sentido, temos de retomar o esforço para procurar unir.
onde forem úteis e onde se julgar prioritário, os homens capazes de responder aos grandes problemas concretos que se mantêm e agravam na sociedade portuguesa, de modo que a população portuguesa possa ficar informada das possibilidades reais que o futuro lhe oferece.
Sr. Presidente.
Srs. Deputados:
Tendo presente a minha responsabilidade de garante da legalidade constitucional e das regras democráticas, não posso ignorar que o desencanto e o desânimo atingem já homens íntegros, que sempre se bateram pela liberdade pela democracia e pela justiça social.
Esta nova situação preocupa-me porque representa um agravamento das condições de concretização das promessas do 25 de Abril e do 25 de Novembro, mas interessa-me sobretudo porque me compete assumir a esperança que o povo português depositou na implantação de um regime democrático em Portugal.
Porque não acredito em qualquer fórmula de poder pessoal, nem aceito outro modo de organização da actividade política que não seja o pluralismo democrático, recuso qualquer solução política que se baseie na subalternização dos partidos, na limitação da liberdade de expressão política de forças que respeitem a legalidade democrática ou na imposição militar.
Aplausos do CDS e de Deputados independentes ex-PSD e do Deputado independente Vasco da Gama Fernandes.
Para que nenhuma dessas soluções venha a ser encarada como resposta a uma crise insolúvel, tenho, como representante pessoal e institucional de todos os portugueses até 1981, o dever de utilizar plenamente, desde que necessário, a função que me compete de defesa em última instância do sistema democrático.
Vozes do CDS:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Assim, a permanência de uma situação de afastamento interpartidário e de bloqueamento continuado da acção governativa obrigarão o Presidente da República a uma intervenção política mais intensa.
O Presidente da República terá de cumprir o dever patriótico de contribuir, no respeito do quadro de valores que o povo português defendeu em 1974 e 1975 e confirmou nas diferentes eleições, para a formulação de um projecto de acção que primeiramente visará tornar realizável o consenso possível de partidos e de forças sociais organizadas, mas, em última análise, deverá mobilizar todos os democratas e satisfazer e englobar todos os portugueses.
Estou consciente dos riscos inerentes a esta intervenção política mais activa, designadamente quanto ao precedente que abre na esfera da actuação do Presidente da República e que outros, no futuro, poderão invocar com diferentes finalidades.
Mas não posso menosprezar os perigos com que já hoje se confronta a nossa democracia, nem aceitar que se desenvolvam situações de tensão entre instituições, nem consentir que se iludam as legítimas expectativas dos Portugueses.
O quadro de possibilidades existentes é claro, mas reduz-se dia a dia.
O tempo de que ainda dispomos é assim limitado.
Há que mudar de vida enquanto é tempo.
Termino com uma palavra de esperança e com uma palavra de certeza:
Esperança de que nós, dirigentes políticos em quem o povo português confiou, sejamos dignos do exemplo sólido e mobilizante de consciência democrática dessa fonte do poder;.
Certeza de que o povo português, que em oito séculos sempre soube vencer os desafios e caminhar honrado na História, também agora encontrará as vias realistas e estáveis que lhe permitirão vencer a crise e transformar efectivamente Portugal.
Se quisermos, esta Nação saberá reconciliar-se em torno de um projecto que permita a todos os portugueses viver em paz um futuro mais livre e mais igual, de acordo com as esperanças de Abril que, em conjunto, hoje celebramos.
Aplausos do CDS, dos Deputados independentes ex-PSD (de pé), do Deputado independente Vasco da Gama Fernandes (de pé) e dos Conselheiros da Revolução (de pé), permanecendo de pé durante os mesmos o Deputado independente Galvão de Melo.
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Deputados, Portugueses:
O 25 de Abril é uma data que, sendo digna de comemoração, exige a todos os portugueses uma responsável reflexão política.
Será importante recordar hoje a esperança colectiva que vivemos em várias ocasiões.
Será oportuno ponderar os efeitos das divisões do presente, sobretudo quando elas se manifestam entre os que afirmam defender a democracia.
Mas mais útil será que aceitemos comemorar aqui o 25 de Abril, reflectindo sobre as experiências colhidas no difícil caminho já percorrido.
Um dos traços mais nítidos deste percurso foi, sem dúvida, a intervenção dos militares na vida política.
Compreende-se que esta interferência dos militares nos assuntos políticos tenha sido motivo de preocupação para os democratas.
São poucos, de facto, os exemplos de militares que abdicam democraticamente do poder que detêm para o entregar aos representantes do povo.
Essa preocupação era, como se provou, infundada.
Nascia do desconhecimento das reais motivações dos militares portugueses, que assumiram a responsabilidade solidária de promover esse movimento de liberdade e de democracia.
Durante treze anos, os militares asseguraram a possibilidade de defesa do interesse nacional, oferecendo todas as condições, aceitando todos os sacrifícios, para que fosse encontrada uma solução política adequada para a questão colonial.
O regime que nos governava, na sua lenta agonia, não quis ou não soube aproveitar essas condições.
Já na Índia tinham sido traídos os comandantes militares, a quem o poder político recusara os meios, as instruções, e o apoio que pediram e mereciam.
Os jovens oficiais, a quem foi entregue a responsabilidade urgente de defender as colónias depois de décadas de passividade política, puderam então ver do que era capaz um regime autoritário, que fazia de um ideal nobre uma manifestação de hipocrisia.
As comodidades e a estreiteza de vistas da capital, o jugo da censura e da polícia política, permitiam ao regime fazer esquecer os que combatiam e tudo arriscavam para que se encontrasse uma solução que satisfizesse interesses que, durante muitos anos, eram efectivamente conciliáveis.
O movimento dos militares que conduzirá ao 25 de Abril não se desenvolve para acabar com as guerras: coloca frontalmente a questão de saber se há ou não solução política para essas guerras, se há ou não vontade dos responsáveis para assumir uma decisão que sabem ser inevitável.
O poder político de então prefere optar pela desistência - pela sua própria entrega e abdicação -, incapaz de aceitar ou de propor uma alternativa política convincente.
O movimento militar de 25 de Abril não quer o poder político.
Defende a instauração da democracia, a justiça social, a solução política para as guerras coloniais, mas não deseja o poder político para os militares.
Bem pelo contrário, são os mais diversos interesses políticos que procuram usar e instrumentalizar os militares, com objectivos que nada tinham a ver com a democracia e com a liberdade, mas apenas com a intimidação e a conquista do Poder por meios ilegítimos.
Este é um período que não será esquecido.
Os militares recordam que, ao serem politicamente instrumentalizados, deixaram que fosse ameaçada a coesão, a disciplina e a independência da instituição, a que pertencem por uma escolha que é voluntária e impõe um compromisso ético que não pode ser traído.
Os militares recordam que essa instrumentalização política os leva ao confronto, ameaçando a sociedade que devem defender e colocando Portugal à mercê de interesses alheios.
Certos os ideais de Abril, a sua defesa teve de continuar em 25 de Novembro, para que terminasse a divisão das forças armadas e findassem os apelos à intervenção militar.
Sendo o 25 de Novembro a reafirmação da democracia pluralista nas palavras e nos actos, é, também, a recusa do militarismo e a resposta firme àqueles que, esquecidos do que combatiam, se assemelhavam no momento da vitória aos seus adversários, na vontade totalitária da opressão e da destruição.
Para homens de menos escrúpulos e menos confiantes no povo e na democracia, teria sido fácil então a aventura pretoriana.
Em alguns, terão mesmo ficado a germinar desejos desse poder sem limites.
Não foi essa a escolha da instituição militar, em coerência com os compromissos assumidos em 25 de Abril.
Não há, hoje, problemas políticos criados pela instituição militar.
E o processo de normalização culminará, de modo natural, na revisão constitucional que consagrará a inteira devolução do Poder, real e formal, aos representantes da vontade popular.
Mas se, sob qualquer pretexto, as questões partidárias forem de novo transportadas para a instituição militar, com a divisão, a partidarização e a criação de condições de confronto entre militares instrumentalizados, a resposta de todos os que na defesa da democracia pluralista se empenharam sem tibiezas será bem clara - política e democraticamente tão clara como o foi em 25 de Novembro de 1975.
Estes são pontos de honra da minha concepção política, valores que orientaram e hão-de orientar as minhas decisões, razões fundamentais dos compromissos irrevogáveis que assumi perante o nosso povo, o povo português, e em relação à democracia em Portugal.
Um outro traço marcante, que define o objectivo principal do percurso realizado nestes anos, é a consolidação das regras e do funcionamento das instituições democráticas.
Conhecendo o significado das ditaduras, os verdadeiros democratas sabem que a democracia é sempre obra incompleta e ameaçada, pois nunca aceitará degradar-se ao ponto de perseguir ou silenciar os seus adversários, já que não pode ter inimigos.
Mas não há democracias parciais ou democracias vigiadas.
Há, ou não há, vivência democrática, respeito pelas regras essenciais que definem a legitimidade, sem sofismas de propaganda nem manipulações de opinião.
Por isso, não nos será difícil retirar da nossa experiência a conclusão de que a maior ameaça à consolidação da democracia será sempre a falta ou a insegurança de regras constitucionais que, tornando incerta a legitimidade, favorecem a ambição do Poder sem limites e sem ética.
Fizemos também a prova de que há forças bastantes para resistir aos antidemocratas, qualquer que seja o quadrante em que se situem, e de que, se estiver efectivamente assegurada a liberdade de informação, será sempre possível uma eficaz pedagogia política, oferecendo ao povo português as condições necessárias para que ele possa fundamentar livremente - repito, livremente - a sua escolha.
Ficou igualmente bem claro, ao longo destes anos, que mais importante do que a luta pelo Poder é o exame ponderado dos problemas e a procura de soluções estáveis e seguras.
O poder político de nada serve se não estiver orientado para esse fim e se não houver, quanto às soluções, um consenso social bastante para impedir as discussões menores e as divisões paralisantes.
Por isso, continuarei a defender e a promover as soluções que mereçam o consenso democrático, condição indispensável para a segurança dos cidadãos e para a estabilidade das normas que impedem o uso autoritário do Poder.
Um terceiro traço característico da nossa evolução política encontra-se no processo de ajustamento e de recuperação económica, que tem constituído um dos mais importantes aspectos de debate político.
Debate que tem sido feito esquecendo o ponto de partida - o Estado e a viabilidade do nosso sistema económico em 1974.
A economia confrontava-se então, como sabem, com uma tripla vulnerabilidade:
Na balança de pagamentos, por efeito da primeira alteração do preço do petróleo, apesar de ocorrida no último trimestre de 1973, o equilíbrio das contas estava destruído, desfazendo um dos mitos basilares da propaganda do regime;.
A fortíssima concentração do poder económico constituía um factor de evidente fragilidade, não só porque diminuía a eficiência de resposta à crise, mas ainda porque permitia fácil ataque político;.
As importantes distorções na distribuição de rendimentos limitavam fortemente as possibilidades de resposta à crise com apoio no mercado interno e tornavam as variáveis económicas muito sensíveis às justas acções reivindicativas dos trabalhadores, que viam o seu poder de compra drasticamente diminuído.
É neste contexto que deve ser analisada a evolução económica após o 25 de Abril - as alterações radicais decididas, a sua discutível oportunidade e racionalidade, a deficiente avaliação técnica e política da maioria das medidas fundamentais, o clima de desconfiança e de insegurança alimentado nos gestores e investidores, a crise de produtividade acompanhada por sensíveis alterações na distribuição de rendimentos.
Não teria de ser assim se tivesse havido a serenidade bastante para realizar, com oportunidade, as reformas e as políticas que a instauração da democracia e o diálogo entre pessoas de diversas ideologias permitiam aprofundar.
Apesar de tudo, passados os anos, verificamos que não se confirmaram as previsões pessimistas que os economistas, mesmo os mais moderados, apresentavam e que foi possível reorganizar a economia portuguesa em novas bases, mais coerentes do que aquelas que existiam em 1974.
Devemos isso a uma extraordinária capacidade de sacrifício dos Portugueses e à efectiva adaptação de muitos empresários e gestores, que souberam enfrentar as dificuldades com ponderação e serenidade.
Sublinho estas duas realidades porque elas têm sido sistematicamente esquecidas no calor do debate político e ideológico.
Por outro lado, o processo de normalização da actividade económica processou-se em ligação estreita com a normalização da democracia pluralista e com a clarificação das regras que oferecem estabilidade e segurança.
A publicação de legislação regulamentadora da actividade económica, baseada na procura do consenso e do equilíbrio, permitiu anular ou reduzir dúvidas e ambiguidades, demonstrando que era possível a cooperação entre concepções programáticas que puderam convergir no essencial.
Considero que os resultados obtidos, que finalmente se traduziram numa recuperação económica significativa, demonstraram a validade de uma concepção de política económica que concilia os princípios da economia de mercado com a procura de soluções negociadas que satisfaçam a justiça social e os imperativos de desenvolvimento.
Empenhei-me na defesa destes princípios.
Continuarei a defendê-los e procurarei evitar que eles sejam adulterados ou iludidos por afirmações demagógicas.
O importante processo político e legislativo de consolidação das autonomias dos Açores e da Madeira é outro dos marcos fundamentais do caminho já percorrido desde o 25 de Abril.
Por certo, o princípio da autonomia, no quadro amplo em que é definido na Constituição, não teria sido possível, nem mesmo concebível, sem o espírito de Abril e sem a instauração democrática.
O reconhecimento da realidade nacional portuguesa, implicando a noção das diferenças sem romper a unidade no que é essencial, exige a abertura de concepções e a defesa de direitos regionais que só a democracia pode garantir.
Por isso, não poderia haver uma real prática autonômica sem uma efectiva vivência democrática.
E também não haveria democracia completa se não fossem contempladas as aspirações de povos que, sendo inquestionavelmente portugueses, apresentam um quadro de vida e cultura que lhes confere uma identidade específica.
A autonomia é, ainda, um valor essencial para a definição consistente do Estado Português.
De facto, sem a flexibilidade que é permitida pelo estatuto amplo de autonomia, a integridade da Pátria Portuguesa estaria sob permanente ameaça.
Uma vez cortado o vínculo nacional entre o continente e as regiões, por acção de poderes adversos, explorando o fácil pretexto da falta de lealdade na concessão de autonomia, estaria desencadeado o processo que arrastaria os homens e as mulheres dos Açores e da Madeira à subordinação a interesses alheios.
O meu constante e inequívoco empenhamento no processo autonómico resulta de o considerar um programa urgente em múltiplas perspectivas: no plano histórico, porque esse é um compromisso do 25 de Abril; no plano político, porque essa é uma consequência da democracia e, como tal, prevista na nossa Constituição; no plano nacional, porque a integridade do Estado Português tem como uma das suas condições a efectiva realização dos objectivos da autonomia.
Continuarei, assim, a desenvolver todos os esforços para que a autonomia encontre rapidamente a concretização necessária em todos os seus aspectos.
Em plano semelhante, não posso deixar de apontar a política de descentralização regional como um dos pontos fulcrais da vida nacional dos últimos anos.
Também este objectivo seria irrealizável num regime autoritário, que precisa do contrôle exercido da capital para poder assegurar as fidelidades políticas que o sustentam.
Aqui, como na autonomia, só a vivência democrática oferece as condições para romper com o hábito de séculos, que faz da distribuição das benesses locais uma fonte de contrôle político e um meio de submissão das populações.
Por uma compreensível precaução de realismo no plano orçamental, os passos que se desejou dar na direcção do reforço dos poderes locais não foram tão nítidos quanto as expectativas criadas, sobretudo ao nível legislativo, poderiam justificar.
Mas os compromissos assumidos pelo poder democrático reforçam a minha convicção de que não serão dados passos atrás neste projecto essencial, com profundas raízes na nossa tradução municipalista.
O último aspecto marcante destes seis anos, a que me referirei, é o que se reporta ao posicionamento geopolítico, económico e estratégico de Portugal e à expressão da sua política externa.
Terá sido este o domínio político em que ocorreram maiores transformações.
Do país colonialista e internacionalmente isolado, que era repudiado no Mundo e combatido em África, sem poder contar com o apoio dos aliados tradicionais, Portugal tornou-se num país respeitado, uma pequena potência que tem um papel a desempenhar no Mundo e que não se pode limitar a ser o instrumento passivo dos interesses alheios.
Mais do que isso: muitas das suas potencialidades no campo da cooperação internacional, no âmbito bilateral ou multilateral, esperam ainda o seu pleno desenvolvimento; já que estes últimos anos nada mais permitiram - nem poderiam permitir - do que atingir um posicionamento adequado no plano externo e, de um modo mais preciso, no eixo das relações entre a Europa e a África.
Também neste plano, a democracia, a descolonização e a assunção do princípio da universalidade das relações permitiram a Portugal a abertura de horizontes que lhe estavam completamente vedados.
Importante será que este percurso muito positivo não sofra as consequências de orientações inseguras e movidas por preocupações de índole conjuntural, que podem afectar a credibilidade de Portugal no Mundo e os próprios interesses nacionais.
É está, aliás, uma condição essencial do reforço da nossa posição no quadro político da Europa, de que somos e deveremos ser parte integrante.
Inseridos na Europa por motivos políticos, culturais, económicos e sociais, desenvolvendo nos últimos quatro anos um processo, seguro e realista, de negociações para a nossa entrada na Comunidade Europeia.
Esta decisão implica a mobilização dos Portugueses e o empenhamento dos agentes políticos, económicos e sociais, o que passa necessariamente por um completo esclarecimento da opinião pública.
Trata-se de uma decisão política de fundo que implica, para ser válida, uma grande responsabilidade de negociação e uma indispensável capacidade de resposta da Administração portuguesa e a necessária reorganização do aparelho produtivo nacional, sem o que a nova autonomia de decisão e o próprio desenvolvimento económico e social poderão ser afectados, com prejuízo óbvio para Portugal e sem vantagem significativa para a Europa.
Na verdade, a integração de Portugal na Comunidade Europeia apenas será útil para ambas as partes se Portugal mantiver e desenvolver aquilo que é específico da sua posição na Europa, seja em termos das relações económicas normais, seja em termos das afinidades históricas e culturais e, em particular, da sua capacidade de diálogo com os países da expressão portuguesa.
Por isso, este vector da nossa política externa, prioritário desde a primeira hora após a institucionalização democrática, exigindo resposta eficaz e organizada dos Portugueses, implica, também, que não se subalternize, bem pelo contrário, que se reforce a posição e o prestígio que Portugal já hoje detém em África, no Mundo árabe e na América Latina.
Desta ligação estável e justa depende, em grande parte, a autonomia económica de Portugal e das suas empresas no quadro altamente competitivo da Europa, como o comprova o largo conjunto de interesses que empresas portuguesas puderam já assegurar em diversas zonas do Mundo, em consequência da abertura política oferecida pelo 25 de Abril.
Mas dessa ligação depende, também, o interesse da função que Portugal pode desempenhar na Europa, que o mesmo é dizer que dela dependem, em medida substancial, as condições mais ou menos favoráveis das negociações de adesão, dos apoios que pudermos receber e das contrapartidas que viermos a prestar.
Para o êxito desta política de credibilidade internacional muito tem contribuído a nossa participação crescente no âmbito do sistema das Nações Unidas, nomeadamente no Conselho de Segurança, na UNESCO e noutros organismos especializados, e a seriedade com que temos satisfeito os nossos compromissos internacionais.
A nossa participação na Aliança Atlântica, que corresponde aos interesses de defesa da Europa e da democracia pluralista, reforçada pelas condições políticas criadas pelo 25 de Abril e consolidadas depois do 25 de Novembro, assumiu a sua plena coerência com a institucionalização do regime democrático.
A posição de Portugal é bem explícita: enquanto houver blocos militares na Europa, Portugal pertencerá à NATO.
A clareza e a autenticidade da expressão da nossa política externa reconduziu-nos a uma posição de parte inteira a todos os níveis da cooperação atlântica, ao mesmo tempo que permite intervir, na medida das nossas possibilidades, em favor do desanuviamento, da paz e da segurança internacionais.
A credibilidade entretanto adquirida dá-nos a possibilidade de contribuir também para a conciliação de interesses entre zonas de economias desenvolvidas e de regiões com recursos naturais de significativa importância em termos de desenvolvimento económico e social, orientação política que deverá ser entendida com realismo e com a determinação de se afirmarem interesses recíprocos.
É nesta perspectiva que se deve compreender o meu empenhamento em criar com os países de expressão portuguesa uma cooperação duradoura e permanente, isenta de ambiguidades ou falsas promessas ou quaisquer hipotecas.
Dentro das competências que a Constituição me confere e de acordo com o que a defesa do interesse nacional obviamente impõe, não deixarei de conjugar todos os esforços para que estas linhas de política externa sejam efectivadas e desenvolvidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
O período que decorreu desde o 25 de Abril é muito curto, demasiado curto, para realizar tudo o que então se desejou.
Mas foi suficiente para que se realizasse mais do que muitos acreditaram possível.
Seria fácil dizer que, do programa então apresentado, se cumpriu tudo o que era possível na sociedade portuguesa, tudo o que o povo português quis que fosse realizado.
Mas não basta dizer isso.
A responsabilidade dos dirigentes políticos exige muito mais do que a repetição destas conclusões óbvias.
Em 25 de Abril de 1974 concretizou-se uma ruptura na sociedade portuguesa.
Não há retorno possível à situação anterior, às regras e aos modelos mentais que definiam a eficácia do poder e a sua manutenção num regime assente em processos autoritários.
A ruptura histórica, política e social marca o início de uma dinâmica democrática.
Numa sociedade democrática, as eleições, os partidos, os sindicatos, as associações empresariais e as outras realidades vividas da liberdade de expressão e de associação defendem em si mesmas e por si mesmas a continuidade da democracia, tornando inúteis as tentativas dos que ainda transportam sonhos ou vocações autoritárias, como ficou provado em 1975.
E como tornaria a ser provado se idênticas tentativas surgissem, no futuro, independente da sua origem ou natureza.
Assegurada a institucionalização democrática, consumado o corte com o passado ditatorial, deixou de haver lugar para o conceito de ruptura.
Em democracia não há rupturas.
Há alternância de partidos e de concepções no poder.
Será sempre na garantia de alternância que a democracia encontrará a sua principal defesa contra as vocações autoritárias.
Ao contrário da ditadura, não precisamos de alimentar o mito de uma revolução que continua.
Apenas temos de verificar que a democracia continua.
Esta é a verdadeira vitória do 25 de Abril, o objectivo que uniu os Portugueses há seis anos.
Mas é possível, e até compreensível, que muitos portugueses confrontem as realidades com as expectativas criadas em Abril de 1974.
A observação fria dos factos conduzirá, porém, a uma conclusão não pessimista sobre a nossa capacidade colectiva.
Os problemas que os Portugueses tiveram de resolver, neste curto período, foram graves e muito complexos.
Enquanto outros países europeus dispuseram de duas décadas para realizar os seus programas de descolonização, Portugal foi forçado a encontrar as soluções possíveis em pouco mais de um ano, sofrendo o impacte considerável que representou a integração de centenas de milhares de desalojados.
Enquanto na Europa a fase principal das nacionalizações e da reorganização das relações económicas se processou imediatamente a seguir à guerra, com o apoio do Plano Marshall e com as populações preparadas para os sacrifícios, Portugal suportou esse processo no quadro de uma intensa luta política e num ambiente social de grandes expectativas de consumo.
E se é certo que vivemos várias crises políticas, não é menos verdade que elas não foram, nos seus fundamentos e nas suas manifestações, diferentes das crises que, ao longo de trinta anos, deram forma às actuais realidades políticas e partidárias dos países da Europa Ocidental.
Foi muito o que se fez.
Mas não basta para que se encarem com despreocupação os próximos anos.
Resistimos eficazmente aos primeiros embates da crise económica, mas as dificuldades que se apresentam no horizonte internacional serão, certamente, ainda mais graves.
Os problemas económicos, nos quais a crise de energia se conjuga com um surto inflacionista mundial, com a perturbação das regras do comércio internacional e com a transição para novas tecnologias produtivas, são condicionamentos inevitáveis de qualquer programa político.
A crise dos equilíbrios mundiais, tanto nos planos político e militar como no plano económico, provoca situações de elevada tensão e pode rapidamente evoluir até ao conflito.
Esta é uma ameaça evidente que, se não for encarada com firmeza, serenidade e ponderação, destruirá as sociedades e o quadro de relações em que o progresso é possível.
Nestas perspectivas, a incerteza será a característica principal da década de 80.
Novas realidades, novas relações, novas coordenadas de acção, estão em rápida gestação e desenvolvimento.
A nossa capacidade de as compreender e de para elas encontrar as respostas adequadas compromete o futuro e até a vida dos nossos filhos.
A resposta interna depende da solidez do consenso nacional.
Consenso que implica a renúncia a soluções radicalizantes e bipolarizadoras que, inevitavelmente, gerariam situações de conflito permanente e agravariam os factores de crise.
Seria impossível esperar obter uma resposta, eficaz e oportuna, para uma crise que é complexa e global, se a nossa sociedade estiver tão dividida que seja incapaz de se entender para as tarefas essenciais.
A necessidade de reforço da organização democrática não é apenas consequência da convicção de que a democracia é a forma superior de ordenamento da actividade política.
Essa actividade é, também, um imperativo inerente à consciência da gravidade da crise que temos de enfrentar.
Por isso, não deixarei de defender o debate responsável orientado para as ideias, para os projectos e para os programas concretos, não deixarei de insistir na procura permanente do consenso eficaz, de modo que se atinja, com segurança, com determinação e sem sobressaltos, a resposta nacional oportuna.
Este consenso nacional indispensável há-de encontrar uma tradução adequada no plano político.
Não penso que seja difícil a conjugação dos elementos e das formações partidárias à volta do regime democrático saído do 25 de Abril e do que ele representa em termos de justiça e paz social, segurança e bem-estar.
Esta é a resposta natural em democracia.
Esta é a resposta que não deixará de ser formulada pelos que recusam os extremismos e as vias autoritárias.
Nada mais é necessário para que se opte pela negociação aberta e pelo esclarecimento público das divergências superáveis e para que se aceite a dinâmica normal em qualquer sistema político democrático.
As democracias europeias, longamente experimentadas, mostram-nos que é possível e necessária a construção de núcleos centrais democráticos estabilizadores, capazes de neutralizar os extremismos.
Na história recente da Europa há indicações suficientes sobre a conciliação possível das concepções políticas democráticas que o 25 de Abril quis viabilizar.
Precisamos de estar bem conscientes de que poucas alternativas há, mesmo só no domínio das ideias, a esta conjugação do consenso nacional com o consenso político.
Não devemos esquecer que a gravidade dos problemas e a consequente instabilidade social podem alimentar em alguns a tentação da autoridade como um fim em si mesma, ainda que, com o pretexto de melhor organizar o esforço colectivo.
É um engano e, a ser tentado, estará condenado à desilusão.
Nenhum povo oprimido, nenhuma sociedade dividida, poderá responder com oportunidade às solicitações exigentes da crise.
O que temos para fazer, neste quadro de dificuldades, tem vindo a ser clarificado ao longo dos últimos anos.
Por isso mesmo, não poderemos deixar de reforçar o que de positivo existiu no caminho percorrido, nas vias experimentadas e nos ensinamentos que dos seus êxitos e dos seus fracassos já recolhemos.
Também por isso, continuará a ser um objectivo constante a recusa da militarização da vida política, porque nem os militares têm vocação institucional para a interferência nos consensos políticos, nem a democracia é compatível com a pressão de instituições que não são políticas e tudo têm a beneficiar com a sua posição de estrita independência.
Precisamos de clarificar, nos pontos onde ainda algumas dúvidas pertinentes possam subsistir, as regras da nossa organização económica, prolongando um trabalho seguro, ponderado e estabilizador de normalização das relações económicas internas.
A via seguida terá de continuar a ser a de assegurar a cooperação, sem privilégios especiais, dos agentes empresariais do Estado com os agentes empresariais privados, de modo que se consiga garantir, com estabilidade e sem incertezas, em verdadeira segurança, o maior benefício colectivo.
Para que a liberdade valha a pena ser vivida é necessário perspectivar aos Portugueses condições de vida mais favoráveis.
O desenvolvimento económico tem de ser um objectivo mobilizador para todos os trabalhadores, em especial para os jovens, que têm sido os mais afectados.
Seria inaceitável que a democracia impusesse sacrifícios sem limites, fechasse os horizontes, destruísse a convivência entre as gerações e perdesse a generosidade dos jovens e esquecesse ainda as aspirações de regresso de milhares de compatriotas nossos que no estrangeiro fazem a sua com dificuldade.
Para que se garantam a estabilidade e a segurança, teremos de encarar a oportunidade de revisão constitucional com a preocupação de nela consubstanciar o resultado da experiência recolhida e a manifestação do consenso nacional.
A Constituição de 1976 foi aprovada por mais de 90% dos representantes do povo português.
E por razões de verdade histórica não posso deixar de chamar a atenção dos Portugueses para as posições assumidas pelos partidos políticos perante o II Pacto, nomeadamente pelos partidos com maior representação parlamentar, o PSD e o PS.
Como Lei Fundamental, que determina as condições de legitimidade, deverá ser revista, como em qualquer país democrático, tendo como objectivo a sua actualização.
Mas deve ser preocupação imperativa não tornar essa revisão e as novas normas constitucionais um objecto de luta política constante.
Não se pode concordar com o paradoxo político de fazer da Lei Fundamental, que deverá estabilizar e normalizar o comportamento democrático, o tema e o pretexto principal de divisão política, de contestação e de instabilidade.
Por isso, também aqui - mais aqui do que em qualquer outro domínio -, importa preservar e estimular o consenso nacional e assegurar a articulação adequada entre o consenso nacional e o consenso político.
A pedagogia democrática, baseada na difusão cultural, na defesa intransigente da liberdade de expressão e de informação e no direito à livre afirmação de opinião política, continuará a ser a fonte das energias sociais necessárias as respostas nacionais oportunas.
Por isso, não será nunca admissível que quem invoca ou exerce o poder democrático dele se pretenda servir.
Nem será aceitável que os meios de comunicação social, que devem ser o suporte da razão democrática, sejam pervertidos para se colocarem ao serviço de objectivos e de interesses particulares.
Não há democracias nem pátrias defendidas quando as populações são mantidas na ignorância ou afastadas das questões de fundo por sofismas e por manipulações da verdade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Os programas exigidos pela situação e pelo nosso compromisso consciente com a democracia pluralista são simples.
Apenas precisamos da humildade suficiente, o que é natural em democracia, para esquecer as posições rígidas e procurar, confiadamente, o consenso nacional que está ao nosso alcance.
Podemos assim comemorar o 25 de Abril de 1980 com a confiança de quem acredita na vocação democrática de uma nação de mais de oito séculos e no anseio cristão de justiça, que deve fazer de Portugal livre a pátria-mãe de todos, mas de todos sem excepção, os Portugueses.
Aplausos do PSD, do PS, do PPM, do MDP/CDE e dos Deputados reformadores.
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Ministros, Srs. Deputados, Portugueses:
Comemorar Abril como aqui fazemos, na presença, responsável e consciente, dos representantes legítimos do nosso povo, não é um acto de rotina imposto pelo calendário ou aconselhado pela memória, ainda muito viva, de acontecimentos históricos recentes.
Comemorar Abril, como hoje fazemos, é um acto político que a todos vincula e nos relaciona, de modo simbólico, com os períodos da história de Portugal em que o poder esteve nas mãos do povo, em que a legitimidade para o exercício desse poder foi transmitida pela decisão livre dos Portugueses, em que o julgamento das decisões políticas foi feito em liberdade e no reconhecimento de uma legalidade colectivamente assumida e respeitada.
Comemorar Abril é, também, afirmar conscientemente o compromisso de recusar todos os modelos e propostas de autoritarismos, todas as formas antidemocráticas de exercício do poder político, todos os desvios às exigências do sufrágio directo e universal.
Comemorar Abril, continua a ser compreender o valor exacto dos dispositivos políticos que permitiram manter e defender as soluções de equilíbrio, como experiência bem sucedida e como orientação para o futuro, assim se retirando os pretextos àqueles que pretendem, ou venham a pretender, pôr em causa o nosso rumo democrático.
Passaram sete anos sobre a data que iniciou, para todos nós, uma era de esperança, de responsabilidade, de cada um, na construção do futuro colectivo, de verdade e de capacidade criadora, afirmadas sem os limites impostos pela censura, pela polícia política, pelos arranjos da conveniência decididos por uma pretensa aristocracia política criada e apoiada na ditadura.
Nessa data já distante, foi sem dúvida significativa a unidade verificada nos objectivos políticos expressos, formando-se considerável consenso entre as linhas políticas da proposta dos militares e os programas dos partidos que então se legalizaram e vieram a constituir-se, podendo expressar livremente as suas concepções.
Nem sempre esse consenso inicial resistiu aos incidentes e acontecimentos da nossa complexa evolução política.
Mas a verdade é que, apesar de tudo e ao contrário do que muitos receavam ou previam, foi possível defender a vitalidade da nossa democracia e a instituição militar soube manter-se fiel ao seu compromisso de devolver, aos eleitos pelo povo, por inteiro e sem artifícios, o poder que transitoriamente detiveram.
Houve desvios, sem dúvida, à pureza de alguns princípios.
Em diversas ocasiões, as realidades políticas acabaram por se sobrepor à vontade de se encontrar a melhor solução para a defesa do interesse nacional e dos valores democráticos.
Soube-se resistir quando foi necessário.
Soube-se confiar na sabedoria e consciência dos Portugueses.
Soube-se confiar no valor dos compromissos e na força superior da democracia e dos democratas.
Nem tudo o que era possível foi feito.
Muito menos o que era desejado.
Mas o exame sereno dos acontecimentos e da sua evolução mostrará que situações muito difíceis foram enfrentadas com êxitos sem que fossem prejudicados de forma definitiva interesses nacionais.
No domínio económico, onde muitos esperavam a catástrofe, os Portugueses, trabalhadores, técnicos e empresários, mostraram a sua capacidade para enfrentar uma crise complexa que, em grande medida, provinha de factores que nos eram externos.
Não obstante, foi possível alterar, em curto prazo, as tendências negativas e criar condições satisfatórias de recuperação.
No plano externo, Portugal soube defender as condições da sua independência e pôde afirmar, sem equívocos, a fidelidade às suas alianças e compromissos políticos, assumindo a plena integração política na Europa e mantendo, no quadro de interesses comuns e de benefícios para a Europa, relações de amizade e de cooperação com Estados em diversos continentes e, em especial, com os povos dos Estados africanos de língua oficial portuguesa.
Não seria fácil, em qualquer circunstância, defender e afirmar uma posição clara no contexto internacional instável em que já então vivíamos.
Menos fácil foi consegui-lo: o contexto do fim da guerra colonial, da descolonização, de crise económica, de instabilidade política interna e de alguma falta de confiança, interna e externa, quanto à nossa capacidade para resolver, em liberdade e em democracia pluralista, todos os nossos problemas.
No plano político, as crises superadas, por vezes bem difíceis, são a melhor prova da vitalidade da nossa democracia e demonstram cabalmente que nunca se chegará ao erro político irreparável quando se confia na maturidade política de um povo.
Por isso, podemos retirar desta exigente experiência política a convicção firme de que a defesa e afirmação do pluralismo democrático, onde forçosamente se inclui a plena expressão da descentralização e da autonomia regional, é valor que jamais se pode pôr em causa se queremos comemorar Abril na afirmação da esperança que em todos nós fez nascer.
Também por isso, comemorar Abril é continuar Abril.
Em primeiro lugar, compreendendo, plenamente, que nessa data se estabelece um corte com um passado que é radicalmente diferente, nas suas condições políticas, nos seus horizontes, nos seus modos de conceber e executar as medidas políticas.
Não se assume o poder democrático para realizar o programa da ditadura.
A legitimidade democrática, justificada na confiança que se alimentou nos eleitores e na qual se fundamenta a delegação de poder político, impõe uma responsabilidade que em nenhuma circunstância pode ser traída, sob pena de destruir o valor essencial que os cidadãos atribuem à democracia e à relação democrática que estabelecem ao decidir o sentido do seu voto.
É neste quadro que se afirma, sem margem para dúvidas ou para interpretações tendenciosas, a responsabilidade solidária dos órgãos de soberania, a sua solidariedade institucional.
Nascidos da decisão eleitoral dos Portugueses - e só dela, com o fim do partido de transição -, os órgãos de soberania assumem uma obrigação de colaboração, não só na defesa indiscutível do interesse nacional, mas também na construção das bases sólidas do consenso que resultam do reconhecimento e do respeito das suas diferenças.
Não só no plano constitucional, mas também, e sobretudo, no plano político.
A solidariedade institucional é uma prova de responsabilidade democrática e não um mero artifício de conjunturas, que seria útil invocar apenas quando fosse conveniente e sempre para compensar qualquer deficiência de apoio político.
A solidariedade institucional é, sempre, o consenso político necessário entre aqueles que recebem a legitimidade democrática na qual se fundamentam o seu poder e a sua responsabilidade.
Em qualquer caso, a solidariedade institucional terá de se considerar incompatível com os desejos de hegemonia e com as vontades da subordinação.
Os órgãos do poder afirmam-se no exercício das suas competências porque para isso receberam, dos eleitores, os direitos e deveres que a Constituição determina.
E afirmam-se sobretudo nos períodos difíceis e complexos da crise e da instabilidade, na procura dos consensos possíveis e eficazes, porque essa é também uma exigência do comportamento democrático e da defesa dos interesses dos Portugueses e de Portugal.
As responsabilidades partidárias, distintas no grau, não são diferentes na essência.
Dos partidos se espera a contribuição democrática essencial de estabelecer as concepções políticas e programáticas, de defender os interesses sociais específicos que representam, de fundamentar as alternativas que permitem o dinamismo político, a vitalidade democrática, as soluções para as crises, a concorrência eleitoral.
Os partidos são base da democracia, modos de exercício da liberdade política, condições de consciencialização dos cidadãos, agentes do poder ou da oposição.
Os partidos afirmam-se pelas suas diferenças, pela sua vontade de negociação e pela sua capacidade de formação de alternativas.
Contudo, também os partidos se obrigam a um consenso essencial, a uma solidariedade democrática na defesa da liberdade, da legalidade, do pluralismo e da independência dos Portugueses.
Este consenso essencial é indispensável para continuar Abril.
Noutro plano, a existência e livre expressão organizada dos interesses sociais, independentes dos partidos e dos órgãos de soberania, asseguram que as forças sociais possam defender, no quadro da legalidade, os objectivos próprios de vastos grupos que se identificam pelas relações de trabalho, actividade profissional ou posição na organização da sociedade.
É nesta diversidade de órgãos de soberania, partidos e organizações sociais, relacionadas por uma mesma vinculação essencial à democracia pluralista e ao respeito da legalidade, que está o sentido da esperança nascida em Abril.
O futuro depende de todos nós e não da imposição autoritária de qualquer vontade que se quisesse considerar à margem do pluralismo democrático e do julgamento, inapelável porque afirmado em liberdade, de todos os portugueses.
Continuar Abril é o único modo de dar sentido à esperança.
Por isso se comemora uma data afirmando a nossa confiança no futuro, a nossa certeza de que os Portugueses saberão realizar Abril.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados:
Sabemos hoje que as posições extremadas ou utópicas não são o caminho mais eficaz para unir os Portugueses e para os orientar nas tarefas necessárias da modernização e do desenvolvimento.
Sabemos, pela experiência inequívoca recolhida, que só é possível enfrentar os desafios colectivos com realismo, no conhecimento cuidado da nossa sociedade, dos seus defeitos e das suas virtudes, dos seus modos de funcionamento, das suas potencialidades, dos meios mais adequados de promover a iniciativa e a inovação.
Sabemos, também, que os modelos tradicionais, simplistas na imagem que oferecem das relações complexas das sociedades modernas, estão em crise.
Por tudo isso, a acção política, entendida como orientação da colectividade e como resolução dos problemas, só tem real sentido democrático se for realizada em justiça, em equilíbrio, num espírito de solidariedade, pois só assim se poderá aspirar à estabilidade política e à aceitação social das decisões.
A recusa dos dogmatismos é a atitude necessária dos que são capazes de assumir a flexibilidade responsável, e dos que sabem expor a verdade sem demagogia.
Este é o contexto em que adquirem toda a importância, e se apresentam como realidades imediatas, os valores fundamentais e indissociáveis da democracia pluralista, da liberdade, da solidariedade social, da justiça, da dignidade do homem e da defesa da identidade nacional.
Este é o quadro de realizações em que se desenham as grandes metas políticas do nosso futuro próximo.
E, antes do mais, impõe-se a organização dos meios necessários e das condições de afirmação das nossas capacidades criadoras, desenvolvendo as actividades que continuam abertas à expressão dos interesses e das potencialidades dos Portugueses.
Não o conseguiremos, ou não o conseguiremos rápida e eficazmente, se não soubermos promover e defender o realismo nas medidas políticas, a sua adequação às realidades humanas e sociais do nosso país, aos estímulos e motivações do nosso povo.
Também para isso, será necessário informar os Portugueses com verdade e qualidade, condição essencial para que se forme uma opinião pública motivada e que corresponda à convicção, certamente adquirida por todos, de que as distorções da informação estão condenadas, mais tarde ou mais cedo, ao fracasso.
Procurar, em todas as circunstâncias, os consensos políticos no que for essencial é uma exigência da responsabilidade democrática em pluralismo inteiramente assumido.
Mas esses consensos, para terem validade e coerência, não podem esquecer a exigência democrática inerente ao respeito consciente das legitimidades, primeira de todas as realidades políticas e regra indiscutível das imposições do sufrágio.
Garantir a flexibilidade dos órgãos do poder, reforçada no rigor das políticas propostas, e justificada no conhecimento das realidades nacionais, regionais s autonómicas é uma condição indiscutível para a existência do diálogo que dê consistência e segurança à estabilidade social, ao desenvolvimento da descentralização, ao aprofundamento das autonomias regionais.
Tudo será no entanto frágil e se manterá ameaçado se não soubermos estimular uma produção cultural, viva e actuante, com manifestação em todas as dimensões da vida colectiva.
Promover a cultura é, sobretudo, trabalhar para a modernização e para o desenvolvimento, é ainda preparar os Portugueses para as mudanças e transformações que a crise do presente torna inevitáveis.
E, em igual plano de exigência, se tem de colocar a afirmação da independência nacional que impõe, para defesa dos nossos interesses, a continuidade da nossa determinação no projecto de integração europeia.
Esta é uma condição de afirmação da nossa identidade como povo, das nossas relações históricas com povos de outros continentes e das nossas vocações próprias na rede das relações económicas internacionais.
Todas estas metas se inter-relacionam, de múltiplos modos, na obra essencial que nesta Câmara os Srs. Deputados irão desenvolver a propósito da revisão constitucional.
Todos os portugueses esperam que, como noutros momentos de grande significado político, o realismo prevaleça e a Constituição revista possa ser, como sempre deve ser, o mais forte traço de união entre os democratas entre os Portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
As dificuldades dos problemas que defrontamos e dos objectivos que nos propomos são reais.
Mas essas dificuldades existem mais em nós próprios do que nos acontecimentos, nas condicionantes materiais ou nas evoluções desfavoráveis que nos vêm do exterior.
Já demonstrámos que temos capacidade de criação e de trabalho para recuperar de uma grave crise económica, com sacrifício, mas também com eficácia e real apoio social.
Já demonstrámos que sabemos resistir às ameaças à democracia pluralista.
Já demonstrámos que a ponderação, o realismo, a defesa do consenso, a afirmação da verdade e da isenção são reais factores de união entre os Portugueses.
Aos que persistem em não aceitar a verdade dos factos, a carência de visão e de coragem política dos responsáveis pelo poder autoritário e desejam o retorno ilusório ao que já não existe, respondemos com o que já realizámos, em conjunto, em liberdade, em democracia.
Cometemos erros, sem dúvida.
Perdemos tempo também.
Mas o que fizemos, bem e mal, foi realizado em liberdade e em democracia, ou seja, pela nossa própria vontade, com as nossas mãos e as nossas capacidades criativas.
Na experiência acumulada, encontramos os fundamentos comprovados do que é específico no nosso modelo político de democracia pluralista.
Essa experiência, que integra os ensinamentos que outras democracias pluralistas aconselham, não esquece as indicações que a nossa história nos dá quanto às razões dos fracassos de outros modelos democráticos em que, no passado, os Portugueses depositaram as suas esperanças.
Concebido em modelo diferente, o nosso regime democrático mostrou já ter uma vitalidade política na formação de alternativas; e demonstrou um entendimento do valor da liberdade que o tornam bem diferente do constitucionalismo monárquico do século passado e da I República.
Comemoramos Abril, continuando-o para realizar a sua esperança.
Agora, num plano de maior responsabilidade e de maior exigência, mas sempre em conjunto, solidários no nosso compromisso com a liberdade e a democracia.
Essa é a condição para que possamos honrar aqueles que nos legaram o seu exemplo de luta pela liberdade e de confiança total nos Portugueses.
Com a próxima revisão constitucional daremos, enfim, sentido pleno à acção dos que, sendo militares, permitiram a democracia e contribuíram para a sua consolidação e, sendo patriotas e democratas, sabem retomar a sua missão, silenciosa mas firme, de salvaguardar a nossa soberania.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Assim seremos capazes de responder, no plano das orientações políticas, às exigências impostas pelas capacidades do nosso povo que, vezes sem conta, mostrou saber, como poucos, entender e praticar a democracia, aceitar os sacrifícios das crises, redobrar de vontades nas tarefas da recuperação e do desenvolvimento.
Assim faremos o futuro que justifica o presente e dignifica o passado.
Essa foi, e é, a esperança de Abril, que é necessário realizar.
O Sr. Presidente da República (Ramalho Eanes):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Deputados, Portugueses:
Estamos a viver tempos difíceis.
Para muitos, tempos de desilusão e de frustração, porque não encontram o resultado das promessas em que acreditaram e que a liberdade e a democracia justificam.
De nada servirá pretender ocultar o desânimo e as críticas que, por todas as formas, nos são transmitidas.
Aqueles que, na vontade do povo, encontram e assumem a sua legitimidade têm a obrigação indiscutível de reconhecer os factos tal como eles são.
Esta é uma condição elementar de realismo.
Mas é também essencial que todos responsáveis democráticos assumam a verdade e as dificuldades, sem o disfarce da propaganda nem o da manipulação ideológica.
Só assim o apoio que recebem numa eleição é, como todo o poder em democracia, uma realidade contingente, dependente da capacidade que mostrarem ter para além desse momento eleitoral.
É também obrigação de todos os democratas não perder o sentido das perspectivas política e histórica em que se perfilam as reais dificuldades que se vivem no presente.
Ao contrário dos candidatos a ditadores, os democratas recusam a promessa de absolutos, as críticas demagógicas, a viciação deliberada das realidades históricas.
Em democracia somos todos responsáveis.
Por isso, são indicadores claros de que é preciso rever atitudes e decisões, os tempos difíceis que vivemos, os sinais de indefinição que se acumulam no nosso futuro, o desencanto e a perda de esperança que já se verificam em diversos comportamentos sociais.
Estes indicadores dizem-nos que é preciso afirmar o sentido da negociação e do entendimento, mostram-nos que é urgente refazer a esperança, enfrentando os desafios sem fraquezas, com competência e com honestidade.
São estes os objectivos essenciais do 25 de Abril, são estes os valores constantes do 25 de Abril, é esta a mensagem orientadora do 25 de Abril para o nosso futuro.
Não se justificaria continuar a comemorar esta data se o seu significado ficasse confinado ao acto, localizado no tempo, do derrube de um regime autoritário, moralmente indefensável, socialmente injusto.
O que hoje comemoramos não é o fim da ditadura, mas sim a afirmação da liberdade, da responsabilidade democrática, da solidariedade social.
O que hoje comemoramos é a afirmação de uma moral política onde a justiça, em todos os seus domínios, não seja um mero artifício de linguagem que encobre a vontade de opressão e de exploração.
O 25 de Abril prometeu e realizou, pela obra colectiva de todos os portugueses, a institucionalização da democracia política, devolvendo a cada cidadão a liberdade na acção política e a legitimação do poder de cada um, através do seu voto, em sufrágios livres e respeitados.
É essa a conquista real que continuamos a comemorar, homenageando os homens e as mulheres que a realizaram e que a prolongam no futuro.
A democracia que hoje vivemos, fundada em 25 de Abril e legitimada pela vontade dos Portugueses, reflecte-nos a imagem exacta do que somos, com as nossas virtudes e os nossos defeitos, com as nossas limitações e as nossas potencialidades.
Não há sedução política em democracia que recuse a legitimação do Poder pelo sufrágio livre e universal, que não entenda o exercício do Poder no respeito pela regra da alternância.
Nesta mesma perspectiva, não há solução política que não aceite a responsabilidade nacional que os detentores temporários do Poder assumem, ao se comprometerem em não criar situações artificiais ou irreversíveis, com o objectivo de viciarem as condições e os pressupostos da expressão da vontade eleitoral.
Na consciência da importância destas regras do comportamento político está o resultado principal da fase de transição, prevista na Constituição, e que termina agora, depois, de cumprido o seu objectivo.
Como foi constitucionalmente consignado, a fase de transição permitiu normalizar as relações democráticas, criando todas as condições para que se possa proceder a uma revisão constitucional esclarecida, politicamente informada, que seja um factor real de estabilidade.
Realizaram-se as condições necessárias à normal integração das forças armadas nas instituições democráticas.
Contra o que muitos receavam ou previam, as forças armadas souberam cumprir o seu compromisso com o 25 de Abril, contribuindo de modo significativo para a realização dos seus objectivos essenciais e obedecendo, com rigor e com dignidade, aos valores da ética que responsabilizam os militares nas suas funções nacionais.
O Conselho da Revolução, instituição transitória do nosso sistema de órgãos de soberania, soube cumprir a sua missão constitucional sem nunca criar qualquer condicionalismo que ultrapasse o período de vigência da sua responsabilidade.
Recordando o poder efectivo de que dispôs, com uma legitimidade constitucional indiscutível, deve-se sublinhar a moderação que sempre soube ter nas suas decisões e o modo como soube respeitar as indicações da vontade eleitoral.
A contribuição do Conselho da Revolução para a normalização da instituição militar e para a estabilização das relações democráticas ainda poderá ser um tema polémico, sujeito como está aos efeitos das diversas tentativas de utilização que foi objecto este órgão de soberania político-militar.
Uma maior distanciação histórica e uma maior serenidade na apreciação dos seus actos virão provar que a sua difícil e complexa missão foi cumprida no quadro que a Constituição lhe atribuiu.
Durante este período de transição também foi possível reduzir às suas exactas dimensões as propostas políticas radicais, demonstrando-se, pela força dos factos, que nem tinham acolhimento eleitoral suficiente, nem eram susceptíveis de realização.
A função dos partidos, como organizações indispensáveis na actividade política em pluralismo, é reconhecida pelos Portugueses, que sabem hoje quais são as suas potencialidades e as suas condições de funcionamento.
Competindo-lhes a concepção de programas políticos, a apresentação e defesa de alternativas nos confrontos eleitorais, competindo-lhes o exercício do poder e afirmação da oposição em respeito pela legitimidade do voto, são os partidos responsáveis pela criação de condições de expressão política dos cidadãos.
Do rigor com que cumprirem essa sua obrigação depende, em medida essencial, a vitalidade da nossa democracia, porque esta só existe quando os cidadãos se reconhecem na acção e nas decisões dos partidos em que votaram.
Os equilíbrios institucionais estabelecidos entre os órgãos de soberania, assentes no princípio da solidariedade institucional, garantem que o Poder só se exercerá com respeito pela expressão da vontade eleitoral em todas as suas manifestações e com todas as consequências que delas decorrem.
As organizações representativas de interesses sociais puderam exercer a sua actividade no quadro das condições legais previstas, o que certamente lhes deu a oportunidade de aferirem o realismo das suas propostas, o grau de adesão que souberam motivar e a adequação existente entre os seus princípios orientadores e as vontades, que afirmam representar.
Neste novo espaço de acção política integram-se como fundamentos estruturais do nosso Estado democrático a afirmação do valor constitucional das autonomias regionais e o reforço das condições políticas da sua plena realização no quadro dos interesses nacionais e em defesa das legítimas aspirações das populações insulares, bem como o processo de descentralização efectiva e participada do Poder.
Em suma, a normalização da vida política, conseguida durante a fase de transição, assegura que estão reunidos, no plano formal, todos os valores definidores da democracia e garante que eles serão confirmados e reforçados com a revisão constitucional que se encontra em fase de conclusão.
A revisão constitucional, logo que concluída com respeito pelas suas normas legais, será a tradução formal do fim do período de transição.
Não representa, em si mesma, uma alteração política essencial, pois nunca esteve na Constituição a razão real dos nossos problemas concretos.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PCP.
Mas é o sinal simbólico situado, repito, no plano formal da maturidade da nossa vida política.
Por isso mesmo se espera encontrar aí a tradução política do caminho consensual, a manifestação de uma vontade política que está consciente das suas possibilidades e a ponderação dos limites que a todas as concepções são impostos pelo facto de sermos uma democracia.
A revisão constitucional tem, portanto, os seus parâmetros essenciais perfeitamente balizados, tanto no quadro legal como no quadro político.
Não há, assim, motivo para que se duvide da capacidade da Assembleia da República para cumprir, com rigor e com rapidez, este seu mandato expresso e imperativo de rever a Constituição, para que nenhum obstáculo exista, no plano formal, à afirmação da nossa maturidade política e à evolução natural das suas soluções.
Nem sempre, no entanto, os progressos realizados nas dimensões formais da política encontram uma imediata correspondência nas realidades concretas, na vivência quotidiana, na resolução eficaz das dificuldades.
Mas são, sempre, uma condição necessária para que a evolução política se possa processar em perfeita conformidade com o que é normal e límpido em democracia.
O que é normal em democracia é que exista da parte de quem exerce o Poder um esforço determinado para superar diferenças, quando se verifica a continuidade e o agravamento das dificuldades, porque é necessário que não se desperdicem os meios de acção conjunta e a participação interessada dos cidadãos.
Compete, em primeira linha, aos responsáveis partidários apreciar a situação que vivemos e, respeitando os interesses sociais que representam, propor as soluções políticas que consideram adequadas.
É desejável que da apreciação das soluções políticas que se apresentam, ou que se admitam como possíveis venham a resultar condições de maior eficácia na nossa acção política.
Tudo se deve fazer nesse sentido, porque é essencial evitar mais perdas de tempo, de meios e de confiança dos Portugueses.
Mas se esse resultado desejável não se confirmar, o que é límpido em democracia é que a clareza das alternativas se apresente quando o agravamento das situações indiscutivelmente o exige.
Teremos então de confiar que essa clareza e o rigor das alternativas políticas permitam aos Portugueses, pelos modos constitucionais adequados, expressar a sua vontade.
Este quadro de possibilidades que se abre no plano político não pode ser separado da preocupante evolução económica e dos seus efeitos na vida dos Portugueses.
Seria ilusório e injusto esperar dos responsáveis políticos a solução instantânea de todos os nossos problemas, sobretudo quando, como acontece no domínio económico, as dificuldades internacionais exercem uma significativa influência.
Contudo, é legítimo e é necessário exigir desses responsáveis a explicação regular do caminho que estamos a seguir, do sentido exacto das medidas propostas e dos esforços que desenvolvem para criar uma base de entendimento alargada sobre essas questões vitais.
As nossas deficiências estruturais não encontraram ainda a resposta determinada, de conjugação de esforços privados e públicos, sem saudosismos nem complexos, que a democracia exige.
A orientação da política económica tem estado, por vezes, condicionada por argumentos de ordem eleitoral, tornando insegura a linha de rumo e subordinando as decisões económicas às particularidades da evolução política geral.
Os comportamentos de muitos agentes económicos afastam-se de considerações de longo prazo, optando pela exploração de oportunidades momentâneas ou circunstanciais, invocando a inexistência de um horizonte estável e a falta de apoios indispensáveis.
Neste quadro de carência de motivações, de crise de confiança nas nossas próprias capacidades e de insegurança, perdem-se oportunidades reais, esgotam-se esforços vocacionados para o desenvolvimento, generaliza-se uma atitude de impotência perante as dificuldades e o risco.
Esta é, em si mesma, uma atitude preocupante que os indicadores estatísticos confirmam.
Mas é uma situação tanto mais grave quanto se verifica no contexto da negociação da nossa adesão à Comunidade Económica Europeia, objectivo nacional que mereceu um largo consenso político e que tem de ser sustentado por uma vida económica dinâmica e afirmativa.
De facto, o que deveria ser um desafio estimulante para as nossas capacidades e um quadro racionalizador de atitudes e de decisões pode transformar-se num novo motivo de divisão e de dificuldade.
A evolução verificada no plano da política social geral não é menos preocupante.
As limitações materiais que neste domínio se colocam são condicionantes indesmentíveis.
Mas não se pode esquecer que a justiça social e o sentido da solidariedade, valores indiscutíveis em qualquer sociedade moderna, são valores orientadores que se devem respeitar, quaisquer que sejam as limitações que os meios determinem.
Não se exigem soluções perfeitas, mas espera-se uma atitude política comprovadamente orientada pela justiça e pela solidariedade social, uma atitude que não confunda a limitação dos meios com a criação de novas desigualdades sociais.
Essa atitude de procura da justiça e de respeito pela solidariedade é ainda mais necessária quando se pede aos cidadãos o esforço, o sacrifício e a criatividade que são o capital humano da transformação económica.
É nos períodos de dificuldades que os responsáveis políticos melhor revelam as suas verdadeiras capacidades e intenções.
Também por isso é nesses momentos que maior atenção devem prestar à dimensão social da sua política, para que não se perca, no desinteresse e na desmobilização, mais do que se poderia vir a ganhar na eventual contenção dos custos.
Em qualquer caso, o êxito destas políticas não se pode separar do sentido mais geral do consenso político, da atitude de diálogo e de entendimento que se souber imprimir ao exercício do Poder.
Essa é a indicação da história política da Europa, que não podemos deixar de considerar como indicador precioso dos caminhos que queremos percorrer.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Portugueses:
Vivemos, de facto, tempos difíceis.
São tempos que não permitem continuar a repetir muitas das promessas eleitorais, que a realidade se encarrega de reduzir à sua verdadeira dimensão.
São tempos onde o valor e o rigor das atitudes se devem sobrepor à facilidade das palavras.
São tempos que devem exigir uma meditação serena quanto à validade dos processos e das políticas gerais adoptadas.
Em democracia não é aceitável a passividade e o imobilismo, como não pode haver hesitação na exigência de honestidade, de rigor, de competência, de integral dedicação ao respeito da liberdade e do direito de expressão.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS, de alguns deputados do PSD, do PCP e do Sr. Deputado Luís Coimbra, do PPM.
Hoje, quando vivemos tempos difíceis, poderíamos recordar os êxitos importantes que também obtivemos, prestando a nessa homenagem merecida a todos os que para eles contribuíram.
Desses êxitos fica a certeza de que eles foram conseguidos sempre que houve uma vontade determinada de consenso, de confiança na qualidade dos homens e na sua capacidade de entendimento, de respeito pelos portugueses, aceitando todas as implicações das suas opções políticas.
Por isso, devemos recordar que em democracia o caminho da negociação, do entendimento e do debate responsável está sempre aberto.
A democracia portuguesa será continuada e a resposta eficaz às nossas dificuldades será encontrada por todos aqueles que souberem percorrer esse caminho, confiantes que é o único que merecerá o apoio dos Portugueses.
Este é o desafio maior que o presente a todos coloca.
Também para ele temos resposta, na mesma atitude e na defesa dos mesmos valores que nos permitiram vencer outros desafios.
Estamos certos de que saberemos superar as dificuldades para, no essencial, se responder àquilo que, no seu conjunto, os Portugueses exigem e merecem, ver concretizado.
Aplausos do PSD, do PS (de pé), do CDS, do PCP (de pé), da UEDS (de pé) e do MDP/CDE (de pé)
O Sr. Presidente da República (Ramalho Eanes):
- Srs. Deputados, não esquecerei a natureza desta sessão.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Representantes de Países Estrangeiros, Sr. Chefe do Estado-Maior-General das Forcas Armadas, Srs. Deputados, Portugueses:
Comemoram os Portugueses mais um aniversário do 25 de Abril, hoje com um significado especial.
Perfaz 10 anos a democracia.
Constituindo um marco politicamente significativo na vida e no sentido dos Portugueses, seria um momento adequado para que de novo se falasse do fim do regime autoritário, da democracia renascida, da descolonização efectuada, das profundas modificações operadas na sociedade portuguesa, e se louvasse enfim a paz, a liberdade, a democracia e o reencontro da Nação portuguesa com a comunidade internacional.
Se o fizesse não seria polémico, não chocaria as boas consciências e, provavelmente, não me voltariam a acusar de falta de clareza nas minhas intervenções.
Resisti a essa tentação ao pensar que uma parte significativa da juventude portuguesa não viveu, ou se viveu não sentiu, o regime anterior.
Resisti a essa tentação ao pensar no que vai ser o 25 de Abril de 1984 dos portugueses que se debatem no seu quotidiano com carências acrescidas - a atingir, por vezes, o limiar de uma sobrevivência digna.
Resisti, também, ao pensar nos empresários e nos trabalhadores que, contribuindo com seriedade para a construção do nosso futuro colectivo, se encontram confrontados com aqueles que, de forma expedita e ilegítima, vão enriquecendo rapidamente, sem capacidade para um trabalho sério, sem esforço honesto, sem aceitar o risco que outros têm de suportar.
Resisti, ainda, porque acredito que «a primeira categoria da consciência histórica não é a memória ou a lembrança; é o anúncio, a expectativa, a promessa».
Considerei assim mais útil, no presente, propor aos Srs. Deputados e aos Portugueses, uma reflexão conjunta, e mesmo uma autocrítica, sobre estes 10 anos da nossa vivência colectiva.
Dir-se-á, certamente, que as dificuldades que vivemos em Portugal também são vividas um pouco por todo o mundo.
E com razão se poderá invocar o papel de relevo dos bloqueamentos herdados do regime anterior e dos efeitos da crise internacional na nossa difícil situação.
São verdades que julgo incontroversas, mas não deixarão de concordar que elas não correspondem a todos e nem tudo justificam.
Estas são verdades que não satisfazem, por exemplo, a nossa juventude, que, vivendo em paz, em liberdade e em democracia - valores inestimáveis, sem dúvida - se confronta hoje com dificuldades múltiplas, designadamente de emprego, não tendo, por isso, mobilizadores horizontes de vida.
Em boa verdade nenhuma razão, por mais objectiva que seja, será por si suficiente para justificar o tempo perdido, as energias dispersas, a falta de rigor, que nos têm afastado do progresso, da modernidade e vêm contribuindo para fragilizar a afirmação da nossa independência.
As comemorações do 25 de Abril, para além do ritual próprio das cerimónias, não se podem esgotar numa solene evocação histórica.
E mesmo as mais sinceras declarações de intenção não podem fazer esquecer o que ainda se não fez e está ao nosso alcance realizar.
No plano político, o recurso exagerado à palavra, ainda que com a dignidade do discurso, pode ser, e é muitas vezes, um sintoma preocupante.
Os discursos não podem, nem devem, substituir o balanço nem o projecto que o País de Abril prometeu ser verdadeiras mutações, para um futuro em tudo consentâneo com os grandes valores culturais do nosso povo e capaz de garantir e consolidar a paz, a liberdade e a justiça para todos.
É hoje inevitável reconhecer aquilo que, há muito, alguns têm defendido, embora sem encontrar eco inteiro na decisão política.
A transição para um modelo de desenvolvimento feito com compreensão de todos os mecanismos desta crise persistente, no plano interno e externo, impõe uma acção sistemática sobre o nosso sistema produtivo.
O restabelecimento estrutural do equilíbrio sobre o exterior, a alteração dos meios, métodos e instrumentos de trabalho, a reorganização e o controle do sistema financeiro, a preparação global, integrada e permanente da nossa juventude e de toda a nossa população activa, a par da defesa de um sector privado apoiado e dinâmico e de um sector público responsável e competitivo, são condições indispensáveis à modernização da nossa economia.
Impõe, complementarmente, a descentralização da decisão política, através de uma relação dinâmica e cooperante entre o poder central e o local, cabendo àquele a definição dos programas globais e dos sectores estratégicos de desenvolvimento.
Srs. Deputados:
O problema político essencial na presente situação só tem a ver com as responsabilidades da democracia, os interesses dos Portugueses e a resolução dos seus problemas concretos, devendo ser alheio aos atritos políticos, lutas pelo poder ou projectos personalizados.
E quando os problemas concretos se agravam continuamente, as eventuais vitórias na luta pelo poder são apenas vitórias pessoais mas nacionalmente inconsequentes.
Reflectir Abril de 1974 é não só rememorar o que se fez e o que se deixou de fazer, mas recordar também o que nessa data ocorreu.
O 25 de Abril existiu para que as questões nacionais fossem conhecidas de todos os portugueses, para que a inteira consciência dos factos e dos condicionalismos pudesse levar a comunidade a enfrentar colectivamente os desafios e a chegar assim às respostas adequadas e mobilizadoras.
O 25 de Abril existiu para que a palavra dos dirigentes políticos retratasse a verdade dos factos, delineasse e mostrasse o rigor das decisões e respeitasse sempre a vontade livre de todos os portugueses.
Há 10 anos, o povo sentia que o regime autoritário tinha caído.
Nos palácios, alguns havia que se preparavam para continuar a desempenhar o seu papel na cerimónia do poder.
Temos a estrita obrigação democrática de manter bem abertos os palácios para que a legitimidade que recebemos do voto livre dos Portugueses se não degrade em oportunismos de acção que adulterem as regras democráticas e a estabilidade das suas estruturas essenciais.
É sabido que nenhuma ameaça antidemocrática se perfila no nosso horizonte próximo, o que nos confere o tempo necessário para revermos atitudes e posições.
Cabe-nos reconhecer que, por vezes, seguimos caminhos errados, que prometemos o que não sabíamos como cumprir, que nos enganámos nos diagnósticos das situações, que nos iludimos na esperança de que haveria soluções fáceis para os problemas do País.
10 anos é um período muito curto para avaliar as potencialidades de um regime político.
Depois de um regime autoritário que se impôs por meio século, seria difícil que 10 anos fossem suficientes para absorver as suas consequências e os seus bloqueamentos, para colocar o País numa via segura de modernização e progresso.
Mas 10 anos são um tempo longo se for apreciado na perspectiva dos erros cometidos e que são responsabilidade de todos os dirigentes políticos, de onde naturalmente me não excluo.
A nossa democracia entra agora numa fase vital e decisiva, não porque exista qualquer ameaça antidemocrática, mas sim porque já não há espaço para novos erros, já não é possível ceder à inércia do mais cómodo e do mais fácil.
Trata-se de definir e de realizar, clara e firmemente, um projecto que, sendo realista, possa estimular vontades e mobilizar energias.
Um projecto que, viabilizando o imediato, tenha igualmente como objectivo o médio e o longo prazo, um projecto que, fazendo-nos aproveitar das experiências alheias, seja realmente nosso no seu carácter, nos seus objectivos e, até certo ponto, nos seus anseios.
Um projecto de esperança mobilizadora de todos os Portugueses, que fortaleça a democracia, realize o bem comum nacional e cumpra a universalidade do nosso destino histórico.
Srs. Deputados, Portugueses:
Termino, com a consoladora certeza de que se não formos nós capazes de realizar esse projecto «o povo encontrará sempre maneira de vir à tona da História».
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente da República (Ramalho Eanes):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, as minhas primeiras palavras são, naturalmente, de testemunho pelo valor e pela dignidade da instituição parlamentar, na memória desse acto da democracia portuguesa que há 10 anos representou a eleição da Assembleia Constituinte.
Ficou então estabelecida, como regra legitimadora das instituições políticas representativas, a decisão dos Portugueses expressa no sufrágio livre e universal, num quadro de pluralismo político.
Ficou igualmente definida a natureza democrática dos objectivos políticos que, perante os Portugueses, justificara a acção dos militares em 25 de Abril de 1974.
Movimento Militar que, desde a primeira hora, tinha como princípio orientador fundamental a devolução à Nação dos valores da liberdade, da democracia e da dignidade.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas, Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, Portugueses:
O 25 de Abril representou o momento e o tempo inadiáveis da realização de um projecto nacional, de árdua maturação, pelo qual personalidades diversas se bateram e que, em boa verdade, uma geração já antes conscientemente assumira na essencialidade dos seus pressupostos culturais e dos seus objectivos nacionais.
É geração de todos os que se recusaram a ser herdeiros passivos do autoritário Estado Novo.
Nela se integravam todos aqueles que se negavam a ser continuadores de uma minoria restrita, sem legitimidade política nacional, obstinada em confundir os seus desígnios com a sobrevivência e o futuro do País.
A motivação essencial dessa geração tinha as suas raízes na defesa da maneira histórica de ser e de estar no mundo dos Portugueses e na consciência da necessidade de modernização da nossa sociedade traduzida nos valores de liberdade, de solidariedade e de abertura.
E foi a generosidade dessa mesma geração que a levou a considerar desejável não desperdiçar as energias da Nação, assegurando esse propósito através de uma transição gradual do regime autoritário de então para um novo quadro de pluralismo e de democracia política, que reduzisse a interferência administrativa e o peso burocrático que limitavam a autonomia dos agentes económicos e dos parceiros sociais, e que tornasse possíveis regras de justiça na regulação das tensões e dos desequilíbrios sociais e regionais próprios de uma sociedade em mudança.
Tratava-se também de um projecto que, na ordem externa, implicava o renascimento da vocação universalista de Portugal e que passava, necessariamente, pela resolução do problema do Estado dos territórios coloniais num quadro de autodeterminação e de independência.
A coerência desse projecto impunha a abertura de Portugal ao Mundo, mantendo, naturalmente, a nossa inserção no sistema de segurança ocidental e o nosso apoio privilegiado nos países europeus, por razões sociais, económicas e culturais, e como factor adicional a reconstrução dinâmica de relações especiais com as comunidades portuguesas e com os países de expressão oficial portuguesa.
Tratava-se, assim, de um projecto cujo sentido liberalizante e democrático se mostrava realisticamente ajustado ao tempo e à sociedade portuguesa.
Não o soube entender a crispação imobilista e arcaica dos responsáveis políticos do momento.
Por desígnio, por inércia, o regime de então foi incapaz de aceitar e de prever outra solução que não fosse a da sua própria continuidade.
Recusou outro tempo de mudança que não fosse o seu próprio, e este, perto do fim, media-se já - todos o sentiam - apenas por dias.
O 25 de Abril surge assim como um momento de ruptura política tornado inevitável pelas tentativas frustradas de liberalização do regime anterior.
Essa ruptura é personalizada num punhado de militares que tinham compreendido, também por experiência pessoal de uma guerra já sem sentido, a natureza definitiva dos impasses do mesmo regime.
E ganha rosto, igualmente, nos milhares de portugueses que acorrem a confraternizar com os militares nas ruas de Lisboa, nas ruas do País.
Representando, embora, o termo e o abandono definitivos de uma experiência insucedida, esta não deixou de contribuir formativamente para a consciencialização de uma geração que melhor ficou a conhecer a natureza e as expressões do poder autoritário.
A esse insucesso caberá, também, uma parte da responsabilidade pela dinâmica revolucionária que se instalou a partir de 1974.
Contudo, não se perdeu com o 25 de Abril, a orientação essencial do projecto, apesar das inevitáveis perturbações resultantes da explosão compreensível das expectativas sociais, da ressurgência das ideias revolucionárias, da perda de autoridade e capacidade do Estado e da instrumentalização da instituição militar.
E foi na força da adesão do povo português aos propósitos desse projecto que, em boa verdade, se inviabilizaram as hesitações autoritárias e se neutralizaram as ofensivas totalitárias que se sucederam à intervenção militar.
É ainda na sua clara assunção popular que se justificam os resultados da eleição de Abril de 1975, demonstrando que esse projecto correspondia ao consenso dos Portugueses.
Os condicionalismos do nosso acesso ao regime democrático estabelecem que a democracia não é somente uma regra de legitimação das instituições representativas, mas ainda um modelo em que se institucionalizam equilíbrios e conflitos entre forças e interesses distintos e autónomos.
A transição do autoritarismo para um regime de democracia pluralista ficou, em suma, a dever-se ao empenho de uma geração que para o seu projecto encontrou indiscutível apoio popular.
Tratando-se de um projecto-propósito teve mesmo assim capacidade para iniciar e gerir um difícil e complexo processo de descolonização.
É certo que não dispôs de força suficiente para que a política de descolonização se realizasse com a normalidade indispensável à satisfação razoável e equilibrada dos interesses nacionais.
Nem por outro lado, conseguiu assegurar a consecução de um quadro de unidade nacional e de desenvolvimento continuado que propiciasse a estabilidade económica e política nos novos estados.
Não se pode, contudo, esquecer que a descolonização, tardiamente realizada, teve lugar num contexto internacional negativo, manifestado, aliás, na escalada e internacionalização dos conflitos da descolonização com uma intensidade imprevista, o que mais paralisou a capacidade de acção de Portugal, limitando o pleno exercício da sua função na transmissão das novas soberanias.
Apesar de todos os erros e anomalias foi também possível minimizar sequelas e impedir que atitudes de impaciência, de resignação ou comportamentos irresponsáveis alterassem a vitalidade dos dados permanentes que motivam e justificam a persistência de uma posição de abertura de Portugal perante os Estados africanos de expressão oficial portuguesa.
E foi até possível alicerçar nesses mesmos dados a vontade de restituir às relações bilaterais um quadro de solidariedade e de desenvolvimento que exprime, no respeito pela respectivas soberanias, o sentimento de responsabilidade que nos ficou de uma História comum.
É certo que a dimensão principal da posição internacional de Portugal se modificou.
Outro tanto se passou, naturalmente, com os novos Estados africanos.
A inserção internacional de um e outros é cada vez mais determinada pelas dinâmicas dos espaços geo-estratégicos em que se integram.
A compreensão das novas realidades não é, no entanto, uma razão para diminuir a prioridade atribuída às relações bilaterais.
Pelo contrário, esses condicionamentos representam um estímulo adicional para o seu desenvolvimento, em que os interesses nacionais respectivos se articulam com a especificidade própria que resulta das afinidades de língua e de cultura.
Neste sentido, os pressupostos do projecto nacional, a procura de um modelo estável para as relações de Portugal com os novos estados africanos, aliados à alteração da dimensão da política internacional portuguesa, expressa na sua orientação europeia, permitem recuperar a nossa vocação universalista e afirmar o nosso estatuto próprio entre as nações.
A política de adesão às comunidades europeias, que marcou sem interrupção o nosso percurso democrático desde 1976, tem igualmente as suas raízes profundas na visão da geração que tinha como objectivos a modernização da sociedade portuguesa, privilegiadamente através da descolonização e do desenvolvimento compensador das relações com os países industriais, constituindo, assim, uma alternativa para a posição externa de Portugal.
É, pois, uma posição e uma atitude programática a que preside à representação do pedido de adesão comunitária de Portugal, a partir do momento em que o seu estatuto como democracia se impôs perante o conjunto dos países membros.
Não se trata, pois, nem de uma inevitabilidade histórica, nem de uma indispensabilidade de carácter económico.
A própria consolidação da democracia não irá escorar-se nas comunidades europeias, mas sim, com evidentes provas dadas, na vontade e no trabalho dos Portugueses.
Poder-se-á mesmo afirmar que é a solidez dos fundamentos da democracia portuguesa que torna possível, como condição prévia, o nosso acesso às comunidades europeias.
Não é menos verdade, porém, que a regra do jogo europeu implica que os regimes democráticos da Europa Ocidental procurem garantir a sua recíproca estabilidade.
Errado seria, portanto, reduzir esta regra a uma relação de sentido único.
A política nacional de adesão às comunidades europeias, como de resto os outros passos da política europeia de Portugal, exprimem o seu reconhecimento da necessidade estratégica de afirmar a identidade política e de preservar a estabilidade dos regimes democráticos e liberais europeus.
A política portuguesa de adesão à Europa comunitária exclui, pois, uma posição de passividade, tendo em conta, nomeadamente, o estado actual das comunidades europeias.
O acesso de Portugal, tal como o da Espanha e da Grécia, representam, no seu conjunto, um estímulo positivo e importante na recuperação da dinâmica de um verdadeiro projecto europeu, que dificilmente emerge das disputas menores que têm caracterizado nos últimos anos a decisão comunitária.
Portugal, pela sua parte, deverá levar ao quadro comunitário a sua própria concepção sobre a evolução interna e externa da entidade europeia.
É indispensável que as comunidades europeias voltem a ter, agora com a acrescida representatividade que lhe conferem os três Estados do Sul, a qualidade de portadoras de um projecto claro, sem o que não mobilizarão a indispensável coesão interna e não conseguirão afirmar a sua identidade e força na comunidade internacional.
A inserção de Portugal nas comunidades europeias comporta riscos e dificuldades, como ressalta das previsões disponíveis sobre os efeitos que terá para os sectores mais atrasados e menos produtivos da economia e para os agentes económicos menos dinâmicos e mais dependentes dos hábitos do proteccionismo interno.
É certo que neste processo enfrentamos factores significativos de incerteza, tanto sobre o modo de adaptação das estruturas administrativas, como sobre os efeitos dos factores comunitários para as estruturas produtivas ou para os sistemas de distribuição.
Mas é também certo e necessário ter confiança no espírito de adaptação e na inteligência inovadora dos agentes responsáveis, dirigentes políticos e económicos, quadros técnicos e profissionais, para se adaptarem, com flexibilidade e dinamismo, às condições de acção transformadas pela adesão comunitária.
Pertence-nos a responsabilidade de saber como transformar os riscos e as incertezas em oportunidade de mudanças positivas e motivadoras.
A nossa história sempre demonstrou que, quando postas à prova as suas qualidades, os Portugueses nunca perderam a determinação e a capacidade de organização e de resposta coesa às crises que marcaram episódios decisivos do seu percurso secular.
É agora oportuno voltar ao exemplo histórico que a expansão marítima representou, para repetir que constituiu «uma espécie de grande projecto nacional, ao qual todos aderem porque todos esperam vir a ganhar com ele.
E explica também que a política de expansão ultramarina tenha repercutido tão profundamente sobre tantos aspectos da vida portuguesa e que tenha conseguido ser, num Estado onde todos os planos e projectos foram efémeros e provisórios e nunca excederam o tempo de uma geração, uma actividade permanente que, através de várias formas que o condicionalismo da história permitiu, se inscreveu no programa do Estado durante cinco séculos».
Repito este facto histórico não para fazer comparações, que sempre apareceriam, no mínimo, controversas e prematuras.
Repito-o apenas para reiterar, eu próprio, que os efeitos da adesão, na ordem interna e externa do Estado, marcarão a vida dos Portugueses nas próximas décadas.
Este facto é tanto mais importante quanto levou já dois partidos políticos com assento parlamentar a invocar a próxima assinatura do tratado de adesão para reclamar uma nova revisão constitucional que melhor preparasse o País - no seu entender - para a entrada na Comunidade Económica Europeia.
Na verdade, e além deste importante pormenor, o tempo de negociação - cerca de 8 anos -, as vicissitudes verificadas, os termos do acordo e todas as suas consequências impõem uma clara consciencialização e uma generalizada mobilização, só possíveis se todos os Portugueses souberem quais os custos e benefícios que a adesão lhes propicia, oferece e exige.
Impõe-se para esse efeito um amplo debate entre governantes e governados, até agora não efectuado, certamente devido aos previsíveis efeitos negativos que traria para o processo negocial.
Só então, depois desse debate, a inserção deixará de ser porventura projecto efémero, para passar a ser uma actividade permanente no âmbito da Nação e nas responsabilidades do Estado.
Srs. Deputados, entendo ser este o momento apropriado para se fazer uma pausa e reflectir sobre o percurso realizado, sobre os sintomas da crise de desenvolvimento, de projecto e de valores que empobrecem o nosso presente e ameaçam o nosso devir democrático.
Sintomas de crise que evidenciam grave e preocupante profundidade, porque «quando se chega aos valores, chega-se à essência das coisas, chega-se aos aspectos verdadeiramente estruturais, chega-se ao que mais profundo e de mais intrínseco pode considerar-se».
Pausa e reflexão que nos levam a considerar que estamos, apesar de tudo, perante nova e inadiável oportunidade de nos prepararmos para responder aos problemas de Portugal e dos Portugueses, através de soluções ajustadamente integradas e racionalizadas.
Prepararmo-nos significa, hoje, em primeiro lugar, estabelecer uma orientação que permita realizar os indispensáveis objectivos e programas do nosso desenvolvimento, desde 1974 em manifesta e persistente crise de valores e em vazio de projecto.
Não se pretende, naturalmente, negar a validade das mudanças operadas, nos últimos 11 anos, no quadro político e nas relações externas.
Ninguém de boa-fé poderá deixar de reconhecer que a sociedade portuguesa é hoje mais aberta e mais tolerante e que o regime de democracia política tem raízes profundas nos nossos valores culturais e na nossa comunidade actual.
É ainda relativamente evidente que Portugal recuperou as condições políticas para uma inserção digna nas realidades do seu tempo e que pôde preservar, numa transição difícil, a sua identidade e a sua vocação universalista.
A verdade é que, apesar de tudo, o projecto da geração a que pertenço ainda está bem longe da sua plena realização.
Poder-se-á mesmo dizer que o mais difícil que nele havia a realizar - a democratização do regime e a mudança do posicionamento internacional de Portugal - constitui hoje aquisição e vivência normal da sociedade portuguesa.
O mesmo já não se passou com o desenvolvimento que, apesar de, inicialmente, se prever como a tarefa menos difícil, se revelou como o problema mais complexo.
E se é verdade ter sido sucessivamente posto em causa pela alteração das condições externas, não é menos verdade ter faltado capacidade de resposta às questões imperativas que tais variações provocavam nas nossas políticas económicas e sociais.
O prolongamento de um estado de crise, também de valores, e a ausência ou indefinição de um projecto social delapidou recursos, adiou soluções, agravou problemas, desmobilizou vontades e acentuou injustiças.
Não podemos, em boa verdade, deixar de constatar que, nestes curtos - e já longos - anos de democracia a pobreza aumentou, o desemprego não foi sustido, e as desigualdades sociais se agravaram, apesar de, recentemente, alguns indicadores económicos mostrarem tendência mais favorável.
Mesmo que o rendimento per capita tivesse aumentado significativamente, a falta de resposta aos três problemas referidos levar-nos-á sempre a questionar que tipo de política de desenvolvimento adoptámos, dado que a maioria dos destinatários dessa política vê continuamente agravadas as suas condições de vida.
É sintomático que estas preocupações venham encontrar eco crescente e alertas preocupantes, não só nos meios de comunicação social como em posições publicamente assumidas por instituições com credibilidade e indiscutível implantação nacional, o que lhes confere irrecusável autoridade.
Temos vindo a assistir a situações sociais degradantes que não são moral e socialmente admissíveis, que não podem ser justificadas nem esquecidas.
É socialmente inaceitável que a pobreza atinja a dimensão e a expressão publicamente denunciadas.
É inaceitável que continuem a existir homens que trabalham sem serem remunerados.
É inaceitável que, em todos estes anos de democracia, se tenham adiado soluções que poderiam, pelo menos, ter reduzido as crescentes desigualdades e que acabaram por assumir dimensões tão vastas, e áreas tão diversas, desde as que decorrem de um sistema fiscal iníquo até à falta de racionalização dos serviços públicos, não falando já no desrespeito relativamente frequente pelos critérios de competência, rigor e equidade na atribuição de cargos e recursos públicos.
Tudo isto têm os Portugueses suportado, ao longo destes anos, com sobriedade, na esperança sempre frustrada de que as repetidas promessas eleitorais e as cíclicas e gravosas políticas de austeridade fossem pontos de partida ou instrumentos de uma política económica global que, considerando os aspectos económicos, não esquecesse os fenómenos sociais, não esquecesse a melhoria da repartição do rendimento real, a emancipação dos grupos desfavorecidos e a liberdade.
Tudo isto têm os Portugueses suportado com resignação e sacrifício, atitude que nem todos parecem compreender.
Nada justifica que esta situação se tenha mantido e que estes problemas não tenham sido rigorosamente equacionados e, na medida do possível, capazmente resolvidos com prioridade.
Poder-se-á ainda, e apesar de tudo, contar com o consenso, a determinação e a mobilização dos Portugueses num projecto ajustado de modernização e desenvolvimento da sua sociedade e do seu país.
A ele continuam ainda os Portugueses a ligar a expectativa de uma vida melhor, com mais oportunidade da sua realização humana, da sua distinção e solidariedade social.
É, no entanto, estultícia interpretar a moderação dos Portugueses como sinal de desistência ou de passividade.
A sua tolerância é consciente.
Impõe, aos que escolheram representá-los, o esforço correspondente e o dever elementar de impedir situações humana e socialmente inadmissíveis.
Impõe-se-lhes mostrar que a democracia é o regime que mais considera o homem na sua dignidade, que, sendo eminentemente individual, é também indissoluvelmente social.
Só assim se evitam significativamente «desregulações sociais e tentações revolucionárias».
A orientação fundamental que deve reger a nossa acção, designadamente na definição e na execução das políticas nacionais prioritárias, está caracterizada no essencial.
Porém, é insuficiente a expressão consensual sobre a necessidade de modernizar a economia e de consolidar o regime da democracia pluralista.
O nosso esforço principal deve incidir na elaboração das estratégias nacionais e dos programas gerais que traduzam a orientação estabelecida num quadro de consenso necessário para assegurar a sua continuidade.
Conhecemos hoje as causas gerais da crise que nos afecta, as suas razões sócio-culturais e económicas.
Conhecemos, hoje, a nossa situação e os nossos recursos.
Aceitámos a inserção no quadro económico da Comunidade Económica Europeia.
Dispomos, pois, de todos os elementos para uma actuação consistente no quadro dos nossos recursos.
Consistência de actuação que exige que se considere a produção, mas também a distribuição e todos os outros aspectos, económicos e não económicos, que condicionam a vida social.
As lições do passado e do presente impõem que se suportem e assumam inevitáveis transformações, as quais, por sua vez, exigem a assumpção consciente das perspectivas de revolução tecnológica e de preparação da sociedade, quer do ponto de vista económico quer, complementarmente, do ponto de vista social.
Um projecto de desenvolvimento, agora inadiável por razões de situação e soberania, não pode mais ser comandado por uma perspectiva unicamente financeira, até porque as políticas financeiras todos o sabemos, são apenas e só um instrumento económico.
O projecto de modernização, agora também exigido pela adesão à CEE, deve ser um projecto de devir que explicite e contenha a consciência dos fins, dos objectivos, das estratégias principais e de alternativa, das vantagens e custos das opções.
Projecto necessariamente de desenvolvimento mobilizador e orientador para o comportamento futuro e, simultaneamente, capaz de permitir controlar e avaliar os desvios entre a realização e os objectivos, ajuizar das responsabilidades e das competências.
Sem estas condições, o sentido e a credibilidade do Estado, e a eficácia da sua acção, ficariam diminuídos.
São estas as condições indispensáveis para que um verdadeiro projecto social mobilize vontades, resolva velhos e novos problemas, apresente soluções claras ao juízo dos cidadãos.
Com elas se evitará a eclosão de novas paixões como resposta a sentimentos de uma existência degradada e sem esperança.
Inverter o curso desta crise velha de 11 anos e mobilizar justificadamente a esperança é uma oportunidade ao nosso alcance.
Aproveitá-la é uma exigência da justiça, da liberdade e da democracia.
É uma possibilidade presente, que a história justifica, o futuro exige e os Portugueses merecem.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Srs. Embaixadores, Srs. Convidados:
Doze anos depois do movimento patriótico que restituiu a liberdade aos Portugueses, tornando-os cidadãos na plenitude dos seus direitos, comemorar o 25 de Abril não pode nem deve ser uma rotina.
Pelo contrário: deve ser um acto criador de reafirmação e confiança dos Portugueses no futuro de Portugal e nas virtualidades do regime de democracia pluralista que temos vindo colectivamente a construir, desde 1974, em paz e liberdade, superando dificuldades imensas e inevitáveis contradições.
Creio que nenhum outro quadro é mais adequado a essa celebração do que a Assembleia da República, sede da representação nacional e centro vital da nossa democracia, que - como uma vez já disse e hoje repito - todos os democratas têm o dever irrecusável de prestigiar.
A circunstância de o fazermos aqui, em comunhão de todos os órgãos de soberania, cuja legitimidade deriva directa ou indirectamente do sufrágio universal, na presença dos grandes corpos do Estado e sob a égide de V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, figura moral e política de indiscutível dignidade e isenção - que respeitosamente saúdo, saudando em V. Ex.ª todos os Srs. Deputados -, confere a este acto um valor simbólico de inegável significado nacional.
Acto que não deve ser polémico, independentemente do desejável pluralismo das interpretações e das motivações, mas antes de convivência cívica e de verdadeira concórdia nacional, sem discriminações, e tendo por único fundamento o respeito mais absoluto pela vontade popular livremente expressa pelos Portugueses.
Temos todos a consciência de que foi apenas em 25 de Abril que, para Portugal, começou o futuro - um futuro que queremos de liberdade, de afirmação nacional, de respeito pelos outros e pelo seu direito à diferença, de prosperidade e de paz.
Não é de mais, por isso, que saudemos de novo os que o tornaram possível: os militares de Abril e todos aqueles que ao longo dos anos, e foram tantos, indomavelmente, se bateram pela liberdade e pelo direito ao respeito da sua própria dignidade de cidadãos.
Aplausos gerais.
Em doze anos de regime democrático demos passos de gigante, mudámos as coisas, a terra e, sobretudo, as mentalidades, com acertos e desacertos inevitáveis, ultrapassando traumatismos e crises diversas, de origem própria e alheia, mas importa reconhecer que o povo português, em todas as circunstâncias, teve sempre a sabedoria, nas suas escolhas, de salvaguardar o essencial.
Vivemos hoje numa sociedade aberta, responsável, pacífica, de incontestável vitalidade democrática, onde as instituições funcionam com normalidade, e está assegurada a participação plena dos cidadãos e das associações mais diversas em que livremente se agrupam, nos planos político, económico, social e cultural.
Sociedade que hoje se insere e tem por referência o quadro mais amplo da Comunidade Europeia, em que começamos agora a integrar-nos, sem perda da nossa identidade nacional.
À nossa frente abre-se-nos, assim, um futuro de esperança.
Ninguém tem, pois, razão para ser pessimista ou descrente quanto à comunidade nacional.
Um futuro de progresso e de bem-estar está ao nosso alcance e depende fundamentalmente de cada um de nós, porque a todos estão abertas iguais possibilidades de intervenção na sociedade e no Estado.
Nesse aspecto, não aceitamos exclusões nem discriminações ou desculpas, sejam de que natureza forem.
Temos o dever nacional de não deixar perder a oportunidade que se nos oferece.
Os Portugueses estão naturalmente orgulhosos da liberdade que usufruem - e daquilo que ela lhes promete no domínio da criatividade e da participação -, mas sabem que lhes falta ainda construir uma sociedade, donde seja erradicada a pobreza, a ignorância, a intolerância e que nos recupere de um atraso secular, em segurança e no respeito pelos direitos de todos.
Nunca como agora foram tão grandes as expectativas legítimas nem as possibilidades, a prazo razoável, de dar expressão concreta aos anseios dos Portugueses.
Consolidado o regime democrático, membros de pleno direito da Comunidade Europeia, vencidos os desequilíbrios financeiros externos, que tanto e tão longamente nos afectaram, necessitamos tão-só de sermos capazes de desenvolver um quadro de estabilidade política e institucional que estimule a concretização de iniciativas, privadas, públicas e cooperativas, integradoras de uma estratégia nacional de desenvolvimento, em termos tanto quanto possível consensuais.
As condições dessa estabilidade pressupõem relações de diálogo permanente, confiado e sereno, a todos os níveis, mas, em especial, e no respeito pelas competências de cada um e pelo princípio da separação dos poderes, entre o Presidente da República, que é o garante da unidade nacional e do regular funcionamento das instituições, a Assembleia da República, expressão da vontade política dos Portugueses na pluralidade das suas opções e garantia da alternância democrática, e finalmente, o Governo, órgão de condução da política geral do País e órgão superior da Administração Pública.
Esse diálogo é de fundamental importância para assegurar a estabilidade política e institucional, numa democracia moderna e em termos de país desenvolvido que desejamos ser.
É condição necessária da estabilidade política e da paz social, ambas imprescindíveis para ganharmos o desafio europeu e não perdermos a grande oportunidade histórica que as circunstâncias e a vontade política dos homens puseram ao alcance de Portugal, nestes anos finais do século XX.
Esta cerimónia de hoje é também o símbolo dessa relação e um sinal de estabilidade e de solidariedade entre as instituições representativas, como é próprio de uma democracia consolidada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Vivemos num mundo em mudança, marcado por acentuadas incertezas e explosivas desigualdades, mas também por grandes progressos tecnológicos e científicos, a que não podemos ficar alheios, como Nação soberana.
Pertencemos hoje à Comunidade Europeia, ela própria sujeita a grandes desafios, em vincada concorrência com outros pólos de desenvolvimento a nível mundial.
A integração na Comunidade Europeia não pode, porém, representar para nós tão- só o acesso a créditos, a apoios e a tecnologias sem que procuremos marcar, com o contributo da nossa cultura, do nosso potencial humano e da nossa vocação universalista o todo em que nos inserimos.
A Europa dos cidadãos e das tecnologias, que está em construção, tem de ser também obra nossa, dos nossos criadores, cientistas, políticos, técnicos, empresários, como já é, por direito próprio, dos nossos trabalhadores emigrantes.
Podemos e devemos, a partir de agora, não centrar tão-só as nossas preocupações sobre os problemas conjunturais, que tanto nos absorveram, por justificadas razões, nos últimos anos, e que continuam a ser muito importantes, e inserirmo-nos na problemática do nosso tempo, na perspectiva do interesse nacional, a médio e a longo prazos, operando para tanto as reformas de estrutura que a modernidade exige de nós.
Somos um país amável e tranquilo, que desfruta hoje no mundo de invejável prestígio internacional, sem problemas linguísticos, étnicos, religiosos ou regionais e, por isso, com uma grande coesão nacional, que vive em paz e nos melhores termos com os seus vizinhos e aliados, goza de uma situação geo-estratégica ímpar e tem um potencial de recursos humanos e materiais que importa não menosprezar.
Partindo destes dados de base, há que procurar definir, por forma tanto quanto possível consensual, os grandes desígnios nacionais e interiorizá-los na consciência pública, para que os cidadãos se sintam plenamente motivados: uma estratégia de desenvolvimento, que tenha por metas o progresso económico, a modernização das estruturas produtivas, a afirmação da iniciativa, a solidariedade social e regional, o aumento do bem-estar, para todos; a valorização da nossa cultura e da língua portuguesa, que será falada no final do século por mais de 200 milhões de seres humanos; a gestão racional dos nossos recursos humanos e materiais; a reforma do Estado, assegurando a mudança nas suas relações com a sociedade, a empresa e os cidadãos.
Portugal está hoje em condições de superar a médio prazo - mas definitivamente - os factores de atraso, de dependência e de inércia, que tanto nos têm condicionado.
Nesse sentido, torna-se urgente fazer um esforço formidável na educação e, na formação profissional da nossa juventude, apostando a fundo na investigação científica e tecnológica e abrindo grandes espaços, nas nossas preocupações quotidianas, à plena criatividade e à inovação.
Com efeito, a inovação e a participação terão de ser opostas ao conformismo e à passividade, que vêm de longe, e a criatividade e o pluralismo à imitação e ao seguidismo amorfo.
Trata-se de criar um estado de espírito colectivo, especialmente entre as jovens gerações, que ultrapasse clivagens ideológicas e se consubstancie num verdadeiro projecto nacional; assumido como tal pelo maior número de portugueses possível.
O espírito de mudança, que caracteriza as dinâmicas sociedades industriais dos países democráticos avançados, e que nos interessa tomar, por referência, tem como pólo e motor a importância fundamental atribuída à ciência, à tecnologia e à cultura.
Aí também devemos investir em força, a partir de agora, descentralizando iniciativas, libertando e responsabilizando as energias criadoras da sociedade civil, demasiado tuteladas ou dependentes do poder do Estado.
Nesse sentido, políticas de descentralização e de regionalização, evitando todas as formas de clientelismo, são essenciais para assegurar uma dinâmica equilibrada de desenvolvimento e uma maior participação política, a todos os níveis.
Os passos que se deram na formação das instituições autonómicas, que em breve celebrarão dez anos, na Madeira e nos Açores, foram essenciais e têm der ser continuados; do mesmo modo aconteceu com a implantação do poder local democrático, que hoje constitui uma pujante realidade, mas que importa desenvolver, designadamente no plano regional, corrigindo assimetrias e desigualdades e valorizando as comunidades mais isoladas.
O Estado, como agente de solidariedade nacional, tem um papel próprio a desempenhar na correcção das desigualdades, e na protecção das comunidades e dos grupos sociais mais vulneráveis aos impactes perversos da modernização e do desenvolvimento.
Um grande filósofo contemporâneo enunciou como objectivos essenciais do Estado democrático:
«reduzir a infelicidade ao mínimo» e «elevar ao máximo a liberdade de as pessoas viverem como desejam».
«A minha proposta» - escreveu ele - «é que o sofrimento que se puder evitar deve ser considerado como o problema mais premente da política pública nacional, enquanto a promoção da felicidade deve ser deixada à iniciativa de cada um».
Reduzir a infelicidade ao mínimo implica, pois, que o Estado democrático seja capaz de garantir a justiça e a segurança, de rectificar abusos e corrigir anomalias, no quadro de um sistema equitativo de distribuição de poderes, de bens e de oportunidades.
Elevar ao máximo a liberdade de as pessoas viverem como desejam implica, por seu turno, o investimento de recursos públicos em domínios como a educação, a cultura, a saúde, a segurança e a habitação social, sempre com o objectivo de ampliar a gama de escolhas e, portanto, a dimensão de liberdade aberta às pessoas.
Obviamente que o Estado desempenha, numa sociedade moderna, funções, próprias na regulação da economia, na protecção de empresas mais vulneráveis ou na promoção de projectos inovadores, pela sua qualidade tecnológica, pela sua dimensão cultural ou pelo seu significado estratégico.
Mas não tem, quanto a mim, que se substituir à imaginação, ao espírito de empresa e à livre iniciativa dos cidadãos, imprescindíveis para assegurar o progresso e a liberdade.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Portugal está hoje em condições de retomar um papel importante na comunidade internacional, na linha da sua história gloriosa, da sua velha e original cultura, da vocação própria do seu povo e dos seus próprios projectos nacionais.
Os Portugueses têm de se convencer disso e afastar de si complexos de inferioridade, face ao estrangeiro, que nada justifica.
Há aí espaço para um saudável patriotismo, voltado resolutamente para o futuro, como ensinava Jaime Cortesão, e não apenas para a rememoração de antigas glórias.
Membro de pleno direito da comunidade europeia, Portugal tem de ser capaz e determinado para diferenciar a sua posição estratégica e económica no quadro das especializações comunitárias e ocidentais, ao mesmo tempo que deverá preparar-se activamente para participar na construção europeia, como projecto de crescente autonomia da Comunidade, em relação aos outros pólos mundiais de desenvolvimento industrial e por forma a facilitar a recuperação e uma maior competitividade das economias comunitárias, uma acção internacional coordenada e mais decisiva, designadamente em relação à África e à América Latina e uma maior capacidade e autonomia de defesa própria.
Como é evidente, o papel de Portugal será tanto mais importante quanto maior for a autonomia da sua intervenção e da sua estratégia própria de desenvolvimento, a valorização da sua identidade nacional e cultural, a especificidade e riqueza da sociedade que for capaz de desenvolver e a capacidade de adaptação e mobilidade dos Portugueses.
Como Estado, Portugal não pode prescindir dos seus deveres em relação às comunidades portuguesas que se dispersam pelas sete partidas do mundo e que são parte integrante da nossa Nação e da nossa cultura.
Nem pode demitir-se da promoção e defesa constante da língua portuguesa, em fraterna cooperação com o Brasil, a que nos ligam laços de tão grande afectividade, que importa agora reforçar com acções concretas de intercâmbio efectivo, e com os países africanos de língua portuguesa, de que nos sentimos irmãos, pela história e pela cultura, e com os quais é urgente desenvolver, com pragmatismo, rigor, independência e espírito de criatividade, relações as mais estritas possíveis.
Portugal e os Portugueses não são estrangeiros em nenhuma parte do mundo.
Vencidos os estigmas do ostracismo a que estivemos sujeitos durante tantas décadas, restaurada a dignidade e o nosso próprio prestígio externo, tendo hoje uma presença e uma voz indiscutíveis na comunidade internacional, recuperados os valores da liberdade e da tolerância, que identificam a cultura humanista e o universalismo português, sejamos, orgulhosamente, portugueses.
O legado inestimável do 25 de Abril foi abrir-nos de par em par as portas do futuro, facultando a todos, e sobretudo aos jovens, a responsabilidade e o gosto de ser português.
Temos hoje tudo nas nossas mãos.
Moldemos o destino.
A liberdade, o desafio, a inovação, a aventura, o risco - saibamos vivê-los solidariamente e em responsabilidade.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Embaixadores e Srs. Convidados, Srs. Deputados:
Comemorar o 25 de Abril deve constituir sempre um acto de reafirmação criadora nos ideais e valores que, neste dia inaugural, ergueram um povo e a sua esperança, durante tantos anos aviltados, outorgando-lhe a liberdade e, assim, conferindo um sentido radicalmente novo ao nosso destino colectivo.
Esses momentos irrepetíveis, que não se esbatem na nossa memória, foram fixados para sempre pela arte da grande Vieira da Silva em cartazes que correram mundo, proclamando «a poesia está na rua», síntese admirável de um acontecimento histórico imperecível: o advento da liberdade a um povo dela privado há quase 50 anos.
Vistas a esta luz, as comemorações do 25 de Abril serão sempre - e antes de mais - o reencontro do povo com a sua identidade e de Portugal com a sua história multissecular.
A minha presença nesta sessão solene tem singelamente um único significado: prestar uma homenagem sentida e grata aos homens generosos que, com coragem e risco, tornaram possível o 25 de Abril - e entre eles destacam-se, por direito próprio, os militares de Abril - e também a todos os que, durante décadas de combate desigual, mantiveram viva na noite, tantas vezes do desânimo, a chama da liberdade, tantos deles caídos antes da madrugada libertadora que hoje aqui celebramos.
O melhor modo de a todos honrarmos é mantermo-nos fiéis à democracia e a Portugal, indissociáveis, actualizando as esperanças que a revolução trouxe.
É, por isso, esta uma ocasião propícia para uma reflexão serena e exigente sobre o que somos e o que queremos ser.
Como Presidente da República não escondo que me considero - com muita honra - um homem do 25 de Abril, um homem do regime democrático saído do 25 de Abril, que restituiu a cidadania plena aos Portugueses e lhes conferiu a maioridade cívica.
Sei que há ainda quem procure pôr em causa a legitimidade do movimento libertador e tente, por forma insidiosa, fazer a apologia de um passado condenado pela consciência nacional e universal.
A democracia, porém, hoje não se discute - é como o ar que se respira.
Não há, pois, tolerância que justifique deixar sem resposta - no plano dos ideais - os contumazes inimigos da liberdade.
Em 1974 Portugal era um país oprimido, parado no tempo, em guerra, bloqueado no seu desenvolvimento, isolado internacionalmente, condenado pela consciência universal, sem horizontes nem saídas.
Éramos, infelizmente, una terra de súbditos e não de cidadãos.
Hoje somos um Estado de direito democrático, uma sociedade aberta, livre, pluralista, pertencendo de pleno direito à Comunidade Europeia, um dos pólos mais avançados da terra no desenvolvimento económico, científico e tecnológico.
Somos, além disso, um país pacífico, de cidadãos livres e participantes, com uma voz respeitada no Mundo e uma presença activa na cena internacional.
Cometeram-se erros - é certo, há equívocos que porventura persistem; mantêm-se carências e dificuldades que ainda nos diminuem, como Nação -, é verdade, mas a importância dos passos dados no sentido do progresso não pode ser esquecida nem é justo que seja depreciada.
Somos hoje, como cidadãos participantes da vida política, a todos os níveis, senhores do nosso próprio destino.
O futuro está nas nossas mãos.
Os desafios que o novo tempo nos propõe serão ganhos.
Temos inúmeras realizações e sinais promissores que disso são a garantia.
Não vos falo, claro, da circunstância.
Por mais que ela vos e me preocupe, não seria o momento indicado.
Falo-vos numa perspectiva temporal alargada, contemplando o médio prazo, como é próprio desta data.
Obviamente que temos de saber vencer o atraso, assegurando uma estratégia de desenvolvimento que garanta o emprego - sobretudo aos jovens - e mais altos padrões de vida para todos.
É importante, além disso, lutar contra a ignorância, o fanatismo, mudar rotinas, velhos vícios mentais.
Temos que saber educar as novas gerações para a democracia e na democracia, despertando-as para o que é novo e progressista, afastando-as do pessimismo, da indiferença cívica, do espesso conservadorismo das sociedades bloqueadas.
Portugal é hoje um país de futuro - devemos todos estar conscientes disso -, com uma comunidade científica e cultural em plena maturidade e singularmente promissora, como ainda há poucas semanas ficou demonstrado, com surpresa para alguns, nesse grande país que é o Brasil, nossa Pátria irmã.
O desafio que se nos põe é o da modernidade científica e tecnológica, da criatividade cultural, do desenvolvimento económico com dimensão e solidariedade social, do enraizamento da democracia a todos os níveis.
Neste sentido, os desígnios que nos devem mobilizar as vontades e as energias assumem um carácter consensual - e mesmo nacional -, para além das divergências políticas naturais e dos confrontos de opinião, que são sempre salutares, por mais agudos que sejam, numa sociedade aberta e pluralista.
As sociedades modernas, culturalmente diversas, respeitadoras dos direitos individuais e das diferenças, traduzem a sua vitalidade na capacidade que revelam de tornar os seus membros sujeitos do seu próprio destino e da sua própria felicidade individual.
Os cidadãos, para o serem completamente, têm que ser participantes activos e responsáveis pela vida da comunidade e solidários, ao mesmo tempo, com as nobres causas de além-fronteiras.
É este um dado novo - e importante - do nosso tempo, marcado pelas transformações científicas e tecnológicas, com especial menção para as da comunicação e da informática.
Portugal é hoje membro do grupo dos países mais prósperos e progressivos da Terra.
Tem o seu quadro institucional democrático fixado e isso não anda para trás, sejam quais forem as pressões em sentido contrário.
Teremos por isso de saber acertar o passo com a nova noção de cidadania e confiar, em todas as circunstâncias, nas virtualidades do sistema democrático, fundado no compromisso razoável, no diálogo e na concertação social.
É missão fundamental dos responsáveis políticos não frustrar as esperanças das nações e saber fazer coincidir o pulsar anímico dos povos com o sentido exaltante dos tempos actuais.
A nossa vocação universalista, que sempre nos singularizou ao longo dos séculos, confere-nos uma especial responsabilidade num mundo que não tem alternativa para além da paz, construída, também ela, no diálogo, paciente e realista, e no respeito pelos grandes princípios do direito internacional que presidem à Organização das Nações Unidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Celebrar os 13 anos da revolução de Abril não pode deixar de constituir um acto sereno e determinado de aposta no futuro, nas virtualidades da democracia que temos vindo a construir ao longo dos anos, nas nossas próprias capacidades como povo, na criatividade dos nossos homens de cultura e de ciência, na energia e bom senso da nossa juventude.
Mais do que afirmarmos o que nos divide - o que é legítimo, mas não é para o dia de hoje -, importa, creio, neste dia, acentuarmos o muito que nos une: o sermos portugueses, herdeiros de uma história e de uma cultura ímpares, e decididos a construir, cada dia, o Portugal de todos os portugueses - pacífico, tolerante e livre - que o 25 de Abril anunciou.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Deputados, Exmas. Autoridades Civis e Militares, ilustres Convidados, minhas Senhoras e meus Senhores:
A mais grata afirmação que se pode fazer, neste dia em que se cumprem catorze anos sobre o reencontro de Portugal com a liberdade, é a de que o 25 de Abril não é uma efeméride do passado, que careça de ser ressuscitada ritualmente em cada aniversário, mas antes um ideal que se mantém vivo e actuante na consciência dos Portugueses e a que a grande maioria continua indelevelmente fiel.
É sempre com muita alegria que assinalamos uma data que hoje pertence ao património histórico português e que guardamos preciosamente na memória e no coração.
Saudar os que a tornaram possível - e em especial os militares de Abril - é, assim, um acto de elementar justiça.
Mas, mais do que celebrar a data, retoricamente, importa voltar os olhos para o futuro e mobilizar os Portugueses - e em especial os jovens - para os grandes desafios que o novo tempo nos apresenta e aos quais temos de responder, sem demora, com criatividade, ousadia, a participação de todos e os consensos possíveis.
Nestes catorze anos, apesar de erros, desvios, vicissitudes diversas - e mesmo de alguns inevitáveis ressentimentos -, conseguimos criar os pressupostos sem os quais o desenvolvimento de Portugal e o bem-estar dos Portugueses, em especial dos mais humildes, ficaria irremediavelmente comprometido.
O primeiro e mais importante desses pressupostos, a democracia pluralista, é hoje, felizmente, um valor indiscutível, enraizado e irreversível - uma realidade vivida quotidianamente por todos os portugueses.
Durante este tempo dotámos o País de instituições democráticas que, embora possam e devam ser aperfeiçoadas, têm funcionado regularmente e consubstanciam um Estado de direito moderno.
Graças, em grande parte, à pujante realidade do poder local, mudámos as condições de vida das populações, alterámos a paisagem física e humana de Portugal, criámos outros hábitos, necessidades e exigências.
A autonomia regional permitiu uma nova forma de participação das populações insulares no todo nacional.
Com a institucionalização da concertação social, o movimento sindical e as associações patronais dialogam como verdadeiros parceiros sociais, em pé de igualdade.
Assim se procura consolidar os factores de coesão social e de solidariedade.
Nasceu - e, sobretudo tem vindo a desenvolver-se - uma nova consciência da cidadania, que se reconhece nos valores do diálogo, da participação, da tolerância, do respeito pelos outros.
Estamos a reencontrar, enfim, o orgulho de sermos portugueses e a certeza de que Portugal é um país de futuro e que esse futuro depende em primeira linha, do nosso querer colectivo.
Estão, pois, reunidas as condições indispensáveis para que possamos ultrapassar a fase de transição para o desenvolvimento e para que vivamos, em todos os planos da vida económica, social e cultural, as exigências plenas da modernidade.
É esse o sentido do irrecusável desafio da construção da República moderna aberta, participada e que desejamos esteja ao serviço dos cidadãos, sem discriminações.
Com uma história e uma cultura multisseculares, que forjaram uma identidade nacional de uma riqueza incomparável - aliás amplamente reconhecida na ordem externa -, Portugal, fiel à mais lídima lição do seu passado e à sua vocação universalista, é hoje um país aberto aos novos ventos que sopram no Mundo e essencialmente voltado para o futuro.
Membro da Comunidade Europeia há pouco mais de dois anos, Portugal e os Portugueses têm vindo a enfrentar com sucesso os desafios da competitividade a que estão sujeitos, devendo preparar-se, daqui até 1992, ano em que, em consequência do Acto Único, será criado o grande mercado europeu, para transformações sem paralelo na nossa história moderna.
É imperioso, para tanto, que se modernize a agricultura e se reestruturem e desenvolvam as indústrias, investindo a fundo na educação e na formação profissional.
O desafio de 1992 representa uma prioridade vital, de que todos os portugueses deverão estar conscientes.
Importa, assim, suprir, com decisão, os factores estruturais da tradicional vulnerabilidade da nossa economia - entre os quais se contam a dependência, quase sem defesa, perante oscilações exteriores, a fragilidade tecnológica e uma gestão antiquada e insuficiente -, tornando a economia portuguesa competitiva, eficaz e mesmo agressiva em termos externos.
Não podemos, todavia, perder de vista que o indispensável desenvolvimento tem de ter uma verdadeira dimensão social - condição imprescindível de sucesso -, cultivando os valores da participação, da concertação e do diálogo, os únicos que em democracia são susceptíveis de evitar bloqueios, conflitos e divisões graves, que tudo podem comprometer, do mesmo passo que deve basear-se na solidariedade para com os portugueses mais pobres e menos preparados profissionalmente, que são os que mais poderão vir a sentir os inevitáveis efeitos perversos das transformações em curso.
É essa, aliás, a preocupação expressa pelo Papa João Paulo II na sua carta-encíclica Sollicitudo Rei Socialis, ao afirmar que «a solidariedade é o caminho para o desenvolvimento» e que «a solidariedade ajuda-nos a ver o outro - pessoa, povo ou nação - não como instrumento qualquer, de que se exploram, a baixo preço, a capacidade de trabalho e a resistência física, abandonando-o quando já não serve, mas, sim, como nosso semelhante».
Trata-se, pois, de um imperativo moral, político e social que deve nortear a nossa acção, não esquecendo, outrossim, neste nosso tempo, em que certa riqueza volta a exibir-se por forma chocante, que o desenvolvimento tem de ser realizado ao serviço de todos, ninguém devendo ser excluído dos seus benefícios.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Nisso consiste a solidariedade nacional.
Por forma a cumprir os generosos objectivos da Revolução dos Cravos, graças aos quais o espírito do 25 de Abril continua vivo e actual no nosso quotidiano de portugueses, livres e responsáveis.
Tudo tenho feito, como Presidente da República, para assegurar um clima de estabilidade institucional, de convivência cívica e de confiança entre os Portugueses, que reputo indispensável para que nos possamos concentrar no esforço essencial de desenvolvimento e de progresso.
Com discrição, sem interferir nas competências próprias dos outros órgãos de soberania - e no respeito que lhes é devido -, mas sem transigir quanto aos princípios, garante como sou da constitucionalidade e do regular funcionamento das instituições democráticas.
Assim continuarei a proceder, empenhadamente e numa linha de coerência, em relação ao que sempre tenho afirmado quanto à função presidencial, pois é minha convicção de que necessitamos, mais do que nunca, de criar um ambiente de consenso quanto ao fundamental, evitando polémicas e divisões estéreis, numa hora que, nacional e internacionalmente, tanto nos responsabiliza como povo e como nação.
Julgo que o processo de revisão constitucional, que está em marcha nesta Assembleia - e de cuja importância todos os Srs. Deputados estão conscientes -, deverá constituir um momento privilegiado para que esse ambiente de consenso quanto ao essencial se manifeste e afirme, fazendo da Constituição um traço de união entre os Portugueses, e não um pretexto para querelas ultrapassadas, contribuindo para a consolidação do Estado de direito democrático e assegurando a vitalidade, as iniciativas e a coesão da sociedade e, bem assim, o reforço dos direitos dos cidadãos, designadamente no seu conteúdo económico, social e cultural.
Aplausos gerais.
A Assembleia da República, na sua diversidade e pluralismo, sede legítima da representação nacional, é o local próprio para estabelecer um tal diálogo, que necessariamente terá de ser fecundo, construtivo e consensual para facilitar a revisão da nossa lei fundamental, tendo como objectivo o aperfeiçoamento das instituições e um melhor funcionamento de uma sociedade que se quer democrática, moderna e europeia.
Sr. Presidente da Assembleia, Srs. Deputados:
A República moderna que estamos a construir desde o 25 de Abril assenta na liberdade, no desenvolvimento, na igualdade de direitos e oportunidades, na justiça social, no direito à diferença, no reconhecimento da qualidade e do mérito e na solidariedade para com os mais pobres e esquecidos.
O poder político, que, em democracia, só pode resultar do voto popular, é sempre partilhado, participado e, obviamente, transitório.
Sendo assim - como é -, o diálogo, a tolerância, a concertação e a co-responsabilização são os seus instrumentos naturais e privilegiados.
A legitimidade da maioria e o respeito pelas minorias são o verso e o reverso de uma mesma regra essencial.
Aplausos gerais.
Visando a modernização da sociedade e o bem-estar dos cidadãos, a nossa República está aberta às novas ideias, à dinâmica dos novos grupos sociais e culturais, à livre iniciativa e à criatividade.
A comunidade científica, os homens de cultura e de arte, as universidades e a juventude têm de participar activamente da vida da República como sujeitos e agentes activos, e não como meros destinatários das transformações.
No mundo contemporâneo não há países condenados ao atraso e à pobreza por falta de recursos naturais.
Existem, sim, países que se desenvolvem e avançam porque sabem aproveitar e rentabilizar a inteligência, o trabalho e a capacidade dos seus filhos - e os seus recursos, naturalmente - e outros países que se não desenvolvem só porque não são capazes de o fazer.
Portugal vive hoje uma hora feliz de inovação científica e tecnológica, de criação cultural e artística, que tem sido justamente celebrada por inúmeros observadores estrangeiros e que não tem paralelo no passado recente.
É o resultado da liberdade trazida pelo 25 de Abril, bem como do impulso dado a uma sociedade até há pouco parada pelo choque europeu.
Assim, o desenvolvimento por que lutamos tem ainda de saber aproveitar esta situação excepcional, investindo cada vez mais na educação, na formação profissional, na ciência e na cultura, por forma que melhor possamos potencializar as excepcionais qualidades e energias do povo português.
Urge que saibamos integrar-nos, como nação, no tempo novo e de esperança que o mundo vive, suspenso dos acordos de paz que os supergrandes negoceiam, nestes anos de viragem para o novo milénio.
Apesar das contradições, dos conflitos regionais e da miséria atroz, de que sofrem tantos povos, a causa da paz - que é a do bom senso - caminha no mundo e a esperança em dias melhores é-nos de novo permitida.
Uma esperança com horizontes ilimitados de progresso baseado num sério e conclusivo diálogo norte/sul.
Urge, pois, que saibamos decifrar os novos sinais do tempo e que participemos activamente na defesa das grandes causas, as únicas capazes de mobilizar hoje a Humanidade: a paz, a preservação do ambiente, o equilíbrio paisagístico e urbano, a humanização da vida quotidiana, a defesa do património artístico e histórico, a qualidade de vida.
Creio, sinceramente, que Portugal, fiel à sua vocação humanista e ao universalismo da sua cultura, saberá estar, neste tempo decisivo, à altura do seu destino nacional e do importante papel que lhe cabe no mundo moderno.
Tenhamos confiança no futuro - e na liberdade -, com que nos reencontrámos em 25 de Abril de 1974, nesse dia - como disse, na sua voz inconfundível, Sophia de Mello Breyner:
Inicial inteiro e limpo.
Onde emergimos da noite e do silêncio.
e livres habitamos a substância do tempo.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.ª Presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Membros do Governo, Srs. Embaixadores, Srs. Deputados, Sr. Cardeal Patriarca, Eminência:
Comemoramos hoje o XV Aniversário do 25 de Abril, com a plena consciência e o legítimo orgulho de pertencermos a uma Pátria de homens livres; de vivermos num país que se rege pelos princípios da democracia pluralista e da eminente dignidade da pessoa humana; de constituirmos uma Nação prestigiada e respeitada no mundo; de sermos um Povo colectivamente empenhado na construção de um futuro melhor, que desejamos seja de progresso e bem-estar em que a solidariedade e a justiça social, a cooperação internacional e a paz permitam, a todos, beneficiar das espantosas descobertas científicas e das inovações tecnológicas que estão a transformar profundamente a vida, à escala do planeta, nesta etapa final do século XX.
A todos os que tomaram possível o Portugal de hoje, livre e democrático, dirijo, como Presidente da República, uma saudação calorosa e sentida.
Aplausos gerais.
A todos eles é devida homenagem: aos jovens e corajosos «capitães de Abril», que derrubaram a mais velha ditadura da Europa.
Aplausos gerais de pé.
Aos resistentes, que nunca vacilaram perante a repressão e sempre acreditaram no restabelecimento da Democracia; ao Povo anónimo, que nunca aceitou a ditadura e que durante tantos anos sofreu a opressão, na sombra e no silêncio, mas sempre inconformado, e que na Primavera de 1974, veio espontaneamente para a rua aclamar, de cravos na mão, a liberdade reconquistada; a todos aqueles, enfim, que ao longo destes quinze anos, que hoje se completam, contribuíram para a construção e consolidação da sociedade democrática, aberta, aberta, tolerante e pluralista, em que hoje vivemos.
Uma palavra de solidariedade e de respeito é devida, igualmente, aos nosso irmãos africanos - aqui representados, simbolicamente, pela Ilustre Presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, país que preside, neste momento, ao grupo dos cinco que, na sua luta contra o colonialismo, sempre souberam distinguir o regime ditatorial, que combatiam, do povo português, que sempre consideraram aliado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
O 25 de Abril terá sido, porventura, das derradeiras revoluções europeias de um ciclo iniciado há duzentos anos com a grande Revolução Francesa.
Também ele foi feito em nome da liberdade, da igualdade, da fraternidade e do inalienável direito dos homens a tornarem-se cidadãos e a decidirem sobre o seu destino colectivo, como Nação.
Também ele conheceu desvios ao espírito original e sofreu os impulsos contraditórios da tentação restauracionista e da tentação totalitária.
Finalmente, porém, foi o ideal democrático pluralista que prevaleceu - e venceu - na fidelidade ao espírito inicial do 25 de Abril.
Quinze anos constituem um período curto numa História multissecular como é a nossa.
Mas se é verdade que a História - como ensinou alguém - «é um processo em constante movimento com o horizonte em expansão, caracterizado pela novidade e pela criação incessante», haveremos de reconhecer que o 25 de Abril - foi fértil- em movimento, inovação e criatividade, e imprimiu já as suas marcas indeléveis, que hão-se perdurar no futuro, rasgando novos e fecundos horizontes a Portugal e aos portugueses.
O balanço, necessariamente sintético, que podemos fazer, com objectividade, destes quinze anos tão intensos de vida democrática é, sem contestação possível, amplamente positivo: a democratização da sociedade portuguesa e a consolidação das suas instituições políticas; a descolonização dos territórios africanos e o advento de cinco novas nações de língua oficial portuguesa; o fim do isolamento internacional e a reconquista do prestígio de Portugal no Mundo; o processo de adesão à Comunidade Europeia; a constituição e consolidação do poder local democrático e das autonomias regionais; o desenvolvimento progressivo da cooperação com os novos países africanos de língua portuguesa, baseada na igualdade, no respeito mútuo e na reciprocidade de vantagens; a emergência de uma vida cultural intensa, original, criativa e como tal reconhecida no estrangeiro; a afirmação de uma comunidade científica muito activa e consciente das responsabilidades que lhe cabem na modernização e transformação que o progresso do País exige: enfim, o aparecimento de uma juventude reivindicativa do papel que lhe compete como, principal, protagonista da mudança em que a sociedade portuguesa está empenhada.
Aplausos gerais.
Não se trata, naturalmente, de fazer um balanço exaustivo nem, muito menos, idílico.
Mas tão só de afirmar, com objectividade, repito, uma linha de rumo, indiscutível, apesar dos acertos e desacertos inevitáveis de uma tão complexa caminhada.
Basta percorrer Portugal de lés a lés, com olhos abertos, para compreender até que ponto a face do País se transformou profundamente com o 25 de Abril, e para melhor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Vivemos, hoje, um tempo de renovadas esperanças e de estimulantes apostas.
Temos razões para confiar no futuro.
Contudo, a democracia, que nos rasgou os horizontes, é um regime de transparência e de verdade.
Não devemos, por isso mesmo ignorar a outra face da realidade nem escamotear os problemas concretos que continuam a preocupar-nos e que precisamos de saber enfrentar e resolver com urgência e determinação.
É verdade que subsistem, em Portugal, - como todos os responsáveis políticos reconhecem - enormes desigualdades e ainda significativas manchas de pobreza.
É essencial, portanto, que nos ponhamos de acordo quanto a um projecto nacional para erradicar, em prazo razoável, umas e outras.
Aplausos gerais.
É verdade que, tal como em muitas outras zonas do globo, conhecemos as ameaças de um desenvolvimento urbano e industrial não controlado, da perigosa degradação do meio ambiente em que vivemos nas grandes cidades e da exploração, por vezes irracional, de alguns dos nossos recursos vitais.
Uma estratégia nacional de desenvolvimento - como tantas vezes tenho referido - deve levar em conta as exigências ecológicas e ser inspirada por uma preocupação clara de justiça social.
E verdade, também, que a economia portuguesa sofre ainda de uma grande vulnerabilidade estrutural, longe de estar vencida, e que pode pôr em causa o êxito da nossa plena integração no processo de internacionalização em curso, a nível europeu e a nível mundial.
Ainda há poucos anos tivemos de impor pesados sacrifícios para corrigir desequilíbrios económicos insustentáveis.
Será agora, nos próximos anos, que o desafio essencial da modernização económica terá de ser ganho.
Importa, por isso, pormo-nos de acordo - agentes económicos e Estado - por forma a defender da melhor maneira os interesses portugueses, contribuindo nomeadamente para a formação de grupos económicos nacionais, sólidos e competitivos.
É verdade, finalmente, que ainda não conseguimos vencer, apesar dos esforços desenvolvidos, a decisiva batalha da educação, da investigação científica e da cultura, lato sensu, que constitui, em todas as sociedades democráticas modernas, o caminho privilegiado de acesso à liberdade, à emancipação e à autonomia dos indivíduos e dos povos.
A constatação realista de tais factos - ou de outros, menos agradáveis - não deve, porém, desencorajar-nos nem justificar atitudes de descrença, de resignação ou de pessimismo.
Temos hoje, em Portugal, condições, capacidades e recursos para vencer os desafios do progresso e do desenvolvimento.
A qualidade humana dos portugueses é, reconhecidamente, excelente.
Somos uma Nação livre e responsável, um Estado de Direito, dotado de instituições democráticas que, quando postas à prova, têm funcionado.
A democracia é uma construção permanente e o poder político democrático é sempre, por definição, limitado.
Temos, por isso, com serenidade, de saber confiar em nós próprios e no futuro da nossa Pátria, de cuja vocação e destino nos devemos sentir orgulhosos.
Para tanto, precisamos de aprofundar a nossa vivência democrática - designadamente através da defesa de uma comunicação social livre e responsável - e de enraizar...
Aplausos gerais.
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na sociedade portuguesa uma cultura de diálogo, de tolerância e de concertação, que amplie e consolide, com a flexibilidade necessária, as áreas de consenso, sempre que esteja em causa a prossecução e realização de grandes objectivos nacionais.
Aplausos gerais.
Assim, importa incentivar e aperfeiçoar, por todos os meios, as condições que assegurem uma participação crescente e alargada dos cidadãos na vida política, social e cultural, tornando-os cada vez mais conscientes da necessidade de exercerem um controlo democrático efectivo sobre as grandes transformações que se estão a operar, em todos os domínios da vida colectiva, à escala nacional e à escala europeia.
Temos de saber retirar os maiores benefícios - e evitar, quanto possível, os aspectos negativos, que são previsíveis - do grande movimento internacional em que estamos activamente a participar no quadro da Comunidade Europeia.
Reside aqui um desafio imenso em relação ao qual é urgente consciencializar os portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Liberdade, igualdade, segurança, prosperidade, concórdia nacional e bem-estar, são princípios e objectivos que só poderemos salvaguardar e alcançar no quadro de uma democracia desenvolvida - política, económica, social e cultural - na qual todos se sintam cidadãos, sujeitos e participantes, não apenas no plano nacional, consolidando os alicerces da República moderna em que Portugal tem por meta transformar-se, mas também à escala internacional, contribuindo activa e empenhadamente para a construção da Europa Comunitária que se prepara para a grande viragem de 1993, com a aplicação efectiva do Acto Único Europeu.
É uma meta que tem de ser atingida com pleno êxito e para a qual temos, diante de nós, um curto prazo de preparação.
Não devemos, por isso, perder tempo nem desperdiçar energias.
O objectivo é claro e pode ser resumido numa simples frase: um Portugal seguro da sua identidade, activo e competitivo numa Europa Unida.
Parafraseando um grande estadista americano - o Presidente Kennedy - diria aos portugueses: não perguntem o que o vosso país pode fazer por vós, perguntem o que todos vós podeis fazer pelo vosso país; não perguntem o que a Europa vai fazer por nós, perguntem o que nós, cidadãos portugueses e europeus, poderemos fazer por Portugal integrado numa Europa, capaz de se tornar, cada vez mais, a vanguarda da liberdade, do progresso e do bem-estar.
Aplausos gerais.
Não desejo significar com isto, que o Estado deva abdicar das suas obrigações inalienáveis.
Bem pelo contrário: deve estar atento, activo e interveniente na definição dos grandes objectivos do desenvolvimento, na selecção e aproveitamento dos novos instrumentos postos à nossa disposição pela Comunidade, na identificação, estímulo e reforço dos agentes da mudança, na viabilização interna das condições de aceleração do processo de abertura da economia e da sociedade para o exterior.
Significa, isso sim, que, a par da reorganização do Estado e das responsabilidades que lhe incumbem, e à sociedade civil, às suas organizações, associações e aos seus agentes, que compete, igualmente, dar os impulsos vitais no sentido do progresso e da mudança, com imaginação, criatividade e capacidade de iniciativa, em suma, com o espírito aberto à inovação, à transformação gradual e às profundas reformas necessárias.
É preciso, entretanto, que nos entendamos sobre a Europa que estamos a construir.
O Acto Único Europeu não reclama apenas dos seus signatários a definição e a dinamização de estratégias económicas.
A Europa sem barreiras do grande Mercado Único não pode circunscrever-se à liberdade de comprar e de vender, de investir e de consumir.
Tem de ir mais longe: tem de ser também uma Europa política e uma Europa social - a Europa dos cidadãos e um espaço de solidariedade - capaz de encontrar, na diversidade e interpenetração das suas diferentes culturas, a coesão e a força que hão-de projectar no mundo a sua unidade.
É nessa Europa do futuro que o Portugal de Abril está vitalmente empenhado, no reforço da sua identidade própria e procurando, ao mesmo tempo, estreitar os laços que cada vez mais o ligam a uma vasta comunidade linguística, dispersa pelos cinco continentes, da qual fazem parte o Brasil e os novos países africanos de expressão portuguesa - também eles interessados em que a aposta europeia seja vencida por Portugal e possa vir a beneficiar o seu desenvolvimento e a sua inserção nos processos de transformação social, económica, tecnológica e política que o Mundo está a viver, rumo ao século XXI.
É esse capital precioso, que se traduz numa multiplicidade de relações e numa pluralidade de interesses que importa tornar compatíveis, que faz de Portugal - Nação multissecular pioneira na descoberta do vasto Mundo - um interlocutor hoje indispensável, respeitado e prestigiado, na cena internacional.
Também isso ficámos a dever ao 25 de Abril, que hoje comemoramos, voltados essencialmente para o futuro e confiantes de que teremos a capacidade e a vontade política necessárias para não perder a grande e histórica oportunidade que de novo nos bate à porta, como Nação.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Procurador-Geral da República, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Embaixadores, Srs. Convidados, minhas Senhoras e meus Senhores:
Comemoramos hoje o 16º. aniversário do 25 de Abril.
Dezasseis anos foi exactamente o tempo de duração da nossa I República, mesmo assim entrecortada por duas ditaduras, pelas incursões monárquicas e a monarquia do Norte, por mais de uma dezena de pronunciamentos e de golpes de Estado e por inúmeros actos de violência.
Em 1926, a I República não teve defensores, como em Abril de 1974 a ditadura os não encontrou no momento decisivo.
Dezasseis anos passados sobre o 25 de Abril, podemos orgulhar-nos da democracia que fomos capazes de construir, da solidez das instituições que temos - e que funcionam com regularidade e na mais absoluta paz civil -, das perspectivas de futuro que abrimos para a nossa Pátria, inserida como hoje se encontra num dos maiores pólos de desenvolvimento mundial.
Não cometemos alguns dos erros da I República: não nos deixámos diminuir em conflitos estéreis entre o Estado e a Igreja; criámos as condições para que os militares não se envolvessem na política; conseguimos implantar um regime de liberdade sem discriminações nem constrangimentos para ninguém, onde cabem todos os portugueses, sejam quais forem as suas opiniões ou crenças; e estamos, com firmeza que não exclui a tolerância, a dinamizar uma sociedade moderna, plural e pluripartidária, num ambiente de fecunda concórdia nacional.
Não anulámos a conflitualidade; que é normal e mesmo salutar em qualquer sociedade, assumimo-la, dirimindo democraticamente os conflitos através do voto, da alternância política e pelos mecanismos de auto-regulação próprios do pluralismo, no respeito pelos direitos das minorias.
Em circunstâncias nem sempre fáceis, fizemos um percurso democrático que, não sendo linear, atesta, todavia, a maturidade política do povo português.
Tendo aceite como um facto inelutável e característico do nosso tempo a descolonização - a que procedemos com atraso e em situação de verdadeira emergência - soubemos, entretanto, salvaguardar o valor essencial do relacionamento fraterno com as nações africanas que falam a nossa língua, com as quais (e com o nosso tão querido Brasil) estamos a construir, perseverantemente, uma verdadeira comunidade de língua, de culturas e de afecto.
Hoje, todos sentimos que se aproxima a hora de voltar a África, no respeito das independências adquiridas, e, por isso mesmo, em muito melhores condições do que as existentes ao tempo em que de lá saímos.
O mundo, entretanto, mudou - e continua em acelerada mutação, neste final de século e de milénio.
Portugal, aberto ao mundo e à modernidade, não só está também a mudar, e acaso, pela primeira vez, ao ritmo do tempo que vivemos, como é, ele próprio, factor de mudança, integrado como está na Comunidade dos Doze - verdadeiro epicentro da nova construção europeia que se esboça.
Num seminário organizado recentemente - o 25 de Abril revisitado pelos media internacionais, que o viveram e relataram - foi posto em destaque, com impressionante unanimidade, o carácter percursor da Revolução dos Cravos.
Percursor, por ser a primeira revolução democrática que ocorreu na Europa após a II Grande Guerra, por ter influenciado, de forma decisiva, a «transição democrática» que ocorreu em Espanha, dois anos depois, e por ter contribuído ainda (com a Espanha, naturalmente) para a democratização da América Latina, hoje quase completa.
Antes do 25 de Abril, muitos autores defendiam a ideia de que o pluralismo democrático era um luxo só acessível aos países ricos e desenvolvidos; hoje, tendo em conta a experiência portuguesa, assiste-se em todo o mundo a uma verdadeira «subversão democrática», reconhecendo-se a democracia como uma aspiração universal, das Filipinas aos países da Europa do Leste, do Paquistão à Namíbia ou à África do Sul.
Portugal tem, pois, motivos suficientes para celebrar o 25 de Abril, com alegria e legítimo orgulho, como uma das datas de maior significado na sua história contemporânea.
Na verdade, o 25 de Abril não só representou, para nós, a liberdade e a paz, como contribuiu poderosamente para a libertação dos povos sujeitos à dominação colonial portuguesa.
Livres, os Estados africanos podem hoje, por sua própria decisão e vontade, relacionar-se livremente com Portugal, como está a acontecer, numa cooperação mutuamente vantajosa, baseada no respeito mútuo e que entronca nas nossas raízes históricas comuns.
Por outro lado, foi o 25 de Abril, ainda, que abriu a Portugal as portas do desenvolvimento e permitiu que nos inseríssemos tempestivamente na Comunidade Europeia, à porta da qual batem vários países europeus, sem poderem por enquanto entrar.
Assim, podemos afirmar, com boa consciência, que os cravos de Abril não murcharam - nem os deixaremos murchar!,...
Aplausos do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes, dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e de alguns deputados do PSD.
...porque estão na origem da grande viragem de Portugal para o desenvolvimento e para o progresso, na liberdade.
Não foi uma revolução fracassada, como alguns terão sugerido, só por não termos caminhado para utopias que o andar dos anos mostrou serem puras miragens de falsa propaganda.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do CDS.
Pelo contrário, foi uma Revolução que realizou os seus grandes objectivos e, por isso, teve pleno êxito, na medida em que continua a ser um motivo de inspiração e uma referência democrática não só para nós como para outros povos, que a vêem como um exemplo de que vale a pena ousar e que as transformações democráticas são possíveis, benéficas e exequíveis, mesmo em países pobres, antes submetidos a longas ditaduras.
Contudo, se temos boas razões para estar satisfeitos - e não ter complexos - quando olhamos para trás, num dia como este, e medimos melhor todo o imenso caminho percorrido, as dificuldades vencidas e os perigos ultrapassados, nestes 16 anos de vida democrática, não devemos deixar de ser rigorosos e exigentes com nós próprios, considerando que é necessário fazer muito mais e melhor, no que respeita ao aprofundamento da democracia que temos não só no plano institucional e político como nos domínios económico, social - com uma mais equitativa repartição da riqueza, por forma a reduzir as tão chocantes desigualdades ainda existentes - e, sobretudo, no plano cultural.
É necessário estimular a comunidade nacional no sentido de uma maior participação na vida pública, satisfazendo as suas aspirações legítimas e avançando nas reformas do Estado que facilitem a vida dos cidadãos.
É por isso que tenho sempre defendido que as comemorações do 25 de Abril, Dia da Liberdade, deveriam ter um carácter fundamentalmente prospectivo - e não passadista -, voltando-se resolutamente para a invenção do futuro.
É gratificante - e representa um acto de justiça - homenagear os capitães de Abril, aos quais devemos a liberdade,...
Aplausos gerais.
...bem como todos os resistentes, que, pela sua acção tenaz contra a ditadura, de algum modo prepararam esse dia libertador.
Aplausos gerais.
É importante reconstituir os factos e não deixar que os mais novos ignorem o que foi o 25 de Abril e o que representou para todos os que tiveram a imensa alegria de o viver.
No entanto, o essencial é a antecipação do futuro - é a preparação para os grandes combates que nos esperam, na fidelidade ao 25 de Abril e ao seu desenvolvimento - para que os nobres ideais da liberdade, da solidariedade e da participação a todos os níveis possam continuar a enraizar-se na sociedade portuguesa, contribuindo para a tornar mais justa, melhor e, sobretudo, mais humana.
É o que, julgo, mais interessará à juventude, porque se trata de um convite para um combate generoso e irrecusável em que necessariamente haverá de participar.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados:
Temos várias metas diante de nós, como nação, antes e depois de 1993.
Não devemos permitir que nos escapem.
O futuro tem as portas abertas para Portugal, de par em par.
Não podemos perder as oportunidades que se nos oferecem.
Precisamos de ter a coragem de cortar com velhos hábitos obsoletos, de sacudir a facilidade e o egoísmo, de não transigir com interesses inconfessáveis e, sobretudo, de ousar, inovando e vendo em grande, para o futuro -libertando-nos do que é particular e mesquinho - com o orgulho da nossa condição de portugueses, de homens livres e na fidelidade às nossas raízes e aos melhores momentos da nossa história.
Melhoremos o nível de vida da gente portuguesa, pensando sobretudo nos mais carenciados, e procuremos, amorosamente, valorizar Portugal.
Ousemos participar activamente na construção da Europa com o contributo da nossa própria criatividade.
A chamamento dos nossos irmãos africanos, valorizemos a nossa presença em África, empenhando-nos nas tarefas da paz e de reconstrução, em solidariedade.
Saibamos ocupar o nosso lugar no mundo, com o prestígio da nossa autoridade democrática e o saber de experiências feito do humanismo português.
Para tanto, sejamos capazes de afirmar a nossa disponibilidade em relação ao que é novo, generoso e humano.
Dêmos lugar aos jovens, reconhecendo a educação, a ciência, as artes e a cultura como prioridades nacionais absolutas.
Combatamos em favor das causas justas - em defesa do ambiente, da nossa identidade cultural, da qualidade de vida e da segurança dos cidadãos - e, sobretudo, afirmemos em acções concretas o valor da solidariedade.
Se assim fizermos, como creio, seremos dignos do 25 de Abril, dessa madrugada radiosa que mudou a história de Portugal e o destino pessoal de cada um de nós.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Srs. Embaixadores e Encarregados de Missão, Sr.ªs e Srs. Convidados:
Festejamos hoje o 17º. aniversário do 25 de Abril, nos termos consagrados e segundo a forma habitual.
Sou, como sabem, assumidamente, um homem do 25 de Abril e por isso vos posso falar com inteira franqueza.
Temo que esta celebração ritual, cada ano repetida, longe de despertar na juventude interesse e curiosidade por um maior conhecimento e pelo estudo do que foi realmente - e do que ainda hoje representa - essa manhã heróica da nossa libertação como nação, contribua, por assim dizer, para banalizar a revolução, tornando-a desinteressante e incompreensível aos olhos dos mais jovens.
E, entretanto, para aqueles que viveram o 25 de Abril - e que, portanto, conheceram a dolorosa experiência da ditadura, que amordaçou Portugal durante quase meio século -, se há data viva, que deixou nos nossos corações um vinco inapagável de emoção e que tem um significado nacional iniludível de ruptura com uma situação totalmente bloqueada, é precisamente o dia que hoje comemoramos.
Como, porém, encontrar a fórmula mágica para comunicar esse sentimento às jovens gerações, quando já se formaram na democracia e nunca conheceram a opressão?
Eis um primeiro ponto que mereceria, com vista ao futuro, alguma reflexão dos Srs. Deputados, até porque no próximo ano estaremos a iniciar, nos termos constitucionais, uma nova legislatura.
Não gostaria de me repetir relativamente ao que vos disse, em anos passados, nesta mesma Sala e perante, com raríssimas excepções, o mesmo auditório.
É nessa repetição que consiste precisamente a criação do rito desprovido de novidade e, por assim dizer, a banalização rotineira de um evento político que foi, em si mesmo, altamente inovador e que, em sentido literal, abriu a todos os portugueses as portas do futuro, modificando profundamente a sua maneira de estar na vida e o seu destino pessoal.
Teremos todos consciência de que foi assim?
Sucede que o 25 de Abril, para além disso, foi uma revolução pioneira e com enorme repercussão, não só na Europa, iniciando a série das revoluções democráticas, a ocidente e depois a oriente, com uma década e meia de intervalo, mas também na América Latina, noutras áreas do mundo, como as Filipinas, e, agora, em África.
Sublinho, com legítimo orgulho lusófono, que os primeiros países africanos a fazer, sem violência, uma efectiva transição democrática, com a realização de eleições inteiramente livres, o abandono do partido único e da economia colectivista, foram Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, constituindo altos exemplos para todo o continente africano.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do CDS e do deputado independente Jorge Lemos.
De resto, como pressuposto essencial dos processos de paz em curso em Angola e Moçambique - que faço votos se concretizem o mais rapidamente possível - estão a abertura desses dois, tão martirizados, países ao pluralismo democrático, à economia de mercado e a própria marcação de eleições livres, em datas próximas.
Assistimos assim a uma evolução promissora em todos os países africanos lusófonos - sem excluir a Guiné-Bissau, onde já se anunciou, igualmente, a promessa de um processo democrático -, que terá consequências inevitáveis em todo o continente e a que, naturalmente, não é estranha a forma feliz como, apesar de tudo, se realizou, com indiscutível sucesso, o processo democrático português.
Na verdade, com o 25 de Abril - sem efusão de sangue e quase sem violência - abriu-se um novo ciclo na história contemporânea de Portugal, caracterizado pelo aprofundamento democrático, pela descolonização, pelo desenvolvimento e pela modernização das estruturas retrógradas, culminando com a integração de Portugal na Comunidade Europeia.
Com a perspectiva que hoje temos, resulta óbvio que cada um dos objectivos referidos estava intimamente relacionado com os outros, não tendo sido possível alcançar qualquer deles sem a concomitante realização dos outros.
O processo não foi linear, como se sabe; foi mesmo muito complexo e está longe de se poder considerar concluído.
A plena integração na Comunidade Europeia e a modernização da sociedade e do Estado, em curso, estão ainda no início, como resulta evidente para qualquer observador alento.
Por outro lado, o processo comportou desvios, a seu tempo denunciados e corrigidos, inevitáveis imperfeições e mesmo, como aconteceu com as independências africanas ou com Timor, dramáticos desenvolvimentos, alguns dificilmente reparáveis.
Contudo, não deixa de ser consolador verificar, para os que viveram e vivem Abril, que o correr dos anos tem vindo a confirmar, sucessivamente, as opções portuguesas referendadas pelo nosso povo nos anos iniciais da revolução.
É essa linha evolutiva, gradualista, humanamente generosa e livre que teve em conta os indispensáveis equilíbrios sociais e políticos e o bem-estar de todos, que deveremos ser capazes de explicar às novas gerações, defendendo-as contra as tendências egoístas do tecnocratismo individualista e despertando-as para o idealismo social das grandes causas - as carências e os problemas tremendos que continuam por resolver, não obstante o caminho percorrido, desde os bloqueios iniciais até à actual situação de abertura.
Integrados hoje no grupo dos países mais desenvolvidos e de maior bem-estar, embora tenhamos a consciência clara de que, entre eles, somos dos mais pobres e carenciados, temos ao nosso alcance, em aberto, condições excelentes de rápido desenvolvimento e de progresso, se soubermos trabalhar e ser lúcidos.
Por outro lado, ninguém melhor do que nós poderá compreender a importância e a urgente necessidade de prosseguir, com realismo e eficácia, o diálogo Norte/Sul, como um imperativo de sobrevivência humana.
Dado o conhecimento que temos de África, sabemos que urge chamar a atenção mundial para a defesa das grandes causas que suscitam o idealismo das pessoas bem formadas, como a luta contra as discriminações raciais e sociais, contra a fome, a ignorância, a doença e o fanatismo.
Nesta ordem de preocupações, a defesa do meio ambiente é outra exigência que devemos aprender a ter sempre presente.
Recentes acontecimentos internacionais, de pesadas consequências e com toda a incerteza que comportam, vieram chamar a atenção para a criação necessária de uma nova ordem internacional.
Todo o prestígio à ONU, claramente; mas a uma ONU remodelada, dotada de eficácia, reflectindo a nova relação de forças internacionais, num mundo que deixou de ser bipolar e donde desapareceu a cortina de ferro, mas que recusa o hegemonismo.
Num tal contexto, a Europa - e emprego aqui a palavra no seu sentido geográfico corrente - está chamada a desempenhar um papel essencial nos novos equilíbrios que se esboçam a nível mundial.
E na Europa, obviamente, o seu núcleo mais dinâmico e atractivo - a Comunidade Europeia -, com a condição de ser capaz de acelerar a construção da sua unidade, dotando-se de instituições supranacionais e dos controlos democráticos que a podem exprimir por forma efectiva e dar-lhe sentido.
Portugal, empenhado como está em recuperar do atraso que o separa da quase totalidade dos seus parceiros comunitários, não pode, entretanto, demitir-se de ter uma voz activa e uma acção esclarecida - iniciativas - nas construções que se esboçam quer a nível europeu quer mundial.
Somos obviamente um país pequeno, mas sem qualquer razão para termos complexos.
Temos prestígio e autoridade resultantes precisamente da maneira como soubemos gerir, atempadamente e por nós mesmos, o nosso próprio processo democrático, iniciado com o 25 de Abril, e como nos temos vindo a relacionar, por forma para muitos surpreendente, com os países africanos lusófonos e com o Brasil.
Formamos com eles uma comunidade de língua e de afecto, num cruzamento singular de culturas, que começa a ser reconhecido no mundo e tem um peso demográfico de indiscutível significado.
Para tanto, é fundamental que saibamos ter uma participação efectiva no plano internacional, no quadro das alianças e organizações internacionais em que nos inserimos, definindo com clareza os nossos objectivos e prioridades, por forma tanto quanto possível consensual, e dotando-nos dos meios necessários.
Sei que não é fácil e que muitos serão tentados a opor ao meu apregoado optimismo cepticismo, ironia e descrença.
Não ignoro as dificuldades: a aparente sensatez dos velhos do Restelo sempre desconfiou das índias por descobrir.
É mais cómodo cruzar os braços.
E, entretanto, quem pensaria, em 1974 ou 1975, que estaríamos hoje na posição em que nos encontramos como nação, desembaraçados dos conflitos que nos tolhiam os passos, com o percurso de progresso que, apesar de tudo, conseguimos realizar, reanimada a unidade nacional, num clima de convivência cívica de tolerância e de convergência interpartidária quanto aos grandes desígnios nacionais, absolutamente invejáveis, tendo em conta o que vai pelo mundo?
Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do CDS e do deputado independente Jorge Lemos.
É a consciência do caminho percorrido, desde o 25 de Abril, que nos deve animar e fortalecer em ordem a prosseguir uma grande ambição nacional.
Não devemos ser modestos nos objectivos que fixamos para Portugal.
Devemos, isso sim, ser exigentes e rigorosos.
Foi o sopro da liberdade que irrompeu na sociedade portuguesa com o 25 de Abril que nos criou as condições de progresso e nos transformou numa comunidade participativa, aberta sobre o futuro.
Velemos para que essa liberdade se alargue e aprofunde a todos os níveis; que o pluralismo, de que hoje se fala tanto no mundo, seja entre nós sempre a regra; que a livre crítica anime as nossas escolas e universidades, os nossos centros de cultura e de ciência.
Saibamos criar uma verdadeira sociedade de cidadãos, sem subserviência nem medo.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Orador:
- Uma sociedade de livre iniciativa, com certeza, mas impregnada por preocupações de justiça social,...
Aplausos gerais.
... baseada na lei e no direito, com um máximo de igualdade de oportunidades, sobretudo para os mais jovens, onde todas as formas de poder resultem, como ensinava Sérgio, do autogoverno democrático, estejam repartidas e descentralizadas e sejam uma verdadeira emanação da vontade popular.
Porque o povo - como se aprendeu a cantar em Abril -, em democracia, «é sempre quem mais ordena».
Aplausos gerais.
O 25 DE ABRIL, A LIBERDADE E O MAR.
Celebramos hoje o dia da liberdade no quadro emblemático da Torre de Belém, junto ao Tejo, onde centenas de embarcações desfilarão, a caminho do mar, fronteira e eterno desafio de Portugal.
A intenção não foi, obviamente, menorizar a celebração de uma data, que subsiste intacta na memória e no coração de todos os democratas como um momento ímpar da nossa história; muito menos secundarizar a Assembleia da República, sede da legitimidade nacional, pólo vital da nossa Democracia, que sempre procuro prestigiar em todos os meus actos.
A intenção foi tão só associar mais estreitamente a juventude ao 25 de Abril, apelando à sua participação na grande festa da liberdade - que o 25 de Abril deve ser - abrindo janelas à imaginação e à criatividade e ainda, neste ano em que se celebra mundialmente o encontro de culturas com as comemorações do V Centenário da chegada de Colombo à América, onde as navegações portuguesas estão necessariamente presentes, como percursoras, entrelaçar duas ideias força que são uma constante do melhor da história portuguesa: a liberdade e o mar.
Neste mesmo quadro, há sete anos, celebrámos simbolicamente a adesão de Portugal à Comunidade Europeia - como o reencontro do Portugal democrático com a Europa que ajudámos a projectar - facto histórico de transcendente significado que, com o 25 de Abril, abriu a Portugal as portas do desenvolvimento e da modernidade, conduzindo-o à posição de inegável realce internacional em que hoje está.
Não foi fácil ao longo destes dezoito anos de liberdade, que nos separam do 25 de Abril, encontrar os equilíbrios sociais e políticos necessários, restabelecer as vias de um diálogo interrompido, entre portugueses de diferentes opiniões, assegurar condições de bem-estar, não obstante as grandes transformações que já vivemos - e que continuam em curso - e tudo isto feito num ambiente de paz, sem violência, obtendo largos consensos sobre as questões essenciais, apagando verrinosas quezílias e estimulando a concórdia nacional.
E o que devemos à democracia, que nos ensina a conviver uns com os outros, no respeito mútuo, e que nos cumpre aperfeiçoar e desenvolver - como obra incompleta que sempre é - sejam quais forem as dificuldades do percurso ou as agruras do tempo.
Os jovens de hoje, para quem a liberdade é tão natural como o ar que respiram e que têm diante de si, rasgados, os horizontes do futuro, não terão porventura a consciência clara da complexidade do processo político que nos conduziu até aqui nem o que devem à coragem e ao patriotismo dos homens que fizeram a Revolução de Abril.
É bom que se interroguem sobre estas questões, que têm também a ver com o que somos e com o que queremos ser.
O Mundo mudou muito, desde então.
É certo.
O passado, de tanto se esfumar, parece confuso.
Caíram impérios, desagregaram-se Estados multinacionais, alteraram-se as relações de força no plano internacional, certos mitos, antes dominantes, gastaram-se inexoravelmente.
Como certas palavras e algumas ideias.
Mas justamente porque vivemos num mundo em acelerada transformação, convulso, desorientado e inseguro, quanto ao futuro, é cada vez mais importante para um Estado-Nação como Portugal, com um alto sentido da sua identidade e da sua história, manter e aprofundar os valores da democracia, do respeito pelos outros, do pluralismo e da participação cívica - os únicos que nos permitirão resolver em paz os problemas do nosso desenvolvimento, que não são pequenos nem fáceis, com trabalho, em progresso, na concertação e na justiça social.
A experiência do mundo leva-nos a compreender que não há coesão nacional sem solidariedade interna - se perdermos de vista a defesa dos mais pobres e dos mais desfavorecidos - e que, nos dias de hoje, apesar dos egoísmos nacionalistas que parecem renascer, a independência se afirma na solidariedade entre Estados com grandes e generosos objectivos comuns, unidos no respeito dos mesmos valores humanistas, numa palavra: no reforço do projecto comunitário e das suas instituições de controlo democrático.
A construção da Europa em que, como portugueses, estamos vitalmente empenhados, em termos de União Política e de União Económica e Monetária, não nos deve fazer esquecer as nossas responsabilidades históricas relativamente aos Povos de Africa, com os quais convivemos durante séculos.
Essas responsabilidades teremos de as saber assumir, como Nação, desinteressadamente, sem paternalismo, no respeito, na igualdade e com autêntico espírito de fraternidade.
Importa para tanto que saibamos reforçar o clima de afectividade que miraculosamente nos continua a ligar, como Povos, apesar dos desencontros da história, bem como defender com sentido de eficácia, a língua que nos é comum e que, tendo em conta o Brasil, hoje avulta como o terceiro idioma de origem europeia mais falado no Mundo.
O 25 de Abril, neste ano em que assumimos a Presidência da Comunidade, é dedicado à juventude.
Chegámos com alegria à maioridade democrática.
Temos muitos problemas pela frente e grandes dificuldades a vencer.
Mas a verdade é que constituímos um país em movimento, com rumo definido, dotado de energia criadora, com gente boa e dinâmica, com capacidade de inovação, que pretende afirmar-se em todos os domínios.
Saibamos estar à altura das esperanças que o 25 de Abril rasgou em Portugal e suscitou um pouco por toda a parte.
Para lá das desilusões que a vida inevitavelmente nos trouxe, dos atrasos, dos fracassos e das incertezas do presente tenhamos a coragem das nossas convicções, participemos da aventura da liberdade, impulsionemos o idealismo moral dos jovens na defesa das Causas Generosas.
Só por elas vale a pena lutar!
FIDELIDADE AO 25 DE ABRIL.
Vim a Braga para inaugurar, nesta velha e tão prestigiada cidade - e no aniversário da Revolução dos Cravos - o monumento comemorativo do 25 de Abril.
Agradeço a Vossa Excelência, Senhor Presidente da Câmara, e a toda a ilustre Vereação a que preside, o gentil convite que me dirigiram, e cumprimento-vos por esta bela iniciativa, tão cheia de significado, felicitando, do mesmo passo, e calorosamente, aqueles que conceberam o monumento e o realizaram com o seu trabalho empenhado.
Celebramos hoje o 25 de Abril em todo o País.
E como, por circunstâncias de todos conhecidas, não teve lugar a tradicional sessão comemorativa na Assembleia da República, aproveito a feliz oportunidade desta inauguração para daqui me dirigir a todos os portugueses, como sempre tenho feito, neste dia, utilizando os meios de comunicação social que os tão numerosos jornalistas - e que igualmente saúdo - quiseram pôr à minha disposição.
O décimo nono aniversário do 25 de Abril ocorre num momento particularmente conturbado e complexo, tanto para a Europa como para o Mundo.
Vivemos tempos difíceis de recessão económica, acompanhada, tantas vezes, de uma crise moral e política, dificilmente definível.
Tudo isso tem reflexos negativos que começam a fazer sentir-se em Portugal.
Confio, todavia, no valor instrumental da liberdade.
Com vontade política e as virtualidades que a liberdade permite - e que representam a melhor herança do 25 de Abril - estou seguro de que seremos capazes de enfrentar as dificuldades, de vencer os desafios e de manter a esperança num futuro melhor.
Ao comemorar o Dia da Liberdade, convido os portugueses a lançarem um olhar retrospectivo, até 1974, por forma a recuperarem a energia criadora desse dia memorável, em que, como então se disse, «a poesia estava na rua»!
Desde esse dia, muitos acontecimentos nos marcaram, mudando a face de Portugal.
Os ensinamentos que tirámos e continuamos a tirar moldaram a nossa experiência colectiva, dão substância à memória comum e fazem parte da nossa identidade de Povo.
Constituem, por isso, um precioso capital para o futuro.
Aos jovens que, entretanto, nasceram não lhes foi dado, naturalmente, viver a intensidade desse tempo.
É nosso dever transmitir-lhes o testemunho da nossa experiência, dar-lhes a conhecer o significado do 25 de Abril, ensinar-lhes como a força criadora da liberdade transformou Portugal e nos permitiu ultrapassar tantos momentos difíceis.
Vivemos hoje num País radicalmente diferente.
As mudanças não foram apenas político-institucionais.
Atingiram o substracto profundo do País, alteraram as estruturas, modificaram o quotidiano das pessoas, abriram e renovaram as mentalidades da nossa gente.
Tudo isto foi possível graças tão-só à democracia, ao exercício pleno da liberdade, à participação dos cidadãos na vida pública, ao espírito crítico e criador despertado.
E neste caminho que temos de prosseguir, aprofundando esses valores e olhando para o futuro.
O tempo que vivemos apresenta-se incerto.
Após as grandes transformações que o Mundo sofreu no final da década de oitenta, ainda não conseguimos um novo equilíbrio internacional, uma nova ordem fundada na paz, na liberdade e na justiça.
Lutar por essa nova ordem internacional, atenta à defesa do ambiente e à solidariedade, é uma responsabilidade hoje indeclinável para todos os Povos do Mundo.
Como sempre acontece nos períodos de desorientação e de insegurança - como este em que vivemos - só recorrendo a ideais generosos e a um amplo movimento de solidariedade é possível encontrar os caminhos do futuro.
Mas a democracia não deve ser entendida como uma abstracção ou uma panaceia; é, antes, um projecto dinâmico, aberto, inovador, capaz de se auto-reformar.
É por isso que a democracia constitui sempre, em todas as circunstâncias, a melhor resposta possível.
Não há outra.
Por isso, a crise que hoje perturba tantos regimes efectivamente democráticos só se resolve com mais democracia, maior participação dos cidadãos, com efectivo diálogo, um debate que estimule a criatividade.
Esta é a lição que a história nos oferece.
Do mesmo modo, perante as dificuldades que a Europa atravessa, devemos responder com mais Europa: construir, sem hesitações, a União Europeia, avançar rapidamente para a Europa dos Cidadãos, aberta e solidária, com instituições comunitárias, democraticamente controladas.
Só assim a Europa poderá estar à altura das suas responsabilidades mundiais.
Portugal vive também momentos difíceis.
Às nossas fraquezas estruturais vieram juntar-se as dificuldades vindas do exterior.
À crise - que hoje começa a ser uma realidade indisfarçável, assumida pelos próprios responsáveis políticos - temos de dar a resposta mobilizadora da solidariedade, do nosso empenho no trabalho e da nossa vontade livre de vencer.
Estamos confrontados com problemas económicos e sociais complexos, que afectam sobretudo os mais pobres e os mais desfavorecidos.
O esforço colectivo para encaminhar o País na senda do desenvolvimento não pode esquecer a realidade gritante dos que vivem situações concretas de grande penúria, com manifestas carências de toda a ordem, agravadas agora pela precaridade do emprego e pela ausência de recursos mínimos para uma vida digna.
Ninguém põe em dúvida a necessidade de prosseguir o esforço de modernização e as metas ditadas pelas obrigações comunitárias de convergência.
Mas é, porventura, chegada a altura de reflectir sobre a validade do modelo de desenvolvimento que seguimos, proceder às correcções que se impõem, acentuando a sua dimensão social.
Temos de o fazer tendo em conta as características da sociedade portuguesa, as dificuldades concretas vividas pelos sectores produtivos da nossa economia, sem deixar de ter em conta, obviamente, os condicionalismos e a evolução da Comunidade Europeia, em que estamos inseridos.
A Europa está confrontada com questões decisivas, de cujas respostas depende o seu destino como projecto integrado político-económico, social e cultural e não apenas como um simples espaço de livre-câmbio e de livre circulação - e, mesmo assim, com as restrições, quanto às pessoas, que são conhecidas.
O Tratado de Maastricht, que ainda não foi ratificado por todos os países membros, representa um passo em frente positivo na construção europeia mas é hoje evidente que encerra ambiguidades e interpretações matizadas que decerto contribuem para o relativo impasse que vivemos.
Só com uma vontade política concertada, esclarecida e determinada é possível avançar.
Europeísta convicto, sempre defendi que temos de caminhar resolutamente no sentido da União Europeia, dotando a Comunidade de instituições políticas eficazes, revigoradas pelo controlo democrático e pela participação dos cidadãos.
Acredito na Europa enquanto espaço de liberdade, de solidariedade social, de cidadania e de diversidade cultural.
Defendo um projecto europeu, empenhado no combate pelas grandes causas do progresso humano, aberto ao Mundo e solidário, capaz de dar à Europa uma voz audível na cena internacional e de ter um peso que lhe permita exercer o papel decisivo na resolução dos conflitos e na construção de uma nova fase da vida dos homens, a que a sua longa história lhe dá jus.
Aos modelos cada vez mais questionados do economicismo, do monetarismo e do consumismo- que chegaram a ter grande voga nos anos oitenta - importa hoje sobrepor os ideais humanistas que estão no cerne da identidade e que são os únicos que podem dar um sentido de futuro ao projecto europeu, tornando-o uma referência universal.
A luta pela Europa humanista e de progresso é a grande questão dos tempos próximos.
Dela depende o futuro dos povos europeus, e, portanto, também, de Portugal.
Portugal deve dar o seu contributo próprio e original para a construção da Europa e não pode ter dela uma mera visão imediatista, interessado tão-só nas ajudas que venha a receber.
Tem de ir além disso.
Mas, para tanto, precisa de aprofundar o seu próprio projecto nacional, definindo com clareza as suas prioridades, objectivos e meios.
Temos de nos saber elevar à altura das grandes preocupações e desígnios do momento histórico de viragem que vivemos.
De saber interpretar os sinais do tempo novo.
De confiar no bom senso e nas qualidades de generosidade do Povo Português.
De apostar nos jovens, na sua educação e formação profissional e cívica.
De dar à Cultura e à Ciência - sem hesitações - o lugar ímpar a que têm direito, nunca perdendo de vista que sem solidariedade não há desenvolvimento sustentado.
É preciso reforçar a unidade nacional, em torno destes grandes objectivos mobilizadores, que deverão ser tanto quanto possível consensuais, praticando como regra a tolerância, a concertação, o respeito pelo que é diferente.
A estabilidade política tem de ser construída diariamente no diálogo e na abertura à contribuição dos outros, no respeito pelas minorias e sem intransigências paralisantes.
Como Presidente da República, garante da Constituição e do regular funcionamento das instituições democráticas, tudo farei para manter a estabilidade política e social, num clima de diálogo e de concórdia, tão necessários à resolução dos nossos problemas.
Temos demasiadas dificuldades concretas para nos darmos ao luxo de nos deixar dividir por questões artificiais.
Assim, neste dia e neste lugar, apelo, uma vez mais, à concertação, ao respeito mútuo no pluralismo das diferentes opções, e à solidariedade.
Só no respeito destes valores fundamentais poderemos manter e reforçar a unidade nacional tão importante em tempo de crise.
Precisamos de coragem, de serenidade, de abertura de espírito e de criatividade.
Ao medo que paralisa devemos responder com a acção que confia.
Aos reflexos de isolamento e exclusão com a solidariedade - essa ternura dos povos, como alguém disse - e com generosidade.
Ao autoritarismo com o aprofundamento da democracia.
À arrogância com o diálogo e a humildade democrática.
Temos de acreditar que é possível melhorar a situação concreta das pessoas, dando condições de vida digna e livre a todos.
E este o desígnio que, não obstante as contradições, os recuos, e algumas hesitações, nos tem norteado desde o 25 de Abril.
Ao evocarmos a Revolução dos Cravos, é de justiça saudar os que a tornaram possível - em primeiro lugar, os capitães de Abril e todos aqueles que durante a Ditadura tiveram a coragem de lutar pela democracia, sacrificando as suas vidas e liberdade, pelo sonho de poderem um dia viver numa Pátria livre, justa e fraterna.
Esse sonho realizou-se em 25 de Abril de 1974.
Nesse dia já longínquo, demos ao mundo um exemplo de tolerância, transformando o fim de um regime autoritário e violento numa festa partilhada da Liberdade e da Esperança, sem retaliações, na generosidade.
Uma grande escritora - mulher livre - que defendeu, como poetisa e como deputada, os valores da cultura, cantou esse dia em versos que estão na nossa memória.
Lembremos com saudade a voz de Natália Correia:
«Como de um peso lento sai a trova.
digo Abril.
Bom dia Liberdade!
Ramificou-se em flores a Boa Nova.
Afinal estrela d'alva eras verdade.
».
Norteados pelo amor da liberdade, que remove dificuldades e mobiliza energias, construamos um futuro melhor e plural para todos os portugueses!
O Sr. Presidente da República:
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Cardeal-Patriarca, Eminência, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Srs. Marechais de Abril, Srs. Capitães de Abril, Srs. Embaixadores, Caro Michel Rocard, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
A celebração do 20º. Aniversário da Revolução do 25 de Abril, que restituiu a Portugal e aos portugueses a dignidade e restaurou o regime democrático pluralista deve ser realizada com verdadeiro sentido de futuro e em íntima comunhão com a juventude já nascida depois de 1974 - as gerações de Abril.
Esta é, quanto a mim, a mais sólida garantia de que as celebrações não terão um carácter passadista mas, pelo contrário, constituem a plena demonstração de que o espírito do 25 de Abril está vivo e a mensagem fundamental de liberdade, de progresso e de modernidade que encerra contém potencialidades que nos permitem enfrentar positivamente as grandes incertezas deste nosso tempo tão complexo.
Esta sessão que realizamos na Assembleia da República - sede da representação nacional e do pluralismo democrático, que respeitosamente saúdo - significa um testemunho colectivo de fidelidade aos grandes e generosos ideais do 25 de Abril que importa saber renovar e aprofundar de acordo com as transformações históricas, que temos vivido, e com as legítimas e cada vez mais exigentes aspirações do nosso povo.
A quase unanimidade que hoje se expressa em torno do 25 de Abril e dos princípios democráticos - e que esta sessão, indiscutivelmente, traduziu - constitui motivo de orgulho para os que viveram o nosso tão complexo processo de transição para a democracia e a mais eloquente condenação do regime autoritário, ditatorial que governou Portugal durante quase cinquenta anos, a que a Revolução dos Cravos, com generosidade, pôs fim.
Olhando para a frente, importa, acima de tudo, aproveitar o consenso nacional criado em torno do 25 de Abril para mobilizar o País e, particularmente, a juventude, para os grandes combates que o futuro exigirá de todos.
A valorização da gente portuguesa continua a ser o primeiro e o mais decisivo desses combates.
Devemos, por isso, apostar na educação, na ciência, na cultura, na formação profissional e não apenas na retórica dos discursos ou das piedosas intenções: investindo a fundo, com meios substanciais, no ensino, na investigação e na formação do maior número de portugueses, sabendo que é o investimento mais produtivo e a verdadeira condição sem a qual todo o progresso é ilusório ou precário.
Aplausos do PS e do Deputado do PSD Fernando Amaral.
A solidariedade para com os mais fracos, os mais desprotegidos e os mais pobres, designadamente as crianças, os idosos, os doentes e os deficientes, tem de ser outro dos grandes desígnios nacionais.
Não há desenvolvimento sustentado com exclusão social, marginalização dos imigrantes, enormes bolsas de pobreza e acentuadas assimetrias regionais.
Em Portugal - reconhecemo-lo com tristeza - continuam a existir situações gravíssimas que urge reparar e carências que nos envergonham e que, por isso, requerem uma intervenção urgente e decidida.
A defesa das grandes causas e o aprofundamento da consciência cívica devem nortear a nossa acção colectiva.
A paz, a defesa do ambiente, a preservação do património natural e construído, a luta pela qualidade de vida são imperativos do tempo que vivemos.
A democracia tem de der defendida dos perigos que a atrofiam - da passividade, do conformismo, da indiferença.
Precisamos de mais pluralismo, de maior participação dos cidadãos, de maior transparência na vida pública, de dar voz à sociedade civil.
Os problemas só podem resolver-se com democracia, maior corresponsabilização, maior informação e esclarecimento dos cidadãos, a todos os níveis, do processo das decisões políticas, económicas, sociais e culturais.
O humanismo universalista que sempre caracterizou o génio português deve ser potenciado nas nossas relações com os outros povos e países, designadamente com os nossos parceiros da União Europeia.
A Comunidade que estamos a caminho de construir com o Brasil e com os países africanos lusófonos deve ser fortalecida por uma política activa de afirmação da língua portuguesa no mundo e de intercâmbio cultural, na efectiva solidariedade entre os sete países que se exprimem no idioma de Camões, de Machado de Assis, de Craveirinha, de Pepetela e de Baltazar Lopes.
A Europa atravessa um período de perplexidade e de hesitações.
Só com uma vontade política esclarecida e com um projecto europeu claro é possível avançar no sentido de conferir uma voz activa no mundo ao velho continente europeu.
Temos de ser capazes de dar um conteúdo efectivo, transformador e original à União Europeia que não pode ser apenas um espaço de livre comércio.
Vozes do PS:
Muito bem.
O Orador:
- Os critérios imediatistas e tecnocráticos que até agora têm prevalecidos, os pequenos cálculos assentes nos egoísmos nacionais, a falta de visão sobre o grande projecto europeu só nos têm diminuído, em relação às expectativas criadas, tanto aos nossos próprios olhos de europeus, como aos olhos do resto do mundo, que tanto espera da Europa.
Aplausos do PS.
Fiéis à ideia inicial dos pais fundadores, devemos ser capazes de mobilizar os povos da União Europeia para as grandes tarefas da paz, da solidariedade, do diálogo Norte/Sul, do desenvolvimento cultural e científico, e para a resolução dos problemas resultantes do desemprego, da crise do Estado providência, da difusão e consumo da droga, de epidemias, como a sida.
Só com uma nova mentalidade é possível construir a Europa dos cidadãos, da cultura, da ciência, do ambiente e da paz, prevenindo os perigos do racismo, dos nacionalismos agressivos, da intolerância e do regresso ao autoritarismo.
Sr. Presidente da Assembleia da República e Srs. Deputados, Durante os vinte anos que nos separam do dia inolvidável do nosso reencontro com a liberdade, o mundo mudou tanto e tão vertiginosamente como se tivessem passado muitas décadas, senão séculos.
Caíram impérios, ruíram concepções que tinha hegemonizado, desde o princípio do século, a inteligência europeia, a crise económica arrasta-se sem resolução, o desemprego por toda a Europa aumenta, tornando-se uma ameaça terrível à estabilidade de velhas nações, as agressões ao planeta e à espécie humana tornaram-se mais evidentes aos olhos de todos.
A ciência e a tecnologia avançaram espantosamente, operando prodígios que mudaram os nossos quotidianos e a nossa relação com os outros.
O mundo é um só.
A informação é instantânea.
As ciências da vida põem-nos problemas éticos jamais pressentidos.
O renascimento de um novo humanismo que aproveite as conquistas modernas a favor do homem - de todos os homens - é a grande questão do nosso tempo.
O 25 de Abril foi, em muitos sentidos, uma revolução pioneira.
Esse facto tem sido reconhecido por historiadores e analistas internacionais de grande prestígio.
Conseguimos instaurar uma democracia pluralista, vencer os radicalismos de sinal contrário, entrar na Comunidade Europeia, dar a Portugal uma voz respeitada no mundo.
O que se fez nestas duas décadas foi imenso.
Recebemos um País amordaçado, isolado, com uma guerra colonial em três frentes, que se perpetuava sem saída nem glória, um País com um imenso atraso, a todos os níveis, sem sociedade civil autónoma.
Instituições como a censura e a odiosa polícia política fomentavam o medo, a subserviência e a denúncia.
O pensamento era policiado e muitas vezes silenciado.
Fomos capazes, não obstante os acidentes de percurso, de construir um Estado de direito, de dar voz à sociedade e iniciativa aos cidadãos, de modernizar, até certo ponto, as estruturas económicas e sociais, de consolidar o poder local, de assegurar a autonomia aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, de abrir a cultura e a ciência em diálogo com o que de mais avançado se faz no mundo, de criar uma nova consciência de cidadania.
Aprendemos com os erros da I República e do liberalismo, não os repetindo.
Herdeiros de uma tradição, que é porventura a mais genuína da nossa história, sabemos que Portugal progride sempre que retomamos essa inspiração de liberdade, de tolerância e a visão do humanismo universalista.
Sempre que a negamos, tudo anda para trás.
Os grandes ideais libertadores da Revolução dos Cravos continuam válidos, desafiando a nossa capacidade de os realizar inteiramente ao serviço de todos os portugueses.
Nesta data de alegria e de júbilo, ponhamos de lado, por um momento, o que legitimamente nos divide, em termos político-partidário, e lembremos esse dia em que o País acordou de novo para a esperança e para a liberdade.
É nosso dever ser dignos desse momento único que tivemos a felicidade de viver nas nossas vidas.
Honremos os Capitães de Abril.
Saibamos ainda transmitir essa mensagem de liberdade criadora às gerações mais novas, com confiança em nós próprios, nos jovens, no seu inconformismo, idealismo e vontade de transformar o mundo e de mudar a vida.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Mário Soares):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr.ªs e Srs. Deputados, Capitães de Abril, Sr.ªs e Srs. Diplomatas, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Passam hoje, como tem sido assinalado, 20 anos sobre o dia histórico em que, em Portugal, se realizaram as primeiras eleições livres do último meio século, nas quais foi eleita a Assembleia Constituinte, que haveria de elaborar a Lei Fundamental que institucionalizou o regime democrático da II República.
Nos complexos e contraditórios tempos pós-Revolução, esse acto de afirmação da vontade livre dos portugueses representou uma opção inequívoca em favor da liberdade, da democracia pluralista, da participação cívica e da justiça social.
Foi ainda uma lição de fidelidade à Revolução de Abril de 1974 e à consagração popular que recebeu em 1 de Maio do mesmo ano, bem como um acto de responsabilidade política, de bom senso e de maturidade, como então foi reconhecido praticamente em todo o Mundo.
Ao evocarmos esse marco, que tantas consequências haveria de ter nos destinos de Portugal, fazemo-lo para reafirmar, solenemente, o nosso total empenhamento na defesa da liberdade e no aperfeiçoamento da nossa democracia pluralista.
Desde esse dia já distante, mas que permanece na memória de todos os que o viveram, o mundo mudou radicalmente, assim como Portugal.
A História acelerou-se, ruíram impérios, descobriram-se novas tecnologias, tornaram-se obsoletos velhos conceitos, modelos e dogmas, surgiram novos desafios e exaltantes perspectivas, mas velhos e novos perigos continuam a pesar sobre os nossos horizontes.
Sabemos hoje que não há receitas milagrosas para os problemas humanos e que a complexidade, a mobilidade da vida e a imprevisibilidade da História se coadunam mal com categorias rígidas de pensamento ou com explicações demasiado deterministas.
Os parâmetros essenciais que limitavam as nossas escolhas tornaram-se mais flexíveis e menos estritos.
Por isso, temos de ser mais exigentes, inconformados e criativos, sem o que a democracia corre o risco do amorfismo ou da descaracterização.
Desde o começo dos anos 90, que sucederam ao período eufórico de revolução democrática, da viragem da década, o horizonte internacional tornou-se particularmente confuso, para não dizer sombrio.
Regressaram perigos que julgávamos, há muito, definitivamente erradicados: o racismo, o nacionalismo agressivo, os fundamentalismos religiosos, a criminalidade organizada a nível internacional, o economicismo egoísta, sem dimensão social e sem alma, a guerra, no interior mesmo das fronteiras geográficas da Europa.
Fenómenos repetidos de corrupção, uma certa promiscuidade entre o mundo dos negócios e da política e entre interesses públicos e privados, a falta de ética no exercício dos cargos públicos têm minado, em alguns países europeus, a confiança que deve existir entre os cidadãos, as instituições e os responsáveis que, legitimamente, os representam.
Temos, urgentemente, de regressar à honradez republicana e à disciplina das virtudes cívicas no cumprimento das funções políticas, que devem ser das mais nobres e dignificadas na vida colectiva.
Aplausos do PS e do Deputado independente Manuel Sérgio.
Historicamente, não simpatizo nada com a figura do Catão, mas importa reconhecer que o regime democrático corre alguns perigos, nestes nossos tempos de democracia mediática.
Temos de ser capazes de restituir ao exercício da actividade política a nobreza e dignidade que lhe são inerentes, quando posta ao serviço do bem comum, assente no desinteresse pessoal, na devoção cívica e isenta e num lúcido e amplo apelo patriótico.
Vinte anos após as primeiras eleições livres, vivemos um tempo histórico que não é nada fácil e, por isso, nos impõe, de novo, especiais responsabilidades.
Os espectaculares avanços da ciência e das técnicas, as novas exigências e expectativas criadas são apenas sinais de uma mutação mais geral e mais profunda de índole cultural e mesmo civilizacional, que está a transformar radical e vertiginosamente a imagem que temos de nós próprios, da Europa e do mundo.
Essas mutações, que, em tantos casos, melhoraram as condições concretas da vida ou as estão a transformar, não são, todavia, isentas de efeitos perversos, sobretudo se a perda de valores que nos são próprios nos impedir de ajuizar, com realismo, as suas consequências, nos insensibilizar para a situação social dos marginalizados do progresso e dos pobres ou nos reduzir o impulso de renovação e solidariedade.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Temos de saber construir um novo humanismo, alicerçado no respeito pela pessoa e pela liberdade, fiel à tolerância, à curiosidade pelo que é diferente e à abertura ao novo, que seja capaz, neste nosso tempo, tão complexo, de responder às interrogações, às angústias, aos problemas e às expectativas que enfrentamos.
Entre tantas questões, assumem especial acuidade as novas condições da vida democrática que estão a forjar-se sob os nossos olhos.
É uma evidência que as sociedades democráticas modernas estão sujeitas a novos impactos, exigências, preocupações e dificuldades.
A difusão instantânea da informação, a globalização dos problemas e a multiplicação das comunicações exigem novos métodos de análise e tratamento da realidade política.
A democracia de opinião, a democracia electrónica e a democracia mediática, que são categorias diversas para designar a mesma complexa realidade, condicionam o exercício dos direitos e deveres dos cidadãos e a relação entre eleitores e eleitos, numa palavra, a própria essência da democracia representativa, a que permanecemos fiéis.
Como se pode conciliar, nas nossas sociedades, a necessidade de transparência com o respeito pela privacidade?
Como se pode evitar que o esclarecimento útil das condições de vida dos mais desfavorecidos ou doentes se transforme numa exploração ou exibição gratuita que não tenha em conta a dignidade dos seres humanos?
Vozes do PSD e do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Que fazer para que a manifestação de respeitáveis sentimentos humanos se não transforme num espectáculo abusivo, ferindo os direitos essenciais à intimidade e à reserva?
Vozes do PSD e do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Como fazer para que o direito de todos ao acesso dos bens materiais e culturais se não traduza numa degradante perda de qualidade e numa intolerável massificação, em que os melhores soçobram?
Como harmonizar a liberdade imprescindível com a segurança, hoje tão necessária?
Como impedir que o essencial apareça como equivalendo ao acessório, numa espécie de sucessão desgastante de modas superficiais, de que nada fica?
Como evitar que o dinheiro - e o sucesso fácil que o dinheiro tantas vezes proporciona - seja o único critério de escolha e de acção, criando um clima social intolerável de «salve-se quem puder!» e de pura «selva», em que só conta o poder do mais forte?
Aplausos do PSD, do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.
São algumas das questões que se situam no centro do debate que hoje começam a preocupar as democracias modernas, reflectindo um mal-estar e uma incomodidade que não devemos, por mais tempo, ignorar e que importa combater.
A democracia é o regime da participação consciente dos cidadãos, do exercício do espírito crítico e da autonomia do pensamento livre, da racionalidade plena, da abertura às razões dos que discordam, argumentando com fundamento, contra a manipulação dos sentimentos, a exploração dos baixos instintos e a demagogia das fáceis ilusões.
Inserido de pleno direito numa União Europeia que vive horas de alguma indefinição e ambiguidade e que carece, de toda a evidência, de uma maior afirmação, no plano mundial e europeu, Portugal deve dar o seu contributo original a este tipo de reflexão, que tem de se fazer e está em curso, saber o que quer e dizê-lo com firmeza, numa acção concertada com os outros países europeus, que urge concretizar.
A experiência tão rica que acumulámos, nos 21 anos que levamos de democracia, tem de ser repensada criticamente, valorizada aos olhos dos nossos parceiros europeus e aprofundada com maior espírito de cidadania, de participação e de respeito pelos outros, abrindo as nossas instituições à energia criadora dos mais jovens, que são também, necessária e felizmente, os mais idealistas, inconformados e inovadores.
Não permitamos que os melhores, os mais dotados dos nossos jovens, se desgostem da política ou desesperem de aí poderem actuar com independência moral e patriotismo!
Aplausos do PSD, do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.
Celebremos, pois, o 25 de Abril com a vontade política de passar o testemunho às gerações mais novas, abrindo-lhes as portas das nossas instituições e incentivando-as à acção de renovação da Pátria e da República.
Sr. Presidente da Assembleia, Sr.ª e Srs. Deputados.
Esta é a última vez que comemoro, como Presidente da República, o dia da liberdade.
É com emoção que o faço nesta Casa, a Assembleia da República, a que me sinto tão ligado como constituinte e como parlamentar que tanto me orgulho de ter sido, e tendo em conta que se trata da sede legítima da representação nacional, na pluralidade das suas opções partidárias.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.
Sou, confessadamente, um homem do 25 de Abril.
Pertenço a uma geração de portugueses para quem esse dia singular foi o melhor das suas vidas, porque representou a concretização de uma luta intransigente pela liberdade, que sempre mantiveram, década após década.
Muitos ficaram pelo caminho.
Neste momento, penso neles, homens e mulheres, patriotas abnegados de todas as condições sociais.
E agradeço aos militares de Abril, terem-nos libertado da ditadura.
Aplausos gerais.
Invocando o 25 de Abril, mas a pensar no futuro, dirijo-me a todos os portugueses - através de vós, Srs. Deputados, seus legítimos representantes -, incitando-os, a que continuem e aprofundem o combate por um Portugal mais livre, mais solidário e mais justo.
Não há nada mais nobre nem mais gratificante do que lutar por um ideal, desinteressadamente.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Presidentes dos demais Tribunais Superiores, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Embaixadores e demais Representantes Diplomáticos, Exmº. Representante do Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Eminência, Altas Autoridades Civis e Militares, Srs. Oficiais que integraram o Movimento das Forças Armadas, a quem respeitosamente saúdo, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Quero saudar os militares que prepararam e participaram no Movimento das Forças Armadas do dia 25 de Abril de 1974.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.
Eles gravaram uma página da História de Portugal.
Ao garantirem a liberdade e a democracia, puseram fim a um regime ditatorial, caracterizado pela opressão das polícias políticas, pela ausência de um Estado de direito democrático, pela violação persistente de direitos fundamentais e pela recusa do direito à autodeterminação dos povos.
Hoje, é já muito grande o número daqueles que, felizmente, não viveram sob a ditadura.
É a esses, sobretudo, que importa relembrar o exemplo desses homens que, mal equipados e em número reduzido, tiveram a coragem de arriscar tudo em nome da Liberdade.
Mas, devo lembrar aqui, também, todos aqueles que sofreram e lutaram durante décadas para que um dia como o do 25 de Abril fosse possível.
Mulheres e homens de várias gerações, de diversas ideologias e de todos os grupos sociais, mantiveram, desde 1926, uma tradição de luta e resistência.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.
A ditadura militar, primeiro, e o Estado Novo, depois, em nenhum momento se puderam vangloriar de ter eliminado a resistência, de ter morto a esperança.
A Liberdade e a Democracia Representativa são hoje valores fundadores do nosso regime político.
Todos nos reconhecemos nesses valores, como o prova o amplo consenso sobre a natureza do regime alcançado, há precisamente vinte anos e mantido até hoje, felizmente, em todas as revisões constitucionais.
Esse foi um factor decisivo, na implantação da democracia, para a estabilidade política e para a consolidação do sistema partidário.
Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
O 25 de Abril permitiu o pleno desenvolvimento da cidadania.
Deu a todos os portuguesas a liberdade de poder interpretar, sem imposição de dogmas, a evolução da sociedade.
A liberdade de escolha democrática devemo-la ao 25 de Abril.
No fundo, o que se comemora no 25 de Abril é a liberdade para optar, para poder debater e decidir sobre o nosso destino colectivo.
É a liberdade de escolher.
Nada pode separar mais a democracia da ditadura do que a liberdade de poder escolher o caminho para onde queremos conduzir os nossos destinos individuais e o destino colectivo de Portugal.
E se esse dia foi um acto de revolta contra um regime iníquo, que a nossa comemoração possa ser, hoje, um acto de reflexão sobre o conformismo que tantas vezes se abate sobre as sociedades contemporâneas.
Aplausos do PS.
Hoje, mais do que nunca, torna-se imprescindível compreender o mundo em que vivemos, bem como as escolhas que se configuram.
Somos continuamente confrontados com a máxima «é preciso adaptarmo-nos», como se não houvesse escolhas, nem alternativas: como se só houvesse uma solução possível.
O 25 de Abril abriu novos horizontes ao futuro de Portugal.
Permitiu olhar para a frente com confiança.
É importante reafirmar que o destino de Portugal depende de nós.
De todos os portugueses.
Mas para decidirmos o que nos interessa, precisamos de iluminar bem o contexto da nossa decisão.
Tradicionalmente, o recurso à experiência histórica bastava para nos garantir um adequado enquadramento das grandes questões e opções.
Mas no mundo de hoje, a unificação geográfica e as revoluções científicas e industriais levam-nos cada vez mais a olhar para o futuro como uma construção, como uma corporização das percepções e decisões do presente, e cada vez menos como uma fatalidade.
Por isso, sem um esforço prospectivo de reflexão sobre o futuro, olhando para além da conjuntura, não seremos capazes de interpretar o presente, não teremos meios, sequer, para avaliar a esperança, no dizer do grande António Vieira.
É por isso preciso medir o futuro.
Mas, o futuro decorre apenas em parte dos indicadores de natureza económica: a outra parte, porventura a mais decisiva, resulta das visões e das aspirações dos principais agentes e actores da sociedade em que vivemos.
São eles que nas circunstâncias das sociedades contemporâneas constroem o sentido da nossa identidade.
É que, para além da cultura e do património, a identidade depende hoje da capacidade colectiva de construir um desígnio, de construir uma ideia de futuro.
No mundo contemporâneo não há identidade sem projecto.
É este o desafio que nos está lançado.
A nossa identidade já não se pode definir e celebrar apenas pela história, tem de se alicerçar no consenso sobre o futuro de Portugal.
Por isso, a construção da nossa identidade depende da qualidade da informação e da qualificação da cidadania.
A necessidade de um enorme esforço colectivo de aprendizagem é a característica técnica do nosso tempo.
O nível de coesão de uma sociedade depende hoje de uma elevada actividade de comunicação interna.
É esta a complexidade das sociedades modernas.
E, por isso, é este o desafio que está colocado à coesão nacional.
A coesão nacional é tanto menor quanto menor for a mobilidade social, quanto menor for o nível de articulação do planeamento e da subsidiariedade entre os diversos patamares da administração.
Mas, a capacidade de reforçarmos a nossa identidade pela construção de um desígnio nacional, em que consensualmente os portugueses se revejam, precisa que o conhecimento de Portugal e a capacidade de representar e interpretar a realidade não se encontre limitada.
A investigação científica, a educação, a formação e a qualificação dos portugueses são, por isso, uma prioridade sabida.
Só a aposta na qualificação das pessoas pode garantir que os cidadãos dispõem da informação necessária a escolhas cada vez mais complexas.
Só assim reconquistaremos permanentemente a liberdade.
Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
O 25 de Abril garantiu, por outro lado, uma nova inserção internacional de Portugal.
A adesão às Comunidades Europeias foi o corolário natural do fim de um período de autarcia, baseado na construção ideológica de um Império Colonial pluricontinental.
A implantação do regime democrático permitiu a Portugal ser membro de pleno direito da União Europeia, condição sem a qual teria sido impensável garantir a modernização do País, tão grande era o atraso herdado do anterior regime.
A União Europeia tem perante si, na viragem do século de resolver o problema da intensificação da integração económica, num quadro de coesão interna, da expansão de fronteiras, com o alargamento às novas democracias europeias.
Portugal deve participar activamente no debate dessas reformas identificando os seus objectivos prioritários e estabelecendo em torno deles os consensos nacionais de forma a garantir uma política externa firme e determinada.
Igualmente, as alterações operadas no sistema político português abriram o caminho para um novo relacionamento com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, assente no pleno respeito pela soberania dos povos e na partilha de um passado histórico e cultural comum.
Alicerçadas numa vivência de cinco séculos, as nossas relações com aqueles países avultam como um autêntico desígnio nacional, constituindo uma consensual prioridade da política externa portuguesa.
Neste quadro, o aprofundamento dos laços de solidariedade e afectividade, que nos unem aos Estados Lusófonos, e a dinamização das acções de cooperação multilateral assumem o carácter de imperativo nacional e de importante vector para o reforço da nossa capacidade de afirmação externa.
Distinta de outros relacionamentos pela sua especificidade própria, a cooperação que temos desenvolvido, fundamentada numa solidariedade efectiva e na sua dimensão ética e cultural, projectou Portugal como interlocutor privilegiado e desejado.
É um capital de credibilidade que importa preservar e potenciar, na óptica dos interesses mútuos associados às políticas de cooperação, nomeadamente no domínio das relações entre os países do Norte e do Sul.
Entre outros aspectos, exactamente por estarmos no dia de hoje, gostaria de recordar, pelo carácter simbólico de que se reveste, a cooperação que as Forças Armadas Portuguesas têm vindo a desenvolver, no cumprimento das suas missões em apoio da política externa do Estado e em conformidade com os objectivos da política nacional.
Aplausos do PS e do PSD.
Essa política tem alcançado resultados notáveis em acções de cooperação técnico-militar com países lusófonos, abrindo portas a outras formas de cooperação, quer do Estado quer da sociedade civil.
A cooperação militar, desejada pelos países africanos lusófonos, tem de ser assumida por nós sem complexos, com naturalidade e ela é, em muitos aspectos, um instrumento da maior relevância na política externa portuguesa.
Essa cooperação abrange áreas que vão desde a formação de pessoal ao apoio da reorganização das forças armadas dos países africanos, a acções de intercâmbio no domínio da saúde e da formação de um número significativo de jovens em Portugal, nos estabelecimentos de ensino e em outras unidades das Forças Armadas.
Estamos, assim, a contribuir: para fomentar a consolidação da ideia da Instituição Militar como elemento estruturante dos Estados e das Nações e suporte do exercício das instituições democráticas; e a contribuir, também, para a valorização do factor humano daqueles países.
Qualquer um destes aspectos é vital para a consolidação e estabilização das jovens democracias pluripartidárias da África Lusófona.
Noutro plano, Portugal deverá continuar a lutar pela causa de Timor-Leste, no quadro dos esforços do Secretário-Geral da ONU, com as iniciativas também agora em curso, no cumprimento do seu mandato, na procura de uma resolução justa e internacionalmente aceite da questão de Timor-Leste.
O empenhamento de Portugal nesta matéria é, aliás, feito em coerência com dois valores essenciais que estiveram na própria génese do 25 de Abril e são hoje valores de referência da actuação internacional do Estado português: a defesa do direito dos povos à autodeterminação e a defesa dos direitos humanos.
Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
O 25 de Abril marcou também uma importante viragem nas opções estratégicas do País.
Hoje é, de novo, chegado o momento de pensar estrategicamente o futuro de Portugal, avaliando com rigor alguns factores que o condicionam a curto prazo.
A escassa dimensão da retoma económica, o ajustamento aos critérios de convergência nominal, o aumento da pressão concorrencial externa e a abertura da Conferência Intergovernamental e a pendência de dossiers tão sensíveis como o alargamento, a terceira fase da União Económica e Monetária e a definição das perspectivas financeiras depois de 1999 são matérias que aconselham a identificação rigorosa das linhas de orientação que nos devem nortear e, ao mesmo tempo, a necessidade imperiosa de formular as bases de uma concertação estratégica.
O presente exige opções claras e atempadas, um apurado sentido do interesse nacional, determinação na condução das políticas e, sobretudo, pedagogia na explicação das suas consequências.
As reformas necessárias não podem ser feitas ignorando os impactos sociais negativos que conjunturalmente provocam, porque assim se geram factores de conflitualidade que acabarão também eles por constituir obstáculos adicionais à mudança.
Mas também é impossível olhar apenas ao curto prazo, porque a intervenção, como sabemos, dispersa e avulsa se acaso impede o agravamento de tensões adia, porventura irremediavelmente, as opções de fundo.
É sobre elas que se deverá acordar uma concertação estratégica, como disse.
É necessário, assim, que os agentes políticos e os parceiros sociais aceitem as responsabilidades inerentes aos desafios que se colocam ao País.
A resistência à necessidade de concertação estratégica têm como única consequência introduzir um obstáculo adicional ao processo de mudança.
Exige-se, hoje, uma atitude de ajustamento positivo, de determinação, de confiança.
Penso que para garantir esse desafio Portugal necessita de preparar, por um lado, as condições para uma competição aberta e, por outro, de assegurar em paralelo condições para o controlo social e político das consequências de um mercado concorrencial aberto.
Não acredito na possibilidade de garantir uma economia moderna e competitiva na próxima década sem o desenvolvimento de políticas de solidariedade que lidem com o problema das tensões sociais provocadas pelo processo de modernização.
A capacidade de construir o futuro de Portugal como país moderno, competitivo e socialmente equilibrado depende, em grande medida: da definição de um justo equilíbrio entre a convergência nominal e a convergência real no âmbito da União Europeia; da articulação entre as políticas de emprego, formação e educação, fundamental para melhorar as condições estruturais da competitividade económica e proteger as condições de controlo social da mudança; e da relação importantíssima entre a coesão nacional, as políticas de solidariedade e o sistema de segurança social.
Hoje é necessário uma valorização digna do princípio da mobilidade, da aprendizagem permanente, da polivalência, da capacidade de adaptação à mudança.
Não é possível pensar no futuro, permitam-me que volte a este ponto, sem aceitar que esta realidade requer pessoas com novos padrões de qualificação.
Não basta uma reforma no sistema de educação formal e até de a estabilizar, é preciso aceitar que os sistemas de formação profissional estão a ganhar um carácter permanente e passam a ser decisivos para a adaptação constante ao mercado de emprego.
Mas é errado pensar que esta capacidade de adaptação é apenas um problema dos trabalhadores.
A formação de um corpo empresarial bem preparado é decisiva para a sustentação do emprego numa economia aberta e para o desenvolvimento essencial de uma sociedade civil mais autónoma e menos tutelada pelo Estado.
Aplausos do PS.
Tudo farei, no quadro das minhas competências constitucionais, para ajudar a criar o clima de confiança necessário à concretização dos acordos de concertação estratégica que vierem a revelar-se viáveis e adequados.
Tudo farei para criar um clima de confiança na capacidade dos portugueses em realizar com êxito essas reformas.
Precisamos de fazê-lo com entusiasmo e esperança, valorizando o que é novo, premiando o risco e o êxito, evidenciando o exemplo positivo como factor de mobilização social, combatendo as visões apocalípticas que alimentam a complacência e o conformismo.
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
O 25 de Abril deu lugar, após eleições livres, à Constituição de 1976, de que se comemoram os 20 anos de vigência.
A Constituição consagrou, desde então, a possibilidade de criação de regiões administrativas.
No espírito dos constituintes estava presente a necessidade de contrariar uma grave tradição centralista e de utilizar a descentralização administrativa como um instrumento de planeamento e um poderoso estímulo ao desenvolvimento, corrigindo assimetrias e desfasamentos, que nos últimos 20 anos só se agravaram, valorizando recursos e competências, fortalecendo, nesse sentido, a coesão nacional.
Durante 20 anos não foi possível encontrar vontade política para levar por diante uma iniciativa legislativa que cumprisse esse preceito constitucional, que se manteve, e dotasse Portugal desse instrumento de gestão, planeamento e racionalização de recursos num patamar intermédio entre o Poder Central e o Poder Local consagrados na Constituição da República.
O debate, importa reconhecê-lo, centrou-se sempre mais na discussão dos inconvenientes de um modelo de descentralização político-administrativo que não corresponde ao normativo constitucional, o qual se limita a consagrar uma componente administrativa da descentralização.
E, esse facto, descentrou a discussão da reflexão sobre a necessidade de encontrar esse, ou outro, instrumento de planeamento e gestão de recursos que articule operacionalmente áreas geográficas intermunicipais.
Creio, Sr.as e Srs. Deputados, que o debate sobre o processo de descentralização, que leve à criação de regiões administrativas no continente deverá ser encarado com toda a naturalidade.
O facto de vários líderes de partidos com assento parlamentar se terem manifestado em apoio à necessidade dessa reforma, já constitucionalmente consagrada, só deve favorecer a desdramatização do debate e contribuir para que ele se centre na questão de fundo - as vantagens e os inconvenientes de se adoptar essa metodologia de descentralização - e menos, se me permitem, nas questões de método e de calendário.
Aplausos do PS.
O que importa sobre a descentralização administrativa do País, conhecida por regionalização, é a discussão sobre o fundo da questão, sobre o que ela representa para o futuro de Portugal e dos portugueses.
É sobre a questão de fundo que importa esclarecer os cidadãos da República.
Tantas vezes, em torno desta discussão, avultam ideias feitas fruto de uma escassa pedagogia da reforma que se deseja levar a cabo.
O debate de fundo, nos termos em que actualmente está colocado, parece só agora ter começado.
Em boa verdade, tratando-se de uma reforma da Administração só através dele se pode contribuir para a desejável aproximação entre o Estado os cidadãos.
Numa matéria desta relevância, entendo, com tenho feito, dever continuar a advogar, e fi-lo desde o dia em que nesta Casa fui empossado, a vantagem de se construir um consenso o mais amplo possível.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Sr.as e Srs. Deputados:
Sobre a questão de fundo, felizmente, a minha opinião é conhecida.
Quanto ao demais, está o Presidente da República obrigado a fazer cumprir a Constituição que jurou e que só a vontade soberana desta Assembleia da República, dotada de poderes de revisão, pode alterar.
Aplausos do PS e do PSD.
Mas, também, está o Presidente da República obrigado a interpretar as condições de garantia da coesão nacional, por isso tenho atribuído tão alto significado, como disse, à necessidade de um amplo debate e de um consenso o mais amplo possível.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Minhas Senhoras e Meus Senhores, Sr.as e Srs. Deputados:
Procurei, nos últimos dias, num conjunto de gestos simbólicos, expressar a necessidade de fortalecer um clima de confiança na capacidade de realização do povo português.
Não me esqueço, nunca me esquecerei, dos problemas que afectam Portugal.
Dedico-lhes, naturalmente, a maior atenção.
Mas entendo dever contribuir para criar um clima de confiança no País, lutando contra conformismos deterministas e derrotismos injustificados.
O País não se encontra num impasse.
Quis homenagear o 25 de Abril através de um conjunto de visitas onde fiz jus à capacidade de dedicação e de realização dos portugueses, à capacidade para ultrapassar obstáculos e para atingir níveis de realização e de exigência.
O 25 de Abril representou o restaurar da esperança e da confiança na capacidades dos portugueses, sem as tutelas autoritárias que se substituíam à escolha livre e democrática pelo ditame de um poder ilegítimo.
Creio que a melhor forma de dar confiança aos portugueses que neste momento possam passar por um período difícil é dar-lhes, simbolicamente, um sinal de que é possível acreditar na capacidade para ultrapassar os problemas e os constrangimentos.
Portugal é hoje um país moderno.
Deve reforçar a sua identidade baseada no reconhecimento de um desígnio que oriente o nosso futuro.
Tenho confiança no futuro de Portugal.
Viva Portugal.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Srs. Embaixadores, Ilustres Convidados, Autoridades Civis e Militares, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Portugueses:
Festejamos a Liberdade no dia que tem o seu nome e no lugar onde ela se expressa e exerce diariamente, constituindo o seu grande símbolo institucional - a Assembleia da República.
Neste dia, lembramos aquele outro dia de há 23 anos, quando Portugal reassumiu o seu destino e o povo voltou a ser sujeito da soberania nacional.
Essa foi a data fundadora do novo regime democrático português, que nos orgulhamos de servir e que queremos aperfeiçoar.
Saúdo, em testemunho de homenagem e gratidão, os que tornaram possível e fizeram a Revolução - os militares de Abril, heróis da Liberdade, e todos aqueles que, durante décadas, resistiram e lutaram pela democracia, não aceitando a ditadura como inevitável ou invencível.
Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PSD.
As grandes datas da História contêm uma energia simbólica que se actualiza e renova quando as celebramos.
O 25 de Abril é portador de uma extraordinária memória de emoção colectiva e representa um daqueles momentos raros em que a História se dá a conhecer, sintetizando-se num acontecimento, que marca, no tempo, o antes e o depois.
Lembremos esse dia, não apenas como passado, mas como um dia que continua presente, porque soube antecipar e influenciar o futuro.
É esse 25 de Abril de renovação, de dinamismo e de abertura à modernidade que queremos e devemos celebrar, dirigindo à juventude, sobretudo àqueles que já nasceram depois de 1974, a sua mensagem criadora de liberdade, de rebeldia e de esperança.
Por isso mesmo, gostaria de sugerir que, daqui a 2 anos, quando o 25 de Abril fizer 25 anos, em 1999, na passagem para o novo século, tivéssemos imaginação para assinalar a data com um programa virado para o futuro, no qual seria posto em evidência o que a instauração da democracia representou para a modernização do País, a sua abertura ao mundo, a sua transformação cultural e a criação de uma mentalidade contemporânea, inovadora, criativa e capaz de iniciativa.
Na sua concepção e realização, este programa poderá juntar os jovens, os artistas, os cientistas, os professores, as Escolas, as Universidades e envolver as associações da sociedade civil, os centros de novas tecnologias e de criação cultural.
Tornar-se-ia, assim, numa manifestação de confiança na nossa capacidade para enfrentar o século XXI, num testemunho do poder realizador da liberdade individual e colectiva, numa afirmação, afinal, dos valores universais da democracia.
Neste tempo que é o nosso, caracterizado como nunca pela consciência que temos da complexidade de tudo, da aceleração da vida, da instabilidade dos modelos e da incerteza, precisamos saber agir, simultaneamente, com flexibilidade e com firmeza.
Isto é, com expectativa e abertura à novidade e à mudança, mas também com fidelidade a princípios fundamentais e determinação na sua defesa.
O fim das certezas definitivas não significa que não tenhamos convicções, nem que renunciemos a lutar por elas.
A política não pode confundir-se com uma mera táctica de conquista ou de conservação do poder.
Precisa, mais do que nunca, de ideias e de causas claramente assumidas, de ideais e de objectivos, mesmo que saibamos que são contingentes, como tudo o que pertence à vida dos homens e ao que eles concebem e realizam.
As mudanças tão radicais dos últimos anos transformaram a sociedade e a cultura, a economia e a política.
Hoje, o mundo é outro.
A própria imagem que tínhamos de nós foi alterada.
É preciso responder com novas ideias, novos valores e novas formas de acção a novíssimas questões.
Não devemos ter receio de mostrar que não sabemos nem podemos tudo e que não temos respostas feitas e fáceis.
Procuremos, pois, com a vontade de encontrar e encontremos com o desejo de procurar ainda.
Não tenhamos a tentação de substituir a busca que é feita com consciência, imaginação, competência e rigor pelo pensamento prontoa-usar, que pode provocar alguns efeitos sensacionalistas, mas pouco serve para o que verdadeiramente conta no futuro.
O regime democrático que nasceu com o 25 de Abril, nos 23 anos em que se consolidou e desenvolveu, teve de responder a muitos problemas complexos, alguns específicos e próprios da situação portuguesa, outros enfrentados por todos os países.
Tivemos de vencer dificuldades e contradições, tornear obstáculos, afastar riscos.
Essa experiência histórica representa um património muito valioso.
O código genético da nossa democracia tem as marcas da adaptabilidade e do auto-aperfeiçoamento, mas é também portador de referências e valores sólidos que são fundamentais.
Os primeiros desses valores são, naturalmente, a liberdade e a tolerância.
As referências capitais são o impulso solidário e a vontade modernizadora e de abertura.
Neste dia, é bom que lembremos os nossos direitos democráticos, mas também os nossos deveres para com a democracia, a nossa responsabilidade na sua vitalidade e aperfeiçoamento.
É necessário lutar contra as rotinas que geram o imobilismo e contra as formas de instalação que provocam o comodismo, a passividade ou a indiferença.
Sabemos que a democracia tem de ser praticada e participada, com uma atitude activa.
Mas é preciso, num tempo em que tudo mudou, inventar novas formas de participação, de intervenção e de mobilização, pelas quais a cidadania se exerce, vencendo a tentação do egoísmo que fecha os indivíduos e os grupos nos seus interesses imediatos.
Por isso, é fundamental que encontremos novos meios de aproximação da política aos cidadãos e de abertura à sociedade e aos movimentos que a percorrem e lhe dão dinamismo.
Esta procura cabe, em primeira linha, aos partidos políticos, que têm de ser prestigiados e tidos como os grandes instrumentos de intervenção política na vida colectiva.
Todos sabemos que não é fácil, nas condições de hoje, desempenhar esta função.
A própria natureza do poder e do seu exercício alterou-se completamente.
O poder está, actualmente, multiplicado, despersonalizado, disperso, mundializado, mediatizado e os seus efeitos produzem-se a partir de dispositivos móveis e mutáveis, cuja substância, em tantos casos, conhecemos mal e não controlamos.
Vivemos num mundo de signos, de objectos de consumo, de fluxos de informação, de técnicas, de imagens, em que os laços sociais tradicionais se fragmentaram e fragilizaram, no qual o conceito de realidade se alterou e em que culturas ancestrais se desagregaram.
À razão una e universal, sucedeu uma pluralidade de nacionalidades diferenciadas, específicas e locais.
Nas nossas sociedades desenvolvidas, a produção e a difusão de informações e de imagens ocupam o lugar que, no passado recente, era o dos bens materiais.
Face a esta situação tão complexa, desconhecida e incerta, os partidos políticos podem ter a tentação de se fecharem sobre si mesmos.
Mas esse risco corre-o também a própria sociedade e os indivíduos, como, infelizmente, se tem visto com a emergência de fenómenos de racismo, xenofobia, nacionalismo agressivo, populismo e com o recurso a formas violentas de afirmação identitária e a meios ilegais de auto-protecção e autodefesa.
Temos de prevenir esses perigos, de que, também entre nós, têm aparecido alguns preocupantes sinais.
A exclusão tem de ser combatida, decididamente, nas suas causas, que são culturais, económicas e sociais, mas também nos seus efeitos.
Devemos ter consciência de que a identidade individual ou colectiva se afirma, não no medo que paralisa e gera a intolerância, mas no reconhecimento praticado de que a nossa dignidade é inseparável da dignidade daqueles que são nossos semelhantes, quaisquer que sejam as diferenças em relação a nós, às quais, aliás, têm pleno direito.
As grandes áreas urbanas, por exemplo, são, actualmente, universos complexíssimos, submetidos a tensões permanentes e a rupturas bruscas e nas quais tantas vezes a falta de raízes, a erosão dos valores, a crise das referências, a solidão interior e as condições duríssimas de vida são marcas dramáticas que criam uma espécie de anonimato moral e afectivo.
Fenómenos como a droga e a criminalidade, que lhe está associada, não podem ser combatidos eficazmente sem serem analisados deste ponto de vista.
Por isso mesmo, é comum dizer-se que o futuro das nossas sociedades se decidirá, em larga medida, na capacidade que demonstrarmos na luta contra estes flagelos e na necessária re-humanização da vida nos grandes aglomerados urbanos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
A democracia é o regime em que os princípios e os valores se afirmam e em nome dos quais se age e reage com legalidade, razoabilidade e eficácia.
A democracia, porque é aberta, antidogmática e plural, é o regime que está mais apto a acolher o desconhecido, a mudança, a novidade, a diferença.
É preciso dar à política - às ideias, às propostas, ao debate - o lugar que nenhuma técnica de imagem ou de marketing pode ocupar.
É preciso que a acção política seja rigorosa nos seus critérios e transparente na sua ética.
Problemas como os do financiamento da vida política não podem ser iludidos nem adiados por mais tempo.
Têm de ser assumidos mediante o estabelecimento de regras claras, que evitem a suspeita ou a desconfiança, pois, como sabemos, as regras que existem têm graves lacunas, são ineficazes e estão inadequadas à situação actual.
Isto é fundamental para a saúde da democracia e constitui, como sabem, uma antiga e constante preocupação minha.
Ao voltar a referi-la de novo, hoje, aqui, gostaria que os Srs. Deputados, a quem cumpre legislar sobre esta matéria, a tomassem como um apelo que vos faço.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD):
- Muito bem!
O Orador:
- É necessário que o Estado exerça a sua autoridade democrática, legitimada pelo voto livre dos eleitores.
É necessário que se reforce a relação de confiança entre o Estado e a sociedade dos cidadãos, entre os eleitores e os eleitos.
É necessário que os direitos sejam respeitados e os deveres cumpridos.
A democracia é o regime de tolerância mas não da permissividade ou do demissionismo.
É o regime da liberdade mas não da insegurança.
É o regime da negociação, do diálogo, da concertação e, se possível, do consenso, mas também - não o esqueçamos - da decisão, da iniciativa, das reformas, da autoridade democrática.
Aplausos do PSD e de alguns Deputados do PS.
É o regime da descentralização mas também o da coesão nacional.
É o regime da justiça em que a justiça deve funcionar com prontidão e eficácia.
É o regime da lei e não o do arbítrio ou do abuso.
Não há autoridade democrática sem lei, nem lei sem autoridade democrática.
É imperioso, face às transformações tão profundas ocorridas nos últimos anos, que o Estado esteja apto a desempenhar as novas funções a que é chamado, mas, sobretudo, que conceba e organize de forma nova e mais eficaz as suas funções de sempre.
Seria injusto não reconhecer o trabalho de modernização que, em muitos sectores de Administração, se tem vindo a fazer, nas últimas duas décadas, com dedicação e competência.
Mas não seria lúcido ficarmos por esse reconhecimento.
Importa também dizer que é preciso fazer mais, melhor e, sobretudo, com maior rapidez.
Entenda-se - é bom lembrá-lo - que a lógica primeira do Estado é a defesa do interesse geral e do bem comum e não a da satisfação de corporativismos ou a da cedência a grupos de pressão particulares, que contradigam essa lógica geral.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Estamos a comemorar os 20 anos das primeiras eleições autárquicas que instauraram o poder local democrático.
Trata-se de uma grande conquista do 25 de Abril, que mudou Portugal para melhor.
Ao assinalar a data, quero, desta tribuna, prestar homenagem aos autarcas de todos os partidos e de todos os concelhos e freguesias do País.
Aplausos gerais.
O trabalho realizado ao serviço das populações honra o nosso regime democrático.
As próximas eleições constituirão, estou certo, uma reafirmação da vitalidade do nosso poder local e da sua capacidade de renovação.
Neste final de século e com a experiência que acumulámos nas últimas décadas, país aberto e plural que partilha com os seus parceiros europeus problemas e expectativas comuns, a democracia portuguesa encontrará, com o contributo de todos, os caminhos da modernização e do seu aperfeiçoamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Reencontrada a liberdade em 25 de Abril de 1974, fechado o ciclo do Império, institucionalizada a democracia, a integração de Portugal na Europa representou a grande opção de fundo e a decisão de maiores consequências para o nosso futuro colectivo.
Sabemos, hoje, que foi feita na hora certa.
Estamos na Europa não apenas porque somos europeus, pela geografia, pela história e pela cultura.
Estamos na Europa porque temos uma ideia de Europa, um projecto europeu pelo qual nos batemos e ao qual estamos associados.
O momento actual é determinante para o futuro desse projecto.
Nos próximos meses, decidir-se-ão as questões essenciais que condicionarão o processo de unificação da Europa e que têm a ver com a moeda única, a revisão do Tratado da União Europeia, os critérios de alargamento da União.
Num tempo seguinte, terão de ser concebidas e definidas as Perspectivas Financeiras pós-1999, as reformas das políticas comuns e a redefinição das estruturas institucionais no âmbito da Defesa e da Segurança europeias.
Nenhum destes objectivos é politicamente dissociável dos restantes e, em conjunto, representam um autêntico programa de refundação da Europa comunitária.
Os membros actuais da União Europeia subscreveram um contrato que traduziu uma certa concepção e foi fruto de determinadas circunstâncias, as quais, entretanto, se têm vindo a alterar.
Não conhecemos, ainda, qual será com toda a exactidão a Europa do futuro, mesmo do futuro mais próximo.
Sabemos, todavia, que ela será muito diferente do que tem sido até agora.
À construção dessa Europa, Portugal tem o direito e o dever de prestar o seu contributo próprio e até original.
Temos, neste momento, uma oportunidade, talvez irrepetível, de ocupar uma posição no núcleo central dessa construção e desse projecto.
Não podemos malbaratar essa oportunidade.
Ela é decisiva para superar atrasos acumulados, durante décadas, e para vencer duradouramente alguns riscos de isolamento e de marginalização, que a nossa posição no extremo ocidental do continente poderia criar.
O nosso principal desafio é, pois, o desafio europeu e muitos dos outros que temos estão ligados a ele.
Em conjunto com os nossos parceiros, temos de saber estar à altura da nova situação decorrente do fim da guerra fria e que permite unificar as democracias europeias num espaço de prosperidade e de paz.
Sem concessões quanto aos nossos interesses vitais, estamos empenhados nessa tarefa comum de consolidação das novas democracias, de garantir a segurança regional, de contribuir para a paz no mundo.
Essa Europa, qualquer que seja o modelo em que vier a configurar-se, não poderá construir-se contra uma parte dela.
O projecto europeu terá de ser, mais do que tem sido, um grande projecto político, social e cultural, fundado em valores e em princípios, com um dinamismo e uma ousadia capazes de mobilizar os cidadãos europeus.
Para isso, terá de assentar na solidariedade e na coesão entre os seus membros.
Os temas de solidariedade na Europa e em cada país que a constitui estão indissoluvelmente ligados e são as grandes questões que temos de enfrentar e que se vêm arrastando há demasiado tempo.
Só a resposta da solidariedade e a luta contra as várias formas de exclusão são meios eficazes de combater o dualismo social que ameaça as nossas sociedades e que, a prazo, poria em causa o nosso próprio desenvolvimento.
Depois da experiência dos últimos anos, sabemos hoje que o crescimento económico só é verdadeiramente sustentado se for acompanhado pela luta firme contra as desigualdades sociais, quer as que se perpetuam, quer as que surgiram de novo.
Aplausos do PS.
Sem a defesa e o desenvolvimento dos direitos sociais não há Europa do futuro.
Os direitos sociais não têm, por isso, lugar num segundo tempo, depois dos direitos políticos.
Uns e outros condicionam-se reciprocamente, uns dependem dos outros.
Não podemos cair num erro simétrico daquele que dava o primado aos direitos sociais sobre os direitos políticos e cujas consequências conhecemos.
Nem substituamos o antigo determinismo histórico por um novo determinismo económico.
Não há automatismos sociais nem determinismos económicos e tecnológicos que resolvam, por si, os problemas da exclusão, do desemprego, da precariedade.
Eles são problemas políticos e têm de ser encarados como tal, pois a sua superação depende da nossa vontade de lhes fazer frente, mesmo, como todos realisticamente sabemos, se as soluções não são fáceis de encontrar.
É por isso que as questões da regulação do mercado de trabalho e as reformas dos sistemas de protecção social constituem desafios centrais dos nossos dias.
Essas questões exigem decisões de fundo que, embora feitas com a participação dos parceiros sociais, só podem ser assumidas por aqueles que dispõem de autoridade institucional e legitimidade política, as quais, nas sociedades democráticas, são concedidas pelo sufrágio universal e só por ele.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
A igualdade de oportunidades, que é e deve continuar a ser, também, um dos temas fundamentais das nossas sociedades, só pode ser assegurada pelo acesso à escola e à formação ao longo da vida.
A aposta na educação, na investigação científica e na cultura é uma exigência capital e do seu sucesso depende, em larga medida, o nosso futuro como país e a vitalidade da nossa democracia, que também se mede pela capacidade de responder aos anseios das pessoas, encontrando soluções para os seus problemas, as suas angústias, as suas expectativas.
Se sabemos, porém, que ninguém fará por nós o que não fizermos a tempo, temos ainda consciência de que esses nossos grandes desafios são também grandes desafios da Europa.
É nela e com ela que podem ser enfrentados com êxito.
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
País europeu, Portugal integra também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
O nosso lugar na Europa só sai reforçado, aliás, com a institucionalização da comunidade lusófona e os países irmãos que falam o português esperam muito do nosso papel na União Europeia.
Ainda recentemente, tive oportunidade de confirmar isso mesmo, em Luanda, onde estive presente na cerimónia de posse do novo Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional, para transmitir ao povo martirizado de Angola a mensagem fraterna e os votos de paz do povo português.
No mundo actual, os países, se valem pela sua dimensão e pelo seu peso económico, valem, também, pelas causas que defendem na cena internacional, pelas iniciativas de política externa que tomam, pela determinação que revelam, pelas propostas que fazem, pela participação que asseguram nas organizações internacionais, pelos conjuntos que integram, pela presença e pela acção que exercem nos teatros em que a paz se joga.
A eleição de Portugal para o Conselho de Segurança das Nações Unidas mostra isso mesmo.
A sensibilização crescente da opinião internacional para a questão de Timor-Leste, com a atribuição dos Prémios Nobel da Paz a D. Ximenes Belo e Ramos Horta, é também prova disso.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Nos planos internacional, europeu e nacional, Portugal precisa de Forças Armadas prestigiadas, eficazes, disciplinadas e modernas.
Aplausos do PSD.
A presença militar portuguesa na Bósnia e em Angola é, desse ponto de vista, demonstrativa.
Os assuntos que às Forças Armadas respeitam, não podem, assim, ser considerados de tipo corporativo ou apenas do seu foro interno.
São assuntos que têm a ver com a soberania da nação, com os seus interesses estratégicos, com o seu lugar na Europa e no mundo, com a paz e a segurança.
Interessam a todos os portugueses e devem ser encarados como tal pela sociedade civil.
As novas e tão importantes missões que, interna e externamente, as Forças Armadas são chamadas a desempenhar exigem a sua evolução.
O quadro estratégico que a determina não está completamente definido, tanto mais que, como sabemos, a incerteza domina o actual sistema de relações internacionais e que a perspectiva europeia de segurança e defesa está longe de ter estabilizado.
Não é, por isso, fácil traçar o sentido e os parâmetros dessa evolução, que ocorre forçosamente numa situação instável de mudança.
Só o empenhamento de todos - Estado, sociedade civil e instituição militar - permitirá às Forças Armadas Portuguesas fazerem as reformas e as adaptações necessárias, de modo a que possam desempenhar o papel insubstituível que a nação espera e necessita.
As Forças Armadas Portuguesas, que tão patrioticamente e com tanto valor têm desempenhado missões que prestigiam o País, têm direito ao nosso reconhecimento e louvor.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP e de alguns Deputados do PCP.
É com muita honra que, como seu Comandante Supremo, lhos testemunho, neste dia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Portugueses:
Os desafios que temos pela frente não são fáceis.
Exigem dedicação, trabalho, persistência.
De cada um de nós e de todos em conjunto, depende que os ganhemos, para bem dos portugueses, sem que ninguém seja excluído.
A liberdade que, há 23 anos, encheu as ruas de alegria dá-nos forças para inventar um futuro melhor, cumprindo os ideais generosos do 25 de Abril.
Não temos direito de recuar perante os desafios nem de desanimar face às dificuldades.
Os cravos que usamos, neste dia, em homenagem e evocação do primeiro dia em que os usámos, são o símbolo da esperança que se renova e acrescenta porque, afinal, vivemos em Liberdade.
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Vice-Presidentes e Srs. Deputados da Assembleia da República, Srs. Ministros da República para os Açores e Madeira, Srs. Presidentes dos tribunais superiores, Srs. Conselheiros de Estado e meus ilustres predecessores, Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Srs. Embaixadores, Ilustres Autoridades Civis e Militares, Ex.mos Convidados, Sr. Patriarca de Lisboa, Excelência Reverendíssima:
Comemoramos a liberdade e celebramos a democracia, no 25 de Abri1, lembrando, em primeiro lugar, todos aqueles que participaram na sua construção.
Das inúmeras atitudes de protesto e de revolta contra a opressão se alimentou um imenso património de resistência ao autoritarismo durante décadas e décadas de ditadura.
Quando a 25 de Abril de 1974 os militares do Movimento das Forças Armadas derrubaram o Estado Novo, esse legado das gerações anteriores legitimou o seu acto de coragem e de responsabilidade.
O sentido que a ruptura do 25 de Abril tomou é, pois, indissociável das aspirações da resistência e da determinação dos militares de Abril.
Mas é igualmente indissociável do movimento social de apoio e do desejo de mudança que ele exprimiu, sob as mais diversas formas, desde as primeiras horas do dia 25 de Abril.
A acção popular, por vezes tumultuosa, por vezes contraditória, mas com espontaneidade, precipitou o desmantelamento do Estado Novo e exigiu a rápida criação de novas instituições.
Coube aos partidos políticos, democraticamente formados, interpretar a vontade popular, expressa em eleições livres, e definir um regime constitucional assente na representação plural da sociedade portuguesa e na legitimação eleitoral do poder político.
Envolvemos nesta homenagem, feita também de memória, que é, porventura, a mais sentida forma de reconhecimento, os combatentes contra a ditadura, os capitães de Abril que a derrubaram, o movimento popular que abraçou de imediato a causa da liberdade e os partidos políticos que, com a sua pluralidade, ergueram a democracia no nosso país.
Aplausos gerais.
E aproveito esta oportunidade, Srs. Embaixadores, para saudar os ilustres Chefes de Estado que VV. Ex.as aqui representam.
A presença de VV. Ex.as, e de algum modo daqueles que representam, numa assembleia democrática, estou certo que não estaria tão espantosamente completa não fora precisamente o 25 de Abril.
O 25 de Abril reconciliou-nos com as nações e os Estados que VV. Ex.as representam, e, por isso mesmo, ao vê-los na vossa tribuna é também a História que vem à nossa memória, é a recordação do bloco que nos separava de VV. Ex.as e dos Estados que representam.
Bem hajam, Srs. Embaixadores.
Bem hajam os vossos Estados.
Aplausos gerais, de pé.
A democracia trouxe consigo transformações profundas à sociedade e mudou o quadro das políticas nacionais.
Destacarei, entre outros, três aspectos dessas mudanças em curso: a relação com os países de língua oficial portuguesa, a integração europeia, a modernização das Forças Armadas.
O 25 de Abril representou um virar de página na nossa História, um fim de ciclo.
Com ele surgiram novos Estados, livres para seguirem o seu próprio caminho, e um novo conceito de relação entre Portugal e os outros países de língua portuguesa.
Os laços de fraternidade forjados numa história complexa mas partilhada, baseados em vínculos culturais singulares e numa língua comum, passaram a constituir o elemento agregador de uma vastíssima comunidade reunindo países de três continentes.
A nossa política externa tem valorizado este conjunto de relações, quer no plano bilateral quer no plano da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
A CPLP é um projecto tão pertinente quanto ambicioso.
Há um lugar no sistema de relações internacionais, para instituições com vocação inter-regional, como é o caso, desenvolverem novos domínios de cooperação e aprofundarem identidades específicas.
Temos aqui um longo caminho à nossa frente.
A liberdade, porém, não chegou ao povo mártir de Timor-Leste, de cuja luta e sofrimento sou solidário com todos os portugueses.
Quero dirigir neste momento uma especial saudação à Convenção Timorense, que se desenrola em Portugal, apostada em discutir um quadro de acção política consensual e manifestar esperança nos esforços do SecretárioGeral das Nações Unidas para encontrar uma solução justa da questão de Timor-Leste.
Aplausos gerais.
Portugal não esquece Timor e os timorenses e continua determinado a defender intransigentemente os seus direitos, designadamente o direito fundamental de poderem escolher o seu destino.
Srs. Deputados, a nova república portuguesa associou o seu destino à Europa.
A integração europeia, que a democracia projectou e conduziu, foi, por seu turno, um factor de estabilização democrática, contribuiu para a racionalização e o enquadramento das estratégias de modernização económica e social do país, permitiu que Portugal definisse, de forma clara e consistente, uma nova posição internacional, abandonando um largo período de isolamento, e constituiu, por tudo isto, uma oportunidade para sublinhar os traços históricos da identidade nacional numa dimensão de abertura e de diálogo, onde se exprime a nossa vocação universalista.
Foi árduo o caminho do nosso reencontro com a Europa.
Os obstáculos foram vencidos graças à lucidez dos responsáveis políticos que souberam definir uma orientação firme e preservar os consensos internos indispensáveis para manter uma linha de rumo coerente, antes e depois da adesão efectiva de Portugal às Comunidades Europeias.
Esse percurso era obrigatório para que a nossa visão sobre a evolução da Europa e as nossas posições acerca das políticas comunitárias ganhassem a autoridade e a relevância indispensáveis, tanto para a defesa efectiva e necessária dos nossos interesses nacionais, como para garantir uma participação plena na edificação comum da Europa das democracias.
A presença de Portugal entre os fundadores da moeda única marca, sem dúvida, uma viragem histórica.
Pela primeira vez, estamos na primeira linha, num momento decisivo, quando se inicia uma nova etapa, fundamental para o futuro de urna Europa livre e unida.
Há, por isso, boas razões, e sublinho-o constantemente, para ter orgulho em Portugal e nos portugueses, todos os portugueses que souberam reconhecer a importância deste desígnio nacional, mesmo quando dele discordaram, e se empenharam na sua realização, com um profundo espírito de responsabilidade.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Do mesmo modo, merecem reconhecimento os esforços continuados de sucessivos Governos na preparação das condições indispensáveis para passarmos à terceira fase da União Económica e Monetária, num quadro de continuidade em que foram envolvidos parceiros económicos e sociais.
A manifestação de legítimas correntes de opinião mais críticas ou discordantes não impediu que todos compreendessem os sacrifícios indispensáveis à modernização e o alcance nacional dos objectivos prosseguidos.
O mérito deste resultado deve ser sublinhado por dois motivos adicionais.
Primeiro, por contrariar algumas expectativas mais pessimistas, que prevaleciam interna e externamente, sobre a nossa capacidade para cumprir, em tempo, os critérios de convergência que determinam o acesso à moeda única; depois, porque Portugal alcançou os objectivos fixados pelo Tratado de União com uma margem muito respeitável do ponto de vista macroeconómico.
Há, pois, razões para ter confiança.
Sem cair em voluntarismos deslocados, vale a pena insistir na importância do espírito de confiança como uma condição de sucesso, sobretudo quando se trata, como é o caso agora e para a frente, de fazer face a processos de mudança profundos.
Por outro lado, os factores positivos na situação económica e social são cruciais para se poder avançar rapidamente nas mudanças prioritárias, com empenhamento generalizado de todos os agentes políticos, nas reformas prioritárias, tornadas ainda mais urgentes, tanto pela própria moeda única, como pelo próximo alargamento da União Europeia.
A integração europeia pôs à prova a democracia, a capacidade de resolver politicamente um grande desafio nacional, e a capacidade colectiva de realizar e absorver mudanças estruturais a um ritmo acelerado.
Perante a exigente negociação que está à nossa frente na União Europeia, e que nenhum dos nossos parceiros facilitará, será necessária uma assumida frente externa da responsabilidade de todos os agentes políticos, económicas e sociais, sem prejuízo, claro está, das responsabilidades próprias do Governo.
Mas, em boa verdade, ninguém poderá ser mero espectador perante desafio nacional desta importância, nem capitalizar sobre as eventuais dificuldades que encontremos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados:
As mudanças não incidiram apenas nos planos económico e social.
No plano institucional, as Forças Armadas enfrentaram, desde o fim da guerra colonial, desafios muito complexos.
As opções estratégicas do País em matéria de defesa e segurança foram objecto de novas conceptualizações.
Iniciou-se um debate sobre o modelo organizacional e a reestruturação das Forças Armadas portuguesas.
É importante aprofundar o debate sobre tais opções, visando um consenso nacional, condição que permitirá concretizar um corpo coerente de conceitos e princípios orientadores.
A defesa nacional, em democracia - sublinho, em democracia -, constitui uma tarefa essencial do Estado que deve ser partilhada por todos os portugueses.
Daí que o debate e a reflexão sobre as grandes questões estratégicas que lhes estão associadas não possam ser restringidos a um pequeno núcleo de especialistas, devendo envolver todos os sectores da sociedade portuguesa.
Entretanto, as Forças Armadas portuguesas passaram a estar presentes em importantes missões internacionais, nomeadamente na Bósnia, em Angola e em Moçambique, desenvolvendo acções de cooperação militar, como expressão da política externa do Estado português.
E fizeram-no de forma exemplar, com eficácia, disciplina e empenho, prestigiando-se e prestigiando Portugal.
Aplausos gerais.
As reformas em curso constituirão, estou certo, um estímulo crescente para a carreira militar e para as verdadeiras consagração e assunção das finalidades nacionais das Forças Armadas numa república democrática moderna.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:
O exemplo das adaptações institucionais conseguidas e das realizações bem sucedidas defende-nos do cepticismo e transmite confiança para continuar a vencer dificuldades e resistências à mudança.
Muitas dessas dificuldades e resistências correspondem a atrasos acumulados não só de recursos como de práticas.
A integração europeia acelerou algumas das transformações estruturais, mas subsistem debilidades que seria perigoso negligenciar.
Não me refiro apenas às fragilidades do aparelho produtivo, mas, principalmente, às que respeitam ao nosso sistema social e institucional.
Uma cidadania plena não se alcança apenas através do reconhecimento de direitos, mas, sobretudo, pela afirmação e pela generalização das práticas sociais que reforçam a igualdade de oportunidades, a participação cívica e a autonomia individual.
Os processos de tomada de decisão, cada vez mais implicados num mundo global, exigem crescentemente exactidão, eficácia e informação.
Neste ponto, muito há a mudar nos padrões e nas rotinas dos portugueses.
Impõe-se uma cultura de rigor, metodologias de exigência, debates qualificados e decisões sustentadas.
Gostaria, a este propósito, de me referir a uma grande realização nacional, que nos pôs à prova, a Expo 98, e a um desafio que nos convoca a todos, que é o do combate à droga.
A capacidade nacional de conceber e executar projectos com largo alcance internacional ficou, mais uma vez, demonstrada com a organização da Exposição Mundial em Lisboa.
A Expo 98 constitui um ensejo para valorizar os temas culturais e científicos ligados ao mar e desta forma sublinhar o espírito humanista dos Descobrimentos portugueses, que foram um contributo decisivo para a unificação de um mundo fragmentado nos alvores da Época Moderna.
Mas é como grande realização, exemplar não só nos propósitos como nos meios que convocou e na integrarão de múltiplas disciplinas de intervenção, que pretendo apontá-la.
É, certamente, um motivo de orgulho, dada a complexidade dos problemas que houve a resolver e a qualidade das soluções encontradas.
Aplausos do PS e do PSD.
A Expo não fez, por um golpe de mágica, desaparecer os problemas nacionais, apesar de ter implicado acréscimo significativo das capacidades de criação, de produção e de execução.
Mas é uma grande realização nacional, integradora, renovadora, inovadora, um marco na consolidação do prestígio internacional de Portugal.
Estou certo de que todos o compreenderam e saberão, nessa medida, valorizar agora e até ao seu termo.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Excelências:
As mudanças, tanto institucionais e políticas como sociais e culturais, têm de suscitar previsão e adaptação.
Há um conjunto de domínios em que a estabilidade e coesão sociais, sem prejuízo do confronto de políticas, deverão caminhar para a formulação de grandes consensos que assegurem uma solidariedade entre gerações.
O caso da droga, uma das realidades mais dramáticas e complexas das sociedades modernas, constitui uma situação paradigmática.
Existe hoje uma consciência, que diria espontânea, de que estamos perante um problema de dimensões globais que afecta o conjunto da vida social.
O problema das drogas já não está associado apenas às consequências físicas e psíquicas, sofridas pelo consumidor, e à criminalidade associada ao tráfico e à pressão do consumo.
É, de facto, uma verdadeira ameaça a interesses fundamentais, que vão do desenvolvimento económico ao exercício da cidadania.
Trata-se de um problema para o qual não há uma resposta única.
Requer, pois, uma concertação de recursos e de parceiros, uma cooperação entre instituições e Estados, uma atenção e um estudo permanentes e multidisciplinares.
Estamos perante uma questão que impõe um compromisso amplo entre o Estado e a sociedade através das suas instituições, um contrato de geração, que comprometa aqueles que agora detêm a responsabilidade com a qualidade da vida dos que virão a seguir.
Esta é uma oportunidade rara que não podemos desperdiçar.
Os contratos de geração dignificam a função reguladora do Estado, tanto quanto dignificam as organizações sociais neles implicados.
Há também outros domínios, como, por exemplo, os da segurança social, da saúde ou da justiça, em que o diagnóstico de situação foi efectuado e o estudo e o debate das soluções está adiantado.
As parcerias sociais estão disponíveis e o acordo, certamente, agregará vontades e criará sinergias.
Os instrumentos da solidariedade valem para os problemas concretos da sociedade portuguesa.
Uma democracia de cidadãos tem de ser capaz de corrigir o que os mecanismos económicos e sociais de mercado desequilibram e repor a equidade e a igualdade de oportunidades onde elas foram rompidas.
Não é uma responsabilidade de uns, apenas, que possa acomodar-se a privilégios corporativos ou a egoísmos de grupos instalados, pela simples e óbvia razão de que sem solidariedade não há cidadania.
Quero, finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, referir-me a duas ocasiões importantes para a democracia portuguesa: o próximo referendo nacional e as celebrações do 25 de Abril de 1999.
Quanto ao primeiro quero dizer que a democracia não é um regime imutável.
A representação política tem sido questionada por novas formas de participação directa dos cidadãos.
Tem reconhecido a pertinência de uma maior aproximação entre eleitores e eleitos.
A democracia enriquece-se e reforça-se com as reformas que abrem a possibilidade de novas modalidades de intervenção e participação política.
Temos agora, perante nós, a oportunidade de dar concretização prática aos novos mecanismos da dimensão participativa da nossa democracia, no quadro constitucional, com a próxima realização do primeiro referendo nacional.
A circunstância de o recurso ao referendo ocorrer pela primeira vez na prática constitucional da nossa democracia não deve conferir ao acto qualquer dramatismo, seja qual for a natureza das opções a tomar pelo povo soberano.
A democracia representativa garante o quadro essencial de estabilidade política e institucional.
A participação directa dos cidadãos tem de ser um factor complementar que reforce a legitimidade das escolhas e a coesão nacional.
Mas é por se tratar de um experiência nova entre nós que a realização de referendos nacionais impõe a todos uma responsabilidade acrescida, que é a de conduzir o debate no respeito integral pelas regras da tolerância, no confronto das opiniões e com a maior clareza de argumentos, prevenindo a formação de fracturas susceptíveis de minar a coesão social.
Estou certo de que o referendo será uma demonstração da vitalidade e da maturidade da democracia portuguesa.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Excelências:
O 25 de Abril é, certamente, um dos acontecimentos mais mercantes da nossa História contemporânea.
Introduziu grandes e profundas transformações na sociedade portuguesa.
Nele teve origem um regime democrático que tem sabido acolher essas transformações.
No próximo ano, comemorar-se-ão os 25 anos do 25 de Abril.
Desejo o empenhamento de todos os órgãos de soberania nesse acto evocativo a que devemos associar especialmente as mais jovens gerações, que já se formaram no regime democrático e que são o futuro da nossa democracia.
Essa passagem de testemunho é decisiva.
O legado mais valioso que oferecemos ao próximo século é precisamente a liberdade!
O 25 de Abril de 1974 foi um sinal de esperança.
O seu futuro será realização da nova geração, a geração da liberdade.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente da República de Moçambique, Sr. Presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné Bissau, Srs. Titulares dos Órgãos de Soberania de Portugal, Sr. Procurador-Geral da República, Srs. Conselheiros de Estado e ex-Presidentes da República, Srs. Membros do Corpo Diplomático, Ilustres Autoridades Civis e Militares, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Excelência Reverendíssima:
Vinte e cinco anos depois, tudo parece tão simples.
Banalizaram-se as imagens daqueles militares em ameno convívio com a população.
As fotografias e os filmes a preto e branco conferem um ar remoto e frágil aos instantâneos da Revolução.
Os testemunhos sucessivos dos intervenientes narram uma organização quase sem sobressaltos.
Tudo isso e a distância do tempo parecem contribuir para uma imagem de facilidade no derrube do regime.
Mas a verdade é outra: derrubar a ditadura exigiu determinação, foi necessária muita coragem para arrostar com os riscos inerentes a uma revolta contra quem dispunha de um forte aparelho repressivo e do apoio de sectores das Forças Armadas.
Temos, por isso, naturalmente, uma grata dívida para com esses oficiais, sargentos e praças que, desprezando os riscos, pegaram em armas para permitir aos portugueses alcançar a liberdade há tanto tempo desejada.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.
Honra aos militares do 25 de Abril!
Em nome da República, exprimo-vos o nosso reconhecimento e gratidão.
Recordo, sentido, a memória daqueles que, infelizmente, já não é possível ter hoje ao nosso lado.
Permitam-me que, por todos eles, evoque o nome do Capitão Salgueiro Maia.
Aplausos gerais.
O gesto generoso do 25 de Abril põe fim a uma longa luta que opôs sucessivas gerações à ditadura.
É à luz do sacrifício das diversas oposições ao Estado Novo que o 25 de Abril se compreende.
É nessa ampla tradição de determinação, de sacrifício e de coragem que ele se integra.
Também hoje, essas décadas de combate parecem tão simples e remotas; e tão saradas, felizmente, as feridas dos que conheceram a prisão e a tortura; tão distantes, felizmente, os sacrifícios daqueles que foram forçados ao exílio ou aqui sofreram perseguições; e tão longe a dor de quem viu os seus familiares morrer às mãos da polícia ou numa guerra travada contra o sentido da História.
O 25 de Abril é o gesto de toda uma geração, que, por exemplo, das fábricas às universidades, dos campos do Alentejo aos movimentos de libertação, das batalhas dos intelectuais aos percursos pela emancipação da mulher e pela igualdade de oportunidades, geração que, dizia, em seu nome e no de todos os que antes de si ousaram lutar, tornou inviável a sustentação da ditadura.
O 25 de Abril é um acto único e irreproduzível; é o dia em que todos nos encontrámos, oriundos dos mais diversos percursos, desde os mais velhos, vindos da antiga oposição republicana, aos mais novos, agrupados em torno das múltiplas famílias da esquerda; é o dia da liberdade e da esperança, liberdade e esperança, para as quais, cada um de nós, tinha, naturalmente, uma visão própria.
Vinte e cinco anos depois não é o balanço dessas perspectivas que importa fazer, a isso se dedicará o memorialismo, com as suas visões pessoais, e a História que, com distância e rigor, um dia se fará.
Mas há um país que se construiu com a liberdade.
Creio que a todos nós, que tivemos responsabilidades políticas, é grato olhar para trás, para estes 25 anos, e reconhecer que o balanço é muito positivo.
Creio que a todos os portugueses, que tiveram de contribuir com o seu trabalho e muitos com a sua quota-parte de sacrifícios, é igualmente grato reconhecer a enorme transformação que o seu esforço tornou possível.
Com a coragem desse dia tudo pôde mudar.
Quero sublinhar, em primeiro lugar, em homenagem aos militares, que a consolidação e a evolução da democracia permitiu uma grande mudança nas Forças Armadas.
Graças a um processo de reestruturação e apetrechamento progressivo, elas estão hoje mais aptas para responder às exigências do mundo contemporâneo.
É conhecida a amplitude das actuais missões desempenhadas pelas Forças Armadas, em Portugal e no estrangeiro, e o prestígio que granjearam no exercício dessas missões.
O seu qualificado contributo é decisivo na estratégica cooperação técnico-militar com os países de expressão portuguesa.
A sua capacidade operacional é essencial à consubstanciação dos compromissos internacionais assumidos por Portugal com os demais Estados e organizações internacionais.
O processo de reestruturação e modernização das Forças Armadas não está concluído.
Apesar dos esforços já desenvolvidos, há ainda um longo caminho a percorrer, que faz apelo a um grande empenho, determinação e capacidade de compromisso de todos.
Os objectivos têm de ser claramente definidos.
Para um país como Portugal, com recursos escassos e com um potencial estratégico limitado, é de primordial importância que tal exercício conduza à identificação actualizada das grandes prioridades que deverão orientar o esforço de modernização próximo das Forças Armadas, essencial para a projecção internacional do nosso país.
Portugal desempenha hoje um papel no concerto das nações só possível porque o 25 de Abril permitiu o fim de um ciclo marcado pelo isolamento e pela condenação internacionais.
Foi possível, então, pôr fim à guerra colonial.
Guerra que ceifou a vida de tantos soldados portugueses que, honrando o seu amor a Portugal, serviram uma causa errada, que a ditadura impedia que se debatesse ou pusesse em causa.
Guerra que ceifou também a vida de tantos irmãos nossos africanos que, com determinação, lutaram por um princípio fundamental: o do direito à autodeterminação.
Hoje choramos ambos os mortos desta tragédia e lamentamos impotentes o desperdício de tantas vidas.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelências:
Nada me poderia ser mais grato neste aniversário carregado de simbolismo e emoção do que saudar, em nome de Portugal, a presença do Sr. Presidente Joaquim Chissano e do Sr. Presidente da Assembleia Nacional da Guiné-Bissau.
Aplausos gerais.
Sr. Presidente da República de Moçambique:
Do alto desta tribuna não lhe pode falar o amigo que tanto o estima mas é com igual comoção que se lhe dirige o Presidente da República de Portugal.
A sua presença aqui representa para nós, e sei que também para Vossa Excelência, muito mais do que o testemunho das excelentes relações entre Moçambique e Portugal, ela é o símbolo da consolidação de um reencontro entre Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa.
Reencontro em que todos nós, de um lado e do outro, pacientemente, superámos o desconhecimento e o preconceito com a redescoberta e o entendimento, ultrapassámos a relação de exploração com a complementaridade dos espaços económicos e sarámos a ferida da guerra com o abraço da fraternidade.
Quero que saiba, Sr. Presidente da República, e por isso lhe exprimo hoje, em nome de todos os órgãos de soberania, que este novo relacionamento de Portugal com África é um dos motivos de orgulho maior do balanço destes 25 anos.
Aplausos do PS, do PSD e do PCP.
A sua presença aqui, Sr. Presidente da Assembleia Nacional da Guiné Bissau, permite-nos também exprimir a nossa solidariedade e a esperança num futuro democrático da Guiné Bissau.
Excelências, quando foi possível libertarmo-nos da ilusão do império, reorientámos a vida colectiva nacional para a partilha e a solidariedade no espaço europeu.
A adesão à Comunidade Económica Europeia é um projecto da República democrática.
Alcançar esse objectivo foi um factor de estabilização da democracia, contribuiu para a racionalização e o enquadramento de estratégias de modernização económica e social do País e permitiu que Portugal definisse, de forma clara e consistente, uma nova política internacional.
Não teria sido possível percorrer com sucesso esse caminho se a jovem democracia portuguesa não tivesse podido dispor de um constante apoio internacional.
É em sinal de reconhecimento por todo o apoio que Portugal recebeu dos países amigos que, com redobrado gosto, dirijo uma saudação muito especial a todo o corpo diplomático que nos dá o prazer de connosco comemorar este 25º. Aniversário da Revolução.
Aplausos gerais.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelências:
Confesso-vos que, como português e como Presidente da República, sinto orgulho no Portugal democrático.
É isso que deve dar forças a todos nós, na diversidade das perspectivas que cada um defende, para continuar a lutar por um Portugal melhor.
É difícil fazer o balanço de tantas transformações.
Melhorou a prestação dos serviços primários de saúde, alargou-se o leque de beneficiários dos sistemas de protecção social, intensificou-se o processo de escolarização, nomeadamente no ensino básico e universitário, criaram-se equipamentos e infra-estruturas que melhoraram as condições de vida de muitos portugueses, aprovou-se legislação laboral impeditiva de abusos e arbítrios, eliminaram-se os obstáculos mais flagrantes a uma igualdade de direitos das mulheres; descentralizaram-se muitos serviços; consolidou-se o poder local democrático.
A vida dos portugueses melhorou significativamente.
Com a democracia refundou-se também o Estado de direito; consagraram-se os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; assegurou-se a independência dos tribunais, garantiu-se a liberdade e o pluralismo político; a liberdade eleitoral ficou associada à necessária equidade nas condições de divulgação das mensagens políticas.
Mas o Estado de direito carece de aperfeiçoamento permanente, atento à evolução das sociedades, para melhor garantir a igualdade de oportunidades e a capacidade de iniciativa.
O debate acerca da reforma do sistema político, da lei eleitoral, do reforço da participação dos cidadãos e do financiamento da actividade política continua em aberto e deve merecer a nossa maior atenção.
Há sempre novas questões a discutir.
25 anos depois temos, de novo, perante nós a necessidade de procurar com coragem a construção dos consensos sem os quais estas reformas são inviáveis.
Sem elas talvez não seja possível dar resposta aos sinais de distanciamento na relação entre o cidadão e o sistema de representação.
Estes são evidentes, por exemplo, nas taxas de abstenção eleitoral ou na ausência de voluntários em número suficiente para as operações de escrutínio e fiscalização eleitoral que ainda há 10 anos mobilizavam milhares de militantes partidários.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
A entrada de Portugal no grupo de países fundadores da moeda única é igualmente um marco maior na democracia portuguesa, só possível à custa de rigor na governação.
É alicerçados nessa realização, e no que ela significa de capacidade nacional, mas também no que ela nos impõe como continuidade, urgência e rigor no esforço de reformas, que importa olhar para o futuro.
Portugal continua a ter problemas muito sérios, problemas com que convivemos há décadas e que são de difícil solução.
Problemas que todos os partidos que tiveram responsabilidades de governo já procuraram minorar, cada um à sua maneira, naturalmente.
No momento em que se fazem esforços, aliás de grande mérito, para responder aos desafios da sociedade da informação, persiste o analfabetismo literal e funcional e o abandono escolar precoce.
O Serviço Nacional de Saúde, que tanto sucesso alcançou, não responde ainda com eficácia às necessidades das populações; as assimetrias regionais de desenvolvimento continuam a penalizar zonas do País; o desemprego de longa duração e as dificuldades no acesso ao primeiro emprego persistem; a justiça é lenta e ainda inacessível aos mais desfavorecidos; a burocracia sem sentido resiste e tolhe os movimentos de quem tem iniciativa; o sistema fiscal continua a não ser uma arma eficaz na criação de mais equidade social; a toxicodependência mina o quotidiano de muitas famílias; os elevados níveis de pobreza existentes no País estão longe da erradicação.
É indispensável prosseguir com determinação os esforços encetados por todos os governos, ganhando ânimo com os resultados entretanto já alcançados.
A previsível evolução da conjuntura europeia aconselha a que se encarem com coragem - que aqui é expressão de rigor, exigência e previsão - novos passos no sentido da modernização do País.
Há um sentido de urgência que a todos deve interpelar, que todos temos de interiorizar.
Só assim se contornam as pressões dos calendários eleitorais e os impasses nos consensos quando estes comprometem o momento em que é necessário decidir.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelências:
A Europa vive um momento difícil.
São conhecidas as causas da operação da NATO.
É impossível aceitar a brutalidade inqualificável das forças militares e policiais sérvias contra os albaneses.
Aplausos do PS e do PSD.
Peço-vos um momento.
Esta matéria não vai, Srs. Deputados, com aplausos por parágrafos, tem uma linha e, por isso, peço-vos que oiçam até ao fim.
Dizia eu que são conhecidas as causas da operação da NATO.
É impossível aceitar a brutalidade inqualificável das forças militares e policiais sérvias contra os albaneses.
Tão grosseiras violações dos direitos humanos são intoleráveis.
Não há impunidade possível para actos desta natureza.
É importante que isto se compreenda.
É importante que se compenetre o Sr. Presidente Milosevic da determinação da comunidade internacional.
À violência tem de se responder necessariamente com a força.
Mas a utilização da força só tem sentido se for prosseguida com objectivos militares claros e objectivos políticos claros.
Por isso, é, necessário desenvolver, paralelamente às operações militares da NATO, um esforço político e diplomático para resolver os problemas que estão na base da presente crise.
Aplausos do PS.
É indispensável procurar com determinação uma solução política.
É necessário reunir os esforços de todos, da União Europeia, da Aliança Atlântica, da Rússia, dos restantes membros da OSCE, das Nações Unidas e do seu Secretário-Geral, que têm uma responsabilidade central em termos de garantir a paz e a segurança internacionais.
É bom e necessário que o Presidente Milosevic realize bem que este é o único caminho que pode seguir.
E que o deve fazer depressa, activamente e de boa fé, que deve dar, em tempo útil, sinais inequívocos à comunidade internacional.
Só assim se poderá alcançar uma solução política para o problema.
Para permitir essa solução é necessário pôr fim à presente fase desta crise, tendo por base os termos clara e convergentemente definidos pela NATO, pela União Europeia e pelo Secretário-Geral das Nações Unidas.
Entretanto, a situação humanitária é uma catástrofe que se agrava dia-a-dia.
O número de vítimas inocentes aumenta.
Cresce a preocupação quanto aos efeitos desestabilizadores da crise em outros países da região, nomeadamente na Macedónia, na Bósnia e no Montenegro.
A Europa vive, sem dúvida, um dos momentos mais dramáticos e difíceis do pós-guerra.
Por muito criativas que sejam as novas expressões que definem hoje os conflitos, a guerra é o que é, a guerra é o que sempre foi, a guerra é uma coisa horrível.
Não creio que ninguém possa assistir sem um calafrio de horror à transformação em espectáculo mediático da trajectória de um míssil até que transforma riqueza, património e vidas em miséria, destruição e morte.
E se algum dia a banalização do horror nos tornar insensíveis ao drama que uma guerra representa, os valores humanistas em que assenta quer a nossa civilização quer a construção europeia estarão postos em causa.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
A União Europeia em que nos reconhecemos é a que defende uma Europa que se rege por valores humanistas, a que deve condenar sempre as violações de direitos humanos mas também a que defende que a via da prevenção dos conflitos e da diplomacia são os instrumentos essenciais para assegurar a paz, a estabilidade na Europa e a segurança internacional.
Para isso é necessário que o projecto político europeu se reforce.
Sem uma Europa politicamente mais integrada, não haverá uma política externa e de segurança comum credível e eficaz, nem a Europa poderá assumir um papel mais actuante na defesa dos seus interesses próprios.
A Aliança Atlântica continua a representar um quadro indispensável para garantir a segurança e a estabilidade dos seus membros, mas a Europa tem de assumir uma maior quota-parte de responsabilidade na sua própria defesa.
Chegou a hora de os europeus disporem de uma capacidade própria e eficaz, em termos de gestão de crise, para poderem agir política e militarmente com autonomia.
Importa caminhar, com prudência e discernimento, mas com clara determinação política, na elaboração de uma política de defesa comum europeia, reforçando a nossa solidariedade política e militar e aproveitando o património que a UEO representa em si mesma.
Para além da resolução política do problema do Kosovo, julgo que se impõem medidas globais de estabilização e segurança do sudeste europeu, que passam pela consolidação de regimes democráticos, pela protecção eficaz das minorias e pelo desenvolvimento económico e social.
Os Balcãs não podem continuar a ser uma região da Europa sem perspectiva de futuro, excluída do concerto europeu, dos benefícios da paz, da segurança e do progresso.
A União Europeia tem, aqui, uma especial responsabilidade e seria, sem dúvida, útil avançar com um pacto de estabilidade baseado em elementos políticos e económicos e reforçar a perspectiva de uma aproximação crescente destes países à União.
A realização de uma conferência sobre a Europa do Sudeste seria, sem dúvida, muito oportuna.
Portugal participa na força da NATO com 3 aviões F16 e 53 militares.
Fazemo-lo porque o nosso país tem uma posição consistente quanto à defesa intransigente dos Direitos Humanos, fazemo-lo porque o Estado português sustenta uma posição de responsabilidade solidária no quadro dos seus compromissos internacionais, responsabilidade que assumimos com redobrado empenho quando as acções que dela decorrem são, em minha opinião, concordantes com os valores fundamentais que orientam a nossa vida constitucional.
Todos estamos conscientes dos limites do uso da força num conflito que só por solução política pode eliminar as causas que o geraram.
Todos estamos conscientes das limitações nacionais.
Mas um país pequeno, orgulhoso e responsável como Portugal tem de saber - e nós temos sabido sempre fazê-lo, nos últimos 25 anos - conjugar os nossos valores com as nossas responsabilidades na condução da política externa nacional.
Só assim foi possível, no espaço de uma mesma geração, transformar Portugal, de um país isolado no contexto das nações, num país internacionalmente respeitado pela consistência da sua política externa.
É, aliás, a solidez da posição internacional de Portugal que nos tem assegurado as condições externas indispensáveis para obter novos resultados na resolução da questão de Timor-Leste, como o demonstram, designadamente, as conclusões das últimas conversações de Nova Iorque, sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas.
O acordo alcançado sobre uma consulta livre e democrática representa um passo da maior importância no processo de autodeterminação de Timor-Leste.
Sei que todos partilhamos a esperança de que esse acordo possa ser assinado proximamente e, sobretudo, que todas as partes, repito, todas as partes, se empenhem em cumprir, escrupulosa e integralmente, as suas disposições, de modo a criar as condições de paz e estabilidade no território.
Pela nossa parte, tudo faremos nesse sentido.
Os portugueses têm um afecto muito especial por Timor, acompanham com angústia os momentos difíceis e com expectativa os momentos de esperança.
Timor tem vivido momentos dramáticos.
Perderam-se muitas vidas humanas - mortos que choramos como se fossem nossos.
Quiseram transformar a esperança em desespero, angústia a que temos de devolver de novo a esperança.
Nunca desistiremos de lutar pelos direitos do povo de Timor-Leste, nunca deixaremos de o fazer, até ao limite das nossas capacidades e meios, para que os timorenses possam decidir livremente o seu destino colectivo.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelências:
Comemoramos o dia 25 de Abril mas sei que, naturalmente também, cada um de nós não deixa de, interiormente, comemorar o percurso das causas, e foram tantas, por que lutou ao longo da sua vida política e dos combates que em nome delas travou.
Há um percurso pessoal que hoje cada um de nós, instintivamente, revisita.
O meu é já longo de quatro décadas, feito de vitórias e de derrotas políticas, mas feito também de persistência, de esperanças e de incertezas; norteado por valores e procurando sempre exercer com rigor as minhas responsabilidades públicas.
Lutei desde muito novo contra a ditadura, num confronto de posições que não tinham conciliação possível.
Assumi no regime democrático responsabilidades políticas muito variadas: em confronto, ao lado ou com o apoio de muitos dos presentes.
Sei que terei dificuldade em transmitir-vos o que significa para mim viver este dia exercendo o cargo que ocupo, procurando ser para todos uma referência suprapartidária, de isenção e rigor no exercício das minhas competências, exercendo uma magistratura de conciliação e de estímulo ao progresso constante do País, empenhando o melhor do meu esforço em desempenhar a mais nobre das funções que alguma vez me foram confiadas: a de procurar ser uma referência de unidade nacional e um factor de estabilidade política.
Olhando para o futuro, como é tão necessário olhar, olhando para o futuro acima das diversas perspectivas partidárias e até do que de mais premente pode haver na agenda política, permitam-me partilhar convosco algumas preocupações nacionais.
Uma é a preocupação de lutar contra a ignorância, contra o facilitismo, contra a inacção e contra a arrogância.
O papel da educação numa sociedade baseada na informação e no conhecimento é decisivo.
Esta é uma sociedade de participação e quem nela não consegue participar activamente não existe.
A participação exige que se saibam falar linguagens comuns e que se seja um interlocutor válido.
É nessa tarefa que a qualidade da educação é decisiva.
É preciso incutir nos mais novos a confiança nas suas próprias conjecturas, único processo que os levará a construir novos edifícios intelectuais sobre os ombros das gerações que os precederam.
Urge desenvolver uma cultura científica que garanta o alargamento dos horizontes e perspectivas fundamentais para a sua compreensão.
Importa despertar nos mais novos o gosto e a curiosidade de experimentar, de observar, de conjecturar.
Uma outra preocupação é a de incentivar uma cultura de cooperação.
É preciso compreender que não há soluções reais no mundo contemporâneo que não sejam partilhadas, globais.
É preciso promover uma cultura de cooperação, abandonando a ideia errada de que pensar o futuro é algo que não nos compete.
Uma sociedade que abdica de definir e construir o seu próprio destino colectivo é uma sociedade que vai morrendo sem esperança.
Ainda outra preocupação é a de promover uma cultura de tolerância.
Nunca a mudança nas sociedades foi tão rápida, nem os valores do conhecimento e da capacidade intelectual tão preciosos.
Por estes motivos, sabemos que as soluções não se encontram num quadro desregrado de mecanismos que desprezem, humilhem e anulem os valores e as iniciativas dos outros.
É preciso que os mais novos aprendam a acolher a alteridade e a reconhecer e aceitar o outro sem hesitações de qualquer espécie.
Só assim se reconstrói e redefine hoje, em permanência, a identidade.
Finalmente, outra preocupação é a de minorar as desigualdades sociais.
A igualdade dos cidadãos perante a lei exige que a democracia garanta a todos um mínimo de possibilidades económicas, sociais e culturais de integração e que as desigualdades - de oportunidades e de estatutos - introduzidas pelo funcionamento dos mercados sejam corrigidas ou, pelo menos, compensadas.
A garantia dos direitos sociais não é um luxo que se possa guardar para épocas de desafogo e de prosperidade acentuada.
Pelo contrário, a garantia de direitos sociais constitui uma condição para que a universalidade dos direitos cívicos e políticos se possa realizar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Lutar contra a ignorância, incentivar uma atitude de cooperação, promover uma cultura de tolerância, procurar corrigir as desigualdades, digo-os hoje como objectivos a prosseguir mas podíamos todos nós tê-los dito, e dissemo-los, de certeza, há 20, 30 ou 40 anos.
Valores por que lutámos e que continuam, como tantos outros, válidos e actuais.
Valores por que lutei sempre e aos quais quero continuar a dar, convosco, o meu contributo de 25 anos depois do 25 de Abril.
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Uma palavra prévia, peço que transmitam um reconforto e a minha solidariedade à Sr.ª Deputada Isabel Castro, percebo o que terá sentido.
Em segundo lugar, quero agradecer a todas VV. Ex.as o terem possibilitado que esta sessão se realizasse de modo a que eu próprio e a delegação dos Srs. Deputados pudéssemos estar presentes.
Muito obrigado a todos.
Aplausos do PS.
Minhas Senhoras e Meus Senhores, tive a grata honra de participar, nos últimos dias, em representação de Portugal, nas Comemorações Oficiais dos 500 anos da descoberta do Brasil.
Foram cerimónias marcantes que celebraram a História comum de dois Estados e de duas Nações que persistem em projectar no futuro um passado de cinco séculos.
No espaço de poucos meses participei na cerimónia de transferência de poderes em Macau, visitei Timor-Leste, finalmente livre da ocupação, e homenageei, em Porto Seguro, esse feito maior de Pedro Álvares Cabral que nos revelou o Novo Mundo.
É impossível viver tais momentos sem reflectir sobre o extraordinário percurso que Portugal iniciou no século XV e nas consequências que esse percurso projectou na percepção que temos do nosso lugar no mundo.
Essa percepção, importa reconhecê-lo, mudou, significativamente, nas últimas décadas, fruto da instauração do regime democrático.
A expansão marítima portuguesa marcou o País de forma indelével.
Desde então, Portugal viveu sempre para além do seu território original.
As formas da relação estabelecida entre Nação e territórios variaram ao longo da História: do entreposto ultramarino ao Império, do Império à descolonização.
A transferência de poderes em Macau e o referendo em Timor-Leste encerraram esse largo ciclo histórico.
Permito-me recordar as responsabilidades que assumimos em relação a Timor-Leste, no auxílio à reconstrução do País e à formação de um Estado independente.
Criámos enormes expectativas.
Não as podemos desiludir.
O relacionamento estável entre os dois povos não poderá viver apenas dos afectos, antes deve assentar na efectiva solidariedade entre Estados, como forma de contribuir para o desenvolvimento daquele povo tão grande pela sua determinação e pela sua coragem.
Nesse sentido se inseriram as recentes visitas a Timor de uma delegação da Assembleia da República, que aqui quero saudar muito em especial, e do Sr. Primeiro-Ministro.
Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Com o 25 de Abril, a democracia portuguesa soube encontrar na União Europeia a natural plataforma de inserção regional de Portugal.
O projecto europeu abriu caminho a uma transformação do País no espaço de uma geração, contribuindo para a racionalização de estratégias de modernização económica e social.
Portugal definiu, ao longo destes anos, de forma clara e consistente uma nova política externa assente, hoje, em cinco pilares essenciais: a língua, as comunidades portuguesas, a diplomacia política, as relações económicas e a participação militar em acções internacionais de manutenção de paz.
Reconheça-se, porém, que a herança de um imaginário histórico imperial se entrecruza, por vezes de forma equívoca, com a formulação do novo papel de Portugal no Mundo.
Importa encerrar, de vez, esse período de transição entre mitos do Império e a inserção num futuro que, em definitivo, tem de assentar em estratégias claras, inseparáveis dos nossos valores democráticos.
Aplausos do PS.
Recuso a visão de um Portugal pequeno que, à míngua de instrumentos e meios necessários à sua política externa, veja diminuído um prestígio internacional que assenta na História e no trabalho notável realizado pela democracia portuguesa.
Recuso, igualmente, uma visão retórica que exija a assunção de responsabilidades desproporcionadas em relação aos meios que Portugal deve disponibilizar, por si só, para a execução da sua política externa.
Tal como não me reconheço numa interpretação que confunda o rigor formal, que deve presidir às relações entre Estados, com a liberdade militante das relações entre sociedades civis.
É necessária uma permanente pedagogia política que recrie um consenso nacional e público sobre as formas de projecção da posição de Portugal no Mundo, consolidando a sua nova dimensão e valores, os seus conceitos e os meios necessários.
Qualquer omissão, nesse domínio, pode criar uma tensão difícil de gerir, porque assenta em expectativas desfasadas da realidade e daquilo que é razoável exigir do esforço português.
O estatuto de Portugal na União Europeia e na Aliança Atlântica define, de modo estável, a nossa posição internacional como parte integrante da aliança das democracias europeias e ocidentais.
O nosso futuro é inseparável da consolidação dessa Aliança e da construção de uma Europa assente na diversidade e no aprofundamento da integração.
Como mais uma vez o demonstra o nosso desempenho na Presidência da União Europeia, Portugal tem uma intervenção activa na definição das grandes orientações do projecto europeu.
O Conselho Europeu de Lisboa e a Cimeira Euro-Africana do Cairo são, indiscutivelmente, bons exemplos da nossa capacidade política, que contribuiu decisivamente para o sucesso dessas duas iniciativas da Presidência portuguesa da União.
Aplausos do PS.
Do mesmo modo, queremos impulsionar decisivamente a Conferência Intergovernamental, criar condições para uma capacidade própria de intervenção da União Europeia nas crises regionais e, sobretudo, prosseguir o alargamento às novas democracias da Europa Central e Oriental.
Trata-se, por um lado, de consolidar as instituições europeias e de reforçar a autonomia estratégica da Europa e, por outro, de responder a uma oportunidade histórica, sem precedentes, de fazer coincidir as fronteiras da União Europeia com as fronteiras da democracia na Europa.
Portugal será mais forte, é a minha convicção profunda, numa União reforçada e alargada.
O Sr. José Magalhães (PS):
- Muito bem!
O Orador:
- A cooperação com os países de língua oficial portuguesa é uma prioridade da nossa política internacional e um importante vector da capacidade de afirmação externa do nosso País.
Ela deve assentar numa dimensão ética e cultural e na criação de condições económicas e sociais de apoio ao desenvolvimento que continuem a permitir a Portugal projectar-se como interlocutor respeitado e desejado.
Temos valorizado, igualmente, o projecto ambicioso da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, uma instituição de vocação regional.
O seu lugar no sistema de relações internacionais está ligado ao desenvolvimento da cooperação em novos domínios.
É esse caminho que continuamos disponíveis para aprofundar.
Aproveito para recordar a presença, neste Sala, há um ano, e nesta mesma cerimónia, do Presidente Joaquim Chissano.
O povo moçambicano acaba de sofrer os efeitos dramáticos de uma catástrofe natural, que ceifou inúmeras vidas humanas, destruiu haveres e infra-estruturas.
Faço votos para que a ajuda internacional se mantenha, mesmo depois de terminada a fase de emergência, porque dessa ajuda depende o destino de milhares de moçambicanos.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- As nossas relações com Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé são relações entre Estados independentes e soberanos, alicerçadas na História e construídas na consciência comum de interesses estratégicos convergentes.
Ao longo dos últimos 25 anos, os laços diplomáticos e institucionais têm-se reforçado e as sociedades civis têm aprofundado os seus contactos culturais, técnicos, científicos e empresariais.
Apesar das circunstâncias particulares e complexas da situação político-militar angolana, Portugal sempre assumiu e valorizou um relacionamento amplo e reciprocamente proveitoso com a República de Angola.
Importa reafirmar, hoje, esse interesse estratégico, no incontornável pressuposto de que ele é desejado e correspondido, como não pode deixar de suceder entre países amigos e Estados independentes.
Assim como importa reiterar o contínuo e consistente interesse português no restabelecimento da paz em Angola, condição indispensável ao desenvolvimento e à consolidação do processo democrático do País, em todas as suas vertentes.
No quadro da nossa política externa, quero, ainda, destacar a cooperação que temos vindo a desenvolver através das Forças Armadas Portuguesas.
Elas estão hoje mais aptas para responder às exigências do mundo contemporâneo.
O seu processo de adaptação e modernização não está, porém, concluído.
Há um longo caminho a percorrer, que exige urgência e determinação e apela à capacidade de compromisso de todos.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- É necessário dar um impulso decisivo às três vertentes de acção fundamentais para a melhoria da eficácia das Forças Armadas: a profissionalização, a modernização e a racionalização das suas estruturas.
A disponibilidade limitada de recursos do País não se compadece com demoras no cumprimento das grandes prioridades que devem orientar o esforço de modernização das nossas Forças Armadas.
A optimização dos recursos impõe que se proceda a uma profunda revisão das actuais estruturas, segundo critérios de versatilidade, flexibilidade e funcionalidade.
De facto, Portugal só tem a ganhar com uma coordenação eficaz dos seus recursos e com um reequipamento militar adequado às missões que deve desempenhar, quer por si quer integrado em missões humanitárias ou militares internacionais.
No quadro da União Europeia, está em curso um aprofundamento da vertente segurança e defesa, através de iniciativas que visam o desenvolvimento da capacidade militar europeia na resposta a crises regionais.
As Forças Armadas portuguesas não podem deixar de acompanhar esta tendência dinâmica, adquirindo maior aptidão para cumprir as suas missões externas.
O estatuto que Portugal granjeou, graças à participação nessas missões, como membro activo da comunidade internacional, deve ser sustentado.
No dia, Minhas Senhoras e Meus Senhores, em que se celebra a coragem de quem fez a Revolução e a lucidez de quem compreendeu que o seu futuro dependia da transição do poder para instituições democráticas legítimas é importante sublinhar os relevantes serviços que as Forças Armadas prestam a Portugal, não obstante as conhecidas carências com que se confrontam, nomeadamente no tocante aos meios que permitam potenciar o desempenho das suas missões de interesse público.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Quero saudar os militares que prepararam e participaram no Movimento das Forças Armadas há 26 anos e para os quais temos uma dívida de gratidão.
Ao garantirem, com a sua determinação, sacrifício e coragem, a liberdade e a democracia permitiram o pleno desenvolvimento da cidadania.
Esta homenagem não pode deixar de se revestir hoje de um significado muito especial, porque se cumprem, precisamente, 25 anos sobre as primeiras eleições da Democracia, em resultado das quais se formou uma Assembleia Constituinte e se elaborou a Constituição da República Portuguesa.
Nesta sede do poder legislativo, quero lembrar as mulheres e homens que, pela primeira vez, assumindo no confronto livre as suas convicções políticas e partidárias, se submeteram ao sufrágio popular a 25 de Abril de 1975 e deram o melhor do seu esforço, dedicação e saber à construção de uma Lei Fundamental à sombra da qual se desenrolou a vida democrática das últimas décadas.
Aplausos do PS e dos Deputados do PSD Luís Marques Mendes e do PCP Bernardino Soares.
O 25 de Abril deu a todos os portugueses o poder para debaterem e decidirem em liberdade o seu destino colectivo.
É em homenagem a essa liberdade que hoje celebramos que é, de novo, importante pensar o futuro.
O destino de Portugal depende de todos os portugueses, do seu esforço e trabalho, sem dúvida, mas também da sua capacidade de interpretar o presente, de preparar o futuro, de participar nas escolhas, sabendo olhar para além da conjuntura e combatendo o crescente conformismo que se abate sobre as sociedades contemporâneas.
Só assim é possível requalificar a cidadania, que traduz e resulta da participação na vida colectiva do País.
Confrontados com a necessidade de assegurar as condições de sustentabilidade do nosso desenvolvimento, temos de apostar permanentemente numa política de rigor na gestão dos nossos recursos.
Tenho aludido reiteradamente a este tema, pois julgo ser necessário assegurar rigor na identificação de problemas e soluções.
Rigor na definição das prioridades políticas.
Rigor nos calendários de execução das reformas.
Rigor, por último, na gestão orçamental, por forma a criar um permanente clima de confiança na capacidade de previsão e gestão do próprio Estado.
O Estado não pode mover-se, na sua acção, a um ritmo inferior ao da evolução da economia e da sociedade.
Tem de saber estar constantemente aberto à inovação, à adaptação a novas funções que lhe são exigidas e a prescindir de algumas que se tornaram supérfluas ou que melhor podem ser desempenhadas por outros, para a satisfação do interesse colectivo.
Um Estado que, por lentidão burocrática ou indecisão no caminho das reformas, se mostra incapaz de acompanhar o dinamismo da sociedade transforma-se num factor de atraso na modernização do País em vez de ser um motor do seu desenvolvimento.
Entendo que o desafio que se coloca ao Estado é o da sua própria reforma, uma reforma que assegure o fortalecimento e a agilidade da administração nos domínios onde a sua intervenção activa continua a ser indispensável e útil.
Julgo necessário reabilitar a ética do serviço público, como modelo para a satisfação de necessidades colectivas, apto a assegurar a igualdade e a universalidade no acesso aos bens e serviços públicos.
Vozes do CDS-PP:
- Muito bem!
O Orador:
- O que recuso - e tenho-o afirmado repetidas vezes - é, por um lado, a cultura da dependência em relação ao Estado, que está, ainda, muito presente na nossa sociedade e na nossa economia e por outro, e, sublinho, por outro, as tentativas de apropriação das próprias funções do Estado pelas estruturas de interesses parcelares e corporativos.
Vozes do PS, do PSD e do CDS-PP:
- Muito bem!
O Orador:
- Sinto, ainda, o Estado pesado e lento, centralista, pouco ágil e inseguro na concretização, no terreno, de um programa de modernização, desconcentração e descentralização.
Sinto o Estado fraco na defesa do interesse colectivo perante o poder crescente dos grupos de interesse organizados.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Em suma, sinto-o menos apto a exercer as funções reguladoras, próprias de um Estado moderno.
Vivemos, hoje, numa sociedade aberta e numa economia de mercado, mas a liberdade pode ser ameaçada e a concorrência distorcida, se as instâncias de controlo e de regulação do Estado não funcionarem em nome do bem público.
E, de facto, não creio, Sr. Presidente da Assembleia da República e Srs. Deputados, que os portugueses se revejam numa crescente evolução corporativa da sociedade.
Em lugar do reforço dos instrumentos de defesa e realização dos direitos individuais dos cidadãos e dos interesses comuns, essa evolução representa uma tendência para a satisfação de interesses de grupo cada vez menos sensíveis à necessidade de contratualizar políticas com o objectivo de combater as desigualdades e satisfazer as aspirações colectivas.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Só um Estado e uma democracia fortes, com uma estratégia de modernização clara, asseguram, como lhes compete, a eficaz regulação dos interesses contraditórios, ainda que legítimos.
Só essa força determinada, que assume rupturas quando necessárias, consegue assegurar os equilíbrios indispensáveis à defesa dos interesses colectivos.
E garante, afinal, a segurança e os direitos dos cidadãos, a todos os níveis, responsabilidade primeira do Estado.
Essa é, aliás, uma condição indispensável à promoção de princípios e valores essenciais a políticas de equidade e coesão social.
Recuso, por isso, a concepção de um Estado democrático que não se norteie sempre por uma rigorosa igualdade de tratamento de todos os cidadãos, pela defesa do bem público e pela realização do interesse colectivo.
Por isso, é importante garantir que as decisões de que depende o nosso futuro são tomadas em tempo útil e partilhadas com os cidadãos.
É preciso estar próximo dos portugueses não só para compreender a verdadeira dimensão de tantos problemas que sabemos persistirem mas também para mobilizar a comunidade para a solução a dar-lhes.
É indispensável que se sinta e compreenda a extensão das desigualdades e assimetrias, ainda, existentes no acesso, tanto a recursos económicos e sociais básicos, como a equipamentos de primeira necessidade e a serviços públicos.
Importa que se reforce o combate, que, inquestionavelmente, tem sido dado, a essas desigualdades, ampliando, com realismo, as políticas sociais activas, para que a solidariedade seja um valor assumido pelos indivíduos e pela sociedade, porque também exercido pelo Estado.
As sociedades, Srs. Deputados, são atravessadas, hoje, pela incerteza e pela precariedade.
É importante, por isso, que os valores em que fazemos assentar o futuro das nossas famílias sejam mais sólidos.
Reconheço que o apelo consumista é forte.
Criou-se uma cultura, quase uma ideologia, do consumo.
A fronteira da sobriedade que separa as despesas necessárias da compulsão consumista parece ter desaparecido.
Tenho-me referido repetidamente a este tema e continuo a considerá-lo como uma preocupação prioritária.
O Estado tem também uma função pedagógica e formativa de que não deve abdicar, perante a lógica fria da concorrência entre produtores de bens ou entre prestadores de serviços.
A defesa do consumidor não se deve circunscrever à avaliação das qualidades daqueles bens e serviços, mas deve incluir, fundamentalmente, também, a informação necessária às escolhas individuais.
Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Temos de reconhecer que, apesar do esforço desenvolvido por todos os governos - de uma forma ou de outra - ao longo das últimas duas décadas e meia, subsistem problemas sérios por resolver no País.
Desde o sistema educativo, chave do nosso desenvolvimento futuro, até ao sistema fiscal, que carece de urgente e incontornável revisão por forma a garantir uma maior equidade social e responsabilização colectiva, todos reconhecemos a necessidade de fazer mais e, sobretudo, com renovado sentido de exigência e de rigor.
Sem esquecer, por um lado, o sistema judicial, cuja credibilidade é essencial a um Estado de direito e, por outro, a segurança, com as polícias que para ela contribuem.
Aqui, Minhas Senhoras e Meus Senhores e Srs. Deputados, impõe-se ter por claro que, na defesa do Estado de direito e salvaguardado o estatuto constitucional dos tribunais, magistrados e polícias exercem funções axiais de idêntica dignidade, que todos respeitamos.
Aos tribunais pede-se que punam as violações da lei; às polícias, que as previnam e as reprimam.
E, por esta via, participam, uns e outros, no monopólio do uso legal da força que só ao Estado compete.
Mas, porque assim é, manda o Estado de direito, que a ambos justifica, que não ultrapassem a medida de força estritamente exigida em cada situação.
Aplausos do PS.
Quando infringem esta ética essencial, não podem, todavia, esperar compreensão da comunidade que servem nem, como aconteceu recentemente com os agentes da PSP, faltar ao respeito que devem a si próprios e à sua função, confundindo, no mesmo impulso, reivindicações de estatuto, legítimas enquanto tais, com interferências, essas sempre ilegítimas, no regular funcionamento das instituições cuja liberdade e independência lhes cabe defender.
Aplausos do PS.
E essa confusão é tanto mais grave quanto as questões do estatuto das polícias não interessam apenas a elas próprias; interessam, igualmente, ou mais ainda, à comunidade que servem.
Enquanto às polícias não for reconhecido um estatuto que lhes garanta a plenitude da cidadania, é o Estado de direito, na leitura garantística que lhe é conferida pela Constituição da República, que perde e se empobrece.
É por isso que estas questões, mais do que quaisquer outras, têm de ser tratadas com firmeza e rapidez.
A autoridade do Estado é para ser exercida, em tempo, com determinação e sempre com muito senso.
Mas essa exigência não deve misturar-se com levianas demagogias que clamam, num mesmo gesto, pela reposição da autoridade do Estado e pela compreensão com atitudes que, indiscutivelmente, a põem em causa.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Também, aqui, se pede rigor, como na saúde, onde não há resposta ainda, com eficácia suficiente, às necessidades da população.
Persistem, também, um desemprego de longa duração e dificuldades de acesso ao primeiro emprego, tal como níveis reconhecidos de pobreza urbana e rural.
São questões de grande complexidade.
As assimetrias regionais, nem sempre contrariadas de forma sustentada pelas políticas de distribuição dos recursos, prejudicam ou atrasam a coesão do todo nacional.
É certo, sem dúvida, que nos últimos anos se realizaram ajustamentos importantes nas políticas públicas de protecção social, o que contribuiu para minorar as carências dos cidadãos que delas beneficiam.
Mas é preciso que estejamos conscientes de que há sectores fragilizados e que se multiplicam factores de marginalização social.
Portugal apresenta também graus de desigualdade na distribuição dos rendimentos sem paralelo em qualquer outra sociedade europeia.
Essa tendência tem de ser controlada e invertida, a começar pela reforma fiscal, com medidas que garantam uma efectiva e crescente igualdade de oportunidades.
O País tem hoje, felizmente, por comparação com os nossos parceiros da União Europeia, bons níveis de emprego masculino e feminino, níveis de desemprego relativamente baixos, mesmo representando o desemprego de longa duração uma grande parte do nosso total de desempregados.
Mas persistem domínios onde a qualidade de emprego não é assegurada e a legislação laboral não é integralmente aplicada.
Ora, o respeito pela dignidade dos trabalhadores, sendo, como é óbvio, uma questão do Estado democrático, é igualmente uma questão do desenvolvimento.
A competitividade da economia portuguesa só ganhará a prazo com essa qualidade e este respeito.
A evolução da conjuntura aconselha a que se encarem com rigor e exigência novos passos no sentido da modernização do País.
Temos todos de interiorizar a urgência dessa modernização, todos, ousando agir corajosamente, ultrapassando o adiamento que tudo compromete e a espera que tudo paralisa.
Não é possível olhar apenas ao curto prazo, se com isso se adiam opções estratégicas ou se não concretizam as incontornáveis plataformas de entendimento, que considero elemento indispensável à consolidação de uma modernização solidária.
É, para mim, claro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a ideia de uma economia moderna e competitiva exige a aplicação de políticas de solidariedade que lidem com o problema das tensões sociais provocadas pelo processo de modernização.
É necessária uma valorização constante da educação permanente, da mobilidade profissional e social, em suma, da polivalência, da capacidade de adaptação à mudança.
Precisamos, continuadamente, de uma formação escolar e de uma formação profissional mais exigentes: uma economia aberta impõe novos padrões de qualificação que são decisivos para acompanhar a evolução do mercado de emprego.
O desempenho económico do País dependerá, no futuro, ninguém duvide, da capacidade de realização neste domínio.
Esse imperativo de qualificação é igualmente válido no que toca à necessidade, quase que, diria, absoluta, de um mundo empresarial melhor preparado, factor decisivo para a inovação, a organização de empresas competitivas e a sustentação do emprego numa economia aberta, bem como para o desenvolvimento de uma sociedade civil mais autónoma e, sobretudo, menos dependente do Estado.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelências, Srs. Deputados:
A igualdade dos cidadãos perante a lei exige não só o respeito integral pelos seus direitos políticos mas também que a democracia garanta, a todos, uma igualdade de oportunidades económicas, sociais e culturais.
Recuso a ideia de um País em que os direitos sociais sejam considerados um luxo cujo exercício fique reservado apenas para épocas de prosperidade.
Preocupa-me a dimensão das desigualdades.
A garantia de direitos sociais constitui uma condição de desenvolvimento justo e equilibrado, essencial para uma democracia moderna.
É preciso, em tempo útil, gerar níveis satisfatórios de resposta a estas preocupações, para restabelecer a confiança numa sociedade mais justa e equitativa.
Portugal tem perante si um problema demográfico que nos próximos anos influenciará decisivamente a questão social portuguesa.
Trata-se do envelhecimento da população.
Da coragem e da criatividade com que se desenharem as novas políticas de solidariedade entre gerações depende muito a evolução da sociedade portuguesa.
O problema interpela o sistema de protecção social e as políticas de natalidade, com certeza, mas também a forma como valorizamos a relação entre o emprego e a vida familiar e como asseguramos a igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Não é um problema simples, nem um simples problema de natalidade.
É também um problema de valores, de percepções e de expectativas.
Neste aspecto, não o nego, as soluções têm de ser arrojadas, sob pena de não mobilizarem nem as gerações mais velhas nem as mais novas.
Não basta a iniciativa do Estado, que todavia necessita de ser pioneiro na abordagem do tema.
Há que contar, também, com a iniciativa dos empregadores que têm de compreender esta realidade e o contributo que podem dar para a sua solução.
Recuso, também, a ideia de uma sociedade que não cultiva a dignidade da pessoa humana como forma de reforçar o princípio essencial da solidariedade entre gerações que corre o risco de patrocinar o egoísmo mais do que a generosidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Como é natural, nunca há apenas um único caminho para a solução dos nossos problemas.
Nenhum partido está isento de responsabilidades nas carências que subsistem.
Tal como a todos é devida uma palavra de reconhecimento pelo contributo generoso que deram e têm de continuar a dar, no poder ou na oposição, para a estabilidade democrática e para a indiscutível modernização do País.
Mas, hoje, a mobilização da sociedade para a participação na vida colectiva torna necessário e desejável que se distingam com clareza as propostas concretas e responsáveis, as políticas distintivas que cada um propõe para assegurar as transformações necessárias na sociedade e no Estado.
Cada um tem as suas responsabilidades próprias: o governo de governar; as oposições de apresentar os seus programas alternativos.
Todos, em suma, são garantes, por igual, da qualidade do debate político que deve estar longe de pulsões demagógicas, que privilegiem o aproveitamento emocional do momento, em detrimento dos interesses estratégicos nacionais.
Aplausos do PS.
Disso depende a estabilidade política, a qualidade da nossa democracia e o desenvolvimento sustentado do País.
Todos os contributos para assegurar a qualidade do debate político são indispensáveis para fortalecer a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.
É na fidelidade a uma política de responsabilidade que importa assumir, sem equívocos, as diferenças.
Essa é a forma de clarificação das opções e, por isso, de identificação dos eleitores.
Só assim se pode levar os portugueses a participar, como todos o desejamos, mais activamente na vida política nacional, conferindo uma legitimidade acrescida aos partidos políticos em que se reconhecem.
Olho, como sabem, com apreensão para os sinais de distanciamento entre as estruturas de decisão política e os cidadãos que lhes asseguram a necessária e insubstituível legitimidade democrática.
É preciso, como já tive ocasião de dizer, nesta mesma sala, voltar a pôr os valores e as convicções políticas em primeiro lugar, como instrumentos norteadores de uma sociedade onde nem todos os compromissos são aceitáveis, onde a tolerância não pode ser sinónimo de laxismo, onde a dedicação à causa pública tem de ser prestigiada e respeitada.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- A República que todos queremos servir tem de ser aquela em que ninguém espera que as coisas mudem por si, mas onde todos sentem que é seu dever melhorar a sociedade em que se inserem, mesmo que isso implique sacrifícios.
Por isso, é sempre necessária determinação, tanto para governar, como para opor aos governos políticas alternativas.
Recuso, porém, a ideia de que o País se encontra num impasse.
Tenho consciência de que estamos perante novos patamares de exigência e de expectativas por parte dos portugueses a que é necessário dar resposta urgente.
Existe uma consciência pública mais aguda quanto à necessidade de acção política sobre a dimensão de muitas desigualdades e problemas que subsistem na sociedade portuguesa.
Mas em democracia, felizmente, existem sempre soluções.
Sr. Presidente, tenho procurado, ao longo do meu mandato, exprimir a minha confiança na democracia e na capacidade de realização do povo português.
Se bem que, entre nós, o Presidente da República não governe nem se co-responsabilize pelo cumprimento de um programa de acção governativa, sempre entendi ser meu dever intervir nos grandes temas que se colocam ao Estado, à economia e à sociedade, na defesa dos valores da liberdade e da igualdade em que assenta a democracia portuguesa.
Exclusivamente orientado pela prossecução dos fins constitucionais e pelo interesse nacional, a minha preocupação essencial tem sido a de abrir caminhos ou novas soluções, estimular consensos, mobilizar as vontades institucionais e apelar à participação.
Tenho-o feito sempre numa perspectiva positiva de combate à passividade ou ao fatalismo e de apelo ao empenhamento de todos e à confiança dos portugueses no seu futuro comum.
Tenho-o feito e pretendo continuar a fazê-lo sempre na mais estrita observância e respeito pelas competências próprias de cada um dos órgãos de soberania e sem interferir na livre competição política entre o Governo e as oposições, condição essencial da estabilidade democrática.
Nos estritos limites das minhas funções constitucionais, continuarei, como sempre, a procurar garantir o equilíbrio, a separação e interdependência dos poderes, o pluralismo democrático, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições.
E nesse sentido, estarei atento à necessidade de melhorar e aperfeiçoar as práticas democráticas, de corrigir abusos que ponham em causa os direitos fundamentais dos cidadãos e prevenir eventuais bloqueios institucionais artificiais e inúteis.
Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
O regime democrático aberto com o 25 de Abril restaurou e viabilizou a esperança para Portugal e para os portugueses, quaisquer que sejam as nossas leituras plurais.
Orgulhamo-nos do património de realizações dos 26 anos entretanto decorridos.
E os desafios do futuro continuam a interpelar-nos.
É para isso e por isso que queremos que a democracia seja mais forte, o mesmo é dizer que a vida colectiva seja mais participada pelos cidadãos, que o debate político seja mais vivo e responsável, e que se criem mais e melhores espaços de afirmação cívica para todos.
Em suma, queremos - estou certo disso - que Portugal se afirme como uma comunidade de cidadãos livres e iguais, numa República moderna e solidária.
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelências, Srs. Embaixadores, permito-me saudar os Chefes de Estado que VV. Ex.as aqui representam, porque, de algum modo, senão mesmo de forma decisiva, o 25 de Abril foi também o nosso regresso à comunidade internacional.
Aplausos gerais.
Ilustres Autoridades Civis e Militares, Ilustres Convidados, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Neste dia, a que tão justamente damos o nome da Liberdade, celebramos esse valor em que assenta a nossa sociedade e que durante décadas nos foi negado.
Celebramos a liberdade, conscientes de que, mais do que evocá-la, devemos praticá-la, renová-la, enraizá-la.
Neste aniversário de tão grata memória, comemoramos a democracia com a certeza de que temos constantemente de a aperfeiçoar, vivificar, aprofundar, pois é próprio dela reconhecer-se sempre imperfeita e inacabada.
Essa característica, que pode parecer uma fraqueza, é, afinal, a sua força, a sua grande superioridade.
Os totalitarismos é que se julgam perfeitos, absolutos e inultrapassáveis; a democracia tem consciência de que nada está definitivamente adquirido e de que a insatisfação é o seu melhor aliado.
Olhando o caminho que percorremos desde 25 de Abril de 1974 e o muito que conseguimos avançar, fazemos um balanço largamente positivo.
Esse balanço entendêmo-lo, porém, como uma responsabilidade de ir mais além, de fazer mais, de fazer melhor.
A história da democracia deve ser a história de uma exigência que não enfraquece, de uma vontade que não afrouxa, de uma responsabilidade que não diminui.
Sabemos que o Portugal de hoje é muito diferente, para melhor, daquele País oprimido, isolado e estagnado que a Revolução do 25 de Abril transformou, mas sabemos também que temos o dever de tudo fazer para que os nossos filhos e netos vivam, no futuro, num País mais moderno e mais justo do que o nosso.
Por isso, o meu apelo, neste dia, é este e é simples: sejamos exigentes, sejamos insatisfeitos!
Sejamos exigentes para não perder o que já alcançámos, sejamos insatisfeitos para melhorar o que ainda não está bem.
Como Presidente da República e no plano em que me coloco, que é o dos grandes objectivos nacionais, dirijo-me aos portugueses, a todos, representantes e representados, Governo e oposição, para vos dizer: recuperemos a energia da liberdade, façamos de Portugal a nossa ambição, não nos deixemos invadir pelo desânimo, nem vencer pelo fatalismo, não nos deixemos distrair pelas pequenas questões.
Concentremo-nos no essencial.
Quaisquer que sejam as dificuldades, a democracia contém as possibilidades de lhes dar resposta.
Não nos esqueçamos que é do nosso futuro como comunidade nacional que se trata, não desistamos de ter um rumo claro, um caminho aberto, uma esperança activa.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, nesta sessão, por feliz decisão da Assembleia da República, que saúdo, assinalamos um quarto de século da nossa Constituição.
Assinalar desta forma os 25 anos da Lei Fundamental do nosso regime democrático é, por si só, celebrar a afirmação da nossa maturidade política e da nossa capacidade de vencer divisões, sobretudo se pensarmos nas circunstâncias conturbadas em que o texto constitucional de 1976 foi elaborado e aprovado e se recordarmos as controvérsias que, a seu propósito, se geraram.
Muitos duvidaram, então, da longevidade de uma Constituição tão ideologicamente vincada.
A passagem do tempo fez, porém, esbater o que nela havia porventura de mais conjuntural e deixa sobressair agora o que, sendo já essencial no texto inicial, foi capaz de suscitar o consenso da nossa comunidade e garante, por isso mesmo, a sua vigência no futuro.
Se considerarmos o tempo que decorreu desde 1976, verificamos que se desvaneceu progressivamente a tendência para a manutenção artificial de uma querela constitucional: felizmente, a Constituição deixou de ser um objecto central de controvérsia política, deixou de ser responsabilizada, seja da parte dos Governos seja das oposições, por pecados que verdadeiramente não lhe podem ser imputados.
Ao invés, consolidou-se a sua força normativa, reforçou a capacidade, que deve ser a sua, de legitimação, de integração e de consenso nacionais.
Por isso, cumpre o papel para que está originariamente vocacionada: o de limitação e controlo do exercício do poder político; o da separação de poderes; o de salvaguarda e garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Na vigência da Constituição, conseguimos alcançar objectivos dificilmente tidos como possíveis há 25 anos.
A consolidação do regime democrático, a integração europeia e a afirmação internacional do nosso país no concerto das nações, a modernização e o progresso económico, a generalização do acesso ao ensino e à cultura, a vitalidade das regiões autónomas e do poder local, a consciencialização ambiental constituem, sem dúvida, o valioso legado da democracia às gerações do século XXI.
Por tudo quanto a Constituição permitiu que fosse realizado durante estes 25 anos, é devida uma justa homenagem aos Deputados Constituintes de 1975.
Gratamente também eu a expresso agora, aqui, em nome de Portugal.
Aplausos gerais.
É claro que o texto constitucional evoluiu significativamente desde 1976.
Podemos, contudo, dizer que a Constituição é a mesma - porque nela perduram os princípios estruturantes fundamentais.
Tal como foram logo então definidos, no essencial permanecem inalterados na sua substância os mesmos vínculos materiais da Constituição à forma republicana de governo, ao Estado de Direito, ao regime democrático, ao equilíbrio, separação e interdependência entre os órgãos de soberania, ao Estado unitário com regiões autónomas e à descentralização política e administrativa.
Ao contrário do que alguns temiam, esta é também uma Constituição cujo apego a princípios e valores não impede a adaptação e a abertura às mudanças ditadas pelos novos tempos.
Se dúvidas houvesse quanto a essa capacidade de renovação interna, aí estão as diferentes revisões constitucionais a dissipá-las, designadamente a de 1982 - que deu ao sistema político o cunho definitivo que ainda hoje apresenta - e a revisão de 1989, que consensualizou valores constitucionais e eliminou possíveis obstáculos a um desenvolvimento económico equilibrado.
Ao longo destes 25 anos, a Constituição demonstrou sobejamente a sua capacidade, não apenas de garantir, com sucesso, a transição para uma democracia plenamente institucionalizada, como também para dar forma ao quadro jurídico estabilizado do novo regime democrático.
A estabilidade constitucional, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é, em si mesma, e enquanto factor de integração nacional, um valor a preservar.
A Constituição só desenvolve a plenitude da sua força normativa se não estiver sujeita à precaridade, transitoriedade e contingência que afectam tantas leis ordinárias.
Sem pôr em causa a eventual necessidade de alterações da Constituição ditadas pelo imperativo nacional ou pelo aparecimento de novas e imprevisíveis situações, a Lei Fundamental só ganhará se for preservada de alterações supérfluas que possam ser substituídas, com vantagem, pela intervenção legítima do legislador ordinário.
Sempre que a Assembleia da República assume poderes de revisão e enquanto os respectivos processos não chegam ao seu termo, tenho mantido, e continuarei a manter, a reserva que me é exigida pela exclusividade das competências parlamentares neste domínio.
Com a autoridade que essa prática de contenção me confere, permito-me, hoje, chamar a atenção para a necessidade de dar cumprimento às injunções que resultam da revisão constitucional de 1997 e que não foram deixadas à discricionariedade do legislador ordinário.
A esse respeito, quero congratular-me com a disposição manifestada por esta Assembleia no sentido de dar cumprimento à norma constitucional que concede a grupos de cidadãos eleitores a faculdade de apresentarem candidaturas às autarquias locais.
Aplausos do PS e de Deputados do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, nas preocupações que levaram à última revisão constitucional estava a premência de reforma do sistema político.
Essas preocupações são legítimas e exigem o empenhamento de todos na superação dos bloqueios e deficiências de um sistema cujo funcionamento, sendo embora globalmente positivo, apresenta sintomas persistentes de erosão, designadamente no que se refere ao afastamento e desmotivação de tantos cidadãos.
Mas atenção: como tenho salientado em inúmeras ocasiões, a solução não estará, porventura, numa busca de soluções crispadas exclusivamente em torno de alterações constitucionais e legislativas que acabem por não corresponder, na prática, às expectativas que nelas se depositaram.
É possível e necessário, no quadro institucional e constitucional vigente, aperfeiçoar e corrigir o funcionamento do sistema político.
Para tanto basta, em grande parte dos casos, pura e simplesmente dar cumprimento às leis em vigor.
Na sequência do que aqui vos disse no dia da minha posse, e reportando-me à carta enviada ontem ao Sr. Presidente da Assembleia da República, gostaria de abordar, ainda que sucintamente, a questão do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
Há muito que este tema merece a minha atenção.
Na altura própria, assumi posições públicas perante o total desfasamento da realidade que representava a anterior lei do financiamento.
Mal pareceria, depois de ter vivido, como candidato, a experiência da aplicação da nova legislação, que não partilhasse convosco as minhas reflexões.
Julgo que é, aliás, um dever cívico que me é imputado.
É indiscutível que a actual lei representa um progresso no sentido da contenção de certo tipo de despesas, inúteis ou sumptuárias, e de maior transparência dos financiamentos privados.
Todavia, considero que, apesar disso, se deve caminhar assumidamente no sentido do reforço do financiamento público das campanhas eleitorais, tornando-as mais independentes dos financiamentos privados.
Vozes do CDS-PP:
- Muito bem.
O Orador:
- Só prosseguindo esse caminho se contribui para uma verdadeira transparência da vida nacional.
É importante, neste caso, continuar o esforço legislativo iniciado e ampliar de forma ousada a reflexão em torno deste tema.
Nada devemos recear: o aumento dos encargos do Estado pelo financiamento dos partidos políticos e das campanhas, consequência natural desta orientação, é um acto de coragem para qualquer democracia e corresponde a um investimento público na consolidação da mesma democracia e um contributo para o reforço da credibilidade e independência do sistema.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Há princípios reguladores das mesmas campanhas que se tornaram obsoletos face à evolução das sociedades, embora o essencial seja a determinação dos partidos, que julgo indispensável, para pôr fim a práticas de campanha eleitoral hoje ultrapassadas, inúteis e olhadas com desconfiança por parte dos cidadãos.
Contudo, o esforço de contenção das despesas eleitorais, tão importante perante os gastos extremos a que se chegou, não pode, todavia, ser elevado a limites que condicionem a efectiva capacidade de transmissão de uma mensagem política e à própria visibilidade da campanha eleitoral.
Vozes do CDS-PP:
- Muito bem!
O Orador:
- Assumido com sobriedade, pelos partidos e pelas candidaturas, o recurso aos meios necessários e assegurada a fiscalização rigorosa das receitas e das despesas, um maior financiamento público pode vir a constituir uma acrescida e decisiva garantia de transparência, de igualdade das candidaturas e, sobretudo, de reforço da confiança dos cidadãos no sistema político.
Penso, em suma, que o valor do financiamento público actual é insuficiente e que o seu reforço, acompanhado de uma redução dos gastos eleitorais, representará uma garantia, sempre ambicionada, de maior transparência da vida política.
E este é, como sabem, um objectivo fundamental por que tenho lutado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
O nosso país registou, desde 1976, mudanças notáveis, um progresso e um desenvolvimento significativos.
Mas há ainda muito a fazer.
Todos sabemos que acontecimentos recentes trouxeram à luz do dia debilidades e carências que muitas vezes não vemos ou que muitas vezes não queremos ver.
Esse País esquecido, isolado e pobre, existe e está entre nós.
Não reclama apenas os nossos bons sentimentos, exige acção e solidariedade.
Aplausos do CDS-PP.
A consciência das nossas fragilidades não deve ser, no entanto, motivo de desânimo colectivo ou de retorno a um pessimismo que queremos ultrapassado.
Demonstrámos já, sobejamente, que somos capazes de realizações notáveis, que somos capazes de nos mobilizarmos por causas nacionais, que somos capazes de nos empenharmos, com sucesso, na modernização do País.
Os importantes desafios que temos de vencer não nos devem atemorizar, paralisar ou levar-nos a enterrar a cabeça na areia.
Devem, pelo contrário, servir para nos consciencializarmos de que o nosso desenvolvimento é, em muitos casos, ainda frágil, de quanto de aparente pode haver na nossa modernidade.
A solução não está, seguramente, numa autoflagelação gratuita ou num passar, às vezes esquisito, de responsabilidades e culpas de uns para os outros - poder local e poder central, governo e oposições, Estado e sociedade.
A lição que temos de reter é simples e julgo ser esta: os problemas não se resolvem com meras proclamações nem com voluntarismo, resolvem-se com estudo, trabalho metódico, eficácia, com solidariedade, com coesão económica e social.
Há que desenvolver, a todos os níveis - e eu, como sempre, assumo integralmente a responsabilidade que compete ao Presidente da República -, uma cultura de exigência e de rigor, de prestação de contas, de responsabilização, de avaliação de resultados.
E, quando é esse o caso, há que pôr em movimento o mecanismo de sanção do desleixo, da negligência, da incompetência, da irresponsabilidade.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- O Estado de Direito é um Estado em que o império da lei é posto ao serviço da protecção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Temos, porém, de acabar com a atitude que leva a reivindicar - e ainda bem!
- os nossos direitos, mas a não querer assumir - e ainda mal!
- nenhum dever para com os outros e a comunidade.
Portugueses, na passagem do aniversário do 25 de Abril de 1974 e nos 25 anos da Constituição, quero saudar calorosamente os militares de Abril e renovar-lhes, como sempre, o nosso testemunho de reconhecimento e de homenagem.
Aplausos gerais.
Não esquecemos a sua coragem e a sua generosidade!
Foi a aprovação e a actualização da Constituição do Estado de Direito que consagrou os principais desígnios originários do Movimento das Forças Armadas e a adequada integração das Forças Armadas no regime democrático.
É nessa linha que elas colaboram em missões de protecção civil e de satisfação de necessidades básicas das populações, é nessa linha que cooperam na satisfação dos compromissos internacionais do Estado Português e que participam em missões humanitárias de cooperação e de paz que dão, na actualidade, uma nova dimensão à protecção internacional dos direitos do homem e ao progresso das instituições democráticas.
Essa participação em missões internacionais representa um desígnio nacional e contribui para a nossa afirmação externa.
Os militares dos três ramos das Forças Armadas têm cumprido essas missões com profissionalismo, competência e coragem, prestigiando o nome de Portugal e a instituição e a que pertencem.
Vozes do CDS-PP:
- Muito bem!
O Orador:
- Cabe-nos agora participar no debate sobre os caminhos, as responsabilidades e os novos desafios que o futuro coloca à Defesa Nacional e às Forças Armadas portuguesas.
Por isso, não me tenho cansado de referir a necessidade de as modernizarmos e reequiparmos,...
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):
- Muito bem!
O Orador:
- ... com vista a ultrapassar insuficiências e a adequar os meios existentes às necessidades.
Sabemos que este processo tem de ser gradual e terá necessariamente de ter em conta as prioridades e os condicionalismos financeiros globais da acção do Estado.
Todavia, é indispensável que as nossas Forças Armadas possuam elevados padrões de proficiência num contexto modernizado.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):
- Muito bem!
O Orador:
- Para a reforma estrutural das Forças Armadas é necessário o empenhamento responsável de todos os níveis de decisão, orientado por uma visão global da Defesa Nacional.
Só assim se chegará verdadeiramente à racionalização, à valorização e à optimização dos recursos existentes.
Este é, julgo, o tempo certo para o fazer.
A Assembleia da República vai apreciar brevemente alterações legislativas de importância fundamental para as nossas Forças Armadas e para a nossa política de Defesa Nacional.
Refiro-me a diplomas relativos ao envolvimento de forças portuguesas no estrangeiro, à programação militar, às bases de organização das Forças Armadas e ao exercício de direitos fundamentais por parte dos militares.
Como Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, cumpre-me assinalar a importância destes instrumentos legislativos e também manifestar o desejo de que a sua aprovação assente num consenso nacional duradouro quanto às orientações e aos objectivos estratégicos da política de defesa.
Temos feito, nos últimos anos, um esforço de adaptação e actualização de conceitos e de normas, procurando responder às profundas transformações entretanto ocorridas no plano internacional e no plano interno.
É necessário que esse esforço seja acompanhado de um debate nacional em torno das novas definições e actualizações estratégicas que, como todos reconhecem, são indispensáveis às exigências de um novo ciclo internacional.
Este é um imperativo nacional e uma responsabilidade de cidadania.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP):
- Muito bem!
O Orador:
- Decorreram já mais de 18 anos desde a aprovação da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
É tempo e há condições, agora, para retirarmos as devidas lições da vigência de uma lei aprovada num contexto político datado, marcado por polémicas conjunturais e pela controvérsia sobre a natureza do sistema político a construir após o período de transição constitucional.
Na última revisão da Constituição, a Assembleia da República deu o devido relevo à participação portuguesa nas missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faz parte.
Julgo que importa agora, numa altura em que o Parlamento debate o acompanhamento de tais missões, dar a justa importância ao enquadramento jurídico e ao papel que nelas deve caber aos diferentes órgãos de soberania.
A discussão em curso poderá ser uma ocasião excelente para uma clarificação de papéis e de responsabilidades, sem que para isso seja necessária qualquer revisão constitucional.
Nessa revisão de 1997, foi decidido ainda, por unanimidade, conferir uma representatividade mais alargada à composição do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Penso ser também esta a ocasião oportuna para, dando cumprimento à decisão constituinte, se proceder a uma reflexão sobre a natureza, a composição e as funções de um órgão relativamente ao qual é possível, agora, depois de quase duas décadas de funcionamento, ter um juízo sereno assente na experiência.
A política de Defesa Nacional e a organização e disciplina das Forças Armadas são pilares essenciais de um Estado democrático.
Aos Srs. Deputados incumbe um papel fundamental e insubstituível na adequação e actualização da definição conceptual estratégica e do quadro legislativo em que elas assentam.
Estou certo de que a Assembleia da República me acompanha neste conjunto de preocupações.
Portugueses, nos próximos 25 anos, o nosso país continuará a conhecer grandes transformações e vai ter de vencer muitos e exigentes desafios.
Algumas dessas transformações são imprevisíveis, outras resultarão de tendências que já hoje estão presentes na nossa sociedade e que devemos analisar.
A diminuição da taxa de natalidade, conjugada com o aumento da expectativa de vida, significa que teremos uma população cada vez menor e cada vez mais envelhecida.
Ambas estas tendências não são só portuguesas, são comuns à generalidade dos países europeus e não podem deixar de nos preocupar.
Neste quadro, a elevação dos níveis de desenvolvimento vai passar pelo aumento da imigração e exige uma significativa subida da produtividade.
Se a imigração permite o crescimento económico em extensão, só o aumento da produtividade aumenta a riqueza que cada um de nós produz.
Sendo certo que é difícil aumentar a produtividade a um ritmo tal que dispense a imigração, também sabemos que o acréscimo da imigração não aumenta, só por si, o rendimento individual.
Para aumentarmos esse rendimento, temos de aumentar a produtividade.
Este aumento deverá ser um objectivo permanente nos próximos 25 anos, por exemplo.
Políticos, empresários, sindicalistas, universitários, todos os cidadãos terão de se perguntar, a cada instante, com realismo e com sinceridade: como produzir o mesmo com menos gasto de trabalho, de capital, de matérias-primas, com menos desgaste da natureza?
Como produzir mais com o mesmo dispêndio de factores de produção?
Como conter a despesa pública sem sacrificar a qualidade dos serviços?
Por outro lado, o aumento da imigração pode constituir um factor de tensão social.
Assim poderá acontecer se não soubermos ou não quisermos proporcionar aos imigrantes condições de integração na nossa sociedade.
O Sr. José Barros Moura (PS):
- Muito bem!
O Orador:
- As dificuldades da integração estão a pôr-se para muitos imigrantes vindos da Europa de Leste, e são notórias, aliás, numa parte da segunda geração de imigrantes de origem africana.
Se, esquecendo as nossas responsabilidades morais de país de emigração - que, aliás, continuaremos a ser -, não resolvermos a integração dos imigrantes, estaremos a criar problemas sociais melindrosos.
Perante as novas condições, o nosso dever passa agora por uma política de acolhimento que, desde o momento da chegada, permita assegurar condições de integração.
O apoio ao ensino do português, a informação sobre a legislação portuguesa e a divulgação de um quadro de direitos, mas também de deveres, a que os imigrantes estão obrigados são os melhores caminhos para prevenir futuros fenómenos de exclusão social.
Temos de ganhar consciência de que a nossa sociedade está em permanente transformação e de que essa transformação gera, por si só, instabilidade.
Devemos preparar-nos para respondermos às mudanças das relações sociais, procurando novos pontos de equilíbrio e tendo sempre em vista assegurar, em termos modernos, a coesão social.
Assim, é preciso encarar a família de uma forma nova, sabendo que é hoje um modelo em profunda evolução.
Só assim ela poderá continuar a ser o primeiro factor de integração social.
Temos de melhorar a escola, que é, depois da família, o mais forte factor de integração.
Temos de estimular a vida associativa, fonte de enriquecimento pessoal e de dinamização social.
Só reforçando a integração social e a coesão nacional, estaremos em boas condições para enfrentar as consequências de um panorama internacional e europeu que se afigura tão cheio de promessas como pleno de riscos.
Esses riscos derivam de fenómenos como sejam: o aumento das desigualdades entre ricos e pobres, que mina a coesão de tantas sociedades, gerando instabilidade, violência e conflitualidade; a SIDA e outras epidemias; as agressões contra o ambiente e a dificuldade da comunidade internacional em concertar medidas para as conter, postas recentemente em evidência pela grande controvérsia em torno do protocolo de Quioto; o crime organizado e globalizado, como o tráfico de drogas e, agora, também, de seres humanos; fenómenos como a multiplicação de conflitos de base étnica e religiosa, os fundamentalismos religiosos, de que o Afeganistão recentemente nos deu um terrível exemplo; e a ausência de regulação do mercado mundial de capitais.
Eis uma lista de ameaças, dita por alguém que é optimista, a lembrar-nos que passámos de um mundo de Guerra Fria, assente no equilíbrio do terror, para um tempo de incerteza e instabilidade, em que, aos valores da democracia, se opõem não tanto as ideologias de cariz totalitário, caídas em descrédito, como o espectro da ingovernabilidade e anarquia em largas zonas do mundo.
Devemos tudo fazer, perante ele, mesmo que seja dando apenas pequenos passos, para aumentar a segurança e a paz da humanidade, até porque, num mundo globalizado, os problemas dos outros rapidamente se tornam problemas nossos.
Neste sentido, o aprofundamento e o alargamento da União Europeia devem ser assumidos como um insubstituível factor de estabilidade, de paz e de desenvolvimento, que particularmente nos responsabiliza e também desafia.
Devemos dar a nossa melhor contribuição para esse processo, valorizando, ao mesmo tempo, a nossa vocação universalista e os laços que nos unem aos países lusófonos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Como não me tenho cansado de dizer, a resposta aos desafios que enfrentaremos nos próximos anos resume-se numa brevíssima palavra: educação.
Só a educação nos permitirá ter voz e estar presente numa Europa e num mundo em mudança permanente.
A educação é condição indispensável para melhorar a qualidade da política, para reformar a Administração Pública, para aumentar a competitividade das empresas, para assegurar a reforma da segurança social, para vencer os desafios da integração europeia e da globalização.
Sem mais e melhor educação não entraremos plenamente na sociedade da informação, não aumentaremos a produtividade, não nos tornaremos suficientemente competitivos.
Da educação depende muito o civismo, a vivência da liberdade e a realização da democracia.
Considero, por isso, que nunca será demais frisar, neste Dia da Liberdade, a sua decisiva importância.
Os avanços que fizemos nos últimos anos não devem iludir-nos sobre o muito que há a fazer nas escolas portuguesas, nos laboratórios, nos centros de investigação, nas empresas.
É claro que o ponto de que partimos, em 1974, era muito diferente daquele em que estavam os outros países da Europa ocidental.
Essa é, verdadeiramente, a mais terrível, a mais persistente, a mais pesada herança da ditadura.
O acesso à educação condiciona a nossa capacidade de compreender e interpretar o mundo, de fazer escolhas e de exercer a cidadania.
Numa sociedade em que o acesso à informação se generaliza, é preciso que a educação ensine a organizar, a escolher, a exercer o espírito crítico e o livre exame.
Não podemos aceitar a inevitabilidade de uma sociedade amorfa, conformista, indiferente, em que a competição, o individualismo e o lucro sejam os únicos valores dominantes.
É necessário desenvolver, desde o ensino pré-primário, a capacidade de cooperar, de assumir atitudes solidárias, de eleger valores.
Nunca será demais sublinhar a importância da educação para a leitura, da educação científica, da educação ambiental e patrimonial, da educação para a comunicação social, para a prevenção rodoviária, para a adopção de estilos de vida saudáveis, para a solidariedade internacional.
Sou a favor de uma escola de exigência, de responsabilidade e de disciplina, uma escola de cidadania, que dê consciência dos direitos, mas também dos deveres.
Acredito que vamos ser capazes de vencer decisivamente o desafio educativo, porque, felizmente, a educação começa a ser olhada como uma responsabilidade social de todos nós.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
No último quarto de século vencemos desafios tão difíceis como aqueles que temos pela frente nos próximos 25 anos.
Vencêmo-los porque a Constituição de 1976, que institucionalizou a democracia e o Estado de Direito em Portugal, se tornou num factor de coesão.
Foi a Constituição republicana e democrática que permitiu a organização livre dos portugueses e o desenvolvimento da democracia, que tem permitido compatibilizar a solidariedade com a competitividade, a única forma socialmente útil de criar riqueza.
Foi a democracia instituída pela Constituição que possibilitou a nossa entrada na União Europeia, que deu sentido ao esforço nacional graças ao qual fomos fundadores do euro e permitiu a Portugal reafirmar, uma vez mais, o seu lugar no mundo.
É a democracia que tem permitido mobilizar a energia criadora dos portugueses para que se cumpra o sonho trazido pelo 25 de Abril.
É a democracia que permite reforçar e actualizar os laços entre os portugueses que vivem e trabalham em Portugal e os que vivem e labutam nas sete partidas do mundo, assegurando a sua participação na vida colectiva.
Foi a democracia que nos permitiu dar passos decisivos no sentido da igualdade entre mulheres e homens, que nos deu o impulso para combatermos a exclusão, as assimetrias, as discriminações.
Foi a democracia que nos permitiu consolidar o Estado laico, a liberdade religiosa e também a liberdade de não ter religião.
Foi a democracia que propiciou a criação de um clima estável de convivência cívica e de tolerância.
Será a Constituição republicana e democrática que permitirá, nos próximos 25 anos, enfrentar e vencer os desafios de hoje e os que surgirão amanhã.
Será a democracia - uma democracia mais participada - que, no próximo quarto de século, permitirá manter a unidade dos portugueses na sua diversidade.
Será a democracia - uma democracia mais dinâmica - que nos possibilitará continuar a vencer os desafios da integração europeia.
Será a democracia - uma democracia mais sólida - que, no próximo quarto de século, harmonizará a solidariedade social e a defesa do ambiente, com o necessário aumento da competitividade económica e da modernização.
Será a democracia - uma democracia mais aprofundada - que nos permitirá ter uma sociedade mais aberta, um País mais descentralizado, um território mais ordenado, um poder local mais renovado.
Será a democracia - uma democracia mais transparente - que atrairá mais jovens para o serviço público e que reforçará o prestígio das instituições e a sua indeclinável ligação aos cidadãos.
Será a democracia - uma democracia mais moderna - que criará melhores condições para a afirmação da nossa comunidade científica e dos nossos criadores culturais.
Será a democracia - uma democracia do século XXI - que nos fará sentir a todos mais cidadãos, mais participantes, mais responsáveis e também mais livres.
Por isso, dirijo-me aos portugueses, para vos dizer: não esqueçamos que está nas nossas mãos fazer com que as gerações futuras nos olhem como os portugueses que, com sabedoria e esforço, foram capazes de vencer as dificuldades e construir um novo Portugal - o Portugal do 25 de Abril.
Essa honra de amanhã é a nossa responsabilidade de hoje.
Lutemos, pois, em conjunto, por mais e melhor democracia; lutemos por uma democracia de cidadãos e por uma República de mulheres e de homens livres!
Viva a Liberdade!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente da República de Cabo Verde, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Presidente do Tribunal de Contas, Sr. Procurador-Geral da República, Srs. Ministros da República para os Açores e para a Madeira, Srs. Conselheiros de Estado, Srs. Deputados, Srs. Embaixadores, Excelências, Demais Autoridades Civis e Militares, Ilustres Convidados:
Duas razões nos reúnem hoje, aqui.
A primeira é a liberdade e a sua celebração, liberdade reencontrada em 25 de Abril de 1974.
A segunda é a abertura de uma nova Legislatura, que ocorre após uma substancial renovação política.
Agradeço, pois, à Assembleia da República o amável convite para presidir a esta dupla cerimónia e quero saudar todos os senhores Deputados, desejando-lhes um trabalho profícuo.
Saúdo, muito em particular, o Sr. Presidente da Assembleia da República, a quem desejo as maiores felicidades pessoais, também no desempenho do seu cargo, e agradeço o talento cultural e também parlamentar com que V. Ex.ª mostrou a todos que o meu bilhete de identidade é mais pesado do que o seu!
Risos.
É sempre bom, Sr. Presidente, não ter ilusões a esse respeito.
Bem haja por isso!
Quero deixar uma saudação - que certamente se compreenderá - de muito respeito e amizade ao Sr. Deputado Almeida Santos e agradecer-lhe tudo o que tem feito pela democracia portuguesa.
Aplausos gerais, de pé.
Da minha parte, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta Casa poderá continuar a contar com uma total disponibilidade para prosseguirmos um estreito diálogo institucional, baseado no respeito mútuo e na autonomia de cada órgão de soberania.
Como tenho repetidamente afirmado, considero que a cooperação e a solidariedade entre órgãos de soberania, no respeito pelos princípios constitucionais da separação e da interdependência, constituem não apenas um elemento fundamental do funcionamento do nosso regime político mas também um factor importante para podermos responder às particulares exigências que se colocam ao País.
Neste Dia da Liberdade, é-me grato renovar a nossa homenagem e o nosso profundo reconhecimento aos Srs. Militares que, com grande coragem e risco pessoal, souberam pôr fim a um regime retrógrado e ditatorial, abrindo o nosso País ao futuro.
Ao evocarmos a data fundadora do nosso regime democrático, não esquecemos todos quantos contribuíram - e foram muitos, felizmente!
- para pôr fim a uma opressão de décadas, permitindo que Portugal saísse da estagnação e do isolamento.
Saúdo, em nome de Portugal, os Srs. Embaixadores e outros representantes diplomáticos aqui presentes, reafirmando-lhes a nossa vontade de contribuirmos para a construção de um mundo em que o respeito pelos direitos humanos, a paz e a cooperação sejam os alicerces de uma ordem internacional baseada no direito, na segurança, na justiça e na paz.
Quero saudar também os muitos jovens estudantes que hoje assistem a esta sessão e congratulá-los por terem já conseguido uma coisa que normalmente é impossível: já se pode aplaudir das galerias.
Aplausos do público presente nas galerias.
Naturalmente, o Sr. Presidente acabou de me dizer que isso é só hoje.
Está claro.
Risos.
Celebramos, Sr.as e Srs. Deputados, a liberdade com confiança, na certeza de que apenas a democracia permite encontrar as soluções para os problemas com que nos defrontamos.
Celebramos a liberdade com a consciência de que ela não é algo de adquirido para sempre, mas um valor essencial que tem de ser constantemente afirmado, praticado e enaltecido.
O simbolismo e o significado desta cerimónia são ainda sublinhados, de uma forma particularmente eloquente, pela presença entre nós do Sr. Presidente da República de Cabo Verde, Comandante Pedro Pires.
Quero saudá-lo com velha amizade e o respeito devido a um estadista que votou toda a sua vida, com persistência e dedicação, ao seu país, compreendendo, como poucos, os novos caminhos que, em cada momento, se abriam para o futuro.
A história, a língua e as intensas relações entre Cabo Verde e Portugal têm-se reforçado constantemente.
A relação especial entre os nossos dois países espelha-se também no facto de viver entre nós uma grande comunidade cabo-verdiana, que já vai na terceira geração.
Vinte e sete anos depois de uma descolonização atrasada no seu tempo histórico, Portugal e Cabo Verde reafirmam, nesta cerimónia, um relacionamento histórico e cultural que sobreviveu às circunstâncias do colonialismo e se reforçou desde a independência.
Aplausos do PSD e do PS.
Saúdo igualmente os povos dos restantes países de língua portuguesa, permitindo-me individualizar Angola, para exprimir o nosso regozijo pelo recente acordo que visou pôr fim a uma guerra de 30 anos e para formular os mais sinceros votos de sucesso na consolidação dessa paz, tão merecida e desejada pelo povo angolano.
Aplausos do PSD, do PS e do público presente nas galerias.
Uma palavra distintiva, também, para Timor Leste, que em breve, com a sua independência, rasga os horizontes de um futuro que queremos de desenvolvimento e progresso.
No momento em que se completa a formação do novo Estado, com a eleição sucessiva da Assembleia Constituinte e do Presidente da República, quero saudar, muito calorosamente, o povo de Timor Leste, todos os seus representantes eleitos e, em especial, o Sr. Presidente, Xanana Gusmão.
Aplausos gerais.
Para Portugal, este é também o momento em que encerramos simbolicamente um ciclo da nossa História.
A democracia portuguesa fá-lo com a consciência que é no relacionamento entre Estados livres e democráticos que melhor se consolidam as relações históricas, linguísticas e culturais que há séculos unem Portugal a esses países e ao seus povos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
Com a passagem dos anos, é cada vez maior o número de portugueses para quem a Revolução do 25 de Abril é, não uma experiência vivida, mas uma data marcante da nossa História.
Esta nova geração de jovens é aquela que assegurará o futuro de Portugal.
Aquela a quem temos de saber passar o testemunho.
A ideia que a esmagadora maioria deles faz do regime anterior ao 25 de Abril é muito difusa e essencialmente centrada no problema das liberdades.
Mal lhes ocorre a extensão dos problemas económicos, sociais e culturais que foram consequência desses 48 anos de um autoritarismo conservador.
A verdade é que, no espaço de um quarto de século, o País transformou-se profundamente: bastantes desses problemas puderam ser resolvidos, mas muitos há ainda por resolver, num contexto que é claramente de grande exigência.
O nosso caminho foi árduo.
A liberdade tornou possível a construção de uma sociedade aberta, que restituiu aos portugueses a confiança no seu destino individual e colectivo.
Com visão, a democracia abriu-nos as portas da Europa e devolveu a Portugal a dignidade do seu lugar entre as nações livres.
O regime democrático consolidou-se e demonstrou a sua capacidade para definir estratégias nacionais e para resolver crises políticas, como aconteceu recentemente.
A invocação das principais realizações e virtualidades da democracia portuguesa, mas também das suas novas exigências, parece-me ser o ponto de partida mais adequado para uma reflexão sobre o futuro e, designadamente, sobre os princípios políticos que devem orientar a sua evolução.
Quero partilhar tal reflexão com esta Assembleia, em sinal de respeito político e institucional e porque esta Casa deve ser o centro dos grandes debates nacionais.
Parece-me importante sublinhar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais, quatro princípios que considero imprescindíveis para o desenvolvimento da nossa democracia.
O primeiro é o princípio da responsabilidade política.
Este vincula as instituições e os dirigentes aos cidadãos, na definição colectiva das prioridades nacionais, das estratégias e dos programas.
Devemos empenhar-nos cada vez mais na realização deste princípio, quer na regular prestação de contas dos responsáveis políticos, quer na participação exigente dos cidadãos, a todos os níveis da nossa sociedade.
O segundo princípio é o da tolerância, que se torna mais relevante quando se voltam a agitar os espectros do fanatismo, do racismo e da exclusão, com a manipulação fácil e demagógica do medo, dos preconceitos e da insegurança.
Sem segurança, não há liberdade; sem tolerância não há civilidade.
O respeito pelos outros, pelos nossos concidadãos, pelos imigrantes, pelos outros povos e outras nações é, e deve continuar a ser, uma característica da nossa cultura humanística, da nossa vida democrática e da nossa maneira de estar no mundo.
Aplausos gerais.
O terceiro princípio é o da solidariedade e da coesão social, que precisam ser reforçadas no quadro de um desenvolvimento sustentado, que tem como objectivo aproximar-nos dos níveis de progresso das economias europeias mais desenvolvidas.
Portugal continua a conhecer manifestações inaceitáveis de pobreza, de marginalização e de exclusão.
Urge, por um lado, combatê-las de uma forma tão sistemática quanto possível e, paralelamente, definir estratégias que as previnam.
Sabemos hoje que, quanto mais uma sociedade é avançada, mais importantes são os factores não económicos de desenvolvimento.
Aplausos de alguns Deputados do PS.
O quarto princípio de que vos falo é o da descentralização, cuja pertinência resulta tanto da necessidade de fortalecer as instituições democráticas e o Estado como da exigência, natural numa sociedade moderna, de uma crescente devolução de poderes, de responsabilidades e de meios às chamadas associações intermédias, aos movimentos cívicos e aos próprios cidadãos.
A descentralização e a desconcentração são urgentes para racionalizar responsabilidades e recursos, para ultrapassar a sobrecarga e a dispersão perigosa das obrigações do Estado.
A descentralização de poderes constitui uma condição indispensável para fortalecer a sociedade e, sobretudo, para empenhar os cidadãos nos processos de decisão política e na vida comunitária.
Aplausos do PSD, do PS e do PCP.
Com este último princípio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se liga a reforma política.
Como Presidente da República, cabe-me alertar-vos, Srs. Deputados, para a necessidade de possuirmos instrumentos de intervenção política mais capazes de mobilizar os cidadãos e de contribuir para a resolução dos nossos problemas.
É o que tenho feito regularmente, alertando para a necessidade urgente de as reformas se dirigirem ao conjunto dos meios - sublinho, ao conjunto dos meios - de que depende o seu sucesso: isto é, do financiamento dos partidos políticos às leis eleitorais, da reforma desta Assembleia à remuneração dos cargos políticos, do regime de incompatibilidades à reforma dos partidos.
Sei que as actuais dificuldades da situação financeira podem sugerir que as questões sociais e as questões da reforma do sistema político não são prioritárias.
Eu penso o contrário.
Um sistema político credibilizado e eficaz tem maiores possibilidades de sucesso na condução de uma política de reequilíbrio financeiro.
Do mesmo modo, uma sociedade consciente de que as questões sociais permanecem como prioridades do Estado mais facilmente aceita encarar os sacrifícios que eventualmente sejam necessários.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do Deputado do BE João Teixeira Lopes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Excelências:
Nos últimos meses, o debate político tem sido vivo e intenso, no quadro plural da nossa democracia, permitindo ao eleitorado fazer as suas escolhas.
Julgo que estamos agora em condições de recentrar as nossas preocupações numa agenda que valorize os objectivos nacionais de médio e longo prazos.
Apesar da premência de algumas questões, que abordei já - e não vou repetir - no discurso de posse do Governo, não devemos perder de vista esses desígnios.
Permitam-me que reitere a minha preocupação pela falta de discussão sobre o futuro político da Europa, que será sempre decisivo para Portugal.
Sem a abertura e consolidação de um grande debate sobre este tema, a defesa dos nossos interesses colectivos dificilmente assentará, como é urgente, numa opinião pública crítica, esclarecida e empenhada.
Aplausos do PS, do BE e de alguns Deputados do PSD.
O grande desafio com que nos defrontamos a médio e a longo prazos é, seguramente, o de manter o crescimento económico em moldes que nos aproximem cada vez mais da média europeia, mantendo e reforçando ao mesmo tempo a nossa coesão social.
Na presente década, Portugal terá de fazer face a um conjunto de desafios decorrentes do alargamento do espaço da União Europeia e do crescimento da importância da sociedade de informação e do conhecimento.
São estes desafios sérios, nos quais se joga o nosso futuro em termos de progresso e de convergência real com as economias europeias mais desenvolvidas.
A complexidade do tempo que vivemos exige mais informação, maior esclarecimento, mais consciência e maior compreensão.
A ciência está indissoluvelmente ligada à ideia de futuro; a inovação ao caminho que construímos para lá chegar, todos os dias.
Não há grandes temas do presente que não façam intervir a mudança e a inovação: dos oceanos às alterações climáticas, do ambiente à saúde pública, do desenvolvimento à exclusão social, da utilização dos recursos à gestão eficaz dos grandes sistemas tecnológicos.
Portugal precisa, pois, de melhorar o debate público sobre as condições da sustentabilidade, dando-lhe uma nova dimensão nos diversos planos: científico, técnico, jurídico, ambiental, prospectivo.
Aplausos do PS.
Como tem sido dito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos também confrontados com a necessidade de um novo modelo de competitividade para Portugal, que nos obriga a buscar o desenvolvimento de novos produtos, de novos serviços e de novas oportunidades, ultrapassando o modelo tradicional baseado nos baixos salários.
Este novo modelo exige uma maior capacidade científica e tecnológica, em termos dos recursos humanos do País e das empresas, implicando a necessidade de uma maior competitividade dos nossos sistemas de ensino, de formação profissional, de educação ao longo da vida.
Mas implica também a capacidade para desenvolvermos uma nova cultura empresarial baseada na inovação, na competência e na vontade de empreender, única forma de podermos competir num espaço cada vez mais globalizado.
Sem uma classe empresarial virada para iniciativas de base tecnológica e sem uma crescente componente de informação e de conhecimento, francamente, será difícil congregar os factores decisivos de competitividade, que são a inovação, a tecnologia e a capacidade estratégica.
É necessário que saibamos actuar directamente nos mercados mais exigentes e inovadores, que apostemos nos factores de diferenciação e de inovação, na capacidade de desenvolvimento de novos produtos e serviços em parceria e em cooperação.
É este o grande desafio, mas também a grande oportunidade, que nos coloca o alargamento da União Europeia.
Para fazermos eficazmente face a uma competitividade superior numa Europa alargada, as nossas empresas terão de alterar a sua estratégia em termos de recursos humanos, de posicionamento em relação ao mercado e às empresas suas parceiras, quer sejam clientes ou fornecedores.
Precisamos de reforçar as nossas empresas com profissionais cada vez mais capazes, o que por sua vez exige uma perspectiva mais integrada da melhoria do nosso sistema de ensino, de aquisição de conhecimentos científicos e de formação profissional.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
A aposta nas pessoas, na sua educação e formação, é hoje não apenas um factor incontornável do desenvolvimento mas uma dimensão decisiva da identidade cultural de um país.
Temos, pois, que garantir que os sistemas de ensino e de formação respondam a esta necessidade estratégica de qualquer sociedade moderna e devemos assegurar também um sistema de avaliação, exigente, solidário, mas também rigoroso, que permita, de modo sistemático, aferir com seriedade o trabalho que se faz e orientá-lo face ao desejável.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O sucesso de uma economia baseada na inovação repousa na vontade de transformar a situação existente, de aderir a novos procedimentos, de valorizar a aprendizagem, que não passa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, só por instituições e programas.
Passa pelas perspectivas e aspirações das pessoas.
Em suma, pelas perspectivas e aspirações dos cidadãos.
E se não formos capazes de, colectivamente, definir um desígnio, um futuro desejável, então o futuro que nos espera nunca nos pertencerá, será sempre dos outros e será sempre olhado como uma ameaça.
As questões do crescimento económico mudaram de paradigma e é preciso tê-lo em conta.
É hoje claro que o crescimento económico depende cada vez mais de factores não económicos.
Entre eles, importa também salientar todos aqueles que induzem a integração e a responsabilidade social.
Desde logo, os portugueses têm hoje uma consciência muito precisa do contributo que cada um dos grupos sociais e profissionais dá ao conjunto da sociedade.
Assim, temos de reconhecer que, ao longo das últimas décadas, em cada crise financeira, o esforço de recuperação se concentrou sempre nos mesmos grupos sociais e profissionais, sem que isso tenha tido, como contrapartida, a diminuição do número daqueles que iludem as suas responsabilidades para com o Estado e para com a sociedade.
Aplausos gerais.
A consciência desta injustiça é dificilmente suportável e tem efeitos graves.
É preciso agir com rigor, dando à justiça social o valor que sempre deve ocupar como orientador das políticas do Estado.
A luta contra a fraude e a evasão fiscais é uma luta central no processo de modernização da sociedade portuguesa, na afirmação dos valores da equidade e da justiça e, também, na recuperação das finanças públicas.
Aplausos gerais.
Na defesa destes valores, os portugueses poderão contar sempre com o Presidente da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Excelências:
Defrontamo-nos também com problemas decorrentes da nova estrutura demográfica da população portuguesa e com mudanças no modelo tradicional da família.
As consequências destas novas situações estendem-se, importa sublinhá-lo, aos mais variados domínios: das políticas de imigração ao problema da toxicodependência, da criminalidade ao desenho das políticas sociais, da segurança ao urbanismo.
Não podemos olhar para estes problemas de uma forma apenas assistencialista e meramente reactiva, entendendo somente o papel do Estado como minorador dos seus aspectos negativos.
Há um conjunto de valores humanistas que nos devem reger.
O primeiro deles reconhece na dignidade da pessoa humana o princípio orientador da nossa acção.
A solidão e o desespero de quem se sente abandonado e inútil para a família e para a sociedade; a revolta de quem se sente usado como mão-de-obra, mas estrangeiro, estranho, excluído e sem direitos na sociedade para a qual produz riqueza; o desespero das famílias que perdem a capacidade de diálogo com os seus filhos e os vêem mergulhar na toxicodependência, tudo isto são questões essenciais que hoje interpelam de forma angustiante a nossa sociedade, a nossa sensibilidade e os nossos padrões.
Aplausos do PS.
Temos de considerar os cidadãos mais velhos como parte integrante e activa da sociedade e ajustar o modelo de relação entre gerações.
Temos de tornar a sociedade mais sensível a esta realidade e mais flexível às suas consequências.
Temos de estimular novas estratégias de recrutamento e de recursos humanos das empresas, que necessitam de encontrar formas criativas de manter a inigualável mais-valia da experiência e do conhecimento.
Temos de estimular as famílias a ver na relação entre gerações um elemento essencial da coesão familiar, da transmissão de saberes e experiência e de um sentido de entreajuda que a todos deve envolver.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
A máxima de Camões - todo o mundo é feito de mudança - continua a ser verdadeira.
Vivemos tempos em que a única certeza parece ser a da mudança.
São tempos simultaneamente exaltantes, pela multiplicação das oportunidades, e perigosos, pela difusão de novos riscos e de novas ameaças.
Há duas maneiras, e só duas, de responder aos tempos de crise: ou recusar os riscos e perder as oportunidades, ou correr os riscos e tirar partido das oportunidades.
A diferença entre essas duas atitudes é o que distingue uma sociedade aberta, segura de si e confiante no futuro, de uma comunidade deprimida, arcaica e fechada.
Pela minha parte, não tenho dúvidas de que a força, a legitimidade e a credibilidade das instituições políticas são essenciais para fazer a diferença entre uma sociedade assente nos valores da confiança e uma comunidade anémica.
Um Estado democrático e moderno, que saiba exercer bem os seus poderes, as suas responsabilidades e o seu domínio de acção, fortalece a sociedade, a sua capacidade de se organizar e modernizar, dando aos cidadãos confiança para tomar nas mãos o seu destino.
Os portugueses têm, apesar das dificuldades, razões fundadas para poderem acreditar nas suas capacidades individuais e colectivas.
É este, talvez, o melhor e o maior legado do 25 de Abril.
A maior riqueza de que Portugal pode dispor são os portugueses e as portuguesas.
É deles e do seu trabalho que depende e dependerá o nosso progresso e a nossa prosperidade.
Por isso, não me canso de dizer que é necessário fazer mais, sempre mais, para que os níveis de educação escolar e de formação ao longo da vida da nossa população, sejam cada vez mais elevados.
Só assim, cada português disporá de melhores meios para se sentir apto a agir, a trabalhar e a vencer no mundo do século XXI.
Ultrapassámos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na nossa história recente, barreiras bem mais complexas do que aquelas que hoje se nos deparam.
Venceremos também os obstáculos que agora surgem no nosso caminho.
Para isso, temos todos, todos, de rejeitar o pessimismo e a resignação.
A compreensão lúcida do que está em causa e do que é preciso fazer, a valorização - sublinho, a valorização - do que somos e do que temos, o trabalho com método, com perseverança e com rigor, são estas as respostas que devemos dar às interpelações que o presente nos faz.
Certos de que assim saberemos vencer, prosseguindo o caminho que o 25 de Abril nos abriu.
Viva a Liberdade!
Viva o 25 de Abril!
Viva a República!
Viva Portugal!
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Membros do Governo, Srs. Ministros da República para os Açores e para a Madeira, Srs. Deputados, Srs. Presidentes dos Parlamentos dos países candidatos à União Europeia - que saúdo vivamente -, Srs. Embaixadores, Srs. Conselheiros de Estado e mais Autoridades Civis, Militares Judiciárias, Ilustres Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Sr. Cardeal Patriarca, Eminência:
Em primeiro lugar, quero saudar os Militares de Abril aqui presentes e faço-o de uma forma muito simples que sabem ser profunda.
Muito obrigado, Srs. Militares de Abril.
Aplausos gerais.
Minhas senhores e meus senhores, ao renovar as minhas saudações à Assembleia da República, neste Dia da Liberdade em que evocamos a data fundadora do nosso regime democrático, quero partilhar convosco e, na vossa presença, com os portugueses a minha reflexão activa e empenhada sobre a hora presente, que, como todos reconhecemos, se apresenta singularmente difícil, complexa e muito exigente.
Mergulhados numa crise internacional, de que compreendemos a gravidade, mas de que mal adivinhamos ainda a extensão das suas consequências e perigos, é como se ela nos expusesse mais às nossas próprias fragilidades e carências, revelando-as por inteiro.
Sentimos que, aos problemas que conhecemos e vivemos, muitos deles há demasiado tempo, se juntam agora novos problemas e novos desafios.
Esta situação, feita de velhos obstáculos e de novas dificuldades, dá-nos a amarga percepção de nos encontramos mais vulneráveis e mais indefesos para enfrentar o futuro.
E deve dar-nos também a consciência, uma maior e mais aguda consciência plenamente assumida, de que o tempo corre contra nós, de que não o podemos perder, desperdiçar ou ignorar a sua passagem veloz e desafiadora.
É nos momentos de crise que tudo se reabre: surgem, certamente, riscos e ameaças, mas também se oferece uma grande oportunidade de, desfazendo ilusões e enganos, nos reencontrarmos verdadeiramente connosco, com a nossa vontade e com a nossa ambição - uma vontade mais estável e uma ambição mais lúcida.
É nos momentos de dificuldade, precisamente, que devemos recusar a facilidade.
É nos momentos de desafio que o pessimismo e o fatalismo têm de ser contrariados, quer nas suas faces mais tradicionais, as da resignação e da desistência, quer nas suas faces mais perversas, que são as da desresponsabilização, da incúria, da inércia, do incumprimento e do laxismo.
É nos momentos de encruzilhada que é preciso ter a coragem de escolher o caminho, de afirmar responsabilidades, de agir consequentemente, de ir ao fundo dos problemas para os enfrentar e resolver; abandonando de vez aquela atitude que nos leva a falar muito das dificuldades, como se, em vez de falar delas, não tivéssemos o dever de as ultrapassar.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Que fique claro: no plano que ao Presidente da República compete, eu não me excluo, nunca me excluí, de dar um contributo constante e activo à resolução dos problemas.
Pelo contrário, é nesse sentido que entendo e pratico a cooperação institucional com todos os outros órgãos de soberania.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
É a essa luz que tudo faço para dar maior coesão ao País, estimular as energias da sociedade, mobilizar os portugueses.
Mas não há acção política digna desse nome, se não houver metas de exigência e objectivos claros de médio e longo prazo.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Compete ao Presidente da República tornar presentes essas metas de exigência e esses grandes objectivos.
Compete-lhe também avaliar se se está no bom caminho para os alcançar, pois é nisso que se traduz o desígnio para o País de que o Presidente é portador e em nome da qual foi eleito directamente pelos portugueses.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- É fundado neste entendimento da minha função que vos dirijo as palavras de hoje - palavras de preocupação, não vos escondo, mas também palavras de estímulo, de responsabilização e de confiança.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Orador:
- Por considerar que são esses os temas que exigem mais atenção na hora presente, vou falar-vos da crise internacional em que vivemos e dos problemas que ela nos põe, enquanto portugueses, europeus e cidadãos de um mundo globalizado; da situação económica e social do nosso país, pois nela se medem os resultados e os méritos das nossas políticas; e, finalmente, do Estado de direito e da necessidade de o aperfeiçoarmos para termos uma democracia de melhor qualidade.
Sr. Presidente, Excelências:
Como disse, celebramos o 25 de Abril num momento em que a situação internacional nos motiva novas apreensões, nos põe novos problemas e nos exige novas responsabilidades.
O século XXI começou mal, ao não cumprir as expectativas de paz e de progresso humano que o render dos milénios sempre faz nascer no coração dos homens.
O terrorismo e a guerra marcaram tragicamente este início.
Retiremos ao menos da experiência da tragédia os ensinamentos necessários para que permaneça firme a esperança em dias melhores.
O conflito do Iraque rasgou já parte do mapa de entendimentos, construções jurídicas internacionais e até de alianças estabelecidas após a II Guerra Mundial, pondo a nu a debilidade de organizações e dos seus códigos normativos.
Em paralelo, revelou a dificuldade de reajustamento das respectivas estruturas perante a nova distribuição de poder entre os Estados e face aos inéditos problemas políticos, económicos, culturais e religiosos que caracterizam o nosso tempo.
Reconhecemo-nos mais vulneráveis, até porque sabemos globais e difusas as novas ameaças decorrentes do terrorismo internacional, da proliferação de armas de destruição maciça, da criminalidade organizada, das crispações sociais, culturais e religiosas, do enfraquecimento de diversos valores estruturantes da sociedade e do progresso humano.
Há um sentimento de inquieta precariedade que atravessa países e povos e atinge também Portugal.
A esse respeito, a rara amplitude das várias iniciativas pela paz que tiveram lugar no nosso país e a diversidade da sua composição têm um significado político, social e cultural que não pode ser ignorado.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Talvez mais do que qualquer crise internacional anterior, aquela que agora vivemos tem suscitado entre nós extensos debates e muitas análises.
É esse, devo dizer, um bom sintoma, um sinal de que vivemos numa sociedade viva, democrática, plural e participativa.
No mundo global em que vivemos tudo respeita a todos, não devendo nenhum país alhear-se do que acontece e também lhe diz respeito.
Para Portugal, é imperativo não se alhear deste processo de múltiplas recomposições da Ordem Internacional que abarcará tanto a ONU como a União Europeia e a OTAN, pois em qualquer delas tem interesses próprios a defender.
E, se não o fizermos, outros o farão por nós - e não decerto em nosso benefício.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Os portugueses conhecem a minha posição sobre as condições em que foi lançada a ofensiva militar contra o Iraque.
Findo o conflito, derrubada uma odiosa ditadura, esperemos que, a partir de agora, se procure repor e reforçar o papel das Nações Unidas, na consciência de que nunca como hoje foi tão necessária uma regulação das relações internacionais, assente no respeito do direito, que recuse posições hegemónicas e que recuse decisões unilaterais.
Aplausos do PS e de Deputados do PSD.
Ao mesmo tempo, importa acautelar que, uma vez estabilizada a situação de segurança e resolvidas as emergências humanitárias, a reconstrução do Iraque - política, civil, física - se processe na mais estrita transparência, tanto de métodos como de finalidades, sob a égide das Nações Unidas, para que a autodeterminação e a rápida normalização do país, protegido na sua integridade territorial, possa ser levada a cabo pelo povo iraquiano.
Faço votos de que a paz - tão necessária!
- permita, finalmente, um futuro de progresso para este país, ancorado na sua história, nas suas capacidades humanas e nas suas vastas riquezas nacionais.
É esta também a hora em que tudo deve ser feito para pôr termo à situação de permanente conflito entre israelitas e palestinianos, garantindo a estes o Estado a que têm direito e àqueles a segurança do seu viver quotidiano.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Será trágico, nomeadamente para as relações entre o Ocidente e o mundo árabe e muçulmano, se, às ruínas e vítimas da guerra do Iraque, continuarem a somar mais escombros e mais mortos em Nablus e Telavive.
Trata-se de uma tarefa inadiável, quer no plano político quer no plano moral.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Devemos, Srs. Deputados, interrogarmo-nos sobre o lugar que pretendemos para Portugal neste mundo em mudança.
Ora, na hierarquia dos interesses portugueses é a União Europeia que assume a posição primeira, decisiva e sem paralelo no plano da nossa estratégia externa.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Quero reafirmar aqui tal prioridade, sobretudo neste momento, em que se assiste a uma das recorrentes crispações internas europeias, de antigos ou novos cepticismos.
Tal como em anteriores ocasiões, não é esta a altura para requiems apressados.
Pelo contrário!
E porque nisso estão interesses portugueses fundamentais, para além de uma fundada convicção de projecto, deveremos pugnar para que a União assuma resolutamente esta fase constituinte, para dar um novo fôlego à construção europeia neste dias de crise.
Não tenhamos dúvidas: o próximo tratado poderá influenciar em larga medida o nosso futuro colectivo, como portugueses e como europeus.
Importará velar pela defesa de um modelo que proteja o método comunitário, o equilíbrio interinstitucional, o princípio da igualdade dos Estados.
Um modelo que promova o aprofundamento das políticas de solidariedade e o estabelecimento de um quadro de objectivos que ponham termo à debilidade da sua dimensão política, designadamente no plano da acção externa e de defesa, cuja frágil expressão vem hipotecando a capacidade da União de agir como actor global e de cumprir as suas indeclináveis responsabilidades internacionais.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Um modelo que reafirme e consolide os valores e objectivos comuns que têm inspirado esta comunidade de destino, a saber: a defesa dos direitos fundamentais, a democracia, o direito, a justiça social, a solidariedade, a igualdade.
Um modelo que estabeleça uma mais próxima relação com os cidadãos, procurando dar respostas às suas crescentes inquietações e expectativas, única forma de criar essa ligação afectiva que está na base do cimento de qualquer comunidade.
Uma Europa consolidada por um continuado desenvolvimento das suas políticas comuns, com mais coesão económica e social, com mais capacidade competitiva, como aponta a Estratégia de Lisboa.
Importa ainda garantir um melhor espaço de segurança para os cidadãos que nela vivem, o qual, sem dano para os valores essenciais de liberdade, salvaguarde o progresso da abolição das fronteiras internas através de uma reforçada cooperação policial e judiciária, de um sistema integrado de vigilância das fronteiras externas, ou de uma realista aproximação do direito penal europeu.
Reitero a nossa convicção europeísta e quero saudar com esperança os 10 novos países, aqui tão bem representados, que se juntaram a nós há pouco neste grande projecto comum.
Reitero esta convicção não apenas para recordar uma conhecida posição pessoal mas para reafirmar o que, desde os anos 80, constitui um património político do Estado português.
Sublinho-a, porque a participação activa de Portugal no actual momento de construção europeia deverá mostrar aos nossos parceiros que a opção da Europa é um desígnio nacional maioritariamente assumido.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- É nesta comunidade de destino que encontramos os necessários apoios, mecanismos e solidariedades políticas para garantirmos a modernização do País, defendermos o progresso económico e social e alargarmos a nossa capacidade de projecção externa, nomeadamente em áreas da tradicional presença portuguesa.
Sr. Presidente, Excelências, Srs. Deputados (que também são Excelências, naturalmente! ):?
Risos.
?
A crise do Iraque decerto obrigará a reequacionar o papel da Aliança Atlântica, suscitando, porventura, decisões delicadas sobre a extensão das responsabilidades geográficas de uma diferente OTAN.
A Aliança Atlântica continua, porém, a desempenhar um papel central no quadro da defesa e segurança da Europa.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- É uma aliança antes de mais defensiva, com um papel importante na manutenção da paz e da segurança internacionais, que deve ser cumprido com a crescente colaboração da União Europeia.
A Aliança Atlântica não é, no entanto, uma caixa de ferramentas que possamos utilizar em qualquer circunstância sob pena de podermos minar a sua solidez.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- A União Europeia deve assumir, em articulação com a OTAN, crescentes responsabilidades no domínio da defesa, em particular nas tarefas de manutenção da paz e da segurança no nosso continente.
É importante que sejam fixados novos objectivos concretos à política de defesa europeia.
Não se trata apenas de colmatar conhecidas lacunas.
Trata-se, também, de definir um projecto que permita à União progredir gradualmente, com passos firmes, em direcção a uma capacidade autónoma de defesa que melhor garanta a paz.
Repito: a União Europeia não pode falhar este seu encontro com a História.
Os problemas decorrentes da presente conjuntura geopolítica colocam aos responsáveis europeus uma escolha, a meu ver, muito clara: ou dotar a União de objectivos e instrumentos que lhe confiram uma efectiva capacidade de influência diplomática global, ou confiná-la a um estatuto simplesmente regional.
Ora, o progresso, a estabilidade, o equilíbrio do mundo necessitam de uma União Europeia forte, sustentada por instituições sólidas, uma Europa reforçada por um indispensável pensamento estratégico que aproveite as várias experiências nacionais para lançar as bases de uma diplomacia externa interventiva, respaldada por uma adequada política de defesa.
Aplausos do PSD e do PS.
É, aliás, possível - e os debates na Convenção parecem mostrá-lo, e quero saudar os Srs. Deputados que representam tão dignamente este Parlamento na Convenção Europeia - elaborar programas comuns que permitam agir com eficácia na gestão de crises, na prevenção de conflitos, na estabilização de situações.
Sem atropelos de competências com a OTAN, mas antes melhorando colaborações e entendimentos, seria erro não aproveitar este momento de renovação do Tratado para finalmente se lançarem as bases adequadas de uma política comum de defesa, sustentada por um roteiro de objectivos e instrumentos (a sempre anunciada agência de armamentos seria um primeiro sinal concreto) que favoreçam o estabelecimento de capacidades militares autónomas, designadamente no campo da projecção de forças ou no domínio da informação, indispensáveis para agir e, sobretudo, indispensáveis para se ser credível.
Pretendemos uma Europa que não se esgote, no plano da sua política externa, na insuficiência declaratória e reactiva.
Há, por isso, que assentá-la numa diferente vontade política que saiba identificar os interesses estratégicos europeus e adoptar os métodos para os cumprir.
Nenhum Estado-nação poderá isoladamente fazer face à globalização dos problemas e aos desafios diversificados que dela decorrem.
Portugal, país tradicionalmente aberto ao exterior e dele retirando garantias de independência, deverá assim saber, sem angelismos e com determinação, assegurar a sua presença nos núcleos avançados de decisão que tenderão a formar-se na futura Europa alargada.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Em democracia, deve haver uma avaliação permanente do interesse nacional que não é propriedade exclusiva de ninguém.
Repito: não é propriedade exclusiva de ninguém!
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Sem essa avaliação, os compromissos são ocos e superficiais.
Mas isto não obsta a reconhecermos que a capacidade de acção internacional do Estado se reforça com a solidez e autenticidade dos consensos internos sobre as políticas externas, justificando o nosso empenho colectivo para definir linhas de orientação coerentes e duradouras.
Aplausos do PSD e do PS.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:
Falo-vos, agora, da situação económica e financeira do País.
O actual abrandamento da economia portuguesa veio dar destaque a problemas estruturais há muito diagnosticados e revelou novas vulnerabilidades, resultantes, em parte, da dificuldade em lidar com a intensificação da concorrência em mercados cada vez mais globalizados.
A palavra «deslocalização» - pronunciada como se de uma fatalidade se tratasse - é cada vez mais utilizada para justificar o despedimento, sem pré-aviso, nem justa causa, de milhares de pessoas, e não raramente somos convidados a um encolher de ombros perante a situação, com o argumento de que tudo não passa de um efeito da globalização, também ela inevitável, também ela irreversível.
Reconhecer os problemas não significa, muito pelo contrário, abdicar de pensar em meios adequados para os enfrentar.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Alguns desses meios continuam a situarse no quadro das políticas económicas e sociais de âmbito eminentemente nacional.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- No contexto internacional, julgo francamente, que só uma perspectiva assumidamente reformista pode ser uma via possível de abordagem deste problema, que exige mais cooperação e mais regulação à escala supranacional.
Regulação ao nível dos mercados financeiros, para combater excessos especulativos que, quando entregues a si mesmos, podem penalizar, definitiva ou injustamente, também grupos sociais e povos já desfavorecidos;?
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- ?
regulação ao nível dos sistemas e mercados de emprego, pondo fim a velhas e novas formas de exploração do trabalho contrárias à dignidade humana; regulação ao nível de equilíbrios ambientais que salvaguardem interesses vitais das gerações futuras; regulação ao nível dos fluxos informacionais, tentando evitar que o seu potencial universalista seja posto ao serviço da força bruta e de interesses particulares ilegítimos.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Portugal, uma pequena economia aberta, tem interesse directo em participar activamente em todas as iniciativas que contribuam para regular as relações económicas internacionais.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- E, desde logo, a nível europeu, lutando para que se aperfeiçoem e concretizem princípios e normas impeditivos de manifestações brutais de desregulação como as que permitem transferir, de um dia para o outro, recursos e postos de trabalho - tantas vezes criados com apoios comunitários - de países onde vigoram direitos sociais duramente conquistados para países onde tais direitos continuam a ser negados às respectivas populações.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes.
Sem essa regulação e sem essas regras, é um mundo sem lei que estamos a construir - e, como a história nos ensina, isso é abrir a porta a todos os perigos e a todas as ameaças.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
A década de 80 do século que há pouco findou ficou marcada, em muitos países da Europa Ocidental, por concepções e políticas defensoras de um recuo generalizado da presença do Estado na vida económica e social, apresentado, então, como uma nova receita infalível ou um novo dogma, que se apresentava em oposição ao dogma da estatização.
O tempo correu e a avaliação dos vários efeitos negativos de tal orientação sobre as condições de equidade e protecção sociais suscitou, ao longo do decénio passado, uma inflexão da acção política no sentido de assegurar que a transferência para a gestão privada de actividades antes confiada ao Estado decorresse no quadro de regras públicas respeitadoras do interesse geral das populações.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- A questão está na ordem do dia em Portugal e é, e continuará a ser, de decisiva importância no futuro do desenvolvimento português e nas suas características fundamentais.
Aceita-se que, por razões de eficiência económica e de controlo da despesa pública, haja uma redução do papel prestador do Estado; mas também se sustenta que continue a pertencer ao Estado, através de códigos de regulação devidamente explicitados e de uma acção fiscalizadora eficaz, a responsabilidade última pela defesa do interesse geral.
Aplausos do PSD e do PS.
Tenho defendido ser crucial que a transferência de algumas funções do Estado para privados seja conduzida segundo princípios definidos com transparência e de acordo com procedimentos tecnicamente fundamentados e testados com o rigor e a seriedade requeridos pela defesa do interesse público.
Entendo que, se assim não acontecer, é grande o risco de essa transferência vir a gerar custos sociais e económicos altamente gravosos, sobretudo para as populações mais frágeis, ainda que, no curto prazo, ela permita alcançar ganhos financeiros e políticos apetecíveis.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Foi esta a perspectiva que adoptei ao apreciar o diploma, recente, sobre a rede de cuidados de saúde primários, o qual só entrará em vigor, por determinação do Governo, quando for aprovada a criação de uma entidade reguladora que enquadre a participação dos operadores privados e sociais no âmbito da prestação de serviços públicos.
Aplausos do PSD e do PS.
Parece-me, por outro lado, indispensável que a Administração Pública se abra à inovação de forma a responder às expectativas dos cidadãos e a garantir que o interesse público seja salvaguardado.
De facto, nesta progressiva alteração das funções tradicionais do Estado, ou a Administração Pública incorpora novos saberes e novas tecnologias e reforça valores fundamentais como a confiança, a responsabilidade, a imparcialidade, o profissionalismo e a qualidade na sua relação com o indivíduo, a sociedade e o mercado, ou, não o fazendo, a sua falta de capacidade reguladora trará consigo novas e mais dramáticas injustiças, ficando o Estado dependente de interesses privados ou sectoriais, quase sempre não coincidentes com o interesse público.
Aplausos do PSD e do PS.
No tempo actual, aos governos não se colocam apenas os desafios decorrentes da necessidade de aperfeiçoamento das funções de intervenção reguladora do Estado.
Aos governos, hoje, pede-se mais e pede-se melhor.
Pede-se que seja capaz de uma visão estratégica de longo prazo e da capacidade de acção correspondente.
Posto perante lógicas de mercado, em grande parte não reguladas e que cada vez mais ultrapassam as fronteiras nacionais, não pode o Estado - sobretudo em sociedades com múltiplas fragilidades estruturais, como é o nosso caso - abdicar de uma ambição forte,?
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- ?
quer em matéria de reposicionamento estratégico da economia nacional, quer em matéria de construção de uma rede sustentada de protecção social para os cidadãos mais vulneráveis.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Factos recentes da nossa vida colectiva, como os que se têm traduzido por um acréscimo repentino do desemprego, são bem reveladores das responsabilidades e exigências estratégicas que, nos dois eixos enunciados, se colocam às políticas públicas.
Começo pelo segundo.
É indispensável estabilizar patamares generalizados de protecção dos cidadãos, de forma a prevenir e atenuar, tanto quanto possível, quer o sofrimento das pessoas mais expostas aos riscos quer os próprios níveis de conflitualidade social.
Nada menos aconselhável a este respeito do que provocar roturas forçadas em relação a consensos laboriosamente conseguidos ou a políticas anteriores testadas com êxito - o assunto é demasiado delicado para se compadecer com demarcações ideológicas excessivas ou com experimentalismos de eficácia duvidosa, como se, para inovar em política, tudo tivesse sempre de ser mudado ou tivesse de recomeçar do zero.
Aplausos do PSD, do PS e do Deputado do BE João Teixeira Lopes.
Quanto à intervenção estratégica do Estado, esta tem de começar por exigir uma antecipação prudente dos cenários dentro dos quais se poderá processar o desenvolvimento empresarial e a criação de emprego no País.
Garantir condições para o incremento da competitividade ou para a reestruturação atempada de certos sectores de actividade especialmente expostos à concorrência externa não pode ser considerado, como alguns ideólogos da não-intervenção sugerem, como uma intrusão desnecessária e perniciosa do Estado na vida económica.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Em Países da União Europeia com estruturas produtivas bem mais sólidas do que as nossas, esse tipo de actuação é correntemente assumido de forma descomplexada, com visíveis vantagens.
É inquestionável para mim que o Estado deve intervir em domínios tais como o do incentivo e apoio à inovação tecnológica e à formação continuada de recursos humanos.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Com graves défices acumulados nesta matéria, custa a aceitar que sejam tão tímidos ainda os resultados obtidos.
Como também não se compreende que os esforços feitos por sucessivos governos na definição do quadro institucional enquadrador deste tipo de intervenção possam ser postos em causa sempre que ocorre uma mudança política.
Aplausos do PSD e do PS.
Mais uma vez insisto nas vantagens para Portugal de uma cultura de continuidade e amadurecimento relativamente a uma cultura da demarcação, tantas vezes meramente artificial, nominalista e quase ritual.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Isto é tanto mais de sublinhar quando, muitas vezes e infelizmente, o que tem continuidade são apenas as más práticas.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Mudar o estado actual da economia portuguesa é um desafio incontornável e urgente.
Vivemos não apenas uma mera crise conjuntural, agravada pela situação internacional, mas também uma crise estrutural, que se reflecte nos défices acumulados da balança de transacções e no substancial aumento do endividamento externo do País.
Temos de encarar de frente e com determinação os problemas de fundo da economia portuguesa, olhando menos para o passado e, sobretudo, mais para o futuro.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- A retoma da economia portuguesa, para ser sustentada, tem de assentar, primeiro, na confiança dos portugueses, depois, e ao mesmo tempo de preferência, num projecto mobilizador e em boas políticas públicas.
Aplausos do PSD e do PS.
A necessidade de controlar as finanças públicas - condição da nossa credibilidade externa - é uma obrigação?
Aplausos de Deputados do PSD.
?
fundamental que requer medidas estruturais e não se faz apenas com medidas excepcionais irrepetíveis,?
Aplausos do PS e do BE.
?
nem com uma redução aparente do défice público.
Mas esta exigência incontornável de consolidação orçamental duradoura não pode fazer esquecer a preocupação com a grave estagnação da actividade económica e com o aumento do desemprego.
Aplausos do PS e de Deputados do PSD.
É por isso que a política económica global não pode estar só centrada nas finanças públicas.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Tem de dar corpo a uma estratégia de desenvolvimento económico e social capaz de assegurar o investimento, de construir uma economia mais competitiva e uma sociedade mais solidária.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- O saldo orçamental é um instrumento e uma responsabilidade fundamentais, mas não é o objectivo final da política económica.
Aplausos do PSD, do PS e do Deputado do BE João Teixeira Lopes.
Temos todos de reconhecer que a margem de manobra da política orçamental é relativamente estreita, mas é possível alargá-la através, por exemplo, da reforma da Administração Pública, do combate à evasão fiscal e do recurso a parcerias entre os sectores público e privado.
Aplausos de Deputados do PSD.
É indispensável reformar a Administração Pública, não só para racionalizar e controlar a despesa mas também para aumentar a eficiência da economia e o bem-estar dos cidadãos.
Não reformaremos, porém, a Administração Pública enunciando apenas a sua necessidade.
É preciso ir sempre alterando e corrigindo o que está mal; muitas vezes, até nem são precisas grandes alterações legislativas.
O Sr. Osvaldo Castro (PS):
- Muito bem!
O Orador:
- Se, por exemplo, os padrões de competência profissional prevalecessem, nas nomeações e promoções, sobre quaisquer outros e se as remunerações reflectissem o mérito no desempenho das funções, estaríamos certamente a melhorar, de forma significativa, a eficiência e qualidade.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do Deputado do BE João Teixeira Lopes.
Como tenho incessantemente repetido, a luta contra a fuga ao fisco também é fundamental, quer para aumentar a base tributária e as receitas fiscais, quer para impedir o sentimento de injustiça provocado pela evasão fiscal, um sentimento que corrói o comportamento cívico dos cidadãos e enfraquece a coesão nacional ao não assegurar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
O combate à evasão e fraude fiscais tem de ser prosseguido sem contemplações.
Vozes do PSD e do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Esse combate, é certo, cabe antes de mais ao Governo.
Mas os cidadãos também podem e devem colaborar, cumprindo os seus deveres e exigindo aos outros que também os cumpram.
O Sr. José Magalhães (PS):
- Muito bem!
O Orador:
- Sr. Presidente, Srs. Deputados:
A Resolução da Assembleia da República sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento para o período 2003-2006, aprovada aqui no início do ano, define orientações úteis e importantes para a solução do problema orçamental assente numa programação financeira plurianual e no contexto de uma estratégia de desenvolvimento económico e social a médio prazo.
Essas recomendações, julgo, não podem ficar como simples intenções.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Têm de ter consequências, quanto mais não seja, porque são necessárias para a solução dos problemas económicos e sociais do País.
E ninguém melhor do que os Srs. Deputados - todos os Srs. Deputados!
- para tirar as consequências das referidas recomendações, quer porque as mesmas foram aprovadas nesta Câmara, nas condições que conhecemos, e bem!, quer porque em parte respeitam a matéria da competência exclusiva da Assembleia da República.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- O debate de política geral sobre a orientação da despesa pública, previsto, na Lei da Estabilidade Orçamental, para o próximo mês, será uma boa ocasião para centrar a discussão parlamentar nestas questões tão importantes e começar a dar corpo às exigentes recomendações da Resolução.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Estou certo de que os Srs. Deputados - todos os Srs. Deputados!
- aproveitarão a oportunidade para discutir a fundo, e, sobretudo, numa perspectiva de médio prazo, a política económica e financeira de Portugal.
Seria igualmente importante que essa política, ou algumas das suas componentes, pudesse beneficiar como a Resolução pôde, de uma base de apoio alargada.
Seria um bom serviço prestado ao futuro de Portugal.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Mas como já disse, o problema orçamental da economia portuguesa, merecendo embora - e não me canso de o repetir - exigente e necessária atenção, não é o único.
Há mais vida para além do Orçamento.
Aplausos do PS, do BE e de Deputados do PSD.
A economia é mais do que finanças públicas.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- O aumento do investimento, da produtividade e da competitividade da economia portuguesa é fundamental para o nosso futuro e requer o esforço continuado e empenhado de todos - ninguém pode ficar de fora deste esforço: governantes, empresários e trabalhadores.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Uma economia competitiva não é a que se baseia em baixos salários mas, sim, a que dispõe de um sistema produtivo moderno, inovador e tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e serviços de qualidade e bem valorizados nos mercados internacionais.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Foi isto que quis sublinhar com a jornada que estou a realizar sobre a Inovação.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Temos de ter uma mão-de-obra mais instruída e qualificada para poder desempenhar tarefas mais sofisticadas e produzir bens e serviços com mais valor acrescentado.
A produtividade também depende da inovação em sentido amplo, designadamente na organização do trabalho, na diferenciação e qualidade dos produtos e na estratégia de comercialização.
Repito: o que conta não é a mão-de-obra barata mas, sim, a qualificação dos recursos humanos, a sua cultura e formação técnica.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Temos de continuar, por isso, por muitos anos, a investir sempre nas pessoas.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Este é o nosso maior desafio.
É uma responsabilidade do Estado, mas também das próprias pessoas, a quem se apela e se pede uma vontade permanente para aprender ao longo da vida, e das empresas e restantes organizações, que não devem descurar a valorização do seu activo mais precioso: aqueles, precisamente, que nelas trabalham.
A nossa educação tem de ter mais qualidade e produzir novas respostas à mudança dos nossos tempos.
É indispensável que todos os cidadãos e profissionais possuam uma maior cultura científica e tecnológica sem a qual não se pode compreender o mundo em que vivemos e, muito menos, nele actuar conscientemente.
Só assim poderemos fazer da Sociedade de Informação uma sociedade onde, efectivamente, todos tenham livre acesso ao conhecimento e à comunicação.
Podemos registar como um bom sinal a visibilidade que a ciência já alcançou em Portugal.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Temos de continuar particularmente atentos a esta questão, para que os ganhos conquistados se consolidem e não possam vir a ser postos em causa,?
Vozes do PS e do PSD:
- Muito bem!
O Orador:
- ?
pois é indispensável que sirvam para o lançamento de políticas dinâmicas de educação e de inovação.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Demos passos consideráveis em pouco mais de uma década, mas ainda, como todos sabemos, temos um longo caminho a percorrer.
E se, destes dias, retiro uma lição, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a de que é aqui, precisamente, que se joga o futuro de Portugal.
Vozes do PSD e do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- O papel dos empresários é também, e como é óbvio, fundamental para aumentar a produtividade e a competitividade da economia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, precisamos de mais e melhores empresários.
Precisamos de empresários com visão estratégica, com espírito de liderança e com capacidade de organização e de gestão das empresas.
Precisamos de empresários inovadores nos produtos e nos processos de fabrico, capazes de organizarem e motivarem os trabalhadores.
Só empresas inovadoras, tecnologicamente avançadas e eficientes podem pagar salários que se vão aproximando dos níveis europeus e permanecerem suficientemente competitivas no mercado global.
Precisamos também de empresas e empresários que assumam a responsabilidade social que lhes compete prestando a devida atenção às questões do desenvolvimento sustentável, nomeadamente ao ambiente e à coesão social, e cultivando uma atitude ética, socialmente responsável, nas relações com os trabalhadores e com a sociedade em geral.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Precisamos de empresas economicamente competitivas, financeiramente sólidas e com accionistas e gestores com visão.
Só assim poderemos preservar o controlo de centros de decisão estratégica para a nossa economia.
Essa é uma tarefa que cabe, como é natural, primordialmente às empresas e um desafio à sua capacidade para estabelecerem as parcerias necessárias.
Todavia, as regras do jogo da economia de mercado não são apenas estritamente económicas e o Estado não pode alhear-se da questão dos centros de decisão, recorrendo a instrumentos como a política de privatizações ou a gestão das suas participações sociais.
Onde seja estratégico assegurar uma presença nacional relevante, deverá manter-se uma participação pública, ainda que como simples ou mero catalisador das parcerias.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- O Estado não deve ter vergonha em manter empresas com capital maioritariamente público; deve é dotar-se de instrumentos adequados para a sua gestão.
Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.
Seria prova de ingenuidade ou incúria se a questão dos centros de decisão não fosse tida em conta na condução da política económica, como, aliás, tem estado a acontecer, tão claramente, em muitos dos nossos parceiros da União Europeia.
Porém, o Estado tem de distinguir bem entre interesses particulares, nos quais não se deve envolver, e interesse nacional, que lhe cabe defender.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Nesta perspectiva, qualquer tomada de posição ou actuação do Governo não pode ser feita à custa da eficiência económica e do interesse dos consumidores, nem à margem da economia aberta em que nos inserimos.
Aplausos de Deputados do PS.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Excelências:
Há mais de duas décadas que a expressão «reformas estruturais» domina o léxico político português e a generalidade dos programas de governo.
Algumas se fizeram e muitas outras ficaram por fazer, ou pararam a meio.
Feitas as contas, a sensação que fica é a de que não tem existido nem uma hierarquia de prioridades clara que ordene a sequência dessas reformas nem uma determinação política suficiente, para realizar, de forma profunda, consequente e constante, aquelas que são as mais difíceis de fazer.
Hoje, torna-se evidente que, entre os factores que debilitam a nossa capacidade de reagir a conjunturas adversas, avultam a insuficiente eficácia da administração de um Estado centralista e burocrático, as vicissitudes da reforma do sistema político, as graves consequências provocadas pelos problemas acumulados na administração da justiça e uma insuficiente conceptualização dos papéis regulador e fiscalizador do Estado.
Não são incidentes de percurso que nos devem distrair da necessidade de se prosseguirem os esforços de reforma do sistema político.
Esta exige um trabalho permanente, progressivo, persistente.
A Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político tem desenvolvido uma importantíssima acção e quero saudá-la por isso, desde o seu Presidente a todos os Srs. Deputados, que, durante estes meses, tanto trabalharam para o progresso das coisas.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O caminho já percorrido permite-nos esperar novos e mais consensualizados desenvolvimentos neste domínio, tão decisivo para a credibilidade da democracia portuguesa.
A qualidade da nossa democracia depende, em larga medida - repito, em larga medida -, da nossa capacidade para renovar o contrato entre o Estado de direito e os cidadãos, aumentando a eficácia e a credibilidade do primeiro e a confiança e a participação dos segundos.
A democracia, para se revitalizar, precisa de sangue novo.
A vivência democrática não deve ser confundida com consensos artificiais, ou com o desempenho meramente burocrático, ou, pior ainda, autista, dos mandatos representativos,?
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- ?
de que só poderiam resultar um maior afastamento entre cidadãos e eleitos e um esvaziamento das virtualidades regeneradoras próprias do regime democrático.
O confronto vivo e clarificador de políticas alternativas e de programas de governo é essencial à sobrevivência e autenticidade da vida política em democracia.
O que nos deve preocupar não é a diferença de posições, ou a existência fortemente assumida de divergências mas, antes, o perigo de vermos o debate político reduzido apenas a confrontações sobre o que é acessório ou mediaticamente compensador no curto prazo.
Aplausos do PSD e do PS.
A vitalidade da democracia exige, por outro lado, uma atitude de cooperação institucional que passa, em primeiro lugar, por uma compreensão rigorosa das funções que cabem a cada um, mas também por uma assunção plena das responsabilidades próprias.
Os acontecimentos mais recentes, no plano internacional, e as dificuldades que atravessamos, no plano interno, fizeram subir o tom do debate político.
Nada há, nisso, de dramático, desde que saibamos, todos, centrar a discussão sobre o que é essencial para os interesses dos portugueses e para a posição de Portugal na Europa e no Mundo.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Nesta encruzilhada de problemas e desafios que se põem à nossa democracia, a questão da justiça continua a ser motivo de grave preocupação e exigência inadiável de uma modernidade que tarda.
Sem um sistema de administração de justiça que funcione eficazmente, não é apenas a segurança nas ruas e a paz social que estão em causa, é a credibilidade e a qualidade da democracia e é toda a vida colectiva, desde o desenvolvimento económico e social à transparência do exercício dos poderes públicos.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- É a democracia e a sua prática quotidiana que devem firmar a ideia de que ninguém está acima da lei.
Vozes do PS e do Deputado do BE João Teixeira Lopes:
- Muito bem!
O Orador:
- É este princípio que torna incompreensível que, por exemplo, em matéria de corrupção e de evasão fiscal, continuem por tratar, com a eficácia necessária, as questões relativas ao sigilo bancário e ao cruzamento de informação, com a inadmissível impunidade que daí decorre.
Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.
Esta omissão é tanto mais grave quanto continuam a não ser tomadas, com carácter de permanência, iniciativas de investigação e de fiscalização generalizadas, que desencorajem os corruptos e os faltosos.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Mas é preciso também, Sr. Presidente e Srs. Deputados - e digo-o como quem fez carreira e vida profissional nesse ambiente -, que os tribunais estejam aptos a responder, em tempo, aos resultados da investigação e da fiscalização.
São conhecidas as carências neste domínio.
Há hoje uma generalizada consciência das dificuldades existentes, que atravessam todo o sistema; e estão em curso iniciativas, como é o caso do anunciado Congresso da Justiça de que se espera - e eu espero!
- um impulso renovador e partilhado.
Nada, todavia, se fará de duradouramente eficaz se agentes políticos, magistrados e advogados continuarem a tratar das questões da justiça em circuito fechado e não correrem o risco de abrir o debate da justiça às disciplinas que com ela se relacionam, por muito que isso possa pôr em causa rotinas e poderes instalados.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- As experiências, frutuosas, em tempos iniciadas, não devem, por isso, desaparecer.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Outro tema que tem merecido a minha atenção - e é uma exigência do nosso Estado democrático, porque o considero vital para o nosso futuro - é o da descentralização.
Nas últimas décadas, os territórios ganharam novas e inesperadas competências: ensino e cultura, informação e comunicação, saúde, desporto, emprego, transportes.
O processo desta mudança não está terminado.
Dirão muitos, entre os quais me incluo, que precisa de ser aprofundado.
Mas paralelamente, enfrenta hoje um desafio complexo.
Primeiro, o de garantir em todos eles o princípio da igualdade de oportunidades; isto é, o princípio da equidade territorial.
Segundo, o de promover uma boa articulação entre os diversos níveis de competências territoriais, através de uma eficaz descentralização administrativa, que é necessário retomar, e do necessário controlo financeiro.
O quadro municipal, que tem constituído a única instância jurídico-administrativa da descentralização, é cada vez mais reconhecido como insuficiente para responder às novas questões da coesão e competitividade dos territórios.
Novos quadros, resultantes de aglomerações de municípios, impor-se-ão - julgo eu, e ainda bem!
- num futuro próximo.
Importa que a sua criação signifique também uma ruptura com modos de actuação em que se privilegia o curto prazo em detrimento do desenvolvimento sustentável, a competição com o vizinho, em desfavor da cooperação, a consolidação do poder, em prejuízo da abertura à inovação, à criatividade e à partilha.
Não tenho dúvidas em estar, como sempre estive, ao lado dos que querem novos estímulos a uma descentralização, de que resulta, necessariamente, a criação de novos poderes territoriais e novos métodos para o seu justo financiamento.
Mas, atenção, é preciso que esses novos poderes territoriais tenham em conta: em primeiro lugar, que os parceiros com os quais se têm de articular são, hoje, múltiplos, e que essa multiplicidade constitui uma força e um enriquecimento para a cidadania e para o sistema democrático; em segundo lugar, que o planeamento estratégico tem de se basear num sólido inventário das condições actuais; e, por último, que as soluções institucionais da descentralização têm de assentar em realidades credíveis e consensuais e não, precisamente, no contrário.
Não seria admissível que, perdêssemos, neste respeito, novas oportunidades.
Aplausos do PSD e do PS.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Excelências, Portugueses:
É tempo de concluir.
Neste dia - e agradeço a vossa paciência -, quis que as minhas palavras reflectissem as preocupações actuais que tenho e as metas de exigência que considero fundamentais para o progresso do País e a melhoria da qualidade da nossa democracia.
Como Presidente da República eleito por sufrágio directo e universal, sou representante de um desígnio nacional que me compete actualizar, em cada momento decisivo, perante o País.
O caminho é estreito - sublinho, o caminho é estreito -, mas saberemos estar à altura da exigência deste tempo.
A globalização impõe-nos uma permanente atenção, uma constante adaptação.
A actual encruzilhada europeia, como em todos os anteriores momentos de crise, aumenta os desafios.
As nossas instituições e os nossos comportamentos políticos têm de ser adaptados ao tempo que vivemos, mas sem transigências no que respeita aos valores que fundam a nossa República.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Temos de fortalecer a democracia.
O fortalecimento da democracia e da República exige o reforço do prestígio das instituições e dos seus titulares.
E o esforço desse prestígio exige o combate à corrupção, ao negocismo, à partidarização do Estado.
Exige uma justiça mais eficaz, célere e universal.
A nossa modernização económica pressupõe o rigor financeiro, mas exige mais.
Temos de aumentar a nossa competitividade e o nosso nível de vida.
Temos de melhorar a educação e dar essa melhor educação a mais portugueses.
Não enchamos, Srs. Deputados, a boca com slogans e palavras de ordem, por muito modernas que elas nos pareçam.
Passemos aos actos.
Façamos mais e lamentemos menos.
Assumamos melhor a responsabilidade que cada qual tem e não achemos sempre que essa responsabilidade é dos outros.
Aplausos do PSD e do PS.
Concentremo-nos na identificação das mudanças substanciais que temos de operar na economia e na sociedade portuguesas.
Estas mudanças, como disse, passam pela modernização do Estado de direito e têm de respeitar o Estado social e o imperativo da solidariedade entre os portugueses.
Devemos saber preparar o futuro.
Prepara-se o futuro reforçando a ética da responsabilidade e do trabalho, que é muitas vezes substituída pela da facilidade e do imediatismo.
Vozes do PSD e do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- Temos de nos habituar a premiar as obras, o mérito e os resultados - não temos de premiar as promessas e as ilusões.
Aplausos gerais.
A cidadania, o pluralismo de propostas e a participação política devem merecer a primazia própria de uma democracia adulta.
Devemos combater a intolerância e a exclusão.
Apresentadas as diferenças, assumidas as opções, clarificadas as alternativas, não podemos perder mais tempo.
Para não perdermos tempo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos de nos entender sobre o chamado «mínimo essencial».
Ele é crucial para progredirmos.
Sem esse mínimo, nenhum regime político democrático subsiste, pois fica por assegurar a continuidade e a estabilidade das instituições e do próprio tecido social.
Se nos entendermos sobre o «mínimo essencial», então seremos capazes de fortalecer o Estado republicano e democrático e de mobilizar a sociedade.
Com a nossa capacidade de trabalho, com a nossa iniciativa, com a nossa imaginação, com a nossa força de vontade e espírito de sacrifício, recuperaremos a economia portuguesa, aproximando-nos dos nossos parceiros europeus mais desenvolvidos.
Vozes do PS:
- Muito bem!
O Orador:
- O Portugal do 25 de Abril terá sempre um papel a desempenhar na defesa do Direito e na manutenção da paz internacional.
É isso que se espera de nós.
De um País que há 29 anos fez uma revolução que constituiu para o Mundo um exemplo exaltante de civismo e de esperança.
Viva o 25 de Abril!
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente Xanana Gusmão:
Honra-nos particularmente a sua presença nesta cerimónia de tão simbólico significado e saúdo em V. Ex.ª o lídimo representante do heróico povo de Timor Leste.
Srs. Presidentes e Vice-Presidente dos Parlamentos dos Países de Língua Oficial Portuguesa, Sr.ª Vice-Presidente das Cortes de Espanha:
Saúdo, na presença amiga de VV. Ex.as, a expressão dos laços de fraterna e confiante amizade que unem os nossos países.
Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Altas entidades do Estado, Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Convidados, com uma referência muito elogiosa para a presença do Corpo Diplomático na sua plenitude, que só o 25 de Abril tornou possível, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Há exactamente 30 anos, à hora em que hoje nos encontramos, aqui, para celebrar a liberdade que ela nos trouxe, a Revolução estava na rua e controlava já os principais centros estratégicos do poder militar e das comunicações.
Todavia, o seu destino - o nosso destino - não estava decidido irreversivelmente.
Alguns tentavam resistir e o poder político ainda não tinha sido formalmente arrebatado das mãos dos que, até então, o tinham, longa e ilegitimamente, detido.
A hora era decisiva.
Senhor Presidente da Assembleia da República.
Senhor Presidente Xanana Gusmão: honra-nos particularmente a sua presença nesta cerimónia de tão simbólico significado e saúdo em Vossa Excelência o lídimo representante do heróico povo de Timor-Leste.
Senhores Presidentes e Vice-Presidente dos Parlamentos dos países de língua oficial portuguesa, Senhora Vice-Presidente das Cortes de Espanha:
Saúdo, na presença amiga de Vossas Excelências, a expressão dos laços de fraterna e confiante amizade que unem os nossos países.
Pressentido o sentido libertador e o carácter democrático do Movimento, foi nessa altura que, à coragem generosa e admirável dos militares de Abril, se começou a juntar uma onda de apoio popular, que não parou de crescer e de imprimir à Revolução uma marca única, que para sempre a singularizou.
O povo português sentiu e soube, naquela hora, que a Revolução era sua.
Melhor: fê-la sua.
Nesse momento, a Revolução tornou-se naquilo que era.
Neste acto em que tornamos presente o dia memorável que fundou o nosso regime democrático, as minhas primeiras palavras são para reafirmar precisamente esse pensamento - o de que a democracia é o regime do povo, pelo povo e para o povo.
É a ele que representamos e é dele que nos provém a legitimidade.
É a ele que servimos.
Saúdo esse povo de cidadãos livres, mulheres e homens que são a substância da democracia.
Penso também nos excluídos e nos esquecidos.
Os excluídos do emprego, da educação, da saúde, do desenvolvimento, da justiça, da cultura, da dignidade.
É perante eles que a nossa insatisfação deve ser maior e a nossa vontade de mudança mais forte.
É face a eles que a nossa responsabilidade se torna mais urgente.
Passados 30 anos, em que tudo mudou tanto, é natural que nos interroguemos: que significa comemorar, hoje, o 25 de Abril?
E o que representará essa data para aqueles jovens que a não viveram?
A esta última pergunta alguns seriam, porventura, tentados a responder:
«para esses jovens representa pouco ou mesmo nada».
E, no entanto, creio firmemente não ser assim.
Eles podem não conhecer os pormenores, mas têm uma percepção global e aguda da importância fundadora, histórica e política desta data, como resulta, aliás, de um inquérito realizado recentemente.
Para os mais novos, como para os mais velhos, na hierarquia das datas significativas, a que aparece como mais importante é precisamente o 25 de Abril.
Então, a pergunta que formulei pode ser substituída por esta outra: que significa a liberdade para aqueles que sempre viveram em liberdade?
Arrisco uma resposta: significa que não concebem a vida sem liberdade, que a democracia lhes é natural.
Aplausos gerais.
Que magnífica vitória esta!
Todavia, isso, que é, em si mesmo, um grande sinal positivo, não deve fazer da liberdade, por se pensar adquirida, uma realidade passiva, estática e infecunda ou, sequer, um ponto de chegada.
Devemos fazer da liberdade um ponto de partida, cultivá-la, assumindo uma maior consciência das suas exigências, usando-a para renovar a democracia e as suas práticas.
Tornemos mais jovem a nossa liberdade, a liberdade de cada um e a liberdade de todos.
Precisamos de um novo patriotismo da liberdade.
E é, por isso, que à pergunta «Que significa, 30 anos depois, comemorar o 25 de Abril?», eu respondo: significa reforçarmos a vontade de fazer da nossa democracia um regime mais vivo e mais moderno, com menos bloqueios, menos desequilíbrios e menos adiamentos, com mais debates fundamentais e menos conflitos acessórios, com diferenças e alternativas mais clarificadoras e, ao mesmo tempo, consensos mais sólidos e duradouros.
Quero eu dizer, uma democracia mais madura, com maior exigência e maior responsabilização, mas também com maior criatividade e maior iniciativa, maior inovação e maior inconformismo.
Não vos escondo que gostava que estas comemorações ocorressem num clima internacional e nacional mais optimista e confiante, de maior auto-estima e de maior esperança.
Não ignoro, não podemos ignorar, que os tempos têm sido difíceis para Portugal e para os portugueses, que se instalou um negativismo que gera apatia e resignação, que, não obstante o peso das razões que o induzem, tenho, empenhadamente, procurado combater.
Penso que estas comemorações podem e devem ser o momento para, digamos assim, recarregarmos as baterias democráticas, reforçando a nossa vontade de agir com continuidade e persistência.
Não nos resignemos!
É essa a grande lição das últimas três décadas: tudo depende de nós, pois, embora saibamos que temos feito muitas coisas de que talvez não nos julgássemos capazes, também sabemos que somos capazes de fazer mais e de fazer melhor.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do BE.
Sr., Presidente, Srs. Deputados: À História caberá o balanço e o juízo do que fizemos.
Hoje o que se impõe é avaliar o ponto em que nos encontramos do caminho a percorrer.
Como em 25 de Abril, é para o futuro que devemos voltar os olhos, não ignorando quer os erros cometidos, para não os repetirmos, quer os problemas que longamente adiámos e temos obrigação de resolver; e muito menos os novos desafios que, neste tempo de aceleração, não esperam por nós.
Como Presidente da República, tenho o dever de dizer o que penso serem as responsabilidades de todos nós, sublinho, de todos nós, perante Portugal e perante os portugueses das gerações futuras.
Por isso, nesta data de tão grande significado, proponho-vos uma reflexão crítica e exigente sobre o que temos a fazer.
Centrar-me-ei em alguns grandes objectivos e nas responsabilidades que temos de assumir, sem mais demoras, desculpas ou álibis, para que o futuro nos dê um País à altura da esperança de que o 25 de Abril foi portador.
Desde logo, na resposta aos desafios externos, quando celebramos a liberdade num momento em que se multiplicam, no mundo, inquietações e riscos.
Confrontamo-nos com a ameaça insidiosa de um terrorismo global e indiscriminado; com a crescente proliferação de focos de insegurança; com uma preocupante impotência para suster pandemias, como a SIDA, que dizimam povos e desestruturam Estados; com persistentes situações de conflito no Médio-Oriente, em África, na Ásia e mesmo na Europa.
No Iraque, a miragem de uma vitória rápida deu lugar a um perigoso enleamento político-militar, gerador de instabilidades e ameaçador para a integridade do país.
O aniversário da capitulação da ditadura iraquiana coincidiu com um nível inédito de violências e de horrores.
A História registará razões e erros e julgará a decisão que conduziu a uma intervenção militar, assente numa contestada doutrina de guerra preventiva e sem a legitimadora cobertura das Nações Unidas.
Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.
Mas, perante o que hoje se passa naquele país e o ciclo de violências que ali, quotidianamente, testemunhamos, é prioritário encontrar caminhos de legitimidade política que favoreçam um clima de crescente normalização e segurança, indispensável para que o povo iraquiano seja, finalmente, livre e soberano.
E para isso, como sempre tenho afirmado, caberá às Nações Unidas um papel central e avalizador, pois, francamente, de outra forma não se vê como instalar a paz e reconstruir o Estado.
Mas não é apenas no Iraque que recentes acontecimentos vêm alargando o crescente sentimento de insegurança que atravessa este nosso tempo, também em Gaza a crueza das imagens dá conta do aprofundamento de separações e ódios que tornam cada vez mais inoperantes os já débeis roteiros da paz.
Estas são questões que interpelam as nossas consciências e que confrontam a comunidade internacional com urgentes desafios - éticos e políticos - a que tarda a responder.
Para vencer estes múltiplos desafios, impõe-se apostar, firmemente, no reforço da cooperação multilateral e da legalidade internacional, que, pacientemente, vimos construindo e aperfeiçoando, sobretudo desde a II Guerra Mundial.
A meu ver, o objectivo que actualmente se coloca a Portugal, 30 anos após o seu regresso à democracia e ao seu reposicionamento como parceiro respeitado na cena internacional, é, precisamente, o de reforçar a sua projecção externa e manter uma presença activa e empenhada no seio da comunidade internacional.
A afirmação de um país não se mede só em função da dimensão do território, da população ou do PIB, mas da sua capacidade de se afirmar como parceiro credível, empenhado em contribuir activamente para a resolução dos problemas e para o desenvolvimento de políticas cooperativas e inovadoras.
A este respeito, é de referir o elevado nível de participação que Portugal tem assegurado no seio das forças internacionais de paz da ONU, da NATO e da União Europeia, assim como o desempenho exemplar dos militares portugueses nessas missões.
É também muito importante, para a afirmação externa do país, dos nossos interesses e dos nossos produtos, melhorar a imagem de Portugal.
É preciso que o nome de Portugal passe a acrescentar valor.
É necessária uma estratégia de valorização da nossa imagem, à semelhança do que fizeram outros países, de modo a que Portugal passe a ser associado a qualidade e a modernidade.
Tal estratégia não pode resumir-se, contudo, a uma operação de marketing para o exterior.
É um processo que os próprios portugueses devem assumir, empenhadamente, desde logo transformando a visão pouco positiva que muitas vezes têm de si mesmos.
Só mediante uma nova atitude afirmativa, empreendedora e valorizante, poderemos tornar-nos parceiros úteis e contribuir para modernizar a imagem de Portugal no mundo.
Por uma feliz coincidência, celebramos o trigésimo aniversário do 25 de Abril no momento em que, 15 anos após a queda do Muro de Berlim, a Europa se prepara para integrar as jovens democracias do Centro e do Leste, de Malta e de Chipre, cujos representantes diplomáticos particularmente saúdo.
Com este alargamento, sem precedentes, cumpre-se, sem dúvida, um ciclo decisivo da história da integração europeia e do desígnio político que a tem, desde o início, animado, ou seja, o de unir os povos europeus em torno de uma comunidade de valores e de fazer coincidir as fronteiras do continente europeu com as da democracia e da liberdade.
A Europa está hoje mais próxima de ser um marco decisivo do século XXI.
Realizar com sucesso este processo de alargamento, que não se esgota, em 1 de Maio, com a adesão formal, é uma prioridade que não podemos perder, sob pena de falharmos esta viragem de século.
Não permitiremos que esta oportunidade histórica seja posta em causa pelas exigências que, naturalmente, coloca a todos, num contexto internacional conturbado e difícil.
Penso, desde já, no objectivo do crescimento económico e da competitividade; na necessidade de serem cumpridas as metas estabelecidas na Estratégia de Lisboa; no reforço da coesão económica, social e territorial, cuja concretização requer que as próximas perspectivas financeiras dotem a União com meios adequados ao cumprimento dos seus objectivos e missões; e no desafio da paz, da estabilidade e da segurança, a que a ameaça real do terrorismo imprime urgência acrescida.
Para além deste conjunto de desafios, que exigem, para serem vencidos, uma estratégia e medidas concretas e rigorosas, há ainda o risco da diluição do projecto europeu.
Para evitar que o aumento da diversidade prejudique a necessária unidade, dever-se-ão reforçar os laços de confiança e as solidariedades de facto.
Só com o reforço da dimensão política poderemos evitar o ressurgimento de egoísmos nacionais antigos, portadores de vulnerabilidades, tensões e fracturas.
A prioridade vai, por isso, para a consolidação da democracia europeia.
Neste campo, apenas assinalarei dois importantes marcos: as próximas eleições europeias e a adopção de um tratado constitucional.
Quanto a este, os trabalhos vão agora entrar numa nova fase conclusiva.
Não será possível falhar pela segunda vez o calendário, pois pagaremos um preço alto se não conseguirmos dotar a Europa de uma constituição em que todos os europeus se revejam, apta a permitir um funcionamento eficaz das instituições europeias e capaz de imprimir um novo fôlego à Europa alargada.
Por seu turno, as próximas eleições europeias revestem-se da maior importância para o futuro político da União alargada.
A construção europeia exige a participação activa dos cidadãos.
É necessário mobilizá-los, fomentar o debate e esclarecer a opinião pública sobre o papel da Europa na vida de cada Estado-membro e sobre a oportunidade que representa, quer para melhorar as condições de vida dos cidadãos, quer para reforçar a paz, a estabilidade e o desenvolvimento neste mundo globalizado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
É nesta Europa que foi opção e é projecto de futuro que se inscrevem os desafios internos com que Portugal se defronta.
O desenvolvimento do País exige que, num quadro de maioria parlamentar estável, se prossiga, com firmeza, no caminho das reformas, não através de pequenos passos dispersos e segmentados, mas de reformas profundas e consequentes, enunciadas e apresentadas de modo a poderem estimular a intervenção dos agentes de inovação e modernização e a mobilizar a confiança da comunidade política e da sociedade civil.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
No plano económico, perante os desafios que se colocam a Portugal, não é suficiente reconhecer a indiscutível necessidade de reduzir o défice público e continuar à espera da recuperação da economia europeia.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do BE.
Portugal tem de assumir uma ideia de futuro e uma estratégia de desenvolvimento a médio prazo, com objectivos claros e motivadores e instrumentos eficazes.
Por mais necessárias que se lhes afigurem as medidas orçamentais que aplicam, sobretudo quando puderem assegurar a desejável consolidação das finanças públicas, os responsáveis políticos serão, sobretudo, avaliados pela visão estratégica e pela qualidade e alcance das políticas de reforma que, efectivamente, realizem.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, as reformas não são neutras.
Traduzem princípios, valores, modelos, objectivos.
Exigem a coragem da escolha.
Fundamentam e distinguem as alternativas.
Avaliam-se pela eficácia e rigor na sua execução e, sobretudo, pelas consequências e efeitos que produzem.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do BE.
É, pois, necessário que se torne claro para os portugueses qual é a hierarquia das prioridades na estratégia de modernização, quais são os domínios específicos onde devemos concentrar os nossos recursos colectivos e as nossas energias, quais são as metas concretas que definem a nossa ambição.
Até porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, persistem problemas atávicos que constituem verdadeiros factores de bloqueio ao nosso desenvolvimento colectivo.
As mudanças profundas do 25 de Abril e a institucionalização democrática que se lhe seguiu não conseguiram fazer recuar o peso excessivo, e muitas vezes ilegítimo, dos chamados interesses corporativos, que se exprimem tanto na inércia das burocracias estatais e administrativas, como no superlativo conservadorismo de corpos profissionais ou de organismos e actores económicos e sociais.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do PCP.
A preponderância dos interesses corporativos - dos explícitos e dos implícitos - torna mais fracos tanto o Estado como a sociedade civil, lesa o interesse geral e compromete a capacidade reformista, pois é da sua lógica tentar destruir todas as forças inovadoras, criativas e rebeldes, as únicas capazes de pôr em causa os interesses instalados e mudar, concretamente, a economia e a sociedade, as empresas e os movimentos sociais, o ensino, a universidade, a investigação e a cultura.
Contra esses interesses que têm bloqueado, infelizmente com algum sucesso, estratégias de modernização, deveremos procurar estabelecer uma aliança entre o Estado e a sociedade, que obrigue a uma mudança de atitude, em que o Estado tem de reconhecer os vários interesses da sociedade civil como parte do interesse geral e em que os actores sociais e económicos deixem de olhar para o Estado e os seus agentes como obstáculos nocivos à realização dos seus projectos económicos, científicos e culturais.
O Estado democrático é um aliado estratégico das forças económicas e sociais modernizadoras; as forças da inovação na economia e na sociedade são os aliados naturais de uma democracia moderna.
Sem essa aliança, o Estado e a democracia correm o risco de ser colonizados pelos interesses corporativos; sem essa aliança corre-se o risco de juntar à falta de organização e dinamismo da sociedade a paralisia do Estado.
Só com essa aliança poderemos consolidar a democracia moderna e defender os interesse nacionais no plano económico e cultural.
A reforma da Administração Pública, para que esta seja o centro decisivo do Estado estratega e regulador, constitui um dos desafios de longo prazo mais importantes para o futuro de Portugal.
Uma administração treinada, ágil, cívica e tecnicamente preparada, amiga do cidadão, independente das maiorias conjunturais, etariamente renovada e mais desconcentrada, é um desafio que leva, no mínimo, 10 anos a vencer.
O envelhecimento dos funcionários pode passar de problema a solução, se formos substituindo os servidores que se reformam por cidadãos recrutados de forma imparcial, qualificados, capazes de acumular e gerar conhecimento, abertos à modernidade e educados no sentido actual da governância, que reequilibra as relações entre o Estado, o mercado e a sociedade civil.
Depois, impõe-se que os encargos actuais e futuros com a administração sejam sustentáveis pela economia do País, o que implica, certamente, contenção inteligente, e não cega, no crescimento dos gastos?
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
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e, sobretudo, aumento do crescimento económico comparável ao dos parceiros europeus.
Mas por considerar que a primeira riqueza de Portugal são os portugueses, não me tenho cansado de dizer que a nossa questão central, que condiciona todas as outras, é a da educação.
Não podemos continuar a ter a persistência de elevadas taxas de abandono escolar.
Precisamos todos - escolas, empresas, famílias, ou se quiserem, famílias, escolas e empresas - de investir mais e, sobretudo, de investir melhor na educação.
É necessário aumentar a qualidade do ensino em Portugal e a nossa capacidade de afirmação no campo da ciência e do conhecimento.
Aplausos gerais.
Esta não é uma questão conjuntural, que dependa de juízos de oportunidade ou sequer de cabimento orçamental.
É uma questão de fundo.
É uma grande causa nacional e representará, não tenho dúvidas, a maior reforma estrutural.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
As grandes questões que se põem às sociedades humanas mostram bem que, sem educação, sem ciência e sem investigação não seremos capazes de encontrar respostas que garantam a sustentabilidade das nossas sociedades.
O País precisa de desenvolver a investigação científica e de criar condições de atracção dos seus cientistas.
Necessitamos de uma nova aposta, firme, sustentável e credível, na educação, que promova a excelência, melhore o ensino do português e que acolha, decididamente, a aprendizagem eficaz das ciências, da matemática, do inglês e, naturalmente, da nossa língua.
Com a educação vai de par outro grave problema de fundo: o sistema de formação profissional, em que somos defrontados com a sua inadequação aos imperativos do mercado de trabalho e da nova economia.
Em cada ano, dezenas de milhar de jovens saem do sistema educativo e entram na vida activa sem formação adequada.
Por isso, é preciso fazer funcionar com eficácia um sistema de formação profissional que assegure a inserção de todos os jovens no mercado de trabalho; que assegure a qualificação dos adultos que não receberam formação escolar adequada; que assegure o aperfeiçoamento e reconversão profissionais que se tornem necessários e que dê o apoio técnico a empresas e outras organizações, sobretudo às de pequena dimensão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Na nova economia, o que conta não é a mão-de-obra barata mas a qualificação dos recursos humanos, a sua cultura e a sua formação técnica.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do BE.
É preciso desenvolver uma cultura que valorize o trabalho, o aperfeiçoamento, a qualificação e o domínio das novas tecnologias de informação e comunicação, como ressalta claramente da Estratégia de Lisboa.
A sua aplicação deve ser uma prioridade nacional, não apenas por constituir uma boa agenda, mas porque fomenta a transição para uma economia mais baseada no conhecimento e capaz de gerar crescimento económico, coesão social e respeito pelo ambiente - em duas palavras, desenvolvimento sustentável.
Mas a necessidade de agir para modernizar torna, ainda, vital dinamizar as relações entre os componentes do sistema nacional de inovação, estimular e sensibilizar as empresas para a urgência de um investimento mais reprodutivo em investigação e desenvolvimento e tornar mais frequente e natural o recurso às relações de trabalho entre a produção de saberes e o tecido económico.
As empresas, como motores últimos da inovação, e os centros de saber têm de simplificar e agilizar as relações entre si, através de modos operativos eficientes e de um intercâmbio muito mais intenso de recursos humanos qualificados.
Sem inovação, não reforçaremos a nossa capacidade de concorrer no mercado europeu nem conseguiremos ganhar a batalha da produtividade no mercado mundial.
Em suma, temos de apostar na sociedade de informação em termos económicos, educacionais e culturais.
Na sociedade de informação triunfa, como sabemos, quem possui sistemas universitários e de ensino capazes de inovar tecnologicamente e de captar o investimento privado.
É essa a condição para o êxito de qualquer país na Era do Conhecimento.
É essa, também, a condição essencial para a competitividade e o crescimento da nossa economia.
E isto é tanto mais decisivo quanto o desempenho da economia portuguesa, nos últimos anos, não foi encorajante.
Comparando os anos de 2000 e 2003, a taxa média de desemprego aumentou de 4,1% para 6,4%; a variação do produto passou de um crescimento de 3,4% para um decréscimo de 1,3%; o rendimento per capita, em paridades de poder de compra, relativamente à média da União Europeia, desceu de 70,4% para 68,8%.
Esta situação deriva de inegáveis dificuldades estruturais e de uma conjuntura económica europeia adversa, mas resulta também, nomeadamente, de opções sobre o investimento público e sobre a gestão de expectativas.
Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
O desequilíbrio orçamental é uma importante restrição ao crescimento económico e precisa ser bem e consolidadamente (repito, bem e consolidadamente) corrigido.
Mas, sem crescimento, para além de a própria redução do défice público se tornar ainda mais difícil, não há suficiente criação de emprego, não há aproximação ao nível de vida europeu e é mais difícil realizar a coesão e a justiça sociais.
Aplausos do PS.
A meta que temos que alcançar, o mais depressa que nos for possível, é a de voltar ao processo de convergência real.
Há, porém, outro défice mais grave, que constitui um problema de fundo que a todos de nós cabe resolver: o défice estrutural de produtividade e de competitividade da economia portuguesa.
Parece-me óbvio que Portugal se deixou atrasar nas reformas que mudam a estrutura e as condições de funcionamento da economia.
É, pois, necessário recuperar o tempo perdido, efectuando as reformas estruturais que se impõem.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do BE.
A estrutura produtiva portuguesa, apesar dos progressos realizados, ainda não é suficientemente sólida para responder, com tranquilidade e segurança, aos desafios da competição global e do alargamento da União Europeia, em particular.
Aumentar a produtividade é fundamental para melhorar a competitividade das empresas.
Mas a competitividade que realmente interessa e que realmente conta, quer para as empresas conquistarem ou preservarem quotas de mercado, quer para o País atrair investimentos produtivos, é a que assenta na diferenciação qualitativa e na progressiva transição para a produção de bens e serviços com mais valor acrescentado.
É preciso modernizar a estrutura produtiva da economia portuguesa e criar vantagens competitivas estruturais, como as proporcionadas pela qualificação dos recursos humanos, pela valorização do trabalho e dos trabalhadores, pela qualidade do sistema de investigação e desenvolvimento, pela rede de infra-estruturas materiais, pela credibilidade do regime fiscal, pelo respeito da lei e da autoridade democrática, pela celeridade da justiça e pela eficácia da Administração Pública.
Aplausos gerais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Temos de voltar a subir na tabela da competitividade mundial.
Não podemos aceitar adiamentos ou abrandamentos nas reformas estruturais que melhoram a competitividade da economia, seja por resignação face às dificuldades, seja por más razões de oportunidade política, tanto mais que a crise orçamental não está superada.
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Temos vivido um período difícil para muitos, um período difícil para muitos, muitos portugueses.
Por isso, quero saudar o esforço feito por eles para enfrentar as dificuldades e vencer a crise económica, mas quero também dizer, de modo muito claro, que temos de olhar, resolutamente, para a frente.
Não podemos ficar prisioneiros do passado.
Há mais vida para além da discussão estéril sobre culpados e inocentes.
É preciso avançar na solução dos problemas.
E tudo isto num tempo em que é irrecusável a necessidade de promover a coesão nacional.
Há duas grandes causas estruturais que a ameaçam, podendo pôr em causa os direitos sociais.
A primeira diz respeito à persistência de um modelo de desenvolvimento desfasado das exigências da nova economia, a que se associam um padrão de distribuição de riqueza fortemente inigualitário e também grandes assimetrias territoriais.
A segunda deriva de um sistema de protecção social com fragilidades e lacunas e de algum hiato entre a consagração formal dos direitos sociais e a sua efectiva aplicação.
Acresce que o País se viu confrontado, nos últimos tempos, com ritmos de crescimento do desemprego a que já se tinha desabituado, sendo previsível que, dentro de alguns meses - e é com tristeza que o digo -, os centros de emprego registem cerca de 0,5 milhões de cidadãos desempregados.
Por outro lado, aumenta, com preocupante regularidade, o volume dos desempregados de longa duração, agravando as situações de carência de recursos para muitas famílias e conduzindo-as a limiares de exclusão onde as palavras liberdade e cidadania poderão deixar de fazer sentido.
Neste quadro, e qualquer que seja o caminho (qualquer deles legítimo) para o necessário modelo de desenvolvimento alternativo, é fundamental que não se recue precipitadamente no domínio das políticas sociais preventivas e de emergência.
De contrário, estaremos a deixar que se criem fracturas e tensões que porão, inevitavelmente, em causa a coesão nacional mínima, com os perigos que isso implica.
Aplausos gerais.
A luta contra a pobreza e a exclusão é uma questão de dignidade social e uma obrigação moral indiscutível.
O envelhecimento da população é outro problema que, pelas suas pesadas implicações económicas e sociais, constitui um importante desafio de longo prazo para o futuro de Portugal, que não posso esquecer aqui hoje.
De facto, a conjugação do aumento da esperança de vida e a diminuição dos nascimentos leva a um aumento da proporção da população idosa na população total e à diminuição do peso relativo da população economicamente activa.
Estas alterações demográficas têm importantes incidências sociais, económicas e financeiras, nomeadamente nos sistemas de segurança social e de saúde e no mercado do trabalho, que não podem ser descuidadas.
É a responsabilidade que temos também perante as gerações futuras.
Impõe-se, por isso, desde já, a preparação de uma estratégia que possa corrigir gradualmente o impacto económico e social desta significativa alteração demográfica.
Termino, com uma última referência ao campo da comunicação social e do audiovisual.
Deixo um alerta para os perigos da concentração da propriedade dos media.
Aplausos gerais.
Não é a primeira vez que o faço, mas o progressivo aumento deste fenómeno obriga-me a repeti-lo.
A liberdade de informação não pode estar refém dos interesses económicos ou políticos.
Uma comunicação social livre e independente não se revela, por si só, na multiplicidade de títulos, canais ou antenas, mas, sim, na pluralidade efectiva que eles representam.
Aplausos gerais.
Só esta pode ser obstáculo ao controlo da comunicação social por interesses económicos e políticos.
Como todos sabemos, as lógicas da concentração podem pôr em causa garantias fundamentais que têm de ser asseguradas.
O jornalismo e os jornalistas cumprem uma função de grande responsabilidade social - quem o não sabe depois de 2003?
É preciso, também, que aos seus direitos inalienáveis correspondam deveres e responsabilidades assumidas.
O Estado tem o dever de não se alhear desta questão estrutural da democracia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
Penso que comemorar o 25 de Abril deve ser, acima de tudo, preparar o futuro.
Por isso, tornei presentes alguns dos nossos principais desafios.
Há outros que têm constituído, para mim, uma preocupação permanente.
É o caso, por exemplo, do desenvolvimento sustentável e da defesa do ambiente, de que me ocupei numa recente jornada - e vou continuar -, da acessibilidade e equidade na saúde, da defesa dos direitos dos consumidores, da valorização da nossa cultura e do nosso património.
E da justiça, a que dediquei inúmeras intervenções durante 2003.
A justiça cuja reestruturação, aliás, na linha proposta no respectivo Congresso, vai depender, em larga medida, do modo como se reordene - é minha convicção - a formação dos profissionais do foro, com juízes, magistrados do Ministério Público e advogados a partilhar, antes da especialização, um prolongado tronco comum e conjunto de formação que os faça comungar dos mesmos valores e dê a cada profissão uma adequada perspectiva da função das outras.
Faço, de novo, o alerta.
Também aqui, separar é empobrecer e regredir.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: 30 anos depois, reencontramos, pela evocação, um tempo que foi nosso, que continua a ser nosso e que representou, para os que o viveram, um privilégio irrepetível.
Reencontramos esse tempo, em que «a poesia estava na rua», na sua magia e na sua esperança.
Reencontramos os símbolos e os ícones da Revolução, os seus rostos e as suas vozes inapagáveis.
Reencontramos, evocando-a hoje, essa madrugada por que esperámos tão longamente.
E reencontramo-nos nesse reencontro com ela.
As revoluções, as rupturas, as grandes transformações têm uma genealogia e, obviamente, um código genético.
A Revolução do 25 de Abril é herdeira de uma tradição de resistência, de combate pela liberdade e pela dignidade cívica, de abertura e de progresso que a marcou e que constitui o fundamento da identidade do regime que ela fundou.
Foi uma Revolução pioneira, como é reconhecido, e iniciou um ciclo de grandes transformações no mundo.
Foi, nas suas consequências, o acontecimento histórico mais importante e mais feliz do século XX português.
Trinta anos passaram desde então e podemos, hoje, dizer que, apesar das dificuldades e dos riscos inevitáveis em qualquer percurso, este tem sido um dos períodos mais notáveis da nossa História.
Temos, pois, razões, olhando-nos e olhando o que realizámos, para nos orgulharmos.
O país que somos hoje está, certamente, muito longe do país que desejamos ser amanhã, mas está ainda mais longe do país bloqueado e sem futuro que éramos ontem, em 1974.
Aplausos gerais.
Fizemos a descolonização e acabámos com a guerra, consolidámos e, permitam-me que diga a expressão, naturalizámos a democracia, recuperámos o prestígio no mundo, instituímos o poder democrático local e as autonomias regionais, entrámos na Europa, refizemos os laços com os novos países que falam português e reforçámos a nossa ligação ao Brasil.
Recuperámos do atraso e demos passos enormes no sentido da modernização e do desenvolvimento económico, social e cultural.
Avançámos no reconhecimento e na efectivação dos direitos entre homens e mulheres.
O orgulho que devemos sentir pelo que fomos capazes de fazer deve ser, contudo, o contrário, precisamente o contrário, da auto-complacência.
Deve ser antes a raiz da nossa exigência, da nossa responsabilidade, da nossa ambição de fazer muito mais e melhor.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
Como noutros momentos capitais da História da humanidade, sabemos que vivemos, universalmente, um tempo muito difícil e complexo.
Perdemos a sensação de ter terra firme debaixo dos pés.
De nada serve ignorarmos ou desconhecermos a situação em que nos encontramos: possuímos hoje mais perguntas do que respostas, mais dúvidas do que certezas, mais perplexidades do que expectativas, mais problemas do que soluções.
Tudo mudou: os paradigmas, as referências, os sistemas de valores, as práticas políticas, sociais e culturais.
A democracia, as suas instituições, os seus métodos e instrumentos tradicionais estão sujeitos a um dos maiores reptos da sua história: o repto da representatividade e o repto da eficácia.
Porém, ao contrário dos regimes não democráticos, a democracia funda-se na crítica sobre si mesma e tem os mecanismos da sua auto-correcção e aperfeiçoamento.
É essa a sua força.
Por isso, a crítica deve ser sempre bem-vinda, útil e necessária, pois a democracia defende-se, corrigindo-se e aperfeiçoando-se.
As fragilidades, os bloqueios e os erros da democracia corrigem-se, porém, com mais democracia, maior participação, mais iniciativa, maior mobilização, mais cidadania e com reformas profundas, corajosas e eficazes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Estes são o momento e o lugar certos para dizer que a ditadura que sofremos durante meio século representou uma terrível tragédia para Portugal, negou o melhor da nossa História, privou-nos da liberdade, da dignidade e do desenvolvimento, isolou-nos da Europa e do mundo, causou-nos atrasos profundos e danos enormes, de que ainda não recuperámos inteiramente, e bloqueou-nos o futuro.
Aplausos gerais.
Em décadas, instalou em Portugal uma cultura, ainda não totalmente vencida, de apatia cívica, de desconfiança nas instituições e na política, de falta de espírito crítico, substituído pela maledicência inconsequente e avulsa, de desresponsabilização, impunidade e opacidade, de intolerância e desrespeito pela diversidade, de nostalgia , por vezes, do unanimismo e da uniformidade, de confusão entre estabilidade e imobilismo, de subserviência ao poder e, simetricamente, de arrogância do poder e desprezo deste pelos cidadãos.
São os vestígios desta cultura que temos, frontalmente, de erradicar.
Aplausos gerais.
Ao contrário, o 25 de Abril, ao instaurar a democracia, representou o nosso reencontro com a liberdade, a história e o mundo.
Entrámos de novo na modernidade, de que tínhamos sido longamente afastados.
Tornámo-nos, afinal, contemporâneos de nós próprios.
É essa a inspiração que, neste dia, retomamos com orgulho, reafirmando o nosso amor à liberdade e a Portugal.
Liberdade e Portugal que não mais concebemos como separáveis, porque, desde o 25 de Abril, Portugal e a liberdade têm o mesmo nome.
Viva o 25 de Abril!
Viva a Liberdade!
Viva a República!
Viva Portugal!
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr.as e Srs. Ministros e demais Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Antigos Presidentes da República, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Altas Autoridades Civis e Militares, Sr. Cardeal Patriarca, Eminência Reverendíssima, Ilustres Convidados:
As minhas primeiras palavras são para saudar a Assembleia da República, que agora iniciou uma nova legislatura, num momento particularmente difícil e exigente da vida nacional.
Desejo a todos os Srs. Deputados as maiores felicidades.
Em democracia, tanto se serve o País no governo, ou na maioria que o apoia, como na oposição.
Quero saudar os representantes da Associação 25 de Abril, mais conhecidos, entre todos nós, pelos Srs. Capitães de Abril, e dizer-lhes que, apesar do tempo decorrido, está sempre na memória aquele momento decisivo em que VV. Ex.as decidiram avançar.
Aplausos gerais, de pé.
Quero, naturalmente, nesta data, e nos 30 anos da Constituinte, saudar todos os que, aqui presentes, deram o seu melhor para a Constituição que temos e para o momento que, desde então, temos vivido.
Permitam-me uma pequena nota, Srs. Deputados da Constituinte e todos aqueles que prepararam as importantíssimas eleições de 1975: sabem VV. Ex.as qual a memória que tenho e do País em que então se vivia?
A minha avó, com 95 anos, açoriana de gema, vestiu o seu melhor vestido, para ir votar pela primeira vez na sua vida.
Aplausos gerais.
Srs. Embaixadores, Encarregados de Negócios:
Permitam-me que lhes solicite que dirijam aos Chefes de Estado que aqui representam as minhas mais cordiais saudações.
O 25 de Abril trouxe VV. Ex.as, todos, a este nosso país, trouxe VV. Ex.as, todos, a estas sessões em democracia, trouxe VV. Ex.as, todos, à representação nacional.
É também uma homenagem que quero fazer àqueles que construíram a democracia portuguesa, porque também nos abriram as portas a um relacionamento internacional normal.
Portugal é Portugal, Portugal não é um país escondido, Portugal está em permanente diálogo com os países e os povos que VV. Ex.as representam.
Muito obrigado!
Aplausos gerais.
Ao dirigir-me hoje à Assembleia da República, no Dia da Liberdade, a última vez que o faço na qualidade de Presidente da República, não posso deixar de referir a emoção que, por isso mesmo, sinto.
Sempre pretendi, com as mensagens que, anualmente, aqui deixei, ajudar à construção de um país à altura da esperança que o 25 de Abril trouxe aos portugueses.
Emoção, porque o 25 de Abril é a data fundadora do nosso regime e é também aquela em que, nos planos simbólico e político, nos reconhecemos, pois é na ideia de liberdade que podemos e devemos buscar, renovadamente, em cada ocasião, a energia democrática para enfrentarmos os problemas e vencermos os desafios, servindo, assim, Portugal.
Pertenço, Sr.as e Srs. Deputados, a uma geração que esperou e lutou por esse dia.
A sua chegada representou uma alegria ímpar que a nossa memória conserva como um daqueles grandes momentos que tornam a vida exaltante e a abrem ao futuro.
Foi esse o início de um novo ciclo da História de Portugal, que nos trouxe de novo à Europa e nos abriu as portas à constituição de uma grande comunidade de países lusófonos.
Cada ano que aqui vim actualizei essa alegria e a responsabilidade que ela impõe de não a defraudarmos.
E à exaltante lembrança desse «dia inicial, inteiro e limpo», como lhe chamou Sophia de Mello Breyner, em palavras que passaram, desde o ano passado, por minha iniciativa, a estar inscritas na parede do Quartel do Largo do Carmo, junta-se a emoção por falar num lugar que, para mim, tem um alto simbolismo, não só político mas também pessoal e afectivo.
De facto, ao dirigir-me, neste Dia, à Assembleia da República, não posso nem quero esquecer que fui, com muita honra, um parlamentar dedicado.
Tenho orgulho em tê-lo sido e conservo dessa experiência uma grata recordação.
Aprendi nesta Casa que, sem debate parlamentar exigente, é o próprio debate democrático que se empobrece e desprestigia.
Aprendi que há momentos de convergência e momentos de divergência, momentos de consenso e momentos de dissenso.
Saber distinguir entre esses momentos é o essencial da vida política.
Evocando esta memória política e pessoal, quero transformá-la em homenagem à Assembleia da República e àqueles que, diariamente, têm a responsabilidade de a prestigiar, tornando-a verdadeiramente no centro da vida democrática.
Isso constitui uma condição fundamental e insubstituível da qualidade da democracia portuguesa.
Este deve ser o lugar de debate dos grandes temas do nosso presente e do nosso futuro.
É aqui que se apresentam as propostas políticas e que se afirmam as alternativas.
É aqui que o governo responde e é fiscalizado pelos seus actos.
Sem um Parlamento prestigiado, moderno, aberto ao tempo e à sociedade, sem um Parlamento activo, é o próprio coração da democracia que funciona mal.
Estou certo de que os Srs. Deputados sentem e assumem esta responsabilidade e a exigência que ela comporta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Convidados:
Ao olhar para os anos que passaram desde que assumi o cargo de Presidente da República, não posso deixar de concluir que foi este um dos tempos mais complexos e exigentes do nosso percurso democrático.
O mundo e a Europa mudaram profundamente.
A globalização, a mediatização e a sociedade do conhecimento e da informação puseram novos e instantes problemas.
Entre nós, depois de um período inicial e difícil mas, sem dúvida, exaltante, de construção do Estado democrático, e de outro, marcado pela adesão de Portugal à União Europeia, com as vantagens que daí advieram, os últimos anos representaram um tempo de avaliação e de alguma retracção, em que se tornaram mais presentes os bloqueios, as insuficiências e as dificuldades do nosso Estado, da nossa sociedade e da nossa economia.
Essa revelação gradual representou como que um duche de água fria e provocou, nos últimos anos, um estado depressivo, que ainda reforçou as causas que o tinham provocado.
Tal revelação originou ainda uma crise funda e persistente, que se traduziu numa sucessão de crises políticas, a que tive de fazer face pelos meios de que constitucionalmente dispunha.
Em democracia, o exercício pleno das competências e responsabilidades de cada órgão de soberania é a condição para o equilíbrio do regime e a eficácia do seu funcionamento.
Já sabemos que o regime semipresidencial é muito exigente na definição e na compatibilização dos poderes de cada órgão de soberania, mas essa exigência possui também as suas virtualidades.
Tendo em conta a experiência dos anos, continuo a acreditar ser este o regime mais adequado e nem o facto de ter sido por vezes acusado - não raro pelas mesmas pessoas - de não exercer os meus poderes ou, simetricamente, de os exercer excessivamente altera a convicção profunda que tenho da bondade e da aptidão do nosso regime constitucional.
Fazendo estas considerações, Srs. Deputados, não desejo, naturalmente, antecipar-me ao juízo da História.
Só ela terá a isenção e a distância que agora nos faltam.
Faço-as, todavia, por considerar que continuam presentes algumas das causas que estiveram na origem das crises políticas que vivemos.
Mais do que uma explicação ou justificação do passado, representam uma advertência e um alerta para o futuro.
Se não fizermos o que é necessário fazer, essas crises, sob idênticas ou diferentes formas, regressarão, enfraquecendo, pela sua própria repetição, a nossa capacidade de as enfrentar.
A esperança que um novo ciclo político sempre traz consigo - e que não pode ser frustrada - constitui uma grande oportunidade para se fazer o que é preciso fazer.
A margem é estreita e a hora não consente adiamentos ou ilusões vãs.
Estou seguro de que o povo português, que já deu repetidas lições de maturidade democrática e de civismo, tem consciência do que está em causa.
E, por isso, também estou certo de que responderá com sentido de responsabilidade ao esforço, e mesmo aos sacrifícios que lhe forem pedidos, desde que seja mobilizado para tal e ganhe a convicção de que esse esforço e esses sacrifícios necessários são partilhados por todos e darão bons resultados.
Cabe aos dirigentes políticos, a todos os dirigentes políticos, assumir as suas responsabilidades com auto-exigência, conscientes de que as soluções de rotina e de continuidade não chegam para enfrentar os graves desafios que temos.
Há muito a fazer e ninguém pode olhar para o lado e achar que a responsabilidade é de outro.
Há muito a fazer no governo e na oposição, nas estruturas do Estado e no sistema partidário, na sociedade e na economia.
Repito: não há tempo a perder nem responsabilidades a transferir.
Que cada um assuma as suas.
Eu assumi e continuarei a assumir as minhas até ao último dia do meu mandato.
Continuarei sempre, mobilizando os portugueses, a lutar por um país melhor, mais justo, mais desenvolvido e mais solidário.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
Como disse, este tempo é particularmente exigente, tendo em consideração as dificuldades por que passamos, a escassez de recursos, a complexidade das questões, as expectativas dos cidadãos, em especial os de mais baixos recursos, em suma, a via estreita das soluções.
Três décadas após o 25 de Abril, é indiscutível, por exemplo, que a sociedade portuguesa conseguiu ultrapassar algumas limitações sérias em matéria de acesso à instrução básica.
E o forte acréscimo registado nas taxas de frequência do ensino superior, acompanhado da progressão evidente, em termos quantitativos e qualitativos, da produção científica nacional é, sem dúvida, motivo de esperança e de estímulo quando olhamos o nosso futuro colectivo.
Uma das preocupações que mais fortemente têm marcado a minha intervenção como Presidente da República prende-se, justamente, com a necessidade de prosseguir e aprofundar esse esforço de difusão generalizada de conhecimento na sociedade portuguesa.
Sem um investimento sério na educação e na ciência, jamais conseguiremos obter resultados relevantes na partilha de responsabilidades cívicas, na modernização do Estado, no acesso e fruição criativa da cultura, na produtividade empresarial, na participação plena na vida das organizações económicas e na esfera pública, na abertura consistente à sociedade da informação e à economia do conhecimento.
Nesta perspectiva, pugnar por um ensino básico de qualidade para todos os jovens, sublinho, para todos os jovens, continua a ser, quanto a mim, um desígnio actual e oportuno.
Estou convencido de que, se não soubermos encontrar fórmulas eficazes para o cumprir, dificilmente seremos capazes de acertar o passo com a Europa, alcançando os níveis de desenvolvimento e bem-estar a que legitimamente aspiramos.
Aliás, sem a consolidação desse patamar de instrução de base, que deve valorizar uma atitude experimental e também, por exemplo, a utilização da Internet, como bagagem cultural básica dos cidadãos, ficará em grande parte prejudicado o objectivo, que considero essencial, de generalização da educação e utilização das ferramentas imprescindíveis para vivermos na sociedade do conhecimento.
Este último aspecto não pode ser encarado sem ter em conta o enorme défice de instrução que caracteriza, por exemplo, as gerações adultas menos jovens e, por conseguinte, grande parte da nossa população activa.
Sendo uma questão que gera grande consenso entre os parceiros envolvidos na concertação social, é de esperar - direi mesmo, é de exigir - que não haja mais adiamentos na concretização das medidas já acordadas sobre educação e formação profissional de adultos.
Para quem, como eu, sempre advogou as vantagens da concretização de entendimentos sobre objectivos nacionais básicos em matéria de crescimento e competitividade, por um lado, e emprego e direitos sociais, por outro, o apelo que agora lanço não pode ser mais veemente.
Em sociedades abertas à informação e inseridas em lógicas económicas fortemente concorrenciais, que, além disso e, em parte, por isso, geram continuamente mudanças, incertezas e novos riscos, é preciso aprofundar incessantemente as bases científicas do conhecimento sobre a natureza, sobre os modos de organização e sobre os processos sociais.
Assim sendo, se é preciso proporcionar aos mais novos e aos menos preparados os instrumentos para que possam ler, de modo crítico e participativo, os sinais e as mensagens da realidade que se transforma, impõe-se igualmente que a própria decisão política não prescinda do recurso sistemático a um vasto leque de conhecimentos e de informação.
A qualidade da governação - como agora se diz -, um desafio que permanentemente se põe aos responsáveis políticos e também a todo o País, implica, então, uma aproximação inteligente e fundamentada aos problemas.
Tal aproximação não se pode limitar ao curto prazo ou à eliminação pontual dos disfuncionamentos, deve procurar, em tempo útil, definir e atacar eficazmente as causas, sempre complexas, dos nossos males.
Acontecimentos violentos que todos os dias entram pelas nossas casas, como os que ainda há pouco ocorreram, sintetizam, dramaticamente, a complexidade dos problemas que temos de enfrentar.
E, se, por um lado, nos devem levar a encarar a questão da segurança das populações e das formas de a garantir eficazmente, devem levar-nos também a analisar questões relacionadas com os modos concretos como se processa a escolarização de populações carenciadas, com os obstáculos à integração dos imigrantes, com a pobreza crónica, com os efeitos de políticas de alojamento massificadoras e desumanizadas, com o combate à droga e à toxicodependência.
Permitam-me que me detenha um pouco sobre este último tema.
Procurei, Sr.as e Srs. Deputados, desde o início do meu mandato, quer internamente, quer em reuniões internacionais especializadas, contribuir activamente para generalizar na opinião pública a ideia de que o fenómeno das drogas exige uma resposta global, equilibrada e coerente, de que são parte a redução da procura, a redução da oferta e a cooperação internacional entre os países.
Já não é possível ignorar que, quando o desemprego ou a precarização do emprego, a pobreza ou outras formas de exclusão social minam o equilíbrio económico e afectivo das famílias, as tensões e os conflitos potenciam o consumo das drogas e também o desenvolvimento de diversas formas de delinquência.
Devemos, pois, combater o tráfico, sem hesitações e com todos os meios possíveis, e ter sempre presente que a criminalidade associada a esse mesmo tráfico e à pressão do consumo provoca, muito compreensivelmente, forte intranquilidade e insegurança nas populações.
Mas, ao encarar o problema, devemos reconhecer, em simultâneo, como determinantes, as iniciativas de redução da procura, ou seja, a prevenção e o tratamento da toxicodependência e a redução dos riscos associados ao consumo de drogas, com o largo significado que tudo isso tem em matéria de saúde pública.
Talvez nos últimos anos tenhamos esquecido a necessidade de manter, de forma equilibrada, o mesmo nível de investimento em todas estas áreas.
E alguns maus resultados só se explicam por uma multiplicidade de insuficiências, nomeadamente na perspectiva de um combate integrado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados:
Infelizmente, após trinta anos de vida democrática, subsistem na sociedade portuguesa outros problemas graves.
Na verdade, a pobreza, que se chega a traduzir em subalimentação, degradação habitacional e até falta de recursos para a aquisição de medicamentos essenciais, afecta, hoje em dia, milhares de concidadãos nossos.
A carência extrema reveste formas particularmente insuportáveis de injustiça e humilhação.
Há muitos exemplos marcantes da gravidade extrema e da flagrante insuficiência e injustiça das nossas respostas políticas e sociais.
Como já disse, a abordagem destes fenómenos apela fortemente a conhecimentos sobre a estrutura social portuguesa, que, aliás, mais vezes do que se julga, já existem.
Mas apela também, Sr.as e Srs. Deputados, a um forte sentido de cooperação.
E aqui está um outro tema que deve constar de uma agenda para uma boa governação: como responder, em suma, ao peso crescente das questões intersectoriais?
Há que reconhecer que o enorme apoio financeiro da União Europeia, nos últimos 20 anos, apesar do seu extraordinário contributo para a modernização e infra-estruturação do País, com inegável reforço da coesão nacional, produziu resultados - sejamos francos!
- aquém do necessário, em termos de redução de assimetrias regionais de desenvolvimento, da nossa posição competitiva e da produtividade nacional.
Com efeito, muitas das intervenções financiadas, por demasiado fragmentadas, careceram de uma mais clara concentração em prioridades estratégicas, sectoriais e territoriais, tendo os seus impactos sobre a economia, a sociedade e o território sido travados pelo enviesamento a favor dos investimentos pesados e mais «visíveis».
Torna-se, por isso, indispensável, agora que estamos no limiar do novo quadro comunitário de apoio, que sejam adoptadas políticas públicas com claras apostas estratégicas, que rompam com a artificial compartimentação de programas segundo as fontes de financiamento ou a verticalização ineficiente por ministérios.
Do que se trata, Sr.as e Srs. Deputados, é de privilegiar a transversalidade dos programas e das políticas, virados agora para a modernização da nossa estrutura económica e social, forçando uma efectiva colaboração interministerial para esses objectivos e operacionalizando-os segundo uma lógica territorial coerente.
Este é um enorme desafio que os governos têm pela frente e que exige também uma rigorosa reflexão.
Face à crescente complexidade dos problemas, que atravessam a organização clássica dos governos e dos ministérios, torna-se necessário, julgo eu, intervir de forma diferente, com a criação, por exemplo, de comités de ligação, de altos comissários ou de outras figuras que possam dar resposta integrada, inteligente, oportuna e moderna a vastos problemas.
A educação e a formação profissional, o combate à evasão fiscal, à droga ou à epidemia de SIDA, a educação para a saúde, o apoio aos idosos, constituem, todos eles, exemplos de áreas que exigem intervenções intersectoriais.
Necessitamos, também, de respostas modernas do Estado e das empresas para ultrapassar as nossas dificuldades.
É preciso uma nova atitude do Estado para com a sociedade civil e da sociedade civil face ao Estado.
Só essa nova atitude cultural - pois é, de facto, disso que se trata!
- pode evitar a promiscuidade entre a política e o mundo dos negócios, a subserviência aos interesses ou aos decisores, a falta de rigor, de clareza e de transparência.
É preciso ainda mudar a mentalidade de alguns empresários que acham que a eles tudo lhes é devido mas que nada devem à sociedade e ao País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
O problema crónico da economia portuguesa está, como sabemos, na insuficiência da competitividade e no excesso da despesa relativamente ao produto que tem sido capaz de gerar.
Para corrigir esta situação, é preciso - convenhamos!
- gastar menos, particularmente em produtos importados, e produzir mais, especialmente para exportação.
Temos de vencer o desafio da globalização competitiva e produzir mais para melhorar o nível de vida e preservar ou aumentar o nível de emprego.
Mas também temos de moderar a despesa interna e diminuir o seu conteúdo importado para não criar desequilíbrios económicos insustentáveis, nomeadamente nas contas públicas e nas transacções com o exterior.
Temos de criar um ambiente propício ao desenvolvimento da iniciativa privada, particularmente para o investimento e para as exportações, estimular a concorrência, especialmente nos sectores de bens e serviços não transaccionáveis internacionalmente, suprir ou compensar as falhas de mercado, regular a actividade económica e proceder à sua orientação estratégica.
Estas funções competem fundamentalmente aos responsáveis, mas a acção e o contributo de todos os outros intervenientes no processo também são decisivos e insubstituíveis para o bom funcionamento da economia.
A motivação, a atitude e o comportamento dos empresários e dos trabalhadores são essenciais para que se possam realizar as transformações indispensáveis - nomeadamente em termos de inovação tecnológica, organizativa e comercial, bem como de aumento da eficiência produtiva - para vencer o desafio da modernidade e, sem dúvida, da competitividade.
E também quanto melhor for o diálogo, o respeito e a cooperação entre empresários e trabalhadores, quer ao nível de cada empresa, quer ao nível global da concertação social, mais fácil será conciliar, indispensavelmente, eficiência e equidade, competitividade e justiça social e maior será a possibilidade de sucesso para a comunidade portuguesa.
Os cidadãos enquanto consumidores também podem contribuir para tornar a economia mais eficiente, seja praticando uma cultura de exigência para com o Estado e as empresas, seja, permitam-me que o diga, preferindo produtos nacionais.
A cultura de exigência pressiona o Estado para melhorar a qualidade dos serviços que presta e as empresas para serem mais inovadoras e eficientes e, assim, poderem oferecer bens e serviços com ganhos na qualidade e no preço.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
A economia portuguesa não está condenada à estagnação ou ao crescimento medíocre.
Precisamos urgentemente de substituir o pessimismo pela esperança e pela confiança e a resignação pela vontade e pela acção; precisamos de trocar a espera passiva de um sempre ansiado empurrão da economia europeia pela reestruturação activa da economia nacional; precisamos também de substituir a política do défice público pela política do primado da economia e da inovação, sem, naturalmente, descuidar a condicionante externa e, é claro, a restrição orçamental.
Relativamente a este último ponto, sobre o qual não esperava ter tido de me pronunciar tantas vezes, importa ter plena consciência de que os problemas das finanças públicas portuguesas não desapareceram pelo facto de a recente revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento permitir - felizmente, em minha opinião - uma maior flexibilidade na sua aplicação e, assim, conferir um pouco mais de margem de manobra à política orçamental.
Esta deve ser criteriosamente utilizada para apoiar o crescimento económico e melhorar os níveis de coesão social, mas não pode dar lugar a qualquer laxismo no controlo da despesa pública.
Não é, Srs. Deputados, por exigência comunitária mas, sim, por interesse nacional, tal como o concebo, que é preciso reformar o Estado e reduzir o peso relativo da despesa corrente, reforçar a selectividade do investimento público e aumentar a eficiência tributária, nomeadamente pela simplificação do nosso sistema fiscal e pelo combate, sem tréguas, à fraude e à fuga ao fisco.
Só assim será possível diminuir a carga fiscal sobre os contribuintes cumpridores, sem sacrificar a indispensável capacidade de intervenção do Estado na economia e na sociedade, nomeadamente em termos de estruturas de apoio ao desenvolvimento e a políticas sociais que, como aqui tenho lembrado, precisam, em muitos casos, de ser reforçadas.
A actual crise económica e financeira é séria e o seu tratamento implica custos a curto prazo para se poderem obter vantagens a médio e longo prazos, com a agravante de os mais sacrificados poderem não ser os que serão mais beneficiados.
Daí que seja conveniente explicar bem a necessidade e a finalidade das medidas de política, procurando minimizar e repartir equitativamente os sacrifícios que as mesmas possam implicar.
É também necessário, Sr.as e Srs. Deputados, criar condições políticas e sociais que contribuam para a aceitação das reformas mais profundas e, porventura, mais difíceis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Convidados:
Comemoramos este ano o Dia da Liberdade num tempo que é, simultaneamente, de esperança e de preocupação, de desafio e de responsabilidade, de exigência e de expectativa.
Não podemos deixar de fazer hoje o que já devia ter sido feito ontem.
E não podemos comprometer o futuro, desperdiçando as oportunidades ou não cumprindo as responsabilidades do presente.
Entre essas responsabilidades, está a nossa participação activa na construção da Europa.
É chegado o momento de todos os europeístas se empenharem no combate por uma Europa mais próxima dos cidadãos, mais mobilizada e mais apta para enfrentar os grandes desafios do século XXI.
E é tempo também de prepararmos capazmente e em profundidade a consulta popular sobre o Tratado Constitucional Europeu, pondo-nos rapidamente ao caminho.
Precisamos, Minhas Senhoras e Meus Senhores, de mais autoridade democrática e de mais espírito cívico, de mais decisão, mais esforço, mais prioridades, muito trabalho.
E precisamos não apenas de mais mas também de melhor: melhor decisão, melhor esforço, melhor trabalho, isto é, trabalho mais respeitado e mais valorizado, precisamos, em suma, de melhores prioridades.
Precisamos de nos ocupar mais do essencial e menos do acessório, mais do profundo e menos do superficial.
Precisamos de tornar Abril, e o que ele representa como ideal de liberdade, de justiça e de desenvolvimento, mais presente e, sobretudo, melhor presente.
Aplausos gerais.
Renovo a todos VV. Ex.as as minhas saudações calorosas e desejo as maiores venturas no vosso trabalho ao serviço da Democracia, da República e de Portugal.
Podeis contar sempre comigo no combate pelas grandes causas a que me mantenho fiel desde a juventude.
Estou convosco e continuarei convosco para fazermos da nossa Pátria um país à altura das aspirações dos portugueses.
Quando formos avaliados pelas gerações que, inevitavelmente, nos sucederão, a pergunta que será feita é muito simples: foram eles capazes de enfrentar as dificuldades, de vencer os desafios e de pôr Portugal no rumo do futuro?
Não esqueçamos nunca que a resposta a esta incontornável pergunta somos nós que, agora, quotidianamente, a estamos a dar.
Não há, por isso, tempo a perder.
É a hora!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Cavaco Silva):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Há exactamente 32 anos, Portugal marcou encontro com o futuro.
Esse futuro é, hoje, o nosso presente.
As efemérides são sempre memória do encontro da História com o calendário.
E porque as efemérides se repetem, mas a História não, desse reencontro anual decorre o risco de celebrar a mera repetição do dia e de perder cada vez mais o sentido de abertura à História que marcou a nossa memória colectiva.
Uma forma tentada ao longo dos anos, para que esta cerimónia de homenagem, a trigésima segunda, o seja menos à data e mais à História que nela se encerra, foi a de fazer dela um momento de reflexão sobre o nosso tempo.
De facto, nenhum outro dia - tirando o 10 de Junho - é mais apropriado a que o tomemos como uma encruzilhada entre o que foi e o que há-de vir, entre o ontem e o amanhã.
Nesta linha de orientação, eu podia aproveitar esta minha primeira vinda à Assembleia da República, para participar numa cerimónia comemorativa do 25 de Abril, para sublinhar quanto Portugal mudou nos últimos 32 anos.
O vasto leque de direitos e liberdades que o sistema democrático consolidou, os progressos realizados nos mais variados domínios, a participação do País na União Europeia, a sua afirmação no concerto das nações e muitas outras realizações que fazem parte do activo da Nação portuguesa.
Num outro quadrante, podia justificar-se, nesta data fundadora do regime democrático, voltar ao desafio da melhoria da qualidade e credibilidade do nosso sistema político.
Tive oportunidade, nesta mesma Casa, aquando da minha tomada de posse, de sublinhar a responsabilidade que impende sobre a classe política nesse esforço de melhorar a nossa democracia e de reforçar o prestígio das instituições da República e dos seus titulares.
De facto, a comemoração do 25 de Abril seria uma ocasião propícia para reflectir sobre o que desejamos do nosso sistema político, o que esperamos do papel e do funcionamento dos partidos, o que é exigível do comportamento dos eleitos e demais agentes políticos, o que deve ser feito para que os cidadãos ganhem uma nova confiança e respeito pela actividade política e para que a democracia se revitalize e suscite na juventude portuguesa maior motivação e entusiasmo.
Pareceu-me, no entanto, mais útil, perante os legítimos representantes dos outros órgãos de soberania e a atenção da opinião pública, lançar um olhar sobre a nossa sociedade, confrontá-la com os sonhos que marcaram aqueles dias de Abril, mas que a realidade dos nossos dias não só não valida como em vários aspectos nos interpela.
Quero referir-me, em particular, ao sonho de justiça social, da construção de uma sociedade mais justa e equilibrada, em que os benefícios do desenvolvimento contemplassem todos.
32 anos após a Revolução, o Portugal desta encruzilhada entre o passado e o futuro continua a ser um país fortemente marcado pelo dualismo do seu desenvolvimento.
É inegável o progresso registado em alguns sectores de actividade, a capacidade competitiva de muitas empresas, a excelência de alguns centros de investigação e inovação, a qualidade de serviço de muitas instituições.
Mas não é menos inegável que essas experiências de vanguarda não conseguem impregnar todo o tecido social, coexistindo os nichos de modernidade com expressões de indisfarçável arcaísmo social e cultural.
Profundas disparidades revelam-se na leitura do território.
É cada vez maior o fosso entre as regiões marcadas por uma ruralidade periférica e as regiões mais urbanizadas.
Mas, dentro destas, ressaltam as que conseguiram manter uma dimensão humana, proporcionando satisfação e bem-estar aos que nelas habitam, em contraste com as que se tornaram autênticas chagas urbanísticas, produto da desorganização e da irresponsabilidade, condenando os seus habitantes a um mau viver resignado, sem qualidade e sem horizontes.
A crise do mundo rural não é de hoje, arrasta-se há décadas, entre ciclos de resistência e de abandono.
A vasta faixa do interior do País representa actualmente apenas 15% da população residente.
Muitas políticas foram adoptadas, mas nenhuma conseguiu estancar a fuga das gentes, ora para os centros urbanos do litoral ora para destinos mais longínquos, numa diáspora que teima em persistir.
Iludimo-nos pela presença deste ou daquele equipamento social, fruto do voluntarismo do poder local e dos homens-bons que não abandonaram as suas terras, mas tardamos a encontrar um rumo de desenvolvimento sustentável do interior do País que potencie os parcos recursos existentes, que combata a tendência para o despovoamento e que atraia novos recursos materiais e humanos.
No quadro geral de adormecimento de muitas pequenas vilas e aldeias do interior, apraz-nos registar os sinais de esperança que, aqui e ali, vamos detectando.
Portugal precisa de olhar para esses sinais, identificar as boas práticas que os sustentam, reconhecer o esforço que os agentes económicos, sociais e políticos vêm desenvolvendo e, a partir daí, traçar um caminho para que todos se sintam responsáveis e mobilizados para a acção.
Há que vencer os obstáculos que nos têm impedido de enfrentar com sucesso a dupla exclusão do envelhecimento e da pobreza que atinge as comunidades do interior de Portugal.
Mas a mais marcante das disparidades que emerge deste Portugal a duas velocidades é a que resulta das desigualdades sociais.
O sonho de um País livre e democrático é indissociável da ambição de uma sociedade mais desenvolvida e com mais justiça social.
Julgo poder expressar o sentimento geral ao dizer que muito progredimos na modernização da economia e na afirmação de novos estilos de vida, mas ficámos muito aquém na concretização dessa ambição de uma sociedade com maior justiça social.
O nosso país é, no quadro da União Europeia, o que apresenta maior desigualdade de distribuição de rendimentos e é, também, aquele em que as formas de pobreza são mais persistentes.
São características estruturais em que pesam o atraso na qualificação dos recursos humanos, a fragilidade das nossas classes médias, a má qualidade do emprego e os baixos níveis salariais em vastos sectores da nossa economia.
É entre a população mais idosa que encontramos as mais preocupantes situações de exclusão - o risco de pobreza persistente, que é relativamente elevado em Portugal, aumenta substancialmente no caso dos idosos.
O esforço que o Estado tem vindo a realizar para atenuar os efeitos deste quadro social tem de ser continuado.
Não é moralmente legítimo pedir mais sacrifícios a quem viveu uma vida inteira de privação.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Desagregadas as estruturas familiares de apoio pelas transformações sociais ocorridas nas décadas mais recentes, ficaram muitos dos reformados de ontem confinados às pensões do regime não contributivo que lhes não conseguem assegurar uma existência condigna.
E a exclusão - a dimensão de não pertença a que demasiados dos nossos concidadãos se vêem remetidos - é tão intolerável que, por contraste, têm de ser reduzidas à sua devida proporção as controvérsias geradas a propósito de pequenos aperfeiçoamentos dos nossos direitos.
Falo dos direitos dos que não são excluídos e das controvérsias em que demasiadas vezes a discussão política se esgota e a atenção da opinião pública se exaure.
Esse é um peso que temos de ter presente na nossa consciência colectiva, mas também na consciência de cada um.
O que de mais nobre e mais perene a história deste dia nos deixou, e que queremos legar às novas gerações, é a ambição de um País mais livre, mas também de uma sociedade mais justa.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Ao evocar esses dias de sonho e de esperança, lembro-me sempre daquele cartaz em que uma criança colocava um cravo no cano de uma espingarda.
A carga simbólica desse cartaz é iniludível e vale a pena questionar: como cresceu aquela criança?
Como crescem os milhares de crianças portuguesas?
Será que estamos a tratar bem as novas gerações?
Preocupam-me os casos de crianças vítimas de negligência e de maus tratos físicos e psicológicos, que regularmente são objecto das notícias dos órgãos de comunicação social.
Reparo no número de processos instaurados pelas instituições vocacionadas para a sua protecção.
Ouço o testemunho do cidadão anónimo ou do técnico que lida diariamente com estes casos e não posso deixar de reconhecer que essas mesmas crianças constituem o elo mais fraco dessa cadeia social que alimenta a exclusão.
Na sua origem vamos encontrar, invariavelmente, a desestruturação familiar, os baixíssimos níveis de escolaridade dos pais e, de forma mais destacada, situações de dependência, com especial relevo para o alcoolismo.
É nesse mesmo quadro social que encontramos outro dos sinais preocupantes: o da violência doméstica, nomeadamente a que atinge maioritariamente a mulher.
Não vale a pena esconder essa realidade silenciada que, por vezes, escapa à atenção das instituições.
Trata-se, antes de mais, de um problema de dignidade humana para o qual não pode haver tolerância nem resignação.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Todos nós acompanhamos com preocupação estes sintomas.
Sabemos que os efeitos da crise económica tendem a potenciar esses sinais, nomeadamente através do desemprego de homens e mulheres que, pelo seu nível de escolaridade e pela sua idade avançada, enfrentam dificuldades acrescidas na procura de um novo posto de trabalho.
É nestas situações que o risco de exclusão social aumenta.
Para que esse risco possa ser atenuado não chega exigir mais medidas ou mais dinheiro.
Concretizar essa ambição de justiça social, que não tem de ser remetida para o plano das utopias, passa por cada um de nós.
Todos somos responsáveis, todos temos de assumir a quota-parte de responsabilidade social que nos cabe como cidadãos.
Assumir como desígnio colectivo a protecção dos que vão resvalando, lenta e invisivelmente, para a margem de uma sociedade que se quer competitiva e dinâmica, mas também justa e inclusiva.
Temos de romper com o conformismo e o comodismo de relegar para o Estado a única solução do problema.
Temos de conseguir enaltecer, através de uma nova atitude cívica, o exemplo de milhares de cidadãos que, através do voluntariado e da participação em instituições de solidariedade social, encontram um sentido para esse desígnio.
Mas temos, também, a obrigação de reconhecer que a melhoria da justiça social, o combate à pobreza e à exclusão exigem que o País volte a ganhar a batalha do investimento, do crescimento económico, da criação de riqueza, sem o que o sonho continuará adiado.
Deveremos ter em conta a preocupação que o último Conselho Europeu enunciou ao chamar a atenção - e bem!
- para a interdependência que existe entre crescimento económico, competitividade, criação de emprego, protecção e inclusão social.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Não quero limitar-me ao diagnóstico.
Quero apelar a uma intervenção mais ampla e mais coerente naquilo que, mais do que uma soma de dramas individuais, é - e deve ser - um peso na nossa consciência colectiva.
Quero propor um compromisso cívico, um compromisso para a inclusão social.
Um compromisso que envolva não só as forças políticas, mas que congregue as instituições nacionais, as autarquias, as organizações da sociedade civil, dos sindicatos às associações cívicas e às instituições de solidariedade.
Um compromisso em torno de um conjunto de princípios e objectivos que nos orientem na acção colectiva, tendo por alvo os grupos sociais mais vulneráveis.
Estou convencido de que, em relação a este objectivo da inclusão social - tão central à dignidade da pessoa humana -, é possível identificar os problemas mais graves e substituir o eterno combate ideológico por uma ordenação de prioridades, metas e acções, em que todos se possam rever e participar.
Aplausos do PSD, do CDS-PP e do Deputado do PS José Vera Jardim.
A elaboração do próximo plano de acção nacional para a inclusão pode ser aproveitada para uma mobilização geral, uma verdadeira campanha em prol da inclusão social.
Um plano que consiga superar o tradicional enunciado de medidas, definindo uma estratégia coerente para um futuro mais promissor.
Esse será um passo para concretizar essa ambição de construirmos uma sociedade mais desenvolvida e, ao mesmo tempo, com maior justiça social.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Para aqueles que o viveram, comemorar o 25 de Abril significa reavivar uma recordação preciosa, património da nossa memória e marco do nosso passado colectivo.
Mas significa, também, mantermos presente o sentido que lhe está associado, o sonho e a ambição, sem os quais poderia não passar de mais uma data ou de uma sequência fortuita de acontecimentos isolados.
Comemoramos hoje o 25 de Abril.
O 25 de Abril de 1974, quando um povo, sob o impulso de um punhado de militares, tomou nas suas mãos o seu próprio destino.
Mas também o 25 de Abril de 1975, quando os portugueses, em eleições livres e democráticas, disseram, com clareza, o que queriam e o que não queriam para Portugal.
E, ainda, o 25 de Abril de 1976, data em que entrou em vigor a Constituição da República Portuguesa.
São estas três datas, hoje assinaladas, que conferem sentido de futuro e de modernidade à nossa democracia.
Esses são os marcos de um passado comum de que nos orgulhamos e que, ao celebrarmos, não nos dispensa de ter sempre presente a advertência do poeta Ruy Belo:
«Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz/mas isso era o passado e podia ser duro/edificar sobre ele o Portugal futuro».
É, seguramente, aos gestores do momento que cabe decidir os caminhos, mas é onde esses caminhos nos levam que lhes hão-de dar, ou não, o reconhecimento das novas gerações.
Fomos capazes de concretizar o sonho de um Portugal livre e mais próspero, mas estamos longe de podermos realizar a aspiração de maior justiça social.
Os portugueses esperam dos políticos, que, livre e democraticamente, elegeram, que estejam à altura dessa exigência, que se empenhem em dar uma nova esperança aos mais desfavorecidos da nossa sociedade, que cooperem no sentido de mais facilmente poderem superar as dificuldades e naturais divergências ideológicas.
Se o conseguirmos, seremos dignos do reconhecimento de uma memória futura.
É essa a minha ambição.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Ao longo dos anos, esta Câmara tem-se reunido em sessão solene para assinalar a passagem do dia 25 de Abril.
Esta cerimónia tem vindo a repetir-se durante as últimas décadas, ano pós ano, sem grandes alterações de fundo.
Creio que é chegado o tempo de nos confrontarmos com algumas interrogações.
De tão repetida nos mesmos moldes, o que resta verdadeiramente da comemoração do 25 de Abril?
Continuará a fazer sentido manter esta forma de festejarmos o Dia da Liberdade, ou será tempo de inovar?
Estas dúvidas trazem consigo uma outra pergunta: não estarão as cerimónias comemorativas do 25 de Abril a converter-se num ritual que já pouco diz aos nossos concidadãos?
Preocupo-me sobretudo com o sentido que este Dia da Liberdade possui para os mais jovens, para aqueles que nasceram depois de 1974.
É deles o futuro de Portugal.
O que dirá este cerimonial às gerações mais novas?
É uma pergunta que não posso deixar de colocar à reflexão dos Srs. Deputados à Assembleia da República.
O 25 de Abril não é a festa de uma geração, mas um momento que deve interpelar todos os portugueses.
Nós, os que estamos hoje aqui reunidos, não somos os donos da Revolução, nem os proprietários da democracia.
O que esta data e o que o regime democrático têm de singular é precisamente o facto de não ser exclusivo de ninguém, mas património comum de Portugal inteiro.
Ninguém é dono do 25 de Abril.
A história pertence a todos, mesmo aos que a não viveram.
Interrogo-me, Srs. Deputados, se não devemos actualizar a evocação do 25 de Abril de 1974, pensando sobretudo naqueles que não sentiram a emoção desse dia.
Para os mais jovens, a liberdade tem um significado distinto daquele que possui para muitos dos presentes nesta cerimónia.
Pode mesmo afirmar-se que, na sociedade portuguesa, coexistem duas maneiras de sentir a liberdade.
De um lado, a liberdade daqueles que tiveram de a conquistar e de batalhar por ela; do outro lado, a liberdade daqueles que a têm como uma realidade natural da vida, tão inquestionada e adquirida como o ar que respiram.
Não nos podemos esquecer de que houve um tempo em que Portugal não respirava esse ar de liberdade.
Houve um tempo em que foi necessário o inconformismo de jovens militares para que nascesse enfim «o dia inteiro e limpo» de que nos fala o poema de Sophia.
A liberdade também é memória, e também como memória merece ser celebrada.
Nos dias de hoje, a melhor homenagem que podemos fazer ao 25 de Abril é comemorar nele uma visão inspiradora de liberdade activa.
Não podemos continuar apegados somente a uma ideia da liberdade como memória, perdendo de vista a ideia, essa sim mobilizadora e dinâmica, da liberdade como projecto.
Um projecto sempre inacabado e plural, aberto às mais diversas leituras, insatisfeito consigo mesmo.
Neste dia, devemos celebrar a liberdade que se constrói a partir do inconformismo e na ambição de um futuro melhor.
A liberdade é mais do que um fim em si mesmo, é também um meio para dela fazermos o que quisermos, no respeito pela liberdade dos outros.
Justamente porque somos livres, podemos utilizar a nossa liberdade para nos realizarmos enquanto pessoas, numa sociedade aberta e democrática.
Ser livre é uma condição, não é um resultado.
É um pressuposto, não uma finalidade.
Não se é livre sem mais.
É-se livre para pensar e agir, para fazer alguma coisa.
Livre para fazer o que a liberdade nos permite nas nossas vidas pessoais, na profissão que escolhemos, nos projectos que ambicionamos levar a cabo, no País que sonhamos e queremos construir.
É da liberdade activa que nasce o pluralismo democrático, que esta Assembleia espelha.
Saúdo com apreço os Srs. Deputados, legítimos representantes da pluralidade da nação portuguesa.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
O 25 de Abril de 1974 representou, antes de mais, um gesto de inconformismo e de não resignação.
A pior maneira de o celebrar será aceitarmos, acomodados, que a erosão do tempo transforme o 25 de Abril numa simples efeméride, num dia feriado, que, ano após ano, os portugueses gozam com a indiferença dos velhos hábitos.
Julgo que existe uma melhor maneira de evocar este dia.
Há que assinalá-lo exactamente com o mesmo espírito inconformista que, em 1974, tornou possível a liberdade.
Devemos celebrar o 25 de Abril cientes de que os portugueses não se resignaram a viver num regime sem liberdade e de que, no decurso do processo revolucionário, se mantiveram firmes e intransigentes do lado da democracia, contra todas e quaisquer formas de opressão.
Ninguém nos deu a liberdade.
Somos livres porque o quisemos ser.
Aplausos do PSD e de Deputados do PS.
O inconformismo é timbre da juventude.
Quero, por isso, neste Dia da Liberdade, dirigir-me directamente às novas gerações e fazer-lhes um apelo, em palavras simples: não se resignem!
Neste primeiro ano como Presidente da República, tenho encontrado inúmeros casos de sucesso entre os jovens portugueses.
Por todo o País, de norte a sul, contactei jovens cientistas e investigadores, que desenvolvem projectos que colocam Portugal numa posição de vanguarda.
Conheci empresários dinâmicos que compreenderam as exigências do mercado global, que ousaram arriscar e que não se deixaram vencer pelo pessimismo que corrói vontades e destrói vocações.
Convivi com uma nova geração de jovens artistas e desportistas que trilham os caminhos do sucesso.
Deparei com inúmeros exemplos, alguns deles comoventes, de jovens que participam em actividades de voluntariado, oferecendo o seu tempo ao serviço dos que mais precisam.
Os jovens conhecem, como ninguém, o sentido autêntico de palavras como «excelência», «inovação» ou «inclusão social».
Tenho orgulho na juventude do meu País.
Rejeito a ideia de que as gerações mais novas possam ter competências mais reduzidas, maiores deficiências de formação, menor sentido do dever e de responsabilidade, menos altruísmo e pouca atenção às necessidades dos outros.
Não é isso que tenho encontrado tanto no interior como no litoral do País, tanto nas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo como nos contingentes militares em missão no estrangeiro.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
A experiência que adquiri dá-me fundadas razões para ter esperança.
Confio no futuro de Portugal porque confio na sua juventude.
O que vejo e encontro por todo o País tem-me levado a pensar sobre nós próprios, a geração que viveu o 25 de Abril.
Temos realmente estado à altura da ambição dos nossos jovens?
Temos sabido alimentar a esperança nascida há 33 anos?
Não devemos ignorar que existem sinais de alguma preocupação.
Há todo um conjunto de perplexidades e dúvidas que não podem deixar de merecer uma reflexão conjunta, para a qual convoco os portugueses neste Dia da Liberdade.
Os jovens, como disse, têm revelado potencialidades que nos fazem ter esperança e confiar no futuro.
Mas que valores lhes estamos a transmitir?
O que temos feito para que as novas gerações continuem a acreditar no seu país?
Que condições criámos para que os jovens, sobretudo os mais qualificados, permaneçam em Portugal e não rumem a outras paragens?
Estamos a fazer tudo o que devemos para garantir a sustentabilidade do nosso modelo de Estado social?
Como iremos assegurar, no futuro, a justiça e a equidade entre as gerações?
Que ambiente e que recursos naturais vamos deixar aos nossos filhos?
Se é um facto que existe um dinamismo inquestionável dos jovens, na sua abertura ao mundo, no uso das novas tecnologias, na aquisição de competências e saberes, o mesmo se não dirá quanto à sua participação e interesse pela vida pública.
Há que reconhecer que não temos conseguido mobilizar os jovens para um envolvimento mais activo e participante na vida política.
Sei que se trata de um fenómeno que não ocorre somente em Portugal, antes corresponde a uma tendência comum nas democracias consolidadas das sociedades pós-industriais.
Mas o facto de o desinteresse cívico dos jovens não ser um exclusivo nacional não deve, de modo algum, reconfortar-nos.
Pelo contrário, porque tenho a ambição de um País melhor, considero que não nos podemos acomodar.
Não me resigno nem me conformo na batalha pela qualidade da democracia portuguesa.
Temos de deixar aos nossos filhos e aos nossos netos um regime em que sejamos governados por uma classe política qualificada, em que a vida pública se paute por critérios de rigor ético, exigência e competência, em que a corrupção seja combatida por um sistema judicial eficaz e prestigiado.
Decorridos mais de 30 anos sobre a queda de um regime autoritário, Portugal deve pensar-se como democracia amadurecida.
Uma democracia em que o escrutínio dos poderes esteja assegurado por meios de comunicação social isentos e responsáveis.
É urgente reinventar o espírito de cidadania, o que exige uma mudança da nossa cultura política.
Cada um deve contribuir com o seu exemplo para que os jovens se apercebam de que está a ser feito um esforço para melhorar a qualidade da nossa democracia.
É necessário que os agentes políticos se empenhem mais na prestação de contas aos cidadãos, que os portugueses conheçam e compreendam o sentido e os objectivos das medidas que vão sendo adoptadas, que exista clareza e transparência na relação entre o poder político e a comunidade cívica.
É preciso que exista uma clara separação entre actividades políticas e actividades privadas, que as situações de conflito de interesses sejam afastadas por imperativo ético e não apenas por imposição da lei.
Sem prejuízo das naturais diferenças de ideias e opiniões, as diversas forças partidárias, ao invés de se ficarem apenas pelo que as divide, devem juntar esforços e fazer obra em comum, pensando primeiro em Portugal e nos portugueses.
Só assim poderemos conquistar o interesse das novas gerações pela actividade política.
Acima de tudo, temos de deixar aos jovens a ideia de democracia como um código moral e um sentido de identidade colectiva.
As novas gerações devem ver Portugal como uma comunidade que possui um destino singular num mundo globalizado.
Os jovens têm de se rever no seu país, no país que têm e no país que ambicionam ter.
Para tanto, é fundamental que as novas gerações saibam como chegámos até aqui, o muito que fizemos para aqui chegar e que o aqui onde estamos será sempre o ponto de partida para novos destinos.
Portugal tem uma história de séculos, que nos diferencia e nos identifica.
Deixámos marcas por todo o mundo.
Falamos uma língua que é partilhada por milhões de seres humanos.
Possuímos um património material e imaterial que temos a obrigação de preservar e de legar às gerações vindouras.
É em torno da defesa desse património e dessa cultura multissecular que, sem saudosismos ou passadismos de qualquer espécie, deve ser construído um novo sentimento patriótico.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Quero terminar renovando o meu apelo aos jovens portugueses: não se conformem!
Há precisamente um mês, no passado dia 25 de Março, o Fórum Europeu da Juventude emitiu a Declaração de Roma, a qual termina de uma forma expressiva:
«Ouçam o que temos para dizer, perguntem-nos o que precisamos e depois actuem!».
É esta a mensagem com que a juventude interpela a Europa e os seus dirigentes.
A política, nos nossos dias, é inconcebível sem o contributo das novas gerações.
Por isso, tenho procurado ouvir os jovens no decurso dos «roteiros» que lancei, aqui, nesta Câmara, há um ano.
De todos recebo sinais de incentivo e de esperança.
É tempo de actuar.
Vivemos um ano decisivo para realizar reformas de fundo em domínios essenciais da nossa vida colectiva.
O futuro não pode ser adiado.
Apelo, por isso, aos jovens, neste aniversário do 25 de Abril.
Com a liberdade de que dispõem, irão até onde a vossa ambição vos quiser levar.
Daqueles que nasceram e cresceram em democracia só podemos esperar o melhor.
Agora tudo depende de vós e do vosso inconformismo.
Em nome de Portugal, não se resignem!
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Celebramos hoje, uma vez mais, o aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974.
Não vou repetir o que aqui afirmei no ano passado, apenas direi que me impressiona que muitos jovens não saibam sequer o que foi o 25 de Abril nem o que significou para Portugal.
Os mais novos, sobretudo quando interrogados sobre o que sucedeu em 25 de Abril de 1974, produzem afirmações que surpreendem pela ignorância de quem foram os principais protagonistas, pelo total alheamento relativamente ao que era viver num regime autoritário.
Não posso deixar de recordar, Srs. Deputados, que, quando o 25 de Abril ocorreu, uma parcela substancial da nossa população nem sequer era nascida.
Quem viveu a revolução, tem a tendência para não se lembrar disso, julgando que essa data, fixada no tempo, possui uma perenidade eterna.
Não é justo para aqueles que se bateram pela liberdade, tantas vezes arriscando a própria vida, que a geração responsável por manter viva a memória de Abril persista em esquecer que a revolução foi um projecto de futuro e que, por ter sido um projecto de futuro, deve continuar a ser um sonho inspirador e um ideal para as gerações vindouras.
Aplausos do PS e do PSD.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Um regime político não pode esquecer as suas origens.
Não é saudável que a nossa democracia despreze o seu código genético e as promessas que nele estiveram inscritas.
Num certo sentido, o 25 de Abril continua por realizar.
Naquilo que continha em termos de ambição de uma sociedade mais justa, naquilo que exigia de um maior empenhamento cívico dos cidadãos, naquilo que implicava de uma nova atitude da classe política, há ainda um longo caminho a percorrer.
Foi justamente a pensar na importância do 25 de Abril para a juventude dos nossos dias que, no ano passado, procurei suscitar a reflexão dos Srs. Deputados sobre o sentido a dar a esta efeméride.
Eu próprio reflecti sobre que sentido faz hoje evocar o 25 de Abril.
E, como sempre defendi que os agentes políticos devem prestar contas do que fazem, aqui me encontro para dizer aos portugueses que continuo convencido que a juventude é o horizonte de qualquer comemoração do 25 de Abril verdadeiramente digna desse nome.
O 25 de Abril, disse-o há um ano e digo-o de novo, não é monopólio de uma geração nem de uma força política.
O pluralismo que inaugurou leva a comemorá-lo pensando na salutar diversidade de opiniões, no confronto de tendências e de visões do mundo, na livre expressão das ideias, no legítimo exercício do direito de criticar e discordar.
Acima de tudo, leva a comemorá-lo pensando que o 25 de Abril é cada vez mais daqueles que nem sequer o viveram.
Ora, aquilo que encontrei ao longo deste ano faz-me ter esperança na juventude, mas também alguma preocupação quanto aos seus destinos.
Ao percorrer o País, nomeadamente nos «Roteiros» que tenho lançado, deparei de norte a sul com jovens empreendedores e dinâmicos que ousam projectos de risco, conheci o trabalho de investigadores de excelência, à altura dos melhores do mundo, contactei uma nova geração que se dedica a acções de voluntariado e que demonstra um comovente espírito de entrega ao serviço dos outros.
Mas, à semelhança do que aqui disse no ano passado, se por toda a parte encontrei sinais promissores, também sinto que não temos conseguido mobilizar os jovens para um envolvimento mais activo e participante na vida política.
Como esta é uma questão que considero demasiado séria, entendi que não poderia limitar-me a falar com base em meras suposições.
E, como considero que devo prestar contas do que fiz, gostaria de partilhar com os portugueses e com os presentes nesta sala os resultados de um estudo sobre as atitudes e comportamentos políticos dos jovens em Portugal que, por minha iniciativa, a Universidade Católica realizou e que irei muito em breve facultar aos grupos parlamentares.
Verifica-se que os jovens se distinguem dos outros grupos etários em relação a alguns tipos de comportamento, mas não em relação a todos eles.
Nesse estudo, que me foi apresentado em Janeiro deste ano, concluiu-se, e passo a enunciar, isto é, o que referirei a seguir são resultados do estudo.
Em primeiro lugar, concluiu-se que é notória a insatisfação dos portugueses com o funcionamento da democracia, assim como a existência de atitudes favoráveis a reformas profundas na sociedade portuguesa.
Os mais jovens, entre os 15 e os 17 anos, e os jovens adultos, entre os 18 e os 29 anos - ou seja, os que nasceram após o 25 de Abril - são a camada etária que se mostra mais favorável à introdução de reformas incrementais e limitadas no sistema.
De realçar, contudo, que os jovens revelam menor pessimismo quanto ao futuro do que os outros grupos etários.
Os jovens estão menos expostos à informação política pelos meios convencionais de comunicação do que os restantes segmentos da população e mostram também mais baixos níveis de conhecimentos políticos.
Exceptuando o exercício do direito de voto, a população portuguesa tende a ser céptica em relação à eficácia da participação política tradicional, isto é, aquela que é feita através dos partidos.
No que respeita a um conjunto genérico de medidas destinadas a melhorar a qualidade do sistema democrático, os portugueses são particularmente favoráveis à presença das mulheres na vida política, à criação de novos mecanismos de participação e à maior personalização do sistema eleitoral.
Trata-se de um estudo efectuado de acordo com os métodos mais adequados e fiáveis de recolha de informação, podendo considerar-se que os elementos que contém são fidedignos e correspondem à realidade.
Foi esta realidade que o Presidente da República quis conhecer, e é esta realidade que aqui trago ao conhecimento dos Srs. Deputados, na convicção de que os agentes políticos não podem alhear-se do pulsar da sociedade e daquilo que os cidadãos pensam daqueles que os governam.
O estudo mostra ainda outros dados que merecem uma análise séria e uma ponderação profunda: já em 2004, os portugueses contavam-se entre os europeus e os cidadãos de países desenvolvidos com uma pior avaliação do funcionamento da democracia; de 2004 para cá, a insatisfação e o pessimismo cresceram de forma sensível.
Do ponto de vista do chamado «interesse pela política», os resultados demonstram, e cito textualmente o estudo, um «baixíssimo interesse dos inquiridos entre os 15 e os 17 anos».
Em termos comparativos, além da Hungria e da Eslováquia, Portugal é o país europeu em que os cidadãos dão menos importância à política nas suas vidas.
Os cidadãos, em geral, mostram maiores níveis de interesse pela política a nível local do que a nível nacional e internacional.
O estudo colocou aos inquiridos três perguntas muito simples: qual o número de Estados da União Europeia, quem foi o primeiro Presidente eleito após o 25 de Abril e se o Partido Socialista dispunha ou não de uma maioria absoluta no Parlamento.
Pois, Srs. Deputados, metade dos jovens entre os 15 e os 19 anos e um terço dos jovens entre os 18 e os 29 anos não foi sequer capaz de responder correctamente a uma única das três perguntas colocadas.
Repito: metade dos jovens entre os 15 e os 19 anos não foi capaz de responder a uma única das três perguntas simples que lhes foram colocadas.
No dia em que comemoramos solenemente o 34º. aniversário do 25 de Abril, numa cerimónia todos os anos repetida, somos obrigados a pensar se foi este o futuro que sonhámos.
Justamente por isso, é meu propósito promover em breve um encontro com representantes de organizações de juventude, tendo por objectivo colher a sua opinião sobre o distanciamento dos jovens em relação à política e sobre as medidas que possam contribuir para minorar ou inverter esta situação.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Se estes são os resultados, será mais difícil diagnosticar as causas.
Sei que a actividade política, sobretudo nas democracias consolidadas e nas sociedades desenvolvidas, não ocupa um lugar cimeiro nas preocupações quotidianas dos cidadãos.
Simplesmente, mesmo em comparação com os demais países da Europa, os resultados obtidos em Portugal não são animadores.
É natural, é saudável até que os cidadãos em geral e os jovens em particular tenham centros de interesse para além da vida política.
Tal significa que têm a democracia como um dado adquirido, que interiorizaram o facto de viverem num regime democrático e agora dedicam a sua atenção a outras realidades.
Em todo o caso, o nível de informação dos jovens relativamente à política é de tal forma baixo que ultrapassa os limites daquilo que é natural e salutar numa democracia amadurecida.
O alheamento da juventude não pode deixar de nos preocupar a todos, a começar pelos agentes políticos.
A começar por vós, Srs. Deputados.
Se os jovens não se interessam pela política é porque a política não é capaz de motivar o interesse dos jovens.
Interrogo-me que efeitos daqui resultarão para o governo de Portugal num futuro não muito distante.
Impõe-se, por isso, que diminua aquilo a que os especialistas chamam a «distância do poder».
Não por acaso a política local, segundo os elementos daquele estudo, é aquela que mais motiva os cidadãos.
Quanto mais próximos estiverem os cidadãos dos centros de decisão, maior será o seu interesse em participar e intervir.
Daí que os centros de decisão tenham de procurar uma «política de proximidade» relativamente aos portugueses.
É isso que tenho feito através dos «Roteiros» e de outras iniciativas, que me levaram a contactar directamente as populações, conhecendo de perto os seus anseios, os seus problemas, a sua insatisfação, mas também as suas esperanças, a sua crença num País melhor, os inúmeros exemplos de sucesso e de boas práticas que encontrei na vida empresarial ou académica, ou nos domínios da cultura, da inclusão social, do ambiente e da investigação científica.
Os partidos políticos possuem responsabilidades muito claras no combate ao alheamento dos jovens pela vida pública.
No fundo, no combate à indiferença que muitos jovens têm pelo futuro do seu País.
Tal deve-se, em boa medida, ao facto de não ter havido o necessário esforço para a credibilização da vida política.
Esse esforço não dispensa algo de muito simples: ouvir o povo e falar-lhe com verdade.
Vender ilusões não é, seguramente, a melhor forma de fortalecer o imprescindível clima de confiança que deve existir entre os cidadãos e a classe política.
Do mesmo modo que seria bom acabar com um certo autismo de alguma classe política, levando-a a conhecer melhor a realidade do País, deveríamos pôr cobro ao pessimismo que muitos dizem ser uma característica singular do povo português desde tempos imemoriais.
Na sua vida de todos os dias, os portugueses interrogam-se sobre o que lhes reservará o futuro.
Existirão sinais para sermos optimistas?
Ou, pelo contrário, os indícios apontam para um futuro sombrio?
Esta é a atitude típica daqueles que preferem aguardar pelo futuro ou que persistem em tentar adivinhar como será o futuro, em vez de pensar o que devem fazer no presente.
Em vez de nos interrogarmos tanto sobre o que o futuro nos trará, seria melhor que nos concentrássemos sobre o que poderemos trazer ao presente.
O futuro começa hoje.
O futuro será o que dele fizermos hoje, nas nossas vidas profissionais e pessoais, nos nossos comportamentos cívicos, nas nossas atitudes perante os outros.
Ao invés de imaginar o dia de amanhã, em lugar de procurarmos sinais nas estrelas de um futuro incerto, construamos hoje mesmo o que queremos para um Portugal melhor.
É esse o espírito com que exerço as funções em que fui investido, precisamente neste Hemiciclo, onde jurei cumprir e fazer cumprir a Constituição Portuguesa.
Sou Presidente da República porque não me resignei, porque quis dar o meu contributo presente para o futuro das gerações que nos seguem.
Não me resigno, acima de tudo, porque acredito no meu País e nos seus cidadãos.
E, por isso, renovo o apelo de há um ano, dirigido a todos os portugueses, sobretudo aos mais jovens: não se resignem!
Só assim sereis dignos da memória do 25 de Abril.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs.:
Reunimo-nos de novo para celebrar o aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974, este ano num Hemiciclo que foi recentemente objecto de obras de renovação, pelas quais felicito a Assembleia da República.
Os Srs. Deputados dispõem, agora, de melhores condições para poderem exercer condignamente o mandato que o povo português lhes conferiu.
Esta sessão solene tem lugar num momento muito particular da vida nacional.
Vivemos tempos difíceis, muito difíceis.
A palavra «crise», que até há uns meses estava afastada do discurso político, é agora um dado adquirido e assumido.
A crise que vivemos não pode ser iludida e, num dia como o de hoje, haverá com certeza muitos portugueses que se interrogam sobre se foi este o País com que sonhámos em Abril de 1974.
É certo que não nos devemos esquecer do muito que foi conseguido neste caminho de 35 anos.
Vivemos em liberdade, estamos integrados numa Europa unida, são inegáveis os progressos registados na educação, na saúde, no bem-estar dos cidadãos.
Mas, apesar dos esforços para combater a crise, Portugal encontra-se hoje dominado pelas notícias de encerramento de fábricas e de empresas: centenas de trabalhadores são lançados no desemprego, pessoas que até há pouco tempo viviam com algum desafogo pertencem agora ao grupo dos novos pobres, há famílias que não conseguem suportar os encargos com as prestações das suas casas ou a educação dos seus filhos.
As previsões económicas divulgadas por organizações nacionais e internacionais estão à vista de todos e não é possível negá-las.
São muitos os portugueses que sentem que viveram na ilusão de que poderiam usufruir padrões de consumo idênticos aos dos países mais ricos da União Europeia, sustentados num continuado endividamento.
Devemos, por isso, compreender que esta crise leve muitos portugueses a interrogarem-se sobre aquilo que o futuro nos reserva.
São interrogações tanto mais pertinentes quanto a crise que vivemos tornou mais nítidas as vulnerabilidades estruturais que o País ainda manifesta.
Não há, assim, a certeza de que este seja um momento meramente transitório de recessão da actividade económica, a que se seguirão melhores dias num prazo mais ou menos próximo.
Sr.as e Srs. Deputados:
Os líderes dos países mais industrializados e das maiores economias emergentes reuniram-se em Londres, no princípio deste mês, para encontrar uma resposta global para a crise.
Todos desejamos que as decisões aí tomadas contribuam para a estabilidade financeira internacional e para restaurar o clima de confiança e o crescimento económico.
No entanto, importa não esquecer que a ausência de valores e princípios éticos nos mercados financeiros constituiu uma das principais causas da crise económica que o mundo atravessa.
Gestores financeiros imprudentes ou incompetentes, e outros pouco escrupulosos ou dominados pela avidez do lucro a curto prazo, abusaram da liberdade do mercado e da confiança dos cidadãos, com gravíssimas consequências para as condições de vida de milhões de pessoas.
Só poderemos estar seguros de que uma tal situação não se repetirá se a dimensão ética e a responsabilidade social ocuparem um lugar central no desenho das novas regras de controlo e supervisão das instituições e dos mercados financeiros.
Os Srs. Pedro Santana Lopes (PSD) e Paulo Portas (CDS-PP):
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Seria condenável e imoral que os países mais pobres fossem obrigados a suportar os custos de uma crise para a qual em nada contribuíram.
Se é certo que a estabilidade financeira internacional é um bem público global, cuja defesa a todos compete, no caso da presente crise não restam dúvidas sobre quem foram os que se aproveitaram das poupanças alheias e provocaram o colapso do sistema.
Sr.as e Srs. Deputados:
O ano em que se comemora o 35º. aniversário do 25 de Abril é também um ano em que os portugueses irão ser chamados às urnas, em três actos eleitorais.
O exercício do sufrágio é, sem dúvida, a melhor homenagem que poderemos prestar à liberdade conquistada há 35 anos.
É essencial que os portugueses, sobretudo os mais jovens, percebam o quanto custou ganhar o direito que agora têm de escolher os seus representantes através de eleições livres e transparentes.
Foi justamente a pensar nos jovens que, há precisamente um ano, trouxe ao conhecimento dos Srs. Deputados um estudo sobre a juventude e a participação política, elaborado a meu pedido.
Na sequência desse trabalho, promovi um encontro para o qual convidei representantes de muitas organizações de juventude, com quem debati o problema do distanciamento dos jovens em relação à política, e tenho incluído o tema da participação cívica nos Roteiros para a Juventude.
Procurei, pela minha parte, dar um contributo para combater o abstencionismo, nomeadamente entre os mais jovens.
Neste dia, faço um especial apelo aos cidadãos para que participem activamente nas três eleições que irão realizar-se este ano.
A abstenção não é solução, aqueles que se abstêm de votar abdicam do direito de contribuir para a construção de um Portugal melhor.
As campanhas eleitorais devem ser informativas e esclarecedoras.
Todos têm um papel muito importante a desempenhar.
Os meios de comunicação social devem informar objectiva e imparcialmente os cidadãos sobre os conteúdos das propostas das diversas forças políticas.
Essas propostas, por seu turno, devem ser claras, para que, uma vez apresentadas ao eleitorado, este assuma também as suas responsabilidades.
Votar é um dever cívico e um acto de responsabilidade.
Quem vota num programa eleitoral, cujas propostas nos mais diversos domínios sejam feitas em termos transparentes, deve saber que está a dar o seu apoio a essas propostas.
Aqueles que votarem numa dada força partidária devem ter consciência de que estão a sufragar um programa de acção nas mais variadas áreas, da economia à justiça ou à segurança, passando por outras questões que atravessam e dividem a nossa sociedade.
Da parte dos agentes políticos, designadamente da parte das forças partidárias, exige-se uma atitude e um comportamento que mobilizem os cidadãos para a necessidade de votar.
A ocorrência de níveis muito elevados de abstenção eleitoral será um indício de que a nossa república pode enfrentar um sério problema de legitimação democrática.
Considero essencial que os próximos actos eleitorais tenham como horizonte Portugal inteiro.
As campanhas devem decorrer com serenidade e elevação e os portugueses esperam que, num tempo de dificuldades, os agentes políticos saibam dar o exemplo: que sejam discutidos os problemas reais das pessoas e do País; que não se perca tempo com questões artificiais; que haja sobriedade nas despesas; que não se gaste o dinheiro dos contribuintes em acções de propaganda demasiado dispendiosas para o momento que atravessamos.
Uma campanha em que os adversários políticos se respeitem, sem linguagem excessiva ou crispações, será um contributo para a dignificação da nossa democracia e abrirá espaço para o aprofundamento do diálogo interpartidário que tão necessário é para a resolução dos problemas nacionais.
As forças políticas devem ter presente que sobre elas recai a grande responsabilidade de encontrar soluções de governo e que essa responsabilidade é particularmente acentuada nos tempos difíceis que o País atravessa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
É importante que o debate eleitoral se concentre na resolução dos grandes problemas que o País enfrenta, com os olhos postos no futuro, sem perder tempo nem energias em recriminações sobre o passado.
Políticas que foram adoptadas anteriormente podem ter sido correctas na conjuntura em que então se vivia, mas não o serem nos dias de hoje, do mesmo modo que, actualmente, haverá porventura que tomar medidas que não seriam adequadas no passado.
Basta ter presente que a política económica adequada para um país depende de múltiplos factores que variam no tempo, como sejam as prioridades definidas face ao diagnóstico da situação, os instrumentos disponíveis e a sua eficiência, as restrições que os decisores enfrentam, a incerteza quanto ao futuro, a envolvente externa, o grau de integração com as outras economias.
Por outro lado, nas propostas que os diversos partidos irão apresentar ao eleitorado, deve existir realismo e autenticidade.
Aquilo que se promete deverá ter em conta a realidade que vivemos no presente e em que iremos viver no futuro.
Dizer que essa realidade será fácil será faltar à verdade aos portugueses.
Quem prometer aquilo que objectivamente não poderá cumprir estará a iludir os cidadãos.
É natural que os partidos apresentem ao eleitorado as suas propostas e soluções para os problemas do País.
Mas este não é, seguramente, o tempo das propostas ilusórias; este não é o tempo de promessas fáceis, que depois se deixarão por cumprir.
A crise cria a obrigação acrescida de prometer apenas aquilo que se pode fazer, com os recursos que temos e no País que somos e iremos ser.
Não deveremos, sobretudo nesta fase, alimentar um discurso de crítica sistemática à classe política, nem ceder aos populismos fáceis de contestação do sistema sem apresentação de alternativas consistentes.
Quem critica, deve participar.
É cómodo ficar de fora e culpabilizar os agentes políticos ou os agentes económicos; difícil é fazer um esforço de empenhamento activo na vida cívica, contribuindo para o esclarecimento e para o debate e procurando avaliar com discernimento as diferentes propostas de governação.
Os governos são avaliados pelos cidadãos, pelas suas atitudes, por aquilo que fizeram ou deixaram de fazer.
É essa a lógica natural da democracia; é isso que distingue o regime em que vivemos daquele que caiu em 1974.
Para tanto, é essencial que as campanhas esclareçam os eleitores, em lugar de se converterem em momentos de mera confrontação verbal em torno de questões acessórias que pouco ou nada dizem àqueles que procuram assegurar os seus empregos, que pretendem viver em segurança, que querem ter acesso mais rápido aos cuidados de saúde, que desejam uma justiça mais rápida e eficaz, que querem que os seus filhos tenham uma educação de qualidade.
São estes os reais problemas dos cidadãos.
É para a resolução desses problemas que têm de ser convocadas as escolhas dos eleitores.
O emprego, a segurança, a justiça, a saúde, a educação, a protecção social, o combate à corrupção são questões básicas que devem marcar a agenda política e em torno das quais deve ser possível estabelecer consensos entre os partidos estruturantes da nossa democracia.
Os portugueses estão cansados de querelas político-partidárias que em nada resolvem as dificuldades que têm de enfrentar no seu dia-a-dia.
Impõe-se, sobretudo nesta etapa da vida nacional, uma concentração de esforços na resolução dos problemas reais das pessoas.
Este é um ano de grandes opções.
Há 35 anos, vivíamos também tempos de crise e soubemos fazer a opção certa, por isso nos reunimos aqui, hoje, neste Hemiciclo renovado, para celebrar a opção que fizemos pela democracia e pela liberdade.
São esses os valores que me levam a acreditar que os portugueses não se acomodam, não se abstêm, não se conformam.
A pior forma de lidar com o presente seria perder a esperança no futuro.
Eu não perdi a esperança no futuro, acredito que, se todos nos mobilizarmos, se forem tomadas as decisões certas, a crise será vencida.
Então, seremos dignos daqueles que, há mais de três décadas, tiveram a coragem de se levantar, porque acreditaram num País novo e num futuro melhor.
Aplausos do PSD, do CDS-PP, de Deputados do PS e do Deputado não inscrito José Paulo Carvalho (de pé) e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Senhoras e Senhores:
Na madrugada de 25 de Abril de 1974, um jovem capitão de 29 anos reuniu os seus homens da Escola Prática de Cavalaria de Santarém.
Falou-lhes do estado a que Portugal chegara e terminou dizendo:
«Quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto.
Quem for voluntário sai e forma.
Quem não quiser sair fica aqui!».
Vieram todos, sem excepção, mesmo sabendo que corriam riscos, incluindo o risco de não regressar com vida.
Ao fim de algumas horas, caía um regime cansado de guerra.
É por isso que aqui estamos hoje.
Foram eles os «filhos da madrugada»!
Não caminharam para Lisboa em busca de cargos ou de lugares.
Não vieram à procura de um lugar na História - e é justamente por isso que o merecem.
Como o retratou Sophia de Mello Breyner, Salgueiro Maia foi «aquele que deu tudo e não pediu a paga», um exemplo notável para muitos portugueses dos nossos dias, que tantas vezes cedem às seduções vazias e efémeras da sociedade de consumo e outras tantas vezes medem o valor dos homens pelo dinheiro ou pelos bens que ostentam.
Aqueles que saíram de Santarém, de Mafra, de Tancos, de Santa Margarida, de Estremoz ou de Vendas Novas rumaram a Lisboa porque não se conformaram com o País em que viviam.
Vieram todos, porque todos queriam mudar.
Queriam um país livre.
Neste dia, devemos ter presente um facto muito singelo: em 2010 completam 36 anos aqueles que nasceram em 1974.
São mais de três milhões os portugueses que não possuem qualquer recordação do que foi o 25 de Abril, porque, pura e simplesmente, não tinham nascido na altura.
Vêem a democracia como um dado adquirido.
Um jovem de 24 anos, que termina este ano o ensino superior, sempre viveu num Portugal membro das Comunidades Europeias.
Vê a Europa como o seu espaço.
Uma criança de 8 anos não conheceu outra moeda que não o euro, não sabe como era o escudo.
Aqueles que sempre viveram em liberdade desconhecem o seu preço.
Em larga medida, só nos apercebemos do valor das coisas quando nos vemos privados delas.
A melhor lição de liberdade é a experiência da não-liberdade.
Temos, pois, um dever de memória para com aqueles que nasceram já depois de 1974: devemos ensinar-lhes o que custou conquistar a liberdade e que a defesa da liberdade deve ser um princípio de acção para os agentes políticos e para todos os cidadãos.
O 25 de Abril foi feito em nome da liberdade, mas também em nome de uma sociedade mais justa e solidária.
Será aí, porventura, que o balanço destas três décadas de democracia se revela menos conseguido.
A sociedade portuguesa é hoje mais justa do que aquela que existia há 36 anos.
No entanto, persistem desigualdades sociais e, sobretudo, situações de pobreza e de exclusão que são indignas da memória dos que fizeram a revolução de Abril.
A sensação de injustiça é tanto maior quanto, ao lado de situações de privação e de grandes dificuldades, deparamos quase todos os dias com casos de riqueza imerecida que nos chocam.
Na minha mensagem, no primeiro dia do ano de 2008, disse:
«sem pôr em causa o princípio da valorização do mérito e da necessidade de captar os melhores talentos, interrogo-me sobre se os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores».
Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP e do BE.
Embora este meu alerta não tenha então sido bem acolhido por alguns, não me surpreende que agora sejam muitos os que se mostram indignados face aos salários, compensações e prémios que, segundo a comunicação social, são concedidos a gestores de empresas que beneficiam de situações vantajosas no mercado interno.
Como já afirmei noutra ocasião, na génese da actual crise financeira e económica internacional encontra-se a violação de princípios éticos no mundo dos negócios e a avidez do lucro fácil, a que se juntaram deficiências na regulação e supervisão dos mercados e das instituições financeiras.
Os custos sociais traduzem-se hoje em perda de poupanças amealhadas com grande esforço, destruição de empregos, emergência de novos pobres.
As injustiças sociais e a falta de ética são dois factores que, quando combinados, têm efeitos extremamente corrosivos para a confiança nas instituições e para o futuro do País.
A injustiça social cria sentimentos de revolta, sobretudo quando lhe está associada a ideia de que não há justiça igual para todos.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Deixámos o império, abraçámos a democracia, escolhemos a Europa, alcançámos a moeda única, o euro, mas duvidamos de nós próprios.
Os portugueses perguntam-se todos os dias: para onde é que estão a conduzir o País?
Em nome de quê se fazem todos estes sacrifícios?
A prova de que se acumulam dúvidas quanto ao futuro do País está no número de jovens que partem.
Infelizmente, aqueles que vão para o estrangeiro são, com frequência, os mais qualificados, os mais promissores.
Mas na maioria deles persiste o desejo de regressar.
Tenho-os encontrado nos Estados Unidos, em Espanha, na Alemanha, no Luxemburgo.
São jovens que querem estar entre os melhores, para competir com os melhores.
Dizem-me quase todos que gostariam de voltar ao seu País desde que tivessem condições para isso, sobretudo condições de trabalho nas suas áreas de especialização.
Este é um potencial que o País não pode desperdiçar.
É a saída de mais jovens com valor e talento para o estrangeiro que pode fazer de Portugal um país periférico.
No mundo actual, a periferia está onde mora a ineficiência do Estado, a falta de excelência no ensino, a ausência de conhecimento, de inovação e de criatividade.
Em suma, a periferia está onde mora o atraso competitivo.
Durante muitos anos, o facto de nos encontrarmos na periferia da Europa foi considerado uma das causas principais do nosso atraso.
Portugal era a Finisterra, como já os Romanos lhe chamavam.
Estávamos num extremo perdido da Península Ibérica, longe das grandes vias de comunicação e comércio, através das quais a Europa, desde a Idade Média, construiu progresso e edificou catedrais.
Tudo isto mudou no nosso tempo: a geografia deixou de ser uma fatalidade irremediável.
Estar perto ou estar longe do centro não é algo que se meça em quilómetros, pois estamos no centro do mundo se tivermos o conhecimento e o engenho para tanto.
Graças às novas tecnologias, não há longe nem distância.
As noções de centro e de periferia foram radicalmente alteradas.
Num espaço global, existem por certo novas ameaças, grandes desafios que as economias emergentes nos colocam.
Não podemos perder tempo, porque a concorrência será implacável.
Quem ficar para trás, terá de fazer um enorme esforço de recuperação.
No mundo actual, não esperemos que os outros nos ajudem se não acreditarmos em nós próprios, se formos incapazes de fazer aquilo que nos cabe fazer.
A globalização e o aprofundamento da integração europeia obrigam-nos a procurar a diferença, a encontrar factores distintivos para o nosso País, a aproveitar bem as nossas vantagens comparativas.
Devemos ter uma visão de longo prazo que indique o lugar que queremos ocupar na Europa e no mundo.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Portugal vive uma grave crise, que é de todos conhecida.
É nestes momentos que temos de ser capazes de abrir caminhos que levem o País a novas oportunidades.
Irei referir dois deles: o mar e as indústrias criativas.
Portugal encontra-se na periferia da Europa, mas está no centro do mundo.
Somos uma «nesga de terra debruada de mar», como nos chamou Torga, palavras que recordei nesta Sala, quando tomei posse como Presidente da República.
Possuímos uma vasta linha de costa, beneficiamos da maior zona económica exclusiva da União Europeia.
Poderemos ser uma porta por onde a Europa se abre ao Atlântico se soubermos aproveitar as potencialidades desse imenso mar que se estende diante dos nossos olhos, mas que teimamos em não ver.
Como pode um País, projectado sobre o Oceano Atlântico, na encruzilhada de três continentes, ver-se a si próprio como periférico?
Para além das especificidades da nossa geografia, temos a História: num só século, revelámos à Europa dois terços do planeta, percorrendo as costas de todos os continentes; pusemos em contacto muitos dos povos do mundo e criámos uma língua universal.
Por causa disso, Portugal continua a projectar no exterior a imagem de marca de país marítimo.
Que justificação pode existir para que um País que dispõe de tão formidável recurso natural, como é o mar, não o explore em todas as suas vertentes, como o fazem os outros países costeiros da Europa?
Porque retiram esses países tanto valor e criam tanto emprego com a exploração económica do mar e nós não?
Temos de repensar a nossa relação com o mar, repensar o modo como exploramos as oportunidades que ele nos oferece.
Importa afirmar a ideia de que o mar é um activo económico maior do nosso futuro.
Setenta por cento da riqueza gerada no mundo transita por mar.
Devemos, pois, apostar mais no sector dos transportes marítimos e dos portos, mas também no desenvolvimento de fontes marinhas de energia, de equipamentos para a exploração subaquática de alta tecnologia, de produtos vivos do mar para a biotecnologia ou das indústrias de equipamento, de reparação e de construção navais.
Temos de incentivar a prospecção e exploração da nossa plataforma continental, cujo projecto de levantamento se encontra em apreciação nas Nações Unidas.
Pensando na combinação do mar com o nosso clima temperado, importa desenvolver as actividades marítimo-turísticas - a náutica de recreio, o turismo de cruzeiros.
A par disso, temos de fomentar a aquacultura e a manutenção de uma frota de pesca sustentável.
A ausência de um pólo desenvolvido de indústrias marítimas é, de facto, surpreendente, quando Portugal apresenta um conjunto de vantagens comparativas que são extremamente relevantes à escala europeia.
Às vantagens, decorrentes da nossa geografia, da História e da imagem externa do País, podemos ainda juntar as estratégias e políticas para o mar, desenhadas nos últimos seis anos, em Portugal e na própria União Europeia.
Não é necessário fazer mais estudos e relatórios.
Basta agir em cumprimento daquelas estratégias.
É essencial que criemos condições e que incentivemos os agentes económicos a investir no conjunto dos sectores que ligam, economicamente, Portugal ao mar.
Penso, desde logo, na criação de condições de competitividade e de estabilidade fiscal para os transportes marítimos e para os portos portugueses, que lhes permitam, pelo menos, igualar as condições dos demais Estados costeiros da União Europeia, bem como dinamizar as auto-estradas do mar, juntamente com os nossos parceiros da União.
Sem querer transmitir a ideia de que o mar é a panaceia para todos os nossos problemas, entendo que o mar se deve tornar numa verdadeira prioridade da política nacional.
Aplausos do PSD, do CDS-PP e de Deputados do PS.
Abraçando um desígnio marítimo, seremos mais fortes, porque dependeremos menos dos transportes rodoviários internacionais, cada vez mais, condicionados pelas políticas europeias do ambiente.
Seremos mais fortes, porque, com a exploração da energia a partir do mar, poderemos enfrentar melhor os desafios da segurança e da sustentabilidade energética, reduzindo a dependência do exterior e promovendo novas tecnologias.
Portugal e os Portugueses precisam de desígnios que lhes dêem mais coesão, mais auto-estima e mais propósito de existir.
O mar é, certamente, um deles.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Graças à nossa riqueza histórica e cultural, ao talento de muitos dos nossos jovens, à capacidade de adaptação da nossa mão-de-obra e ao nosso clima privilegiado, temos ainda a possibilidade de desenvolver centros de excelência que se configurem como marcas distintivas, à escala europeia.
À semelhança do que ocorreu noutras cidades da Europa - de Barcelona a Berlim, passando por Amesterdão ou Estocolmo -, podemos fazer com que alguns centros urbanos se convertam em grandes pólos internacionais de criatividade e conhecimento.
Além da capital do País, o Porto é uma cidade que dispõe de todas as condições para ser um pólo aglutinador de novas indústrias criativas, ligadas às artes plásticas, à moda, à publicidade, ao design, ao cinema, ao teatro, à música e à dança, mas também à informática, à comunicação e ao digital.
Aplausos do PSD, do CDS-PP e de Deputados do PS.
Não é de hoje a vitalidade cultural portuense, como não é de hoje a capacidade empreendedora das gentes do Norte.
O Porto sempre se orgulhou da sua vida intelectual, e esse orgulho é legítimo: das letras às artes plásticas, passando pela arquitectura, aí, existe muito do melhor que Portugal fez nas últimas décadas.
Uma aposta forte dos poderes públicos, conjugada com a capacidade, já demonstrada, pela sociedade civil, relativamente a projectos culturais de referência, poderão fazer do Porto e do Norte uma grande região criativa, sinónimo de talento, de excelência e de inovação.
Aí, existe um tecido humano feito de gente activa e dinâmica, um espírito de inovação e de risco, um culto do que é novo e diferente.
Há capital humano de excelência, há estabelecimentos de ensino e equipamentos de qualidade; só falta mobilizar esforços para transformar o Porto e o Norte numa grande região europeia, vocacionada para a economia criativa e fazer desse objectivo uma prioridade da agenda política.
Aplausos do PSD e de Deputados do PS.
Estudos recentes vieram mostrar que as actividades culturais e criativas podem desempenhar um papel de crescente relevância na economia portuguesa, à semelhança do que ocorre noutras sociedades desenvolvidas e pós-industriais.
Na Região Norte, aliás, foram já lançadas iniciativas, visando tirar partido das suas potencialidades neste domínio.
O Porto presta-se, claramente, a exercer um papel de núcleo dinamizador do engenho criativo.
O seu espaço urbano, aliando o antigo e o moderno, o esplendor do barroco das igrejas e a sobriedade da arquitectura contemporânea, pode converter-se numa marca de projecção internacional, através de um movimento, colectivo e inovador, que atraia novas dinâmicas de desenvolvimento, com criadores talentosos, artistas portugueses e estrangeiros, empresários jovens com sentido de oportunidade.
Temos, aí, um enorme potencial para desenvolver um turismo diferente e de qualidade, e para fundar uma nova centralidade, alicerçada no vanguardismo estético e na inovação tecnológica e empresarial.
Portugueses: há 36 anos, marcámos encontro com um destino de liberdade.
Não nos deixámos abater por um regime, de muitas décadas, que caiu, em poucas horas.
É nosso o País.
Temos florestas e temos o mar.
Temos jovens talentosos que aqui querem viver.
Temos cidades e regiões, à espera de se afirmarem.
É desta matéria-prima que se fazem os sonhos.
No dia de hoje, celebramos a esperança dos que acreditaram, sobretudo, em si próprios.
Sem ilusões nem falsas utopias, devemos acreditar, porque temos razões para isso.
Há uma razão, acima de todas - motivo de ser, como somos, ela é a nossa maior razão de esperança; connosco a temos, há muitos séculos, com ela vivemos, desde que nascemos.
Essa razão de esperança tem um nome: chama-se Portugal.
Obrigado.
Aplausos do PS, do PSD (de pé) e do CDS-PP.
Saúdo a presença, nesta cerimónia comemorativa do 25 de Abril, dos antigos Presidentes da República General Ramalho Eanes e Drs.
Mário Soares e Jorge Sampaio.
Quatro homens, com percursos muito diferentes, com trajectórias de vida e visões do mundo distintas, juntaram-se no dia de hoje para falar aos Portugueses, para transmitir ao País a mensagem política que a gravidade do momento presente exige.
Essa mensagem é muito clara: para lá de tudo o que nos possa separar enquanto cidadãos livres, existe um compromisso patriótico de unidade que deve juntar os Portugueses.
Podemos ter ideias diferentes, concepções distintas, mas temos de nos unir quanto ao essencial - e o essencial é Portugal e o seu futuro.
Foi em nome de Portugal e do futuro que há trinta e sete anos um grupo de jovens oficiais das Forças Armadas decidiu erguer-se e tomar o destino nas suas mãos.
Nesse dia, o povo saiu à rua.
Na manhã do 25 de Abril, nasceu o sonho de um país diferente.
Um país livre e democrático, um Portugal mais justo e solidário, uma nação mais desenvolvida em que a riqueza fosse melhor repartida.
Na manifestação do 1º de Maio de 1974 não houve divisões, só houve a alegria de quem dá os primeiros passos no caminho de um país novo.
Nesse dia memorável, juntos e unidos, os Portugueses festejaram a liberdade recentemente conquistada.
Existiam ideias e projectos muito diferentes, como era próprio de uma sociedade que então descobria a liberdade e para si buscava um novo desígnio.
Por isso se fizeram eleições, para que o povo decidisse, segundo as regras da democracia.
As eleições para a Assembleia Constituinte, as mais participadas da história da nossa democracia, escolheram os deputados que iriam redigir a Lei Fundamental do país, cujo 35º aniversário assinalamos este ano.
Existem motivos redobrados para celebrarmos hoje as esperanças de Abril.
A esperança de um tempo melhor tem sempre de existir na alma dos Portugueses.
Porque é dessa esperança colectiva que se afirma, perante o mundo, a dignidade de uma nação com muitos séculos de História, dignidade de que não prescindimos perante a memória dos nossos antepassados e o exemplo que queremos legar às gerações dos nossos filhos.
A História celebra-se não apenas no que tem de festivo ou glorioso mas também pelo que revela quanto à capacidade de um povo para responder aos sacrifícios e para se manter coeso e solidário nas alturas difíceis.
O 25 de Abril de 1974 restituiu ao povo a sua voz, a voz que a ditadura tinha silenciado durante quase cinquenta anos.
Nos momentos decisivos, é a voz do povo que deve fazer-se ouvir.
Em democracia, há que respeitar a soberana decisão dos cidadãos.
Homenagear o 25 de Abril e aqueles que o fizeram é, acima de tudo, ter confiança na maturidade cívica dos Portugueses e respeitar os princípios da democracia e as opções esclarecidas feitas em liberdade.
Portugueses,.
A liberdade e a democracia que conquistámos exigem de todos sentido de responsabilidade e uma consciência clara da situação em que nos encontramos.
Em breve, os Portugueses serão de novo chamados a escolher os caminhos que querem trilhar.
As eleições irão ter lugar num tempo de sacrifícios e de grandes interrogações quanto ao nosso futuro.
Daí que seja fundamental, absolutamente fundamental, que, na campanha eleitoral que se avizinha, os partidos políticos adoptem uma conduta responsável e saibam estar à altura deste desafio.
Os programas de cada partido têm de ser apresentados ao eleitorado com serenidade.
Não podem ser feitas promessas que não poderão ser cumpridas.
Vender ilusões ou esconder o inadiável é travar a resolução dos problemas que nos afligem.
Dos agentes políticos exige-se que actuem com transparência e com verdade, que esclareçam devidamente os Portugueses, sem subterfúgios e crispações artificiais, sem querelas inúteis.
Os Portugueses não se revêem num estilo agressivo de actuação política, feito de trocas constantes de acusações e de tensões permanentes.
Esta é uma prática de que temos de nos libertar, como há trinta e sete anos nos libertámos de um regime que nos oprimia.
Os Portugueses querem escolher seriamente propostas e soluções concretas para os seus problemas.
As próximas eleições serão um teste decisivo para o regime nascido dos anseios de Abril de 1974.
Por isso, a próxima campanha eleitoral deve decorrer de uma forma que não inviabilize o diálogo e os compromissos de governabilidade de que Portugal tanto necessita.
Todos os partidos devem perceber, de forma muito clara, que, independentemente daquilo que os divide, é imperioso criar espaços de entendimento que assegurem soluções estáveis e credíveis de governo.
Perante os desafios que tem à sua frente, o Governo saído das eleições de 5 de Junho deve dispor de apoio maioritário na Assembleia da República.
Ainda antes das eleições, impõe-se um esforço de concertação entre o Governo e os partidos políticos relativamente às condições para a obtenção da assistência financeira externa indispensável à salvaguarda do interesse nacional e a assegurar as necessidades de financiamento do Estado e da nossa economia.
A União Europeia, a que aderimos graças à democracia, está de novo confrontada com grandes questões que desafiam o seu futuro e exigem também um elevado sentido de responsabilidade da parte dos Estados-membros.
Os líderes europeus não podem permitir que os egoísmos e as lógicas meramente nacionais se sobreponham a uma agenda estratégica que assegure a sustentabilidade da zona euro, sem descurar o crescimento económico, a criação de emprego, a competitividade e o pilar essencial da integração europeia que é a coesão.
Portugueses,.
Este é um tempo de sacrifícios, sem dúvida, mas também um tempo de grandes escolhas.
Quando uma democracia se encontra numa encruzilhada, tem de se devolver a palavra ao povo e, depois, respeitar as opções que o povo decidir tomar.
A comunicação social desempenha neste contexto um papel essencial na informação dos cidadãos, devendo actuar com isenção e com independência.
Não pode julgar que está excluída do compromisso de responsabilidade que o momento presente exige de todos.
À comunicação social cabe informar com rigor os Portugueses, não iludi-los com o acessório em detrimento do essencial, competindo-lhe ainda contribuir para que o debate se centre nas soluções, nas ideias e nas visões de futuro.
Os Portugueses são também chamados a este compromisso de responsabilidade e de unidade, que tem como horizonte o futuro do seu País.
Em nome desse futuro, é essencial que os Portugueses participem activamente no próximo acto eleitoral, pois seria incompreensível que, no momento crucial que atravessamos, os cidadãos se abstivessem de votar e de decidir o seu destino e se alheassem da campanha que em breve se irá iniciar.
Compreendo que muitos cidadãos, ao fim de quase quarenta anos de regime democrático, se sintam desiludidos quando confrontam as esperanças de 1974 e as realidades do momento presente.
Vivemos um tempo em que os sonhos do passado parecem ter desaparecido.
Mas não podemos perder a ambição de um tempo melhor.
Está nas nossas mãos realizar os sonhos, reinventar a esperança, e só a nós competirá fazê-lo.
Hoje mesmo, no imediato, temos de acreditar que é possível vencer.
É possível vencer se nos mantivermos unidos e coesos.
É possível vencer se os sacrifícios forem repartidos de uma forma justa.
É possível vencer se os Portugueses perceberem que as exigências do presente têm um sentido de futuro, têm um propósito, têm uma linha de rumo coerente.
Assim teremos razões legítimas para sonhar, as mesmas razões que há trinta e sete anos nos deram a liberdade e a democracia.
Os que fizeram o 25 de Abril não perderam a esperança de mudar.
Ao fim de tantos anos de regime autoritário, era fácil resignarem-se, baixarem os braços, julgarem que não seria possível construir um país novo.
Não foi o que sucedeu aos que fizeram o 25 de Abril.
Eles não tiveram medo do futuro e acreditaram na mudança - e por isso aqui, neste dia, evocamos o seu patriotismo heróico.
Não é menor o patriotismo heróico que se exige aos Portugueses do nosso tempo.
Nós, todos nós, teremos de ser os heróis do presente.
Unidos como povo soberano, não devemos recear o futuro.
Temos de começar já hoje a construir um país digno da memória de Abril e da sua esperança.
Obrigado.
O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva):
- Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Senhoras e Senhores:
Ao celebrarmos ?
25 de Abril, festejamos a vitória da liberdade sobre a ditadura, o triunfo da democracia sobre o autoritarismo.
Em 1974, foi necessário fazer uma revolução para mudar de regime.
Mas, depois, foi necessário construir um regime novo, um regime democrático.
Ao festejarmos o 25 de Abril, saudamos aqueles que tiveram a coragem de mudar de regime, mas também os arquitetos de um tempo novo, os artesãos da nossa democracia.
O regime democrático encontra-se atualmente consolidado, porque o bom senso prevaleceu sobre o aventureirismo, porque o sentido de responsabilidade foi mais forte do que as tentações extremistas.
Na altura, foi essencial para a consolidação do novo regime que Portugal projetasse no exterior a imagem de um País livre e responsável, um Estado plenamente integrado na comunidade internacional e merecedor do respeito das outras nações.
Ao longo de um caminho difícil, ultrapassados inúmeros obstáculos, conseguimos, em poucos anos, mudar de regime, realizar eleições livres, fazer uma Constituição que ainda hoje vigora e aderir de pleno direito às Comunidade Europeias.
Tomámos a opção certa.
Mas, sobretudo para os mais jovens, é necessário lembrar que o caminho seguido poderia ter sido outro.
Portugal poderia ter aprofundado o seu isolamento na cena internacional, se acaso o sentido de responsabilidade não tivesse triunfado com o apoio do povo, inequivocamente expresso nas eleições para a Assembleia Constituinte.
Foi necessário um trabalho árduo para demonstrar internacionalmente a nossa credibilidade como Estado soberano.
Na altura, foram muitos os que participaram ativamente nesta tarefa coletiva que foi explicar Portugal ao mundo.
Fizemo-lo com sucesso.
Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Passadas mais de três décadas sobre o 25 de Abril, os Portugueses são novamente chamados a explicar Portugal ao mundo e a valorizar o que temos de bom nos mais variados domínios.
Nas circunstâncias atuais, as exportações, o turismo e o investimento privado produtivo constituem os principais elementos capazes de contribuir positivamente para a recuperação económica e para a criação de emprego.
É sabido que os níveis das exportações e do investimento privado dependem de uma multiplicidade de fatores.
Hoje, quero concentrar-me num deles, geralmente pouco referido: a imagem e a credibilidade de Portugal no estrangeiro.
Neste sentido, todos os Portugueses, e não apenas os agentes políticos, têm o dever de mostrar ao mundo o valor do seu País.
Neste dia 25 de Abril, a minha intervenção nesta cerimónia tem um objetivo preciso e uma razão prática: exortar os nossos concidadãos a corrigir a falta de informação ou até a desinformação que subsiste no estrangeiro sobre o País que somos.
Se o fizermos com sucesso, contribuiremos para melhorar as condições de crescimento da nossa economia e de criação de emprego.
Através de uma perceção externa fidedigna e positiva de Portugal, conseguiremos vender mais bens e serviços produzidos no País e a melhores preços, seremos capazes de atrair mais investimento externo, obter financiamentos no exterior a taxas mais favoráveis.
Conseguiremos fortalecer o turismo, captar remessas de emigrantes, afirmar as instituições científicas e os investigadores portugueses nas redes internacionais do conhecimento e da inovação.
Sabe-se, desde há muito, que a imagem de um país é um fator essencial para o seu sucesso.
Fornecer um retrato realista e positivo de Portugal é um objetivo nacional, que deve mobilizar empresários e trabalhadores, as elites da ciência, das artes e da cultura, os agentes políticos e sociais e as comunidades da diáspora.
À semelhança do que ocorreu há quase quarenta anos, temos todos o dever de mostrar que somos um País credível e com potencialidades que tantas vezes são ignoradas.
Muito se tem dito e escrito no estrangeiro sobre o nosso País que não tem a mínima correspondência com a realidade.
Umas vezes, existe a intenção deliberada de fornecer um retrato negativo do nosso País, de evidenciar apenas uma parte da realidade.
E, pior do que isso, essa perceção negativa é veiculada internamente, constituindo um fator de desmobilização dos cidadãos e prejudicando as expectativas dos agentes económicos.
O 25 de Abril dos nossos dias é também mostrar ao mundo o muito de positivo que o País tem e o respeito que merecemos das outras nações.
Esta é, repito, uma tarefa para a qual são convocados todos os cidadãos.
Para além da ação dos dirigentes políticos, o que importa para consolidar a nossa projeção externa é a apresentação de exemplos concretos, capazes de vencer os preconceitos, as ideias feitas e a falta de informação isenta que ainda hoje existe sobre Portugal.
Temos a obrigação de, nos nossos contactos com o estrangeiro, transmitirmos mais do que a imagem de uma terra caracterizada pela riqueza da sua História, pela amenidade do seu clima e pela hospitalidade das suas gentes.
Se tudo isso é indiscutivelmente verdade, o Portugal do século XXI é mais, muito mais, do que aquilo que há décadas projetamos, com o objetivo de atrair turistas e visitantes.
Enquanto Presidente da República, várias vezes tenho procurado dar o meu contributo para que Portugal seja visto como um Estado com credibilidade, dignidade, e como um País com inúmeros aspetos positivos e imensas potencialidades.
O desafio que hoje lanço aos nossos concidadãos é o de que juntem a sua voz à minha, à de outros agentes políticos e à dos nossos diplomatas, em defesa da imagem de Portugal no exterior.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Não se trata de alimentar um nacionalismo passadista, construído a partir do mito e da imaginação, nem de regressar a um discurso típico do regime deposto em 25 de Abril.
Não temos de recorrer à ficção nem temos de criar uma imagem ilusória da realidade portuguesa.
No domínio da Ciência, por exemplo, nas últimas duas décadas, o número anual de diplomados aumentou quatro vezes e o número de novos doutorados registou um dos maiores crescimentos da Europa.
Cerca de metade dos doutoramentos ocorre em áreas de elevado potencial das ciências exatas, da engenharia e da tecnologia.
Não se afirme que tal ocorreu porque impera nas nossas universidades uma maior facilidade de ensino.
Portugal registou na última década a segunda maior taxa de crescimento da produção científica de todos os países da União Europeia, o que atesta o reconhecimento internacional dos nossos investigadores.
Portugal dispõe hoje de centros científicos e tecnológicos de nível internacional, em áreas de grande potencial de crescimento, como a nanotecnologia, as telecomunicações móveis e as ciências médicas.
Em vários domínios, não estamos a colocar investigadores no estrangeiro; estamos, isso sim, a atrair cada vez mais talentos de outros países.
O investimento em Investigação e Desenvolvimento, em proporção do Produto, duplicou na última década, atingindo 1,7%, valor que nos situa próximo da média da União Europeia.
Risos do PS.
O cartão pré-pago para telemóveis e o sistema automático de portagens, a Via Verde, inovações disseminadas mundialmente, tiveram origem em empresas portuguesas.
No âmbito da Cultura, é preciso que o mundo saiba que a língua portuguesa é falada por mais de 250 milhões de cidadãos de oito países, situados em quatro continentes, e de uma Região Autónoma da República Popular da China.
O português é a terceira língua europeia em termos de falantes e um dos idiomas em maior expansão em todo o mundo.
A língua portuguesa não é um património do passado, que tende a regredir no confronto com outros idiomas.
Pelo contrário, a língua portuguesa é uma comunidade de futuro.
Basta referir que, na rede Twitter, o português é a terceira língua mais utilizada.
Risos do PS.
Temos sinais de memória espalhados pelo mundo fora.
Vinte e quatro bens de origem portuguesa estão classificados pela UNESCO como Património da Humanidade.
E, o que é mais um motivo de orgulho, esse património não se encontra num só país nem sequer num só continente.
Há marcas portuguesas reconhecidas pela UNESCO em países como o Brasil, o Uruguai, a Índia, Cabo Verde, Moçambique, a Malásia, o Sri Lanka ou Macau, na China.
Recentemente, o fado foi designado Património Imaterial da Humanidade.
Trata-se de um reconhecimento efetivo do valor da nossa contribuição para o progresso cultural dos povos.
Em muitos domínios, os portugueses são premiados internacionalmente.
Dois dos nossos arquitetos foram galardoados com o Prémio Pritzker, considerado o Nobel da Arquitetura.
Nas artes plásticas, na moda, nas indústrias criativas, o talento dos portugueses é admirado.
A artista Joana Vasconcelos irá mostrar a sua obra no Palácio e nos Jardins de Versalhes, uma distinção rara que apenas é atribuída aos que já possuem um estatuto artístico e criativo de nível internacional.
A par disso, vários dos comissários de artes plásticas portugueses ocupam altos cargos em alguns dos melhores museus do mundo, desde o Museu de Arte Moderna, em Nova Iorque, passando pelo Jeu de Paume, em Paris, ou, proximamente, o Museu Rainha Sofia, em Madrid.
Risos do PS.
No cinema, há portugueses que se impõem.
Só para dar exemplos recentes, João Salaviza e Miguel Gomes foram distinguidos no Festival de Cinema de Berlim.
Este não é o Portugal de um passado imaginado nem o Portugal de um futuro desejado.
Estes exemplos da ciência e da cultura são o Portugal do presente.
Mais ainda: estes são exemplos expressivos, mas não casos isolados.
Tudo isto foi possível devido à liberdade criada numa madrugada de Abril.
E, ao mesmo tempo, tudo isto é autenticamente português.
Num outro plano, é importante que o mundo saiba que conseguimos criar uma relação exemplar com os oito países de expressão oficial portuguesa, atualmente reunidos numa organização própria, a CPLP.
Somos conhecidos, desde há muito, como construtores de pontes entre países e culturas, como artífices de consensos.
Esta característica levou-nos, uma vez mais, a ser eleitos para o Conselho de Segurança das Nações Unidas, desta feita para o biénio 2011-2012, vencendo a disputa a outros países de maior dimensão.
Vários portugueses desempenham atualmente funções internacionais de grande relevo, como é o caso do Presidente da Comissão Europeia, do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e do Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações e Enviado Especial para a Luta Contra a Tuberculose.
Por três vezes, presidimos à União Europeia e as presidências portuguesas sempre foram reconhecidas pelo seu dinamismo e eficiência, sendo consideradas das mais produtivas da história do processo de construção de uma Europa unida.
Não por acaso, chama-se Tratado de Lisboa o tratado que atualmente rege a União Europeia.
O prestígio de Portugal destaca-se ainda na competência e no profissionalismo demonstrados pelas nossas Forças Armadas e forças de segurança em missões de paz e humanitárias em países como o Afeganistão, o Kosovo, Timor-Leste, o Líbano ou no mar da Somália.
Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Com este apelo aos Portugueses para que contribuam para projetar junto dos estrangeiros aspetos positivos da nossa realidade, não quero fazer esquecer que existem graves problemas na nossa sociedade.
Vozes do PS:
- Ah!
O Sr. Presidente da República:
- Por mais de uma vez, sublinhei a importância de falar verdade aos Portugueses.
Agora, a verdade dos tempos difíceis é reconhecida por todos.
Estou plenamente consciente da situação do País, dos problemas concretos dos Portugueses: o desemprego ou a precariedade do emprego jovem, os novos pobres, o encerramento de empresas, os dramas que atingem famílias inteiras, as condições de solidão e de carência que afetam milhares de idosos.
Sei também que existem problemas estruturais na nossa sociedade e na nossa economia que têm de ser encarados com sentido de futuro.
Ainda recentemente, promovi um debate profundo sobre os efeitos da quebra da natalidade.
A par disso, nunca deixei de salientar a importância do crescimento económico apoiado nas pequenas e médias empresas, em estreita articulação com a sociedade civil e com as autarquias, e de uma estratégia de revalorização do interior, que combata o despovoamento e as assimetrias de desenvolvimento.
Temos de fazer um esforço coletivo para enfrentar problemas e descobrir potencialidades.
Mesmo no domínio do tecido produtivo, há sinais demonstrativos da capacidade dos Portugueses que devem ser sublinhados no exterior.
Atualmente, muitas empresas dos setores tradicionais - têxteis, calçado, mobiliário, vinho - alcançaram, graças a um trabalho notável de inovação, uma nova projeção nos mercados internacionais.
De igual modo, são inquestionáveis as potencialidades da economia do mar.
Com uma zona económica exclusiva de invulgar extensão, com uma linha de costa de 2900 quilómetros, com uma imensa e inexplorada plataforma continental, o País tem condições únicas para um aproveitamento sustentado dos recursos marinhos e para captar investimentos externos para esse projeto, que sempre entendi como um dos maiores desígnios nacionais.
No passado, soubemos dotar-nos de infraestruturas necessárias e de qualidade, que agora nos destacam positivamente no confronto com outros Estados da União Europeia.
Portugal oferece, sem dúvida, condições competitivas para atrair o investimento estrangeiro, como o atestam os êxitos das grandes empresas internacionais.
A posição de Portugal surge igualmente destacada no domínio energético e ambientalmente sustentado.
Somos o terceiro País da União com maior participação das energias renováveis no consumo de eletricidade.
Queremos que os estrangeiros saibam, acima de tudo, que o nosso melhor ativo são as pessoas.
Os Portugueses têm mostrado uma capacidade notável de adaptação às dificuldades do presente.
Em alturas como esta, o espírito de solidariedade dos Portugueses adquire uma dimensão que nos orgulha e comove.
Estabelecem-se redes de solidariedade, o voluntariado cresce, especialmente entre os jovens, o apoio aos mais atingidos pela crise é uma realidade.
Temos vindo a cumprir de forma rigorosa e determinada o Programa de Assistência Financeira subscrito com a Comissão Europeia e com o Fundo Monetário Internacional.
Diversas instituições e observadores imparciais concluíram, sem margem para dúvida, que Portugal sabe honrar os seus compromissos.
As avaliações da missão tripartida reconhecem inequivocamente como positivo o trabalho em curso no plano da consolidação orçamental, da estabilidade do sistema financeiro e das reformas necessárias ao reforço do crescimento potencial e da competitividade.
O Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, firmado em janeiro deste ano, entre o Governo e os parceiros sociais, é o sinal mais claro de um sentido de responsabilidade partilhada e de uma vontade genuína de que a execução do Programa de Assistência Financeira se processe num contexto de paz e coesão social.
Em momentos como este, é essencial assegurar a coesão do País.
É nestas alturas que temos de nos manter unidos.
Exige-se, por isso, um esforço permanente de diálogo e concertação entre o Governo, os partidos da oposição e os parceiros sociais.
Este tem sido, aliás, um dos nossos principais ativos.
Numa democracia como a nossa, há sempre espaço para o pluralismo e para a diversidade de opinião.
E, como já tive ocasião de afirmar uma vez, não é combatendo-nos uns aos outros que iremos combater a crise.
É este Portugal, o País que celebra a Revolução de Abril, que temos de mostrar ao exterior.
Há quase 40 anos, demos um exemplo ao mundo: conquistámos a democracia sem violência nem sangue.
Os cravos anunciaram um País livre e, dias depois, celebrámos a revolução num 1º. de Maio, onde todos estiveram, num dia de festa, sem confrontos nem sectarismos.
É essa a lição maior que temos de seguir no dia de hoje, no ano de 2012, em que Portugal atravessa um dos períodos mais complexos da sua História recente.
Com o espírito do 25 de Abril, juntos iremos vencer.
Aplausos do PSD, do CDS-PP e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva):
- Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Assinalamos hoje o aniversário daquela madrugada que, ao fim de 48 anos de ditadura, nos trouxe a liberdade e a democracia por que tanto ansiávamos.
Em 2014, iremos comemorar o quadragésimo aniversário do 25 de Abril.
O 25 de Abril é património de todos e por todos os portugueses será festejado.
As efemérides nacionais são um motivo de celebração, mas devem ser também uma ocasião para refletirmos sobre os caminhos que percorremos no passado.
Só assim conseguiremos extrair lições da História e transmitir a nossa experiência às novas gerações.
Dentro de dias completam-se dois anos sobre a data em que o Governo português, perante a iminência de colapso do financiamento do Estado e da economia, se viu na contingência de reconhecer o inadiável.
O Governo de então teve de solicitar o auxílio externo da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu, instituições perante as quais se comprometeu através de um exigente Programa de Assistência Financeira que contou com o apoio de um amplo espetro partidário.
Ao fim destes dois anos, e com vista a melhor prepararmos o futuro que se avizinha, é tempo de fazer uma reflexão serena e objetiva sobre a execução do Programa de Assistência Financeira e sobre as alterações que entretanto ocorreram na União Económica e Monetária.
É indiscutível que a execução do Programa tem revelado consequências gravosas, que se fazem sentir duramente no dia a dia dos portugueses, em especial daqueles que não têm emprego.
Mas, com idêntica imparcialidade, devemos também reconhecer os objetivos alcançados.
Entre esses objetivos, importa destacar o equilíbrio das contas externas, um resultado que não era atingido desde há muito.
Risos do PS.
De uma situação crónica de desequilíbrio, Portugal passou, em 2012, para uma situação excedentária na sua capacidade de financiamento ao exterior.
Uma parcela relevante deste sucesso deve-se ao aumento das exportações de bens e serviços, sobretudo com destino aos novos mercados situados fora da União Europeia, e ao aumento da sua componente tecnológica.
Este é um caminho que provou ser acertado e que, como tal, deve ser prosseguido ainda com mais intensidade.
Uma pequena economia aberta ao exterior, como é o caso da economia portuguesa, apenas pode ser sustentável no longo prazo através de uma aposta inequívoca no investimento privado que garanta um setor exportador dinâmico e de elevado valor acrescentado.
Contudo, não podemos esquecer que uma parte do ajustamento das contas externas se está a realizar por via da redução das importações, devido à quebra acentuada da procura interna, fruto, em boa medida, da redução do rendimento disponível das famílias, das dificuldades de crédito das empresas e da incerteza e falta de confiança dos investidores.
Vozes do PS:
- Ah!
O Sr. Presidente da República:
- Por outro lado, através da execução do Programa foi possível reforçar a solidez do sistema bancário.
Os bancos foram recapitalizados e apresentam hoje bons rácios de.
solvabilidade.
Os portugueses têm razões para manter a confiança no nosso sistema bancário.
Não se pode ignorar, no entanto, que a rápida desalavancagem dos bancos produziu dificuldades acrescidas no financiamento de muitas empresas, sobretudo das pequenas e médias empresas.
O facto de as unidades produtivas, que exportam bens e serviços e que criam riqueza e emprego, suportarem encargos de juro muito superiores às suas congéneres europeias prejudica seriamente a sua competitividade, afeta as decisões de investimento e, no limite, põe em causa a sua própria sobrevivência.
Em face da fragmentação que se verifica no mercado monetário europeu, é urgente criar novas fontes de financiamento não bancário das empresas.
Devemos sublinhar também a realização, em diversos domínios, de reformas estruturais que, no médio prazo, irão contribuir para a melhoria de competitividade da economia portuguesa.
Trata-se de um processo que não está concluído e que exige um esforço renovado e permanente de diálogo e compromisso em sede de concertação social.
Mas, sem dúvida, o aspeto que mais deve ser realçado destes dois anos muito difíceis é o sentido de responsabilidade revelado pelos portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O nosso povo foi confrontado com grandes sacrifícios e duras exigências e deu mostras da sua maturidade cívica, consolidada ao fim de quatro décadas de democracia.
Não perdemos a identificação com os valores da democracia nem abandonámos o espírito de coesão nacional que sempre nos caracterizou.
Ao dramatismo de várias situações de carência, os portugueses têm respondido com um exemplar trabalho de entreajuda e com uma extraordinária solidariedade.
Os consensos políticos e sociais alcançados contribuem para vencer os desafios que Portugal enfrenta e também para o modo positivo como os credores e os mercados avaliam a execução do Programa de Assistência Financeira.
Este fator, aliado a uma maior determinação do Banco Central Europeu na defesa do euro, conduziu a uma descida muito expressiva das taxas de juro da dívida pública.
Abrem-se, assim, boas perspetivas de regresso de Portugal aos mercados de financiamento externo no prazo previsto, um objetivo central do Programa com vista a garantir a liquidez imprescindível à atividade económica e ao funcionamento do Estado.
Dois anos decorridos sobre a concretização do Programa de Assistência Financeira, o reconhecimento objetivo de aspetos positivos não nos deve desviar a atenção do problema mais dramático que Portugal enfrenta: o agravamento do desemprego e o aumento do risco de pobreza, em resultado de uma recessão económica cuja dimensão ultrapassa, em muito, as previsões iniciais.
O combate ao desemprego deve ser uma prioridade da ação governativa.
Esta destruição de capital humano coloca graves problemas pessoais, familiares e sociais, tendo ainda um impacto muito negativo sobre o crescimento potencial da nossa economia.
Além dos jovens, onde o desemprego atinge os 40%, outro grupo tem sido gravemente afetado e infelizmente esquecido.
Refiro-me àqueles que têm entre 45 e 65 anos de idade e que se encontram expostos, de forma particular, ao risco de exclusão permanente do mercado de trabalho.
De um modo geral, são detentores de experiência e conhecimentos profissionais muito relevantes e possuem um capital de vida que não podemos desperdiçar.
Vozes do PSD e do CDS-PP:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- O efeito recessivo das medidas de austeridade inicialmente estabelecidas revelou-se superior ao previsto, provavelmente por falhas nas estimativas.
A esse efeito somou-se uma conjuntura económica europeia mais adversa do que era esperado, designadamente em Espanha, o nosso principal parceiro comercial.
Assim, alguns dos pressupostos do Programa não se revelaram ajustados à evolução da realidade, o que suscita a interrogação sobre se a troica não os deveria ter tido em conta mais cedo.
Na verdade, o impacto recessivo das medidas de austeridade e a revisão, para pior, da conjuntura internacional têm afetado de forma muito significativa o esforço de consolidação orçamental, nomeadamente a redução do défice e a contenção do crescimento da dívida pública.
Neste contexto, as metas iniciais do défice público revelaram-se uma impossibilidade e acabaram por ser revistas.
Agora, prevê-se que apenas em 2015 Portugal deixará de se encontrar numa situação de défice excessivo.
Ainda assim, deve salientar-se que o défice primário estrutural terá sofrido uma redução de 6 pontos percentuais do PIB nos últimos dois anos.
É, objetivamente, um sinal positivo que deve merecer a atenção dos nossos parceiros europeus, na medida em que representa um esforço superior ao realizado pelos outros.
países que igualmente se encontram sob intervenção externa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Em todo o caso, parece hoje mais claro que teria sido preferível - aliás, em consonância com o Tratado Orçamental - ter fixado, logo no início do Programa de Assistência, que as metas para a correção do défice seriam definidas em termos de variação do défice primário estrutural, utilizando um mesmo universo orçamental.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- E, após esta intervenção externa, poderá ser preferível fixar limites ao crescimento da despesa pública, os quais, sendo mais fáceis de avaliar, tornam o processo de consolidação orçamental mais credível e mais transparente.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Uma avaliação objetiva do caminho percorrido nestes dois anos deve ter em linha de conta as alterações muito significativas que entretanto ocorreram na governação da União Económica e Monetária, com vista a dar resposta à crise verificada na zona euro.
As regras de disciplina e supervisão orçamental a que os Estados-membros estão sujeitos foram substancialmente reforçadas, especialmente através dos pacotes normativos «six-pack» e «two-pack» e do Tratado Orçamental, que entrou em vigor a 1 de janeiro deste ano.
Significa isto que, depois do Programa de Ajustamento, Portugal, à semelhança de todos os outros países da zona euro, continuará sujeito a um acompanhamento rigoroso por parte das autoridades europeias, de modo a garantir o cumprimento das regras de equilíbrio orçamental e de sustentabilidade da dívida pública.
Neste cenário, é uma ilusão pensar que as exigências de rigor orçamental irão desaparecer no fim do Programa de Ajustamento, em meados de 2014.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Com efeito, nos termos do Tratado Orçamental, o País terá de assegurar um défice estrutural não superior a 0,5% do PIB e o rácio da dívida pública de 124%, previsto para 2014, terá de convergir no futuro para 60%.
Para alcançar estes objetivos, Portugal terá de manter superavits primários muito significativos durante um longo período.
Tudo isto se irá processar num quadro em que já não beneficiaremos de empréstimos externos nos moldes até agora praticados, ficando inteiramente dependentes dos mercados para satisfazer as necessidades de financiamento da economia e do Estado.
É fundamental que todos os portugueses estejam bem conscientes desta realidade.
Tendo em conta estas exigências, que se irão prolongar por muitos anos, o País não pode afastar-se de uma linha de rumo de sustentabilidade das finanças públicas, de estabilidade do sistema financeiro e de controlo das contas externas.
A não ser assim, seríamos obrigados, se as instituições internacionais estivessem na disposição de o fazer, a um novo recurso à ajuda externa, e dessa vez, muito provavelmente, em condições mais duras e exigentes do que aquelas que atualmente tantos sacrifícios impõem aos portugueses.
Que não haja ilusões.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Portugal tem de preparar-se para o final do Programa de Assistência, o que irá ocorrer já no próximo ano.
Os nossos agentes políticos, económicos e sociais têm de estar conscientes que deverão atuar num horizonte temporal mais amplo do que aquele que resulta dos calendários eleitorais.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sejam quais forem esses calendários, sejam quais forem os resultados das eleições, o futuro de Portugal implica uma estratégia de médio prazo que tenha em atenção os grandes desafios que iremos enfrentar mesmo depois de concluído o Programa de Assistência Financeira em vigor.
Protestos do PS.
Nessa altura, o País tem de estar em condições estruturais de credibilidade e governabilidade capazes de garantir a confiança das instituições da União Europeia e dos mercados financeiros, pelo que, no plano político, é imperioso preservar a capacidade de gerar consensos em torno do caminho a seguir para alcançar os grandes objetivos nacionais.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Se se persistir numa visão imediatista, se prevalecer uma lógica de crispação política em torno de questões que pouco dizem aos portugueses, de nada valerá ganhar ou perder eleições,?
Protestos do PS.
?
de nada valerá integrar o Governo ou estar na oposição.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
É essencial que, de uma vez por todas, se compreenda que a conflitualidade permanente e a ausência de consensos irão penalizar os próprios agentes políticos, mas, acima de tudo, irão afetar gravemente o interesse nacional, agravando a situação dos que não têm emprego ou dos que foram lesados nos seus rendimentos, e comprometendo, por muitos e muitos anos, o futuro das novas gerações.
Protestos de Deputados do PS.
É indiscutível que se instalou na sociedade portuguesa uma «fadiga de austeridade», associada à incerteza sobre se os sacrifícios feitos são suficientes ou, mais do que isso, se estão a valer a pena.
Estas são interrogações legítimas, e todos têm o direito de colocar.
Mas, do mesmo modo que não se pode negar o facto de os portugueses estarem cansados de austeridade, não se deve explorar politicamente a ansiedade e a inquietação dos nossos concidadãos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Reafirmo a minha profunda convicção de que Portugal não está em condições de juntar uma grave crise política à crise económica e social em que está mergulhado.
Protestos do PS.
Regrediríamos para uma situação pior do que aquela em que nos encontramos.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- A Assembleia da República, através da respetiva comissão parlamentar, pode contribuir para consciencializar os portugueses para as exigências com que Portugal será confrontado no período pós-troica.
É decisivo para o nosso futuro coletivo que essas.
devidamente tidas em conta nas estratégias político-partidárias.
Em nome dos portugueses, é essencial alcançar um consenso político alargado que garanta que, quaisquer que sejam as conceções político-ideológicas, quaisquer que sejam os partidos que se encontrem no Governo, o País, depois de encerrado o atual ciclo do Programa de Ajustamento, adotará políticas compatíveis com as regras fixadas no Tratado Orçamental que Portugal subscreveu.
Por outro lado, uma análise séria e cuidada da situação portuguesa leva-nos à conclusão de que a consolidação sustentável das contas públicas e a preservação da coesão social exigem urgentemente medidas de relançamento da economia.
É usual dividir-se o programa de austeridade financeira em três fases: a primeira é a de emergência, quando tem de se atuar rapidamente e com a maior energia para estancar a hemorragia e salvar o doente; a segunda fase é a da implementação das reformas que promovam o saneamento das contas públicas e a competitividade da economia; a terceira fase é a da tomada de medidas de relançamento da economia, para que a cura não acabe por matar o doente.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Apesar das dificuldades e da necessidade de prosseguir esforços no domínio da consolidação orçamental, não é possível adiar a entrada de Portugal na terceira fase.
Sem crescimento económico, não haverá consolidação orçamental sustentável e de longo prazo.
De entre os fatores relevantes para o crescimento económico, destaco a competitividade e estabilidade do sistema fiscal, pelo papel que pode desempenhar na captação de investimento.
Por outro lado, seria conveniente que o Orçamento do Estado deixasse de ser um instrumento para alterações profundas do sistema fiscal, devendo servir apenas para ajustamentos em função da conjuntura.
A segurança jurídica e a competitividade e previsibilidade fiscal são elementos decisivos para as decisões dos agentes económicos e, logo, para o crescimento do País.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Sr.as e Srs. Deputados:
Após algumas hesitações iniciais, a União Europeia começa a perceber que os problemas verificados em alguns países são problemas que a todos afetam e que a crise na zona euro não se resolve apenas com a imposição de políticas de austeridade e a aplicação de sanções aos Estados com défices excessivos.
Nos últimos dois anos, verificou-se um reforço da coordenação das políticas económicas e estruturais dos Estados-membros, a qual tem no Semestre Europeu o seu principal mecanismo.
Neste domínio, e tendo em conta as decisões do Conselho Europeu, é possível perspetivar avanços muito significativos no médio prazo.
O Banco Central Europeu, por sua vez, anunciou a disponibilidade para intervir ilimitadamente no mercado secundário de dívida soberana de países sujeitos a programas de assistência.
Tratou-se de um marco decisivo para combater os ataques especulativos que vinham minando a zona euro.
Tenho insistido num ponto de importância crucial: o Banco Central Europeu deve assumir-se, cada vez mais, como um verdadeiro Banco Central, configurando-se, inclusivamente, como um «emprestador de último recurso».
Aguarda-se a entrada em vigor do Mecanismo Único de Supervisão, primeiro passo para a construção de uma união bancária europeia, enquanto a criação de instrumentos de dívida comum tarda em ser colocada na agenda europeia, apesar de ser reconhecida como uma resposta determinante para debelar a crise da zona euro.
Apesar dos desenvolvimentos recentes, temos de reconhecer que esta crise veio expor sérias fragilidades da União.
Para além da lentidão e tibieza na resposta à crise do euro, o maior fracasso da União Europeia residiu - e reside - na promoção do crescimento económico e do emprego.
Em 2012, a zona euro registou uma contração do produto de 0,6% e as previsões apontam para que a situação continue a evoluir negativamente, neste ano de 2013.
A taxa de desemprego na União subiu consecutivamente nos últimos cinco anos - 26 milhões de pessoas estão desempregadas, das quais 5,7 milhões são jovens.
A zona euro encontra-se no quinto trimestre consecutivo de queda do produto, no sexto trimestre consecutivo de queda da procura interna, no sétimo trimestre consecutivo de queda do investimento.
Vozes do PS:
- Porque será?
O Sr. Presidente da República:
- Podemos dizer que a União Europeia falhou na coordenação das políticas económicas.
Quando, aos países que executam programas de consolidação dos défices públicos, se juntam políticas contracionistas nos outros Estados-membros, é óbvio que a consequência será uma recessão no conjunto da União, como agora se está a verificar.
Por sua vez, o Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020, aprovado pelo Conselho Europeu no passado mês de fevereiro, embora tenha deixado Portugal numa posição mais favorável do que aquela que resultava das propostas iniciais, não corresponde, de modo algum, à resposta europeia exigida pela situação económica e social da União.
O Parlamento Europeu tem denunciado essa insuficiência de uma forma clara e inequívoca.
Note-se ainda que a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, na conceção dos ajustamentos negociados com os países em dificuldades de financiamento, não tiveram em devida conta o impacto recessivo das medidas propostas e as suas consequências.
As instituições financeiras internacionais, fazendo uso da sua força persuasiva, enquanto credores, terão induzido os governos dos países em dificuldades a aplicarem medidas que violam regras básicas de equidade, regras que constituem alicerces das sociedades democráticas contemporâneas.
Ameaçando a coesão e a paz social, perturbaram a estabilidade das democracias constitucionais e geraram novos sentimentos antieuropeus.
Em matéria fiscal, princípios essenciais de justiça foram esquecidos, exigindo-se sacrifícios muito diferentes a cidadãos que se encontram na mesma posição quanto aos fatores relevantes de bem-estar.
A decisão do Eurogrupo sobre Chipre foi o caso mais recente, com consequências nocivas para a adesão dos cidadãos ao projeto europeu.
Em 2013, a União assinala o Ano Europeu dos Cidadãos.
É tempo de as instituições e os líderes europeus ouvirem a voz da cidadania.
Temos, de uma vez por todas, de reconquistar a confiança dos europeus num projeto que assegurou a paz durante décadas e que deve garantir o desenvolvimento harmonioso entre os vários Estados-membros, com respeito pelos princípios da justiça e da dignidade humana.
Atualmente, com 26 milhões de desempregados, a Europa põe em causa a dignidade de um número vastíssimo de seres humanos.
É urgente inverter esta situação, é urgente repensar o rumo que tem vindo a ser seguido para vencer a crise do euro.
Há quase 40 anos, Portugal mostrou ao mundo como é possível mudar de regime sem violência.
Agora, pelo nosso sentido de responsabilidade, devemos contribuir para a construção de uma Europa mais solidária, mais justa e mais unida.
Foi esse o sonho nascido em Abril de 1974.
Pelo futuro das novas gerações é altura de cumprirmos aquilo que Abril imaginou!
Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva):
- Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, Digníssimos Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Celebramos hoje o 25 de Abril, uma ocasião de festa e alegria, em que Portugal comemora a liberdade, a democracia e, também, o desenvolvimento e a justiça social.
Há precisamente 40 anos, no dia 25 de Abril de 1975, os portugueses participaram nas primeiras eleições verdadeiramente livres da nossa História.
Ao escolherem os Deputados à Assembleia Constituinte, naquele que foi o ato eleitoral mais participado da história da nossa democracia, os portugueses demonstraram estar do lado da liberdade contra todas as formas de autoritarismo.
Os Deputados à Assembleia da República, que hoje saúdo calorosamente e a quem agradeço a excelência da cooperação institucional, podem orgulhar-se de ser os sucessores dos constituintes eleitos em 1975.
O 25 de Abril tem vários heróis - e o maior de todos é o povo português.
Devemos celebrar Abril com sentido de futuro, para que as novas gerações saibam que a liberdade e a democracia são valores que se constroem e renovam todos os dias.
Num tempo em que, em vários lugares do mundo, incluindo na Europa, vemos nascer sinais de intolerância e ameaças à liberdade, numa época em que alguns se deixam atrair por extremismos radicais, devemos renovar o nosso compromisso com uma sociedade mais livre e mais justa.
Os portugueses perfilham os valores da democracia e da tolerância, recusam com firmeza o recurso à violência e à conflitualidade como formas de ação política.
Somos um povo de paz e de diálogo.
Convivemos de forma harmoniosa com todos os outros povos.
Ao comemorar o 25 de Abril na Assembleia da República, num ano em que termina a presente Legislatura e em que outra se iniciará, devemos pensar o futuro de Portugal, fazendo uma reflexão séria e serena sobre os grandes desafios que o País terá de enfrentar.
Portugal cumpriu um exigente Programa de Assistência Económica e Financeira que, numa altura de emergência nacional, foi obrigado a estabelecer com as instituições internacionais que nos emprestaram os fundos indispensáveis ao financiamento do Estado e da economia.
Vivemos uma nova fase da vida nacional: apesar de termos um longo caminho a percorrer, a economia apresenta já sinais de crescimento e criação de emprego, as contas externas estão equilibradas e perspetiva-se a saída da situação de défice excessivo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Somos hoje um País respeitado e credível na cena internacional, um País em que as instituições e os investidores podem confiar.
Em todo o caso, continuam a ser desafios decisivos para o nosso futuro o controlo da despesa pública e do endividamento do Estado, o financiamento das empresas, a competitividade da economia e a equidade fiscal, a que devemos associar o apoio ao investimento produtivo e uma agenda de crescimento económico e de criação de emprego.
Se não existir, da parte dos agentes políticos, a consciência clara de que devem mobilizar os portugueses para estes desafios, de pouco valerão os sacrifícios que fizemos e que, em muitos casos, deram azo a situações dramáticas, algumas das quais ainda hoje se mantêm.
Sr.as e Srs. Deputados, pensar o futuro de Portugal significa, antes de mais, proceder ao diagnóstico dos nossos problemas de fundo e apontar linhas de rumo que devem ser assumidas pelas diversas forças políticas.
O País enfrenta desafios de médio e longo prazo que não se esgotam no horizonte temporal de uma legislatura, mas para construirmos um Portugal mais justo e desenvolvido para as novas gerações, é essencial que, no tempo que se aproxima, sejam tomadas medidas concretas a pensar no futuro.
Enfrentamos um problema muito grave de quebra da natalidade e envelhecimento da população.
Portugal é dos países do mundo onde proporcionalmente nascem menos crianças.
Além de todas as questões associadas à baixa natalidade, como a sustentabilidade da segurança social, a desertificação de vastas zonas do território e a degradação do princípio da solidariedade entre gerações, a quebra do número de nascimentos é um fator de empobrecimento para o País como um todo.
O envelhecimento populacional não só reduz o crescimento potencial da economia como aumenta a pressão sobre as contas públicas, através das despesas de pensões e de saúde.
Mais grave ainda: o facto de cada vez nascerem menos crianças significa que, no futuro, teremos menos jovens empreendedores, menos cidadãos ativos e criativos, menos trabalhadores qualificados.
Além da urgência em promover uma estratégia de aumento da natalidade, para que várias vezes chamei a atenção ao longo dos meus mandatos, é essencial fomentar o regresso daqueles que, em resultado da crise económica e financeira, decidiram partir rumo ao estrangeiro.
Em áreas-chave para o nosso futuro, o País viu sair muitos dos seus jovens, a maioria dos quais altamente qualificados.
É agora, enquanto os laços que os unem a Portugal ainda se mantêm vivos, que devemos atuar e promover o seu regresso, criando condições para que o seu talento e as suas capacidades possam frutificar entre nós.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Devemos igualmente adotar uma estratégia coerente de captação de talentos e de integração das comunidades de imigrantes.
Portugal orgulha-se de ser um país tolerante e inclusivo, uma terra fraterna e multicultural, onde cidadãos de todo o mundo podem trabalhar e viver de forma harmoniosa e pacífica.
Importa aprofundar o esforço de integração das comunidades estrangeiras, no respeito pela sua diversidade e na partilha de valores de que nunca abdicaremos: a liberdade e a democracia, a justiça e a tolerância.
Verifica-se, por outro lado, que muitos dos jovens que permanecem em Portugal não têm emprego.
Outros encontram-se em situações de subemprego e emprego precário.
São forçados a adiar as suas opções de vida, incertos quanto ao que o futuro lhes trará.
Portugal, que enfrenta já um grave problema de natalidade, está, assim, a desperdiçar um outro ativo fundamental, os seus jovens.
Não admira o desinteresse das novas gerações pela atividade cívica e política.
Todos nós - e os agentes políticos, em particular - devemos refletir muito seriamente sobre este fenómeno.
Só através de uma estratégia vocacionada para a criação de emprego qualificado será possível aumentar a confiança dos jovens nas instituições.
Muitos sentem que foi em vão o investimento que fizeram na sua formação escolar e qualificação profissional.
A manter esta situação, Portugal perde duplamente: por um lado, perde aquilo que já investiu na educação e qualificação dos seus jovens; por outro lado, desperdiça o contributo desses jovens para, com o seu talento e a sua iniciativa, ajudarem o País a regressar a uma trajetória sustentável de crescimento económico e criação de emprego.
A mobilização cívica dos jovens - e dos cidadãos em geral - implica, também, um trabalho de credibilização das instituições e dos seus protagonistas.
Ao fim de quatro décadas de democracia, os agentes políticos devem compreender, de uma vez por todas, que a necessidade de compromissos interpartidários é intrínseca ao nosso sistema político e que os portugueses não se reveem em formas de intervenção que fomentam o conflito e a crispação e que colocam os interesses partidários de ocasião acima do superior interesse nacional.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Os portugueses estão cansados da conflitualidade política em torno de questões acessórias e artificiais, quando devia existir união de esforços na abertura de perspetivas de futuro para as novas gerações, no combate ao desemprego e à pobreza, na melhoria da equidade na distribuição do rendimento, no apoio aos nossos idosos.
Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Num contexto de dignificação das instituições, impõe-se, desde logo, uma atitude firme de combate à corrupção, um dos maiores inimigos das sociedades democráticas.
A corrupção tem efeitos extremamente graves no relacionamento entre os cidadãos e o Estado, diminuindo a confiança nas instituições e criando, em particular, a falsa ideia de que a generalidade dos agentes políticos ou dos altos dirigentes da Administração não desempenham as suas funções de forma transparente, ao serviço exclusivo da comunidade.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
É desta falsa perceção que se alimentam os populismos e se abre a porta à demagogia.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Para além do mais, a corrupção põe em causa um dos elementos essenciais da vida coletiva: a coesão do tecido social.
Portugal possui importantes ativos, sobretudo em comparação com muitos países congéneres da União Europeia.
Um desses ativos é, precisamente, a coesão social.
Graças a ela, conseguimos atravessar um período de duros sacrifícios sem que se tenham verificado radicalismos e ruturas dramáticas, como sucedeu em alguns países da Europa do Sul.
Para mantermos a coesão social, é essencial que exista um empenho de todos no combate à corrupção.
Numa República de cidadãos iguais, ninguém está acima da lei.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Neste contexto, um desafio que temos de enfrentar é o da promoção de uma política de justiça centrada na defesa do interesse coletivo e dos direitos individuais.
Só através de uma justiça credível, célere e eficaz Portugal pode afirmar-se como um Estado de direito consolidado, uma sociedade meritocrática de cidadãos livres e iguais.
Têm sido aprovadas reformas do nosso sistema de justiça que só obterão plenos resultados se envolverem de forma ativa os agentes do aparelho judiciário, os magistrados que conhecem de perto a realidade dos tribunais.
Estou certo de que este é um domínio onde será possível encontrar consensos interpartidários capazes de conferir estabilidade às reformas de fundo já introduzidas ou que entretanto venham a ser apresentadas.
É bem sabido que os atrasos do sistema de justiça, além de lesarem direitos e expectativas legítimas dos cidadãos, representam um dos fatores determinantes da menor atratividade do investimento, prejudicando o dinamismo e a competitividade da nossa economia.
Também no domínio da Administração Pública, apesar da modernização tecnológica e do avanço na prestação de serviços digitais, subsistem ainda fatores que dificultam a atração do investimento e a iniciativa das empresas.
Infelizmente, o debate sobre a reforma do Estado tem sido colocado num terreno de combate ideológico, em que se esgrimem argumentos que, em concreto, pouco contribuem para aquilo que todos desejamos: uma Administração independente, imparcial e próxima dos cidadãos, dimensionada de acordo com a provisão eficiente dos bens e serviços de natureza pública, com funcionários qualificados e com dirigentes escolhidos exclusivamente pelo seu mérito.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Administração Pública tem de ser competitiva no mercado de trabalho, de modo a recrutar, motivar e manter nos seus quadros os recursos humanos aptos a desempenhar as funções de grande responsabilidade que lhe são exigidas.
Os portugueses reconhecem no Estado social o modelo que lhes trouxe importantes benefícios em domínios como a saúde, a educação, a segurança social e a cultura.
O Estado social é uma das maiores realizações da nossa democracia.
É uma área em que o debate e o consenso sobre o seu futuro se impõem.
Não se trata de diminuir a proteção social dos cidadãos que dela necessitam, mas, sim, de garantir a sustentabilidade do sistema num horizonte temporal alargado e de aumentar a eficiência, a equidade e a qualidade dos serviços prestados.
Em boa medida, a qualidade da democracia depende da qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O modo como estes percecionam e avaliam a ação dos governantes, dos agentes políticos, das forças partidárias, depende muito do relacionamento quotidiano que mantêm com a Administração Pública.
Neste sentido, melhorar a eficiência do Estado é também contribuir para a qualidade da democracia e para o prestígio da classe política.
Aplausos do PSD.
Sr.as e Srs. Deputados, ao fim de 40 anos de democracia, é notável aquilo que alcançámos.
Não só construímos um País democrático e livre, respeitado na cena internacional, como edificámos urna sociedade mais solidária e mais inclusiva.
Mas estamos insatisfeitos: somos ambiciosos, queremos um futuro melhor.
Ambicionamos um Portugal mais justo, uma economia mais dinâmica e competitiva, uma educação de excelência e um Serviço Nacional de Saúde sustentável e de qualidade.
Em quatro décadas de democracia, os cidadãos viram significativamente melhorados a qualidade e o acesso à educação e aos cuidados de saúde.
Portugal possui atualmente cientistas e investigadores que ombreiam com os melhores.
Os progressos tecnológicos na deteção e tratamento da doença estão ao nível dos registados nos países mais desenvolvidos.
O sucesso no combate à mortalidade infantil é uma referência mundial.
A excelência na educação, o desenvolvimento de competências ao longo da vida e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde permanecem, no entanto, como grandes desafios que devem mobilizar a Assembleia da República na próxima Legislatura.
O futuro do Serviço Nacional de Saúde português não pode ser encarado apenas na sua dimensão financeira.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- O investimento na saúde da população é uma fonte de criação de riqueza que não pode ser desperdiçada.
É, acima de tudo, um imperativo de justiça e de salvaguarda da dignidade humana.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O relatório da Fundação Calouste Gulbenkian Um futuro para a Saúde fornece uma base informada e objetiva para o estabelecimento do pacto político e social para a próxima década que este setor exige.
Sr.as e Srs. Deputados, um tema constante dos meus mandatos, o da estratégia nacional para o mar, entrou definitivamente na agenda política.
Destaco, nesta ocasião, o largo consenso alcançado nesta Assembleia na aprovação da Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional e os desenvolvimentos operados nos setores portuário e de transformação de pescado, pelo seu contributo para o aumento das exportações.
Apesar dos avanços, há um grande potencial da economia do mar ainda por explorar e um desafio político da maior relevância que importa enfrentar na próxima Legislatura: a adoção de uma governação verdadeiramente integrada dos assuntos do mar.
Há que assegurar uma articulação eficiente de todos os assuntos do mar, independentemente da tutela governativa em que se situem, de modo a garantir a realização da estratégia definida para o setor.
Noutro domínio, de grande importância, tornou-se evidente a necessidade de garantir a segurança dos cidadãos face a novas ameaças transnacionais, a que devemos dar resposta através da afirmação dos nossos valores e princípios, mas também com recurso a meios preventivos e repressivos.
Portugal é uma sociedade aberta e tolerante.
Para continuar assim, tem de rejeitar com firmeza os extremismos e ser intransigente com a violência e o terrorismo.
Um desafio premente que aqui se coloca é o de adequarmos a organização e o funcionamento de todas as estruturas que compõem o nosso sistema de segurança nacional às exigências que decorrem destes novos perigos, que não se fazem anunciar e que não conhecem fronteiras.
Ainda que num plano claramente distinto daquele que acabei de referir, a violência não se manifesta apenas através da força física e das armas.
Temos assistido, no debate público em Portugal, a um nível de crispação e de agressividade verbal que, muitas vezes, não hesita em extravasar da controvérsia de opiniões para os ataques e os insultos de caráter pessoal.
Numa democracia amadurecida, o debate informado e a diversidade de opiniões são valores fundamentais.
Valores que, no entanto, correm o risco de ser obscurecidos e relegados para um plano secundário se se mantiver a tendência para recorrerem às querelas estéreis, à calúnia e à difamação como instrumentos de combate político.
Aí, não estamos já no campo da divergência de opiniões; pelo contrário, aos olhos dos cidadãos, a salutar diversidade de ideias perder-se-á e o debate público sairá empobrecido.
A violência verbal, amplificada pelo ruído mediático, afasta os cidadãos da vida da República, fomenta o desinteresse cívico, corrompe a confiança dos portugueses nas suas instituições.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Apelo, pois, aos Deputados, representantes do povo, desta Legislatura e da que irá iniciar-se no final deste ano, a que contribuam, pela força do seu exemplo, para a elevação do debate público e para a qualidade da democracia em Portugal.
Só deste modo, através do diálogo e do consenso, será possível alcançar os compromissos imprescindíveis para garantir a estabilidade política e a governabilidade e para enfrentar com êxito os desafios que o futuro nos coloca.
Só através do compromisso entre as forças democráticas foi possível aprovar a Constituição da República e concretizar muitos dos sonhos de Abril.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Olhando para o mapa da Europa, Portugal surge como um país pequeno e periférico.
Mas, por vezes, as aparências são enganadoras.
Somos dos países com maior nível de coesão social da União, possuímos laços privilegiados de amizade com vários povos do mundo, a nossa língua é falada por milhões de seres humanos.
Além de tudo, somos o espaço onde a Europa se abre ao Atlântico.
O mar projeta-nos e engrandece-nos, coloca-nos no centro do planeta.
No mapa do mundo - e já não do continente europeu -, Portugal não se encontra na periferia; pelo contrário, ocupa um lugar central.
No tempo da globalização, em que as geografias se reconstroem continuamente com apoio da tecnologia e nas novas formas de comunicação, é para o mapa do mundo que devemos olhar.
Aí, observando o mundo inteiro, Portugal encontra-se no fulcro da contemporaneidade.
Fomos pioneiros há 500 anos, quando tirámos partido da nossa proximidade ao oceano para descobrirmos novos mundos; fomos pioneiros há 40 quando a revolução de Abril iniciou uma vaga de democratização que se estendeu a vários países da Europa: primeiro, no Sul; depois, no bloco de Leste.
Não tivemos medo do desconhecido, quer no tempo das Descobertas, quer no dia 25 de Abril, também hoje os portugueses não devem ter medo do tempo em que vivem.
Enfrentamos grandes desafios, sem dúvida, mas a História revelou que foi sempre nessas alturas que mostrámos ser mais fortes e mais corajosos.
No dia 25 de Abril, devemos celebrar a esperança.
Foi a esperança de um tempo novo que deu ânimo e coragem aos militares que derrubaram a ditadura.
É a esperança de um futuro melhor que nos deve juntar todos em nome de Portugal e em nome dos Portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva):
- Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, Digníssimos Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Celebramos hoje o 25 de Abril, uma ocasião de festa e alegria, em que Portugal comemora a liberdade, a democracia e, também, o desenvolvimento e a justiça social.
Há precisamente 40 anos, no dia 25 de Abril de 1975, os portugueses participaram nas primeiras eleições verdadeiramente livres da nossa História.
Ao escolherem os Deputados à Assembleia Constituinte, naquele que foi o ato eleitoral mais participado da história da nossa democracia, os portugueses demonstraram estar do lado da liberdade contra todas as formas de autoritarismo.
Os Deputados à Assembleia da República, que hoje saúdo calorosamente e a quem agradeço a excelência da cooperação institucional, podem orgulhar-se de ser os sucessores dos constituintes eleitos em 1975.
O 25 de Abril tem vários heróis - e o maior de todos é o povo português.
Devemos celebrar Abril com sentido de futuro, para que as novas gerações saibam que a liberdade e a democracia são valores que se constroem e renovam todos os dias.
Num tempo em que, em vários lugares do mundo, incluindo na Europa, vemos nascer sinais de intolerância e ameaças à liberdade, numa época em que alguns se deixam atrair por extremismos radicais, devemos renovar o nosso compromisso com uma sociedade mais livre e mais justa.
Os portugueses perfilham os valores da democracia e da tolerância, recusam com firmeza o recurso à violência e à conflitualidade como formas de ação política.
Somos um povo de paz e de diálogo.
Convivemos de forma harmoniosa com todos os outros povos.
Ao comemorar o 25 de Abril na Assembleia da República, num ano em que termina a presente Legislatura e em que outra se iniciará, devemos pensar o futuro de Portugal, fazendo uma reflexão séria e serena sobre os grandes desafios que o País terá de enfrentar.
Portugal cumpriu um exigente Programa de Assistência Económica e Financeira que, numa altura de emergência nacional, foi obrigado a estabelecer com as instituições internacionais que nos emprestaram os fundos indispensáveis ao financiamento do Estado e da economia.
Vivemos uma nova fase da vida nacional: apesar de termos um longo caminho a percorrer, a economia apresenta já sinais de crescimento e criação de emprego, as contas externas estão equilibradas e perspetiva-se a saída da situação de défice excessivo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Somos hoje um País respeitado e credível na cena internacional, um País em que as instituições e os investidores podem confiar.
Em todo o caso, continuam a ser desafios decisivos para o nosso futuro o controlo da despesa pública e do endividamento do Estado, o financiamento das empresas, a competitividade da economia e a equidade fiscal, a que devemos associar o apoio ao investimento produtivo e uma agenda de crescimento económico e de criação de emprego.
Se não existir, da parte dos agentes políticos, a consciência clara de que devem mobilizar os portugueses para estes desafios, de pouco valerão os sacrifícios que fizemos e que, em muitos casos, deram azo a situações dramáticas, algumas das quais ainda hoje se mantêm.
Sr.as e Srs. Deputados, pensar o futuro de Portugal significa, antes de mais, proceder ao diagnóstico dos nossos problemas de fundo e apontar linhas de rumo que devem ser assumidas pelas diversas forças políticas.
O País enfrenta desafios de médio e longo prazo que não se esgotam no horizonte temporal de uma legislatura, mas para construirmos um Portugal mais justo e desenvolvido para as novas gerações, é essencial que, no tempo que se aproxima, sejam tomadas medidas concretas a pensar no futuro.
Enfrentamos um problema muito grave de quebra da natalidade e envelhecimento da população.
Portugal é dos países do mundo onde proporcionalmente nascem menos crianças.
Além de todas as questões associadas à baixa natalidade, como a sustentabilidade da segurança social, a desertificação de vastas zonas do território e a degradação do princípio da solidariedade entre gerações, a quebra do número de nascimentos é um fator de empobrecimento para o País como um todo.
O envelhecimento populacional não só reduz o crescimento potencial da economia como aumenta a pressão sobre as contas públicas, através das despesas de pensões e de saúde.
Mais grave ainda: o facto de cada vez nascerem menos crianças significa que, no futuro, teremos menos jovens empreendedores, menos cidadãos ativos e criativos, menos trabalhadores qualificados.
Além da urgência em promover uma estratégia de aumento da natalidade, para que várias vezes chamei a atenção ao longo dos meus mandatos, é essencial fomentar o regresso daqueles que, em resultado da crise económica e financeira, decidiram partir rumo ao estrangeiro.
Em áreas-chave para o nosso futuro, o País viu sair muitos dos seus jovens, a maioria dos quais altamente qualificados.
É agora, enquanto os laços que os unem a Portugal ainda se mantêm vivos, que devemos atuar e promover o seu regresso, criando condições para que o seu talento e as suas capacidades possam frutificar entre nós.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Devemos igualmente adotar uma estratégia coerente de captação de talentos e de integração das comunidades de imigrantes.
Portugal orgulha-se de ser um país tolerante e inclusivo, uma terra fraterna e multicultural, onde cidadãos de todo o mundo podem trabalhar e viver de forma harmoniosa e pacífica.
Importa aprofundar o esforço de integração das comunidades estrangeiras, no respeito pela sua diversidade e na partilha de valores de que nunca abdicaremos: a liberdade e a democracia, a justiça e a tolerância.
Verifica-se, por outro lado, que muitos dos jovens que permanecem em Portugal não têm emprego.
Outros encontram-se em situações de subemprego e emprego precário.
São forçados a adiar as suas opções de vida, incertos quanto ao que o futuro lhes trará.
Portugal, que enfrenta já um grave problema de natalidade, está, assim, a desperdiçar um outro ativo fundamental, os seus jovens.
Não admira o desinteresse das novas gerações pela atividade cívica e política.
Todos nós - e os agentes políticos, em particular - devemos refletir muito seriamente sobre este fenómeno.
Só através de uma estratégia vocacionada para a criação de emprego qualificado será possível aumentar a confiança dos jovens nas instituições.
Muitos sentem que foi em vão o investimento que fizeram na sua formação escolar e qualificação profissional.
A manter esta situação, Portugal perde duplamente: por um lado, perde aquilo que já investiu na educação e qualificação dos seus jovens; por outro lado, desperdiça o contributo desses jovens para, com o seu talento e a sua iniciativa, ajudarem o País a regressar a uma trajetória sustentável de crescimento económico e criação de emprego.
A mobilização cívica dos jovens - e dos cidadãos em geral - implica, também, um trabalho de credibilização das instituições e dos seus protagonistas.
Ao fim de quatro décadas de democracia, os agentes políticos devem compreender, de uma vez por todas, que a necessidade de compromissos interpartidários é intrínseca ao nosso sistema político e que os portugueses não se reveem em formas de intervenção que fomentam o conflito e a crispação e que colocam os interesses partidários de ocasião acima do superior interesse nacional.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Os portugueses estão cansados da conflitualidade política em torno de questões acessórias e artificiais, quando devia existir união de esforços na abertura de perspetivas de futuro para as novas gerações, no combate ao desemprego e à pobreza, na melhoria da equidade na distribuição do rendimento, no apoio aos nossos idosos.
Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Num contexto de dignificação das instituições, impõe-se, desde logo, uma atitude firme de combate à corrupção, um dos maiores inimigos das sociedades democráticas.
A corrupção tem efeitos extremamente graves no relacionamento entre os cidadãos e o Estado, diminuindo a confiança nas instituições e criando, em particular, a falsa ideia de que a generalidade dos agentes políticos ou dos altos dirigentes da Administração não desempenham as suas funções de forma transparente, ao serviço exclusivo da comunidade.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
É desta falsa perceção que se alimentam os populismos e se abre a porta à demagogia.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Para além do mais, a corrupção põe em causa um dos elementos essenciais da vida coletiva: a coesão do tecido social.
Portugal possui importantes ativos, sobretudo em comparação com muitos países congéneres da União Europeia.
Um desses ativos é, precisamente, a coesão social.
Graças a ela, conseguimos atravessar um período de duros sacrifícios sem que se tenham verificado radicalismos e ruturas dramáticas, como sucedeu em alguns países da Europa do Sul.
Para mantermos a coesão social, é essencial que exista um empenho de todos no combate à corrupção.
Numa República de cidadãos iguais, ninguém está acima da lei.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Neste contexto, um desafio que temos de enfrentar é o da promoção de uma política de justiça centrada na defesa do interesse coletivo e dos direitos individuais.
Só através de uma justiça credível, célere e eficaz Portugal pode afirmar-se como um Estado de direito consolidado, uma sociedade meritocrática de cidadãos livres e iguais.
Têm sido aprovadas reformas do nosso sistema de justiça que só obterão plenos resultados se envolverem de forma ativa os agentes do aparelho judiciário, os magistrados que conhecem de perto a realidade dos tribunais.
Estou certo de que este é um domínio onde será possível encontrar consensos interpartidários capazes de conferir estabilidade às reformas de fundo já introduzidas ou que entretanto venham a ser apresentadas.
É bem sabido que os atrasos do sistema de justiça, além de lesarem direitos e expectativas legítimas dos cidadãos, representam um dos fatores determinantes da menor atratividade do investimento, prejudicando o dinamismo e a competitividade da nossa economia.
Também no domínio da Administração Pública, apesar da modernização tecnológica e do avanço na prestação de serviços digitais, subsistem ainda fatores que dificultam a atração do investimento e a iniciativa das empresas.
Infelizmente, o debate sobre a reforma do Estado tem sido colocado num terreno de combate ideológico, em que se esgrimem argumentos que, em concreto, pouco contribuem para aquilo que todos desejamos: uma Administração independente, imparcial e próxima dos cidadãos, dimensionada de acordo com a provisão eficiente dos bens e serviços de natureza pública, com funcionários qualificados e com dirigentes escolhidos exclusivamente pelo seu mérito.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Administração Pública tem de ser competitiva no mercado de trabalho, de modo a recrutar, motivar e manter nos seus quadros os recursos humanos aptos a desempenhar as funções de grande responsabilidade que lhe são exigidas.
Os portugueses reconhecem no Estado social o modelo que lhes trouxe importantes benefícios em domínios como a saúde, a educação, a segurança social e a cultura.
O Estado social é uma das maiores realizações da nossa democracia.
É uma área em que o debate e o consenso sobre o seu futuro se impõem.
Não se trata de diminuir a proteção social dos cidadãos que dela necessitam, mas, sim, de garantir a sustentabilidade do sistema num horizonte temporal alargado e de aumentar a eficiência, a equidade e a qualidade dos serviços prestados.
Em boa medida, a qualidade da democracia depende da qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O modo como estes percecionam e avaliam a ação dos governantes, dos agentes políticos, das forças partidárias, depende muito do relacionamento quotidiano que mantêm com a Administração Pública.
Neste sentido, melhorar a eficiência do Estado é também contribuir para a qualidade da democracia e para o prestígio da classe política.
Aplausos do PSD.
Sr.as e Srs. Deputados, ao fim de 40 anos de democracia, é notável aquilo que alcançámos.
Não só construímos um País democrático e livre, respeitado na cena internacional, como edificámos urna sociedade mais solidária e mais inclusiva.
Mas estamos insatisfeitos: somos ambiciosos, queremos um futuro melhor.
Ambicionamos um Portugal mais justo, uma economia mais dinâmica e competitiva, uma educação de excelência e um Serviço Nacional de Saúde sustentável e de qualidade.
Em quatro décadas de democracia, os cidadãos viram significativamente melhorados a qualidade e o acesso à educação e aos cuidados de saúde.
Portugal possui atualmente cientistas e investigadores que ombreiam com os melhores.
Os progressos tecnológicos na deteção e tratamento da doença estão ao nível dos registados nos países mais desenvolvidos.
O sucesso no combate à mortalidade infantil é uma referência mundial.
A excelência na educação, o desenvolvimento de competências ao longo da vida e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde permanecem, no entanto, como grandes desafios que devem mobilizar a Assembleia da República na próxima Legislatura.
O futuro do Serviço Nacional de Saúde português não pode ser encarado apenas na sua dimensão financeira.
Vozes do PSD:
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- O investimento na saúde da população é uma fonte de criação de riqueza que não pode ser desperdiçada.
É, acima de tudo, um imperativo de justiça e de salvaguarda da dignidade humana.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O relatório da Fundação Calouste Gulbenkian Um futuro para a Saúde fornece uma base informada e objetiva para o estabelecimento do pacto político e social para a próxima década que este setor exige.
Sr.as e Srs. Deputados, um tema constante dos meus mandatos, o da estratégia nacional para o mar, entrou definitivamente na agenda política.
Destaco, nesta ocasião, o largo consenso alcançado nesta Assembleia na aprovação da Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional e os desenvolvimentos operados nos setores portuário e de transformação de pescado, pelo seu contributo para o aumento das exportações.
Apesar dos avanços, há um grande potencial da economia do mar ainda por explorar e um desafio político da maior relevância que importa enfrentar na próxima Legislatura: a adoção de uma governação verdadeiramente integrada dos assuntos do mar.
Há que assegurar uma articulação eficiente de todos os assuntos do mar, independentemente da tutela governativa em que se situem, de modo a garantir a realização da estratégia definida para o setor.
Noutro domínio, de grande importância, tornou-se evidente a necessidade de garantir a segurança dos cidadãos face a novas ameaças transnacionais, a que devemos dar resposta através da afirmação dos nossos valores e princípios, mas também com recurso a meios preventivos e repressivos.
Portugal é uma sociedade aberta e tolerante.
Para continuar assim, tem de rejeitar com firmeza os extremismos e ser intransigente com a violência e o terrorismo.
Um desafio premente que aqui se coloca é o de adequarmos a organização e o funcionamento de todas as estruturas que compõem o nosso sistema de segurança nacional às exigências que decorrem destes novos perigos, que não se fazem anunciar e que não conhecem fronteiras.
Ainda que num plano claramente distinto daquele que acabei de referir, a violência não se manifesta apenas através da força física e das armas.
Temos assistido, no debate público em Portugal, a um nível de crispação e de agressividade verbal que, muitas vezes, não hesita em extravasar da controvérsia de opiniões para os ataques e os insultos de caráter pessoal.
Numa democracia amadurecida, o debate informado e a diversidade de opiniões são valores fundamentais.
Valores que, no entanto, correm o risco de ser obscurecidos e relegados para um plano secundário se se mantiver a tendência para recorrerem às querelas estéreis, à calúnia e à difamação como instrumentos de combate político.
Aí, não estamos já no campo da divergência de opiniões; pelo contrário, aos olhos dos cidadãos, a salutar diversidade de ideias perder-se-á e o debate público sairá empobrecido.
A violência verbal, amplificada pelo ruído mediático, afasta os cidadãos da vida da República, fomenta o desinteresse cívico, corrompe a confiança dos portugueses nas suas instituições.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Apelo, pois, aos Deputados, representantes do povo, desta Legislatura e da que irá iniciar-se no final deste ano, a que contribuam, pela força do seu exemplo, para a elevação do debate público e para a qualidade da democracia em Portugal.
Só deste modo, através do diálogo e do consenso, será possível alcançar os compromissos imprescindíveis para garantir a estabilidade política e a governabilidade e para enfrentar com êxito os desafios que o futuro nos coloca.
Só através do compromisso entre as forças democráticas foi possível aprovar a Constituição da República e concretizar muitos dos sonhos de Abril.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados:
Olhando para o mapa da Europa, Portugal surge como um país pequeno e periférico.
Mas, por vezes, as aparências são enganadoras.
Somos dos países com maior nível de coesão social da União, possuímos laços privilegiados de amizade com vários povos do mundo, a nossa língua é falada por milhões de seres humanos.
Além de tudo, somos o espaço onde a Europa se abre ao Atlântico.
O mar projeta-nos e engrandece-nos, coloca-nos no centro do planeta.
No mapa do mundo - e já não do continente europeu -, Portugal não se encontra na periferia; pelo contrário, ocupa um lugar central.
No tempo da globalização, em que as geografias se reconstroem continuamente com apoio da tecnologia e nas novas formas de comunicação, é para o mapa do mundo que devemos olhar.
Aí, observando o mundo inteiro, Portugal encontra-se no fulcro da contemporaneidade.
Fomos pioneiros há 500 anos, quando tirámos partido da nossa proximidade ao oceano para descobrirmos novos mundos; fomos pioneiros há 40 quando a revolução de Abril iniciou uma vaga de democratização que se estendeu a vários países da Europa: primeiro, no Sul; depois, no bloco de Leste.
Não tivemos medo do desconhecido, quer no tempo das Descobertas, quer no dia 25 de Abril, também hoje os portugueses não devem ter medo do tempo em que vivem.
Enfrentamos grandes desafios, sem dúvida, mas a História revelou que foi sempre nessas alturas que mostrámos ser mais fortes e mais corajosos.
No dia 25 de Abril, devemos celebrar a esperança.
Foi a esperança de um tempo novo que deu ânimo e coragem aos militares que derrubaram a ditadura.
É a esperança de um futuro melhor que nos deve juntar todos em nome de Portugal e em nome dos Portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal Constitucional e demais Tribunais Superiores, Srs. Antigos Presidentes da República e da Assembleia da República, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Sr. Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, Sr. Provedor de Justiça, Srs. Representantes da República para as Regiões Autónomas, Srs. Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais, Sr. Núncio Apostólico, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Srs. Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Convidados, Portugueses:
O 25 de Abril de 1974, de movimento militar de jovens capitães, rapidamente se converteu em revolução.
Saudar os Capitães de Abril, 42 anos depois, é dever de todos os que em Portugal se louvam da democracia que o seu gesto patriótico permitiu instaurar.
Bem hajam, Srs. Capitães de Abril!
Aplausos gerais.
Saudar o Povo, que assumiu esse testemunho e o converteu em fundamento do Estado social de direito que temos, é assinalar o primado da soberania popular, desde logo, expressa na primeira eleição para a Assembleia da República, há, precisamente, 40 anos.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD):
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Toda a revolução, ao longo da História, é feita de várias revoluções, tantas quantos a viveram, mais ou menos intensamente.
A Revolução de 1974 e 1975 foi, também ela, feita de muitas revoluções.
Olhando para os projetos das forças partidárias com assento na Assembleia Constituinte, é possível deparar com várias revoluções, a que se somaram as sonhadas por outras forças sem tal representação.
E, como acontece sempre nos processos revolucionários, houve momentos em que a primazia parecia pender para um ou alguns desses projetos, para, logo a seguir, a correlação de forças favorecer projetos diversos.
A Constituição da República Portuguesa, promulgada em 2 de abril de 1976, acolheu o compromisso possível entre diversas revoluções, depois de 25 de Novembro de 1975.
Esse compromisso viria a ser reformulado em sucessivas revisões, com especial relevo para as de 1982, quanto ao regime político e ao sistema de governo, de 1989, quanto ao regime económico, e de 1997, quanto a vertentes políticas e sociais.
Mas, como um todo, a Revolução de 25 de Abril de 1974, na versão compromissória do constitucionalismo de 1976, acabou por abrir a Portugal o horizonte para quatro desafios cimeiros, que dominaram as décadas que se lhe seguiram: descolonização, democratização, integração europeia e construção de uma nova economia.
Descolonização: entre 1974 e 1975, tardia, realizada no meio de uma revolução, culminando na independência dos Estados irmãos na língua e em tanta mundividência e alterando perfis económicos e sociais na comunidade que éramos.
Democratização: concretizada por fases e em que a transição para o poder político democrático eleitoral conheceu a sua expressão plena seis anos depois de 1976.
Integração europeia: decidida em 1977 e formalizada oito anos volvidos, em 1985.
Mudança da economia: em ciclos muito diversos - o primeiro, de rotura dos laços coloniais e das nacionalizações e expropriações; o segundo, das reprivatizações para mãos portuguesas, com apoio público; o terceiro, da recente transferência para mãos estrangeiras em sectores-chave, num contexto de crise financeira e económica.
Quatro desafios vividos quase em simultâneo, como nenhum outro antigo império europeu ocidental moderno havia enfrentado, sem guerra civil, com a excecional integração de 700 000 compatriotas, percorrendo, em escassos anos, caminhos que as economias europeias fortes haviam trilhado em 40 anos.
Quando os mais jovens, tantas vezes, minhas alunas e meus alunos, olhavam para o balanço destas quatro décadas ou pouco mais - com sentido muito crítico, para não dizer com quase total incompreensão -, vezes sem conta lhes chamei a atenção para o tempo que não conheceram e para o que foi o percurso que para todos eles é já pré-história.
Não sabem o que é ditadura, censura, elevadíssima mortalidade infantil, escolaridade obrigatória não cumprida de seis anos, 1 milhão de emigrantes numa década, começo do despovoamento de um interior continental e de áreas das atuais Regiões Autónomas.
Manda, por isso, a verdade que se reconheça que a democracia permitida pelo 25 de Abril representou uma realidade sem precedentes na nossa história político-constitucional?
Aplausos gerais.
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em participação no poder central, regional e local, em independência dos tribunais, em autonomia política dos Açores e da Madeira, em autonomia administrativa do poder local, em liberdades fundamentais, em mudança drástica dos indicadores de saúde, em democratização no sistema de ensino, em profundo avanço no papel da mulher na sociedade portuguesa, em abertura externa e circulação de pessoas e ideias, em preocupações intergeracionais e de qualidade de vida e, até, na projeção internacional de tantos dos nossos melhores, sem comparação na história contemporânea.
Só que a mesma verdade manda que se diga que os quatro desafios enfrentados em tão concentrado espaço de tempo tiveram custos de vária ordem, que, somados a crises externas e a fraquezas internas, legitimam queixas e frustrações em muitos portuguesas e portugueses.
E, em particular, nos mais jovens, como aqueles do Conselho Nacional de Juventude que ontem me deram, simbolicamente, este cravo para que, hoje, ao evocar os 42 anos do 25 de Abril, me não esquecesse do muito que está por fazer.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O Portugal pós-colonial tem de cuidar mais da língua, valorizar mais a cultura, ir mais longe na educação, na ciência e na inovação, dar mais peso às comunidades espalhadas pelo mundo, apostar mais na CPLP, dar aos que de fora vieram e integraram o nosso País social a importância no País político que lhes tem sido negada.
O Portugal democrático tem de repensar o fechamento no sistema de partidos e nos parceiros sociais, de recriar formas de aproximação entre eleitores e eleitos, de ser mais efetivo no combate à corrupção e mais transparente na vida pública.
Tem de ir mais longe quanto à mulher na política e na chefia administrativa, ao jovem na sucessão geracional, ao emigrante e ao imigrante na vivência cívica.
Aplausos do PSD, do PS, do BE e do CDS-PP.
O Portugal que acredita na Europa tem de lutar por uma Europa menos confidencial, menos passiva, mais solidária, mais atenta às pessoas e, sobretudo, que não pareça aprovar nos factos o oposto daquilo que apregoa nos ideais.
Aplausos do PSD, do PS, do BE e do CDS-PP.
O Portugal do desenvolvimento tem de dar horizontes de esperança, que não sejam o ir de crise em crise até à incerteza total, sem ficar refém pela dívida ou pela dependência intoleráveis, afirmando-se capaz de crescer, competir, criar emprego e dar futuro aos portugueses.
Aplausos do PSD, do PS, do BE e do CDS-PP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- O Portugal da coesão social e territorial deve ser muito mais corajoso não só a recuperar a classe média ou a alimentar a circulação social, mas também a combater as assimetrias e a pobreza que nos deve envergonhar.
Aplausos do PSD, do PS, do BE e do CDS-PP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- É injusto negar o que todos devemos ao 25 de Abril de 1974.
É, no entanto, míope negar as desilusões, as indignações, as frustrações com a qualidade da democracia, com a debilidade do crescimento, com a insuficiência do emprego, com o aumento das desigualdades, com a persistência significativa da pobreza.
O saldo é claramente positivo para quem tiver a memória dos anos 70, mas pode começar a ser preocupantemente descoroçoante para quem só se lembrar dos anos 90 e da viragem do século.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
A solução não passa, porém, por pessimismos antidemocráticos, nem por populismos antieuropeus, nem por tentações de culpabilização constitucional.
Eu sei, nós sabemos, que estes tempos não são fáceis.
Não são fáceis nem na incerteza quanto ao crescimento e segurança e na falta de transparência financeira mundiais, nem na lentidão ou tibieza quanto à resposta conforme aos seus princípios por alguma parte da Europa nos refugiados, na política externa e de segurança, na economia ou na capacidade para evitar fraturas antissolidárias, as mais inesperadas, nem na evolução económica recente, ou em curso, que aconselha permanente atenção às previsões e aos seus reflexos financeiros, sem dramas, que a retificação de perspetivas é realidade a que nos habituámos ao longo dos anos, mas com lucidez, que é preferível à negação dos factos.
Mas é neste quadro que nos movemos, hoje, em Portugal.
Felizmente, quanto aos grandes objetivos nacionais, há um larguíssimo acordo entre os portugueses: vocação universal, pertença europeia, importância essencial da lusofonia, transatlantismo, defesa do Estado social de direito, aposta na educação, na ciência e na inovação, combate às desigualdades e à pobreza, maior circulação social e recuperação das classes médias, mais e melhor democracia e sobreposição do poder político ao poder económico e, ainda, como condições necessárias, crescimento e emprego, com justiça social, sem desequilíbrios financeiros insanáveis.
Felizmente, também há no nosso País, neste momento, dois caminhos muito bem definidos e diferenciados quanto à governação, ao modo de se atingir as metas nacionais: diversos quanto ao papel do Estado na economia e na sociedade; diversos quanto às prioridades para a criação de riqueza; diversos quanto ao tempo e ao modo da redistribuição da riqueza; diversos na filosofia e na prática política.
Cada um desses caminhos é plural, mas querendo ser alternativo ao outro, com lideranças e propostas próprias, clarificação esta muito salutar e fecunda.
A democracia faz-se de pluralismo, de debate, de alternativa.
Assim, quem se pretenda alternativa, de um lado e de outro, demonstre, em permanência, humildade e competência para tanto.
Temos, portanto, amplo acordo de objetivos nacionais, por um lado, e dois distintos modelos de governação neste momento, por outro, o que motiva três interrogações.
Quer isto dizer que vamos prosseguir em clima de campanha eleitoral?
Ou que os consensos sectoriais de regime são impossíveis?
Ou que a unidade essencial entre os portugueses é questionada por duas distintas propostas de Governo?
A resposta a estas três questões só pode ser negativa para os portugueses e, em particular, para o Presidente da República, cujo mandato nacional é, por sua própria natureza, mais longo e mais sufragado do que os mandatos partidários e não depende de eleições intercalares.
Não.
Portugal não pode, nem deve, continuar a viver, sistematicamente, em campanha eleitoral.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Exige estabilidade política, crucial para a estabilidade económica e social.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O estar adquirida, finalmente, essa estabilidade é um sinal de pacificação democrática que deve reconfortar os portugueses.
Não.
O estimulante pluralismo político não impede consensos sectoriais de regime, alguns dos quais não precisam sequer de formalização para se irem afirmando diariamente, como na saúde, por exemplo, onde o que aproxima é cada vez mais do que aquilo que afasta.
Mas esse pode ser, como já disse, um primeiro passo apenas para consensos noutros domínios, da vitalização do sistema político ao traçado e estabilidade do sistema financeiro, ao sistema de justiça e à segurança social, possivelmente, com passos lentos, mas profícuos.
Não.
A saudável contraposição de duas fórmulas de Governo não atinge o fundamental na unidade dos portugueses.
Como nunca atingiu.
É olhar para a forma como portuguesas e portugueses estão a viver a saída de uma crise, certamente uma das mais pesadas desde o 25 de Abril de 1974.
Elas e eles sofreram sacrifícios, cortes, penalizações.
Adiaram sonhos e congelaram projetos de vida.
Viram familiares partirem, substituíram empregos sólidos por expedientes de emergência.
E uniram-se.
Filhos voltaram para casa dos pais.
Avós receberam filhos e netos.
Mudaram de terra e sobreviveram em conjunto.
Uniram-se.
E assim puderam e podem começar a reacreditar no futuro.
Elas e eles foram os grandes vencedores sobre a crise.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Continuam, agora, a pensar coisas diferentes, a votar em listas diversas, a divergir na política, no trabalho, na vida local, no desporto.
Para uns, a governação atual é promissora; para outros, um logro.
Para todos, contudo, uma certeza existe neste tempo: mais instabilidade, mais insegurança, não abre caminhos, fecha horizontes.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
E, por isso, vivem já uma distensão impensável há escassos meses.
Neste 25 de Abril de 2016, 42 anos depois do 25 de Abril de 1974, essa lição é um sentido de vida para tempos difíceis a apelarem à sensatez.
Unamo-nos no essencial, sem com isso minimamente negarmos a riqueza do confronto democrático, em que Governos aplicam as suas ideias e oposições robustecem as suas alternativas.
Troquemos as emoções pelo bom senso, aqueles que devem governar, com voluntarismo, mas com especial atenção a que o possível seja suficiente e, mais do que isso, seja bom para Portugal, aqueles que devem contestar, com firmeza, mas com a noção de que o tempo não muda convicções mas pode alterar ou condicionar soluções.
A democracia criada a partir do 25 de Abril de 1974 tem de ser recriada todos os dias, para se não negar, nem negar futuro aos portugueses.
Saibamos, também nós, todos, honrá-la e servi-la, renovando o que importa renovar, debatendo o que há a debater, sonhando o que há a sonhar, mas olhando para o exemplo dos mais simples e humildes, do Povo que é a verdadeira origem do poder, preservando sempre a unidade no essencial, a pensar em Portugal!
Aplausos gerais, tendo o PSD, o PS e o CDS-PP aplaudido de pé.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Sr. Antigo Presidente da República, Srs. Presidentes da Assembleia da República e Primeiros-Ministros, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa,.
Sr.as e Srs. Embaixadores, Srs. Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Deputados, Digníssimos Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Faz, hoje, exatamente 40 anos que, pela primeira vez, aqui, nesta Casa da democracia, se iniciou o que já é uma tradição cívica - a celebração do 25 de Abril, pela voz dos eleitos por todo o povo português.
E a dúvida que, de quando em vez, ouvi suscitar, a tantos dos meus jovens alunos foi esta: faria ainda sentido uma cerimónia, aparentemente de mera rotina, num claustro fechado, dividida entre reiterar a devida gratidão aos destemidos militares de 1974 e a todos quantos os haviam antecedido, na luta pela liberdade e pela democracia, e repetir os argumentos do confronto político de cada instante, nalguns casos pontuados por avisos ou mesmo quase ultimatos presidenciais?
Não seria preferível viver a data fora deste Hemiciclo, junto de mais portuguesas e portugueses, num gesto de abertura da política a problemas concretos do dia a dia do cidadão comum, inovando nas ideias e ultrapassando a sensação de se estar a ver o mesmo, ainda que pessoas e circunstâncias fossem diferentes?
Ademais, vivendo a Europa e o mundo tempos dominados pelos apelos do digital, em que as mensagens mais sérias fluem a ritmo alucinante, sem que emitentes e recetores se apercebam de que ficam reféns de uma precipitação, de um esquecimento, de uma menor ponderação de conteúdos; tempos em que se afigura tentador questionar instituições e ritos e simplificar afirmações, em homenagem à crescente aceleração de factos e ansiosas expetativas de grupos sociais.
Pois é precisamente porque estes tempos são, amiúde, de substituição da substância pela forma, do estudo e da qualificação pelo improviso e a superficialidade, de carreiras laborais por expedientes de ocasião, do debate das ideias por proclamações básicas, dizendo o que se pensa ser aprazível ao ouvinte e não o que deve ser dito; é por tudo isto, e mais a contingência de este empobrecimento ético e doutrinário abrir caminho a radicalismos egoístas e excludentes, racismos e xenofobias, messianismos que da democracia apenas gostam de usar o que lhes convenha, que faz sentido manter viva esta tradição.
Hoje, mais do que nunca.
Para mostrar que não nos esquecemos da nossa História e que há datas, como a do 25 de Abril - bem hajam os destemidos e corajosos Capitães de Abril -, que não foram, nem nunca serão, indiferentes ao nosso destino coletivo.
Para evocar os que já nos deixaram, como Mário Soares - ainda há três meses - mas que continuam bem vivos na nossa memória; para confirmar que preferimos a democracia - apesar de imperfeita, injusta ou incompleta - à mais sedutora das miragens ditatoriais.
Para sublinhar que a democracia tem uma Casa, em que se entrechocam as mais variadas visões da vida e da sociedade, e que nem mesmo o tom áspero dessas discussões pode servir de pretexto para questionar a riqueza da diversidade democrática.
Para reforçar que é porque entre nós há tanta diversidade e tão vigorosos combates políticos que o nosso sistema de partidos é dos mais estáveis na Europa, não deixando espaço a riscos antissistémicos conhecidos noutras paragens.
Para recordar que, se é verdade que a democracia está longe de acabar nesta Casa, ou em todos os órgãos de soberania, a Assembleia da República é um símbolo primeiro da democracia portuguesa.
Prestigiá-la dá vigor à nossa democracia.
Dela permanentemente fazer exemplo de discussão substancial, de elevação pessoal, de atenção aos portugueses, de visão de médio e longo prazo, protege-nos, a todos, contra a descredibilização da política, a tentação da demagogia, a revivescência de messianismos, oferecendo passados improváveis ou futuros ilusórios.
Eis, por conseguinte, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, por que entendo que, neste tempo dos chamados populismos anti-institucionais, dos tropismos antissistémicos, é essencial tornar claro que nos orgulhamos dos nossos marcos históricos.
Queremos viver em democracia, sabemos que ela tem de ser mais livre e mais justa, mas sabemos, também, que valorizar a Assembleia da República, tal como todos os órgãos de soberania, e outras instituições constitucionais de referência, a começar pelas Forças Armadas, é condição insubstituível para que os portugueses nunca desistam do que andam a construir há mais de 40 anos.
Sim, porque não podemos olvidar que, se há heróis da nossa democracia, para além dos que a prepararam e que, no 25 de Abril, lhe abriram caminhos de futuro, esses heróis são os portugueses.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e da Deputada do Bloco de Esquerda Catarina Martins.
Eles a converteram de projeto coletivo e de Constituição escrita em vida, construindo-a a cada momento.
Os portugueses constroem a democracia pelo voto, pela sua liberdade de opinião e de crítica, pelos partidos, movimentos, associações políticas a que aderem ou em que militam.
Ou então fazendo um percurso mais solitário, fora dessas estruturas representativas, sem se desinteressarem da causa pública, assim dando expressão aos direitos políticos e pessoais.
Os portugueses constroem democracia nas escolas, nos lugares de trabalho, nos sindicatos e nas associações patronais, nas comunidades locais, no voluntariado, nas Misericórdias, nas IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social), nas agremiações culturais e cívicas, nas igrejas a que pertencem, desse modo nunca deixando omitir ou esvaziar intoleravelmente os direitos económicos, sociais e culturais.
Os portugueses constroem democracia quando, emigrantes, nunca se esquecem das suas terras e para elas contribuem sem cessar, ou quando recebem imigrantes e refugiados de todo o mundo, lembrando-se que a sua odisseia é igual à que conhecem desde os séculos XV e XVI.
E, portanto, apostando na abertura a outras latitudes e longitudes.
Os portugueses constroem democracia quando, ao fim de anos de sacrifício, sentem que valeu a pena tudo terem feito para sanear as finanças públicas ou tornar possível crescer e criar emprego de forma duradoura e, por essa via, criar condições para se reduzir a dívida que têm sobre os seus ombros, revelando resistência e constância exemplares.
Em suma, aos portugueses devemos a nossa democracia ser efetivamente representativa e salutarmente participativa, ser passado mas também presente e futuro, significar mais do que um sonho para alguns, antes um regime ao serviço de um desígnio nacional.
Porque três realidades são indesmentíveis.
A primeira é a de que é dos portugueses, todos eles, o mérito primeiro das vitórias que fomos tendo nos últimos anos, nas nossas finanças, na nossa economia, na nossa sociedade.
A segunda é a de que é dos portugueses, todos eles, o papel decisivo de, sobretudo, criar um futuro melhor.
A terceira é a de que os portugueses, ao sedimentarem a democracia, o fizeram, e fazem, a pensar na Pátria, como patriotas.
Patriotas, digo bem.
E não tenhamos medo das palavras e do que elas encerram, patriotas fervorosamente orgulhosos da sua Nação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Porque há duas maneiras muito diferentes de se amar a Nação.
Uma, a que infelizmente vai grassando noutras sociedades, é a de se se dizer nacionalista contra o mundo, contra os que não são dos nossos, rejeitando, excluindo, vivendo em medo permanente, perante tudo e todos.
Outra, a nossa, a que esteve na base da nossa expansão, por oceanos e continentes, com todas as limitações que conhecemos e assumimos, e das nossas comunidades espalhadas pelo mundo, é a de amar a Nação de coração aberto, de alma universal, não renegando as nossas raízes identitárias mas sabendo que elas foram feitas desde antes da independência, de um somatório, entre outros, de traços culturais gregos, romanos, fenícios, lusitanos, germânicos, celtas, mouros, judeus, e, mais tarde, africanos, asiáticos e americanos.
Um nacionalismo patriótico e de vocação universal, não um nacionalismo egocêntrico, agarrado a um pretenso passado, recriado, porque não real, e insuscetível de enfrentar o futuro.
Aliás, o único que perfilhamos, capaz de nos defender de terrorismos, de inseguranças, de incertezas, porque, ao cultivar a abertura e a inclusão, torna mais difícil o que é hoje o pão nosso de cada dia noutras sociedades: serem os perseguidos, os injustiçados, os rejeitados de dentro, os aríetes dos maiores perigos e das mais insidiosas ameaças.
É esta visão descomplexadamente patriótica que dá sentido último à nossa democracia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cabe assim aos portugueses, e ao seu inquebrantável patriotismo, em primeira linha, o combate fundamental pela nossa democracia e, mais do que isso, por valores centrados no respeito pela dignidade da pessoa humana, inscritos na nossa Constituição.
E eles não têm faltado à chamada neste combate.
Como não têm faltado as instituições públicas e da sociedade civil, que acorreram a muitas das privações dos anos mais penosos.
Portugueses, rede de proteção social no terreno e referenciais de paz, segurança e solidariedade, têm permitido enfrentar crises sem tentações ou pulsões antidemocráticas ou menos democráticas.
Mas não chega: importa que todas as estruturas do poder político, do topo do Estado à Administração Pública e, naturalmente, aos tribunais, entendam que devem ser muito mais transparentes, rápidas e eficazes na resposta aos desafios e apelos deste tempo, revendo-se, reformando-se, ajustando-se.
Os chamados populismos alimentam-se das deficiências, das lentidões, das injustiças, das incompetências, das irresponsabilidades do poder político ou da sua confusão, ou compadrio, com o poder económico e social.
Preveni-los ou pôr-lhes cobro requer determinação e permanente proximidade, antecipação e satisfação das legítimas necessidades comunitárias.
Há, neste contexto, um bastião da nossa democracia que merece, hoje, na evocação do 25 de Abril, uma palavra muito especial: o poder local.
Os milhares e milhares de mulheres e homens que passaram ou estão em espírito de missão nos municípios e nas freguesias de Portugal, autarcas e trabalhadores foram, e são, uma das mais vivas diferenças da nossa democracia relativamente à Monarquia Liberal e à Primeira República.
Não a única, mas das mais relevantes.
Porque, com o sufrágio universal, alargaram, e alargam, a participação no poder político, muito para além de um número circunscrito de cidadãos; porque viveram e vivem, sol a sol, próximos das pessoas.
Sabem os seus nomes, conhecem as suas queixas, não governam papéis, lidam com vidas concretas: água, esgotos, lixo, escolas, caminhos, centros sociais, mercados, espaços verdes, comércio, agricultura, ambiente, cultura, parques industriais.
Tudo o que implica com a vida dos mais de 10 milhões tem a ver com elas e com eles.
Claro que não passa à margem dos governantes regionais e nacionais, mas esses estão mais longe, ainda quando tudo fazem para estarem mais perto.
Já disse, e repito: o poder local foi e é um «fusível de segurança» singular da nossa democracia.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.
O poder local não é isento de problemas e defeitos, como toda a obra humana, mas tem direito a ser, como um todo, celebrado por uma vez, num 25 de Abril.
E, a meses da realização do ato eleitoral que a inicia, todos formulamos o voto de que a nova legislatura autárquica traga consigo, quer nas áreas de satisfação de necessidades clássicas ou básicas, quer no desenvolvimento económico, ambiental, social e cultural - e, portanto, humano -, quer nas novas vias de participação popular, passos ainda mais arrojados, promovendo o progresso, combatendo a pobreza e as desigualdades, e fomentando um clima livre, plural e crítico, próprio das democracias fortes e prospetivas.
Espero-o, também, a duplo título, como Presidente da República e como antigo autarca, durante 19 anos, no mais rico, num seu vizinho, e no então, porventura, mais pobre município nacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Portugal não é um País perfeito.
Temos de melhorar, e muito, o que queremos oferecer de futuro aos nossos jovens, tal como aos nossos anciãos, que tanto nos deram já.
Os dois anos e meio que faltam para o termo da legislatura parlamentar terão de ser de maior criação de riqueza e melhor distribuição.
Governo, seus apoiantes e oposições, que legitimamente aspiram a voltar a governar, estarão, por certo, atentos a este imperativo, na multiplicidade enriquecedora das suas opções.
Tal como têm sido essenciais uns e outros, neste último ano e meio, ao garantirem a virtuosa compatibilização entre a indispensável estabilidade e o salutar confronto político e parlamentar.
Mas, se Portugal tem de fazer mais e melhor, para sermos justos, havemos de admitir que somos uma Pátria em paz, com apreciável segurança, sem racismos e xenofobias de tomo, aceitando diferenças religiosas e culturais como poucos, com uma rede de instituições sociais devotada, um poder local incansável e um sistema político flexível, e, nessa medida, mesmo se carecido de reformas, mais sustentável do que muitos outros dos nossos parceiros europeus.
Por isso, temos resistido à nova vaga dita populista que percorre esse mundo fora.
Com quase nove séculos de história, não trocamos o certo pelo incerto.
Não sacrificamos uma democracia, ainda que imperfeita, seduzidos por cantos de sereia de amanhãs ridentes, em que do caos nascerá o paraíso.
E, também graças ao 25 de Abril, temos dentro de nós caminhos suficientemente opostos e, portanto, alternativos, embora todos eles crentes na democracia constitucional, para nos sentirmos dispensados de aventuras sem regresso.
Em suma, temos muito orgulho na nossa história, no nosso patriotismo aberto ao universo, na nossa capacidade para nos reinventarmos em democracia, mantendo-nos fiéis à nossa língua, às nossas raízes, à nossa maneira de ser: plataforma entre culturas, civilizações, continentes e oceanos.
Numa palavra, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nós orgulhamo-nos de Portugal.
Aplausos gerais, tendo o PSD, o PS e o CDS-PP aplaudido de pé.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Srs. Antigos Presidentes da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Embaixadores, Srs. Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Deputados, Digníssimos Convidados, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Quarenta e quatro anos passaram sobre a data primeira da democracia que hoje somos, e por muito repetitivo que a alguns pareça, ou porque resistem ao que mudou ou porque nunca conheceram o que era antes ou porque anseiam para além do que vivem, cumpre assinalar e agradecer.
Assinalar que, sem o 25 de Abril de 1974, teria sido mais longo, mais sofrido e mais complexo o estertor da ditadura e, sobretudo, o compasso de espera pela liberdade e pela democracia.
Agradecer uma, dez, vinte, trinta, quarenta, quarenta e quatro vezes e todas as que se sigam no futuro aos Capitães de Abril, que deram o passo sem o qual a devotada luta de tantas décadas continuaria um sonho adiado.
Aplausos gerais.
Para os Capitães de Abril aqui presentes e para todos quantos já partiram, mas que continuam no nosso pensamento, a certeza de que não esquecemos, não omitimos, não apagamos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não há ainda 20 dias, em La Lys, homenageámos os nossos heróis mortos em combate a poucos meses do termo da Grande Guerra e, em novembro, estaremos novamente no desfile da vitória em Paris, evocando os milhares de portugueses que serviram a Pátria em condições dramáticas na Europa, em África, em terra, no mar e no ar, 100 anos já decorridos, tempo mais do que suficiente para recordarmos o passado e retirarmos ilações para o presente e para o futuro.
Recordarmos o passado, a cruenta divisão da Europa, os intensos e mesmo dramáticos debates nacionais acerca do envolvimento na guerra, o chamado «Governo de União Sagrada», a inesquecível ida do Presidente Bernardino Machado ao Corpo Expedicionário Português na frente de batalha e aos nossos aliados no desafio comum, a muito acidentada preparação e difícil resistência das nossas Forças Armadas, confrontadas com situações chocantemente adversas, o sonhado papel legitimador, interno e externo, da presença militar portuguesa para a República nascente, englobando a defesa das colónias e, sobretudo, o direito a participar no momento da vitória, com as inerentes consequências políticas.
Em simultâneo, e em contraponto, o agravamento da situação económica e social, interna e externa, e a corrosão do sistema político durante os anos de guerra, os apelos autoritários vindos da burguesia possidente e conservadora e de correntes políticas e religiosas em confronto com o poder republicano, mas também, e, sobretudo, após La Lys, setores militares, a Presidência de Sidónio Pais, o 18 de abril de 1925, o caminho pontuado de debilidades políticas, de escândalos económicos e de repressões sociais para a ditadura militar de 1926, depois projetada na Constituição de 1933.
Claro que a História ultrapassa largamente este sumariar de um período de anos de guerra, que se prolongaram por muitos mais, e qualquer paralelo com o que viria a ser Portugal nos anos 60 e 70, ou nos anos 80 e 90, ou neste século XXI é obviamente passível de justos e incisivos reparos.
Ainda assim, seja-me permitido sublinhar alguns traços que poderão suscitar reflexões para outras épocas e nelas o presente e o futuro de Portugal.
Primeira reflexão: a Europa perdeu sempre ao dividir-se e ganhou, por pouco que fosse, ao unir-se ou, pelo menos, ao ensaiar convergências, ao prevenir a guerra e sedimentar a paz, sendo que o percurso para essas convergências, para essa paz foi e é necessariamente exigente, moroso, ainda quanto desafiante, e nunca deva esquecer o mais importante, os europeus, em nome dos quais se constrói a Europa.
Segunda reflexão: as Forças Armadas portuguesas constituem um fator nuclear de identidade nacional, nos tempos de bonança como nos de provação, tão forte que há 100 anos os agravos que sofreram aceleraram o fim da I República, mesmo se tornaram impossível o regresso a um regime monárquico, tão forte hoje que se configura como indissociável da democracia.
Por isso mesmo, a instituição militar, algumas vezes apressada e erroneamente vista por alguns como reminiscência do passado e não como garantia do presente e aposta no futuro, mantém, para não dizer que reganha, centralidade quando se reforça a democracia ou mais amplamente se constrói a unidade nacional.
Afirmá-lo sempre é imperativo, agir em conformidade é-o ainda mais.
Terceira reflexão: a capacidade de renovação do sistema político e de resposta dos sistemas sociais de antecipação de desafios, de prevenção de erros ou omissões, de permanente proximidade dos cidadãos e dos seus problemas é essencial para evitar fenómenos de lassidão, de contestação inorgânica e antissistémica e de ceticismo contra os partidos e os parceiros económicos e sociais, isto sendo certo que numa democracia viva os mais decisivos dos políticos são e devem ser os cidadãos.
Não o minimizemos!
Os vazios que venham a ser deixados pelos protagonistas institucionais alimentarão tentações perigosas de apelos populistas e até de ilusões sebastianistas, messiânicas ou providencialistas.
Ora, mesmo que esses apelos e ilusões acreditem que o poder forte sonhado, seja ele de uma pessoa, de um partido, de um grupo económico, de um parceiro social, de uma instituição pública ou privada, é compatível com a democracia, certo é que a deriva resultante seria sempre não democrática.
A democracia supõe um equilíbrio de poderes, feito de pesos e de contrapesos.
É esse equilíbrio que permite, mesmo nas democracias mais antigas, moderar tropismos para lideranças populistas na forma ou no conteúdo.
No dia em que se rompesse o equilíbrio de poderes, a que a nossa Constituição chama separação e interdependência de poderes, estaríamos a entrar em terreno perigosíssimo, propício ao deslumbramento, ao autoconvencimento, à arrogância, ao atropelo da própria Constituição, das leis e dos direitos das pessoas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Felizmente, 100 anos depois, vivemos já o suficiente, entre a década de 20 do século passado e o começo deste século, para sabermos o que reforça a nossa unidade nacional, nomeadamente o papel estruturante das Forças Armadas, a necessidade de constante renovação do sistema político, a criação sustentada de condições de crescimento e de emprego, a aguda perceção da realidade social e, nela, da pobreza, do seu risco e das desigualdades pessoais e territoriais, o eficiente combate à corrupção nas pessoas e nas instituições, a sistemática prevenção dos messianismos de um ou de alguns alegadamente para salvação dos outros.
Por isso, não confundimos o patriotismo, de que nos orgulhamos, com hipernacionalismos claustrófobos, xenófobos, que nos envergonhariam, nem confundimos o prestígio ou a popularidade mais ou menos conjuntural de um ou mais titulares do poder com endeusamento ou vocação salvífica.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Lembramo-nos bem como, há 100 anos, uma situação política, económica, social e cultural mal resolvida desembocou em décadas que prometiam o que, mais tarde, além de sacrificarem direitos e liberdades inalienáveis, se viu não poderem cumprir: o império colonial eterno, a ditadura monocrática viva para além do seu criador, a certeza de que a alegada felicidade interna dispensaria integrações num continente e num mundo em mudança e, antes disso mesmo, a convicção de que nunca se assistiria à partida daqueles - e foram mais de um milhão - que ousaram buscar fora o que não encontravam cá dentro.
Foi esse modelo injusto, repressivo e impossível, sonhado em 26, 33 e 40 como resistente a tudo e a todos, que soçobrou em 1974, ou, melhor, se esgotou muito antes, mas só viu certificado nessa data, pela mão corajosa dos Capitães de Abril, o seu esvaziamento.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, termino, pois, por onde comecei, pela data histórica que nos reúne hoje aqui: o 25 de Abril de 1974 faz parte da memória pessoal vivida da ainda maioria dos presentes nesta evocação, que por muito que se diga que um dia será olvidada, porque banal ou remota, nunca desaparecerá da memória coletiva.
O breve relance pelo centenário da Grande Guerra só o confirma: celebrar o 25 de Abril em Portugal de 2018 é também aprender a prevenir os trilhos que conduzem a caminhos que todos sabemos indesejáveis, ainda que muito diversos daqueles de há 100 anos.
Diversos, porque os messianismos de hoje - são experiências alheias que o demonstram - se escondem por detrás das aparências democráticas, usam mais eficazes poderes mediáticos, têm contornos mais sedutores, mesmo se continuam a prometer caminhos impossíveis, a alimentar ilusões irrealizáveis, a sacrificar liberdades essenciais, a consagrar monopólios da verdade e a custarem tempo, muito tempo, perdido para o todo coletivo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Não é esse, hoje - nem nunca poderá ser esse no futuro -, o nosso caminho na construção da liberdade, da justiça social e, portanto, da democracia e, mais amplamente, da coesão interna e da projeção externa da nossa Pátria.
Nenhuma cedência de princípio pode ser admitida e nenhum tempo pode ser perdido.
São os portugueses que no-lo exigem!
É Portugal que no-lo impõe!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Srs. Antigos Presidentes da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Sr.as e Srs. Embaixadores, Srs. Capitães de Abril, Excelências, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Dir-se-ia que foi ontem, mas passaram já 45 anos.
Dir-se-ia que foi ontem que os jovens militares de Abril protagonizaram o momento único do fim de um regime e do nascimento de outro, mas passaram já 45 anos.
Quarenta e cinco anos volvidos, que o rito se repita, mas que seja mais do que um rito, que seja memória, que seja gratidão, que seja esperança.
Que testemunhemos aos resistentes de décadas, que testemunhemos aos jovens militares de então o nosso indelével reconhecimento: aos que partiram, aos que permanecem entre nós, aos que nunca esquecerão o que fizeram, aos que, além disso, continuam a sonhar com um futuro melhor para Portugal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Dir-se-ia que foi ontem, mas passaram já 45 anos.
E, há 45 anos, quais eram as expetativas, os anseios, os desafios, as causas dos jovens de Portugal?
Desse Portugal também jovem, apesar do milhão que havia votado com os seus pés, emigrando, recusando a vida sem liberdade, sem mais desenvolvimento, sem maior justiça social.
Lembro bem, lembramos bem o que nos unia, a nós, jovens, dos mais opostos pensamentos, na alvorada da mudança.
Unia-nos: democracia, em vez de ditadura; liberdade, em vez de repressão; desenvolvimento integral e justiça social mais partilhada, em vez de desigualdade económica, discriminação social, taxas confrangedoras de mortalidade infantil, de escolaridade e de infraestruturas básicas; e paz em África, em vez de empenhamento militar sem solução política.
Isto nos unia.
Muito do mais nos dividia: os contornos concretos do regime político; o sistema de Governo; a visão sobre a Europa e o mundo; o papel do Estado, pessoas e organizações; o caminho, o fim, o ritmo da Revolução; o alcance da Constituição e como ela se deveria conjugar com a Revolução, prolongando-a, moderando-a ou conformando-a.
Como sempre acontece com as revoluções, cada qual cadinho de muitas, muito diversas, uns veriam os seus desígnios triunfar no instante inicial, alguns em vários trechos do percurso, outros na primeira versão da Lei Fundamental, outros ainda no somatório das revisões que a foram moldando a novos tempos e a novos modos.
Em rigor, dos jovens de 74 nenhum pode dizer ter visto vencer tudo o que queria para o seu e o nosso futuro, mas, olhando ao caminho trilhado, justo é convir que todos acabaram por ver atingido muito do essencial do seu denominador comum.
Portugal passou de ditadura para democracia, alargou-se a novos universos, tempos e modos, superou indicadores de educação, de saúde, de habitação, de infraestruturas básicas, de segurança social, que condenavam à insuficiente progressão educativa, à elevada mortalidade à nascença, a condições de vida e de proteção sem horizonte.
Construiu tudo isto com uma descolonização tardia, em plena Revolução, e que, por isso mesmo, desenraizaria tantos regressados e deixaria no terreno tantos anos de combates armados, mas sabendo preparar a formação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, pelo meio, começando a viver o repto da integração europeia.
Ninguém ousará dizer que, nessas décadas, os jovens de 74 e, com eles, os mais antigos e os mais recentes não viveram uma aventura agitada, exigente, não linear, cheia de altos e baixos.
A Revolução: dois anos.
O arranque da democracia, primeiro com o Movimento das Forças Armadas, mais seis anos, depois, de base exclusivamente eleitoral, a partir de 1982.
A adesão às comunidades europeias: processo de oito anos.
O lançamento da CPLP: mais 11 anos.
No entretanto, a aproximação do nosso regime económico aos europeus durante quase 20 anos, inúmeros dos quais após a própria adesão.
Para muitas portuguesas e muitos portugueses, a descoberta da própria liberdade chegaria com a da democracia e uma e outra com a conversão de um império colonial de cinco séculos em membro de comunidades, que não sendo inéditas nas raízes o eram nos seus contornos políticos, económicos e sociais.
Claro que, no essencial, continuamos a ser o que sempre fomos - e bem!
-, por corresponder à nossa vocação cimeira: plataforma entre culturas, civilizações, oceanos e continentes.
Claro que, por vezes, assumimos essa viragem histórica singular, que é o encerrar de um ciclo de cinco séculos, como se de uma suave, natural e pacífica transição, sem dor, se tratasse.
Somos inexcedíveis nesse fazer de conta de que mesmo o mais difícil é fácil e de que o mais profundamente diverso não passa de um subtil acidente de percurso.
Hoje, 45 anos depois, manda a verdade, porém, que digamos: nós, os jovens de 74, que continuamos a preferir a democracia, mesmo a mais imperfeita, à ditadura, mesmo a mais incensada, que preferimos o reformismo, mesmo o mais arrojado, à rutura demagógica feita de basismos ilusórios, de messianismos de messias impossíveis, de sebastianismos de passados que não voltam, que queremos mais, muito mais, da nossa democracia social e cultural, que queremos melhor, muito melhor, da nossa democracia política e económica,?
Aplausos da Deputada do PSD Regina Bastos.
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não estamos dispostos a esquecer o que fizemos para ultrapassar barreiras, exclusões e discriminações de há quase meio século.
Esperamos mais, muito mais, da Europa e da comunidade dos países falantes em português, mas não cedemos a tentações ou marginalizações serôdias nem a xenofobias ou a traumas pós-coloniais, sejam quais forem os pretextos ou as seduções do momento.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Não vemos estes 45 anos como obra perfeita, completa, acabada, que nos deixe deslumbrados, autocontemplativos, realizados.
Longe disso, desejamos muito mais e muito melhor, mas reconhecemos que valeu a pena o passo fundador.
Valeu a pena o 25 de Abril!
Valeu a pena mesmo aquilo que, ao longo das décadas, custou a tantos, de destinos sacrificados ou de metas ainda não realizadas.
Valeu a pena.
Quem o diz é um dos milhares de jovens desse início dos anos 70, então conhecedor das vicissitudes do estertor da ditadura, agora Presidente da República, em democracia, pelo voto dos portugueses.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
E hoje?
O que pensam, o que sentem, o que querem os jovens de 2019?
É que os regimes, em particular as democracias, não se quedam na visão dos passados, têm de saber responder aos desafios dos presentes e dos futuros.
Para esses jovens basta acenar com o existente em pós-descolonização, desenvolvimento e democracia, ou os seus sonhos e as suas necessidades são muitíssimo mais fundos e vastos?
Pós-descolonização?
Sim.
Visão universal?
Sim, querem-na, se significar um mundo mais aberto, mais dialogante, mais multilateral, mais inclusivo, mais contrário a clivagens que separem, que humilhem, que desumanizem.
Mas querem-no em atos, em gestos diários, em vivências quotidianas.
Cá, lá, por todo o universo!
Sabem que os tempos de medo explicam os fechamentos, a recusa do outro, do diferente, do estranho, mas nasceram e querem realizar-se numa universalização humana e humanizadora, da diferença, não sob o protecionismo da identidade forçada nos muros impostos.
E não se conte com eles para passadas ou futuras clausuras, fronteiras-prisões, interditos de circular e de fazer circular pessoas, ideias e projetos de vida.
Democracia, sim!
Não querem voltar a ditaduras, mas cultivam tantas vezes uma participação diversa, amiúde inorgânica, sempre mais digital e queixam-se da dificuldade de os sistemas tradicionais saberem lidar com essas novas formas de agir, interagir, intervir, influenciar, aspirar a decidir.
Essa sua inquietude torna-se apelo atrativo para ideias, movimentos, exigências, acelerações, disfunções, que a democracia, nos seus contornos mais clássicos, de outro ritmo e de outra configuração, tem de compreender e de saber conjugar, sob pena de se condenar a meras formas com cada vez menos conteúdo.
E não se conte com eles para passadas ou futuras sobrancerias, orgânicas obsoletas ou ineficazes, clientelismos, adiamentos crónicos face a problemas sociais.
Desenvolvimento para mais e maior justiça social, sim!
Mas esses objetivos gerais e abstratos valem menos neste final da segunda década do século XXI, valem mesmo muito pouco, se não forem acompanhados de escolhas, de passos, de marcos muito concretos e visíveis, e mais rápidos, na educação, na saúde e na solidariedade social.
E não se conte com eles para passadas ou futuras indiferenças ou resignações comunitárias.
Os jovens de 2019 querem, além de tudo isso, respostas inequívocas para algumas perguntas urgentes.
Quando e como voltará Portugal a querer ser uma sociedade a rejuvenescer, pelos que nascem e pelos que recebe de fora - digo bem, pelos que recebe de fora!
-, e não a envelhecer a passo estugado, permitindo finalmente a todos, os jovens, no seu dinamismo social, e os menos jovens, na sua luta contra a guetização, uma esperança coletiva renovada?!
Quando e como esbateremos mesmo as desigualdades que ainda persistem, que continuam a minar a nossa coesão, entre pessoas, grupos e territórios - sublinho territórios -, que atrasam o desenvolvimento, esvaziam as descentralizações, juntam novos pobres aos velhos pobres?!
Quando e como anteciparemos o que aí vem, nesta era de revolução digital, no emprego e no trabalho, perante mutações científicas e tecnológicas que vão, em 5 a 10 anos, mudar os sistemas produtivos, dispensar pessoas ou rearrumá-las nas suas atividades e perspetivas do amanhã?!
Quando e como conseguiremos explicar aos menos jovens, e são muitos, numa sociedade a envelhecer, que há mesmo alterações climáticas, que há mesmo deveres intergeracionais, que as pugnas pela chamada sustentabilidade do desenvolvimento não são bizantinices de meia dúzia de iluminados ou de agitadores, uma moda dos mais jovens, uma mera manobra conspirativa vinda de fora para beneficiar das indecisões ocidentais ou europeias?!
A maioria destas causas não existia ou não era decisiva para os jovens de 74.
Portugal era, ele mesmo, jovem.
As desigualdades eram, de facto, mais chocantes, mas acreditava-se que o crescimento económico, por si só, as iria resolvendo ou atenuando irreversivelmente.
O digital era uma revolução inexistente.
O futuro do trabalho e a atenção ambiental constituíam preocupações de minorias muito minoritárias.
O desafio dos jovens de 25 de Abril de 1974 era muito nacional e muito concentrado em três objetivos cimeiros: a paz em África e, por isso, a descolonização, a democracia e o desenvolvimento, vistos a prazo mais curto.
O desafio dos jovens de 25 de Abril de 2019 é muito mais global, muito mais complexo, muito mais exigente, na diversidade dos fatores de que depende e do prazo alargado que envolve.
Mais ambição no Portugal pós-colonial.
Mais ambição na democracia.
Mais ambição na demografia.
Mais ambição na coesão.
Mais ambição na era digital e na antecipação do futuro do emprego e do trabalho.
Mais ambição na luta por um mundo sustentável.
Tudo, com a economia a crescer, a dependência pelo endividamento a diminuir, sensatez financeira a salvaguardar, acrescida justiça no repartir.
Tudo, sem excluir ninguém!
Nem os menos jovens, como somos hoje os jovens de 74, nem os mais jovens, ou seja, os jovens de hoje.
Parece um programa impossível?
Talvez.
Mas a história faz-se sempre de programas, de ideais, de sonhos impossíveis.
E a História de Portugal é a história de uma pátria que nasceu impossível.
Uma impossibilidade com quase 900 anos!
Por que razão haveriam de ser as gerações de hoje as primeiras a renunciar a construir o impossível?!
Por que razão haveríamos de ser nós - precisamente nós!
- a não acreditar em Portugal?!
Que para sempre vivam os caminhos de liberdade, democracia e dignidade das portuguesas e dos portugueses que Abril desbravou!
Que para sempre viva Portugal!
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP, de pé, e do PAN.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo, Sr. Presidente António Ramalho Eanes, Srs. Ministros, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Digníssimos Convidados, Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses:
Deliberou a Assembleia da República manter, neste tempo de sacrifício de todos os portugueses, a cerimónia oficial de evocação do 25 de Abril e mantê-la aqui, nesta Casa, nos termos em que a tem realizado, embora com um número muito reduzido de Deputados e convidados.
Fê-lo também tendo presente o nunca ter interrompido as sessões plenárias durante o estado emergência, o constituir a presente fórmula, a que mais facilmente daria voz à multiplicidade acrescida de formações partidárias, e o preencher o número de presentes com as condições há dias definidas pelas autoridades sanitárias.
Compreendem os portugueses que o Presidente da República respeite a competência própria da Assembleia da República sobre a evocação, o local, o formato e a composição dos participantes, tal como, por princípio, sempre respeitaram os seus antecessores quando a Assembleia se encontrava em funções, isto é, fora de períodos eleitorais.
Compreendem ainda os portugueses que o Presidente da República, símbolo da unidade nacional, em caso algum, concebesse sequer um desencontro com a Casa da Democracia, que traduz a diversidade nessa unidade, num momento da vida do País que exige convergência perante desafios tão graves como os da vida, da saúde e ainda o da vida digna no emprego, nos salários, nos rendimentos, nas famílias, nas empresas.
Esta hora impõe-nos unidade, unidade que não é nem unicidade, nem unanimismo, mas unidade entre os portugueses que o têm lembrado no seu dia a dia e unidade entre os responsáveis políticos, uma convergência que tem sido decisiva para Portugal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses:
O Presidente da República é, porém, obviamente sensível às dúvidas de alguns portugueses, surgidas nas últimas semanas, acerca da sessão que hoje aqui nos reúne.
Entende mesmo que é fundamental, para continuarmos todos juntos, porque o caminho a fazer ainda é longo, difícil e imprevisível, dizer o que pensa de cada uma dessas interrogações críticas.
Não é este um tempo excecional e, em tempos excecionais, não devem dispensar-se evocações costumeiras e, para muitos, ritualistas?
Não!
É precisamente em tempos excecionais que se impõe evocar o que constitui mais do que um costume ou um ritual, o que é manifestamente essencial.
O 10 de Junho é essencial e vai ser evocado.
O 1º. de Dezembro é essencial e vai ser evocado.
O 5 de Outubro é essencial e vai ser evocado.
O 25 de Abril é essencial e tinha de ser evocado.
Em tempos excecionais, de dor, de sofrimento, de luto, de separação, de confinamento, é que mais importa evocar a Pátria, a independência, a República, a liberdade e a democracia.
Mas, sendo este um tempo em que vários de nós não vemos filhos ou netos, nem visitamos doentes ou lares há mais de um mês e em que só podemos, alguns de nós em grupo de risco, sair das nossas casas em termos muito mais limitados, não é um tempo que rejeite o que nesta evocação traz consigo um espírito de festa de políticos?
Não!
A presente evocação não é uma festa de políticos alheia ao clima de privação vivido na sociedade portuguesa.
Evocar o 25 de Abril é falar deste tempo, não é ignorá-lo.
É falar dos seus desafios presentes e futuros, do que fazemos e do que falta fazer, do que acertamos e do que erramos.
É ainda ir às raízes buscar forças adicionais, encontrar mais razões para mobilizar, para enfrentar cansaços, desânimos e frustrações.
E os que aqui estamos, vale a pena lembrá-lo, na diversidade de opiniões, não viemos de outro país, de outro mundo, de outra galáxia, fomos a livre escolha dos portugueses.
O que nos reúne hoje são os seus dramas, os seus anseios, as suas angústias, pelas quais somos assumidamente responsáveis.
Mas, mesmo aceitando que o espírito da sessão é esse, num tempo de confinamento de tantos portugueses, como foi na Páscoa e é agora no Ramadão, não estamos perante um mau exemplo em estado de emergência, no plano dos princípios, como no do acatamento das diretivas sanitárias?
Não!
O estado de emergência implica um reforço extraordinário dos poderes do Governo e, porque vivemos em liberdade e democracia, e é com elas que queremos vencer estas crises, quanto maiores são os poderes do Governo, maiores devem ser os poderes da Assembleia da República para o controlar.
Por isso, a Assembleia da República nunca parou de funcionar: discutiu e votou o mais importante em sessões plenárias.
Ao fazê-lo, trabalhou e trabalha para cumprir a sua missão nacional.
E tem-no feito, e fá-lo hoje também, respeitando as diretivas sanitárias, como, obviamente, se impõe.
Esta Sessão é o exemplo disso mesmo.
É um bom e não um mau exemplo.
Aqui se ouviram vozes discordantes que falaram de Abril de 2020, de sucessos e também de fracassos, passados e presentes, e de sonhos e temores futuros, numa situação crítica da vida nacional.
O que seria verdadeiramente incompreensível e civicamente vergonhoso era haver todo um País a viver este tempo de sacrifício e de entrega e a Assembleia da República demitir-se de exercer todos seus poderes numa situação em que eles eram, e são, mais do que nunca, imprescindíveis.
Aplausos do PS, do PSD, do BE, do PCP e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
E também nesta Sessão que sempre foi, e será, um momento crucial de controlo crítico e plural em liberdade e democracia.
Porque são esses os valores de Abril.
Evocar Abril não é apenas, nem sobretudo, saudar de modo especial o Presidente António Ramalho Eanes, aquele, dos seus militares, que foi o primeiro Presidente da República democraticamente eleito em Portugal, símbolo, também ele, do espírito de unidade deste nosso encontro cívico.
Aplausos do PS, do PSD e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
Evocar Abril não é apenas, nem sobretudo, agradecer ao representante dos Capitães de Abril, aqui presente, o seu gesto insubmisso e o dos seus pares.
Aplausos do PS, do PSD e do BE.
Evocar Abril não é apenas, nem sobretudo, recordar a Constituição que dois de nós, aqui presentes, votámos, em bancadas muito diferentes, há algumas décadas.
Evocar Abril não é apenas, nem sobretudo, recordar, neste primeiro ano em que já não estão todos eles connosco, os quatro principais fundadores partidários do constitucionalismo pós-Abril, e que sucessivamente nos deixaram:
Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Mário Soares e, no ano passado, Diogo Freitas do Amaral.
Aplausos do PS e do PSD.
Evocar Abril é, nesta circunstância, combater a crise na saúde, que ainda atravessamos e vamos atravessar, e, por causa dela, a crise económica e social que começamos a viver e viveremos durante anos.
Evocar Abril é chorar os mortos, que hão de merecer, no fim desta provação, uma homenagem coletiva daqueles que não puderam prestar a sua homenagem pessoal.
Evocar Abril é testar os que há a testar.
É isolar os que há a isolar.
É internar os que há a internar.
É ventilar os que há a ventilar, pacientes do vírus e de outras doenças.
É proteger os que há a proteger, incluindo os que vivem em lares ou instituições similares.
É conjugar aberturas amadurecidas com precauções bem explicadas e bem compreendidas que há a conjugar.
É acorrer aos desempregados, aos que estão em risco de o ser, às famílias aflitas, às empresas estranguladas.
É lembrar os compatriotas que sofrem a pandemia por esse mundo fora.
É exigir ainda mais uma Europa lúcida, solidária, empenhada e rápida a agir.
É ultrapassar egoísmos, unilateralismos, visões fechadas do mundo e da vida que há a ultrapassar.
É não imolar quem ficou para trás no altar do progresso, como lembrava o Papa Francisco, ou seja, não excluir ainda mais os mais excluídos.
Evocar Abril é testemunhar gratidão sem fim aos que salvaram, salvam e salvarão vidas e, por isso, deverão ser permanentemente acarinhados, agora e sempre, e os que ajudaram a salvar e a manter o básico na nossa sociedade - civis, Forças Armadas e forças de segurança.
Evocar Abril é reconhecer improvisos, impreparações, atrasos, mas também competências, devoções, determinações, trabalho e mais trabalho, contenção e mais contenção, que pareciam e parecem intermináveis.
Evocar Abril é retirar a seu tempo as lições do que foi e é esta vivência única, as fragilidades, as desigualdades, as clivagens no nosso tecido social, as debilidades, as carências, as descoordenações, a rigidez, a lentidão em demasiadas das nossas instituições, mas também os exemplos de criatividade, de versatilidade digital, de excelência na pesquisa biomédica, de inspirado e inspirador desarincanço, de generoso voluntariado, de ilimitada solidariedade, de permanente maturidade cívica, de inimaginável resistência, de incondicional disponibilidade para abraçar causas nacionais determinantes.
Evocar Abril é viver tudo isto em liberdade e democracia, com uma comunicação social insubstituível, como é sempre em democracia, sem censura, e redes sociais sem controlos, com estado de emergência preventivo e não repressivo, adotado sem um voto contra nesta Casa, com confinamentos assumidos e não arregimentados, combatendo o vírus e não o escondendo.
Se isto não é razão para percebermos a diferença entre liberdade que assume e repressão que apaga e entre democracia que revela e ditadura que silencia, então nunca perceberemos que a nossa determinação nos combates que estamos a travar e vamos vencer vem da nossa História de quase 900 anos, mas também de termos criado e preservado um Portugal livre e democrático.
Aplausos do PS e do PSD.
Perante os problemas que defrontamos e os que vamos defrontar, em liberdade e democracia, temos de continuar a resistir ao desgaste, à fadiga, à lassidão.
Temos de manter a máxima convergência possível, temos de não ceder ao simplismo de separar velhos e novos, metropolitanos, urbanos e rurais, regiões autónomas, sem embargo da sua autonomia específica, Porto, Norte, Centro, Alentejo, Algarve e Lisboa.
E também não podemos cair na tentação fácil de discriminar ideias, correntes de opinião ou pessoas, como se o 25 de Abril fosse só de uma parte de Portugal.
Nenhum de nós portugueses, a começar nos que mais podem e, por isso, mais devem ser responsabilizados, se estivesse nas suas mãos, teria querido viver estas crises.
Nenhum!
Mas, agora que elas aí estão nas nossas vidas, temos de as vencer.
Deixar de evocar o 25 de Abril no tempo em que ele, porventura, mais está a ser posto à prova nos últimos 46 anos seria um absurdo cívico e não o fazer nesta Casa da Democracia, com a presença de todos os principais poderes do Estado e para além deles, seria um mau sinal, um péssimo sinal de falta de unidade no essencial e de compromisso de, juntos na nossa diferença, continuarmos uma missão que não está acabada, como unidos e juntos têm estado os portugueses.
Seria ainda sobrepor o passageiro, o transitório, o efémero ao duradouro, ao permanente, ao essencial, em vez de olhar longe e fundo, como nos momentos cruciais os portugueses sempre fizeram.
Fizemo-lo na improvável independência, na impossível expansão marítima, na inesgotável presença universal, na intemerata semente de liberdade que há 200 anos foi lançada na Revolução do Porto, no inadiável gesto de Abril de 1974.
Olhar longe e fundo, eis por que razão o Presidente da República nunca hesitou um segundo sequer em aqui vir e aqui estar nesta evocação de Abril.
Aplausos do PS, do PSD, do Deputado do BE José Manuel Pureza e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
Não se troca um momento único para evocar o Abril de 1974, falando dos sacrifícios de abril de 2020, pela satisfação momentânea de pulsões passageiras, transitórias, efémeras, insistentes que pareçam ser.
O efémero é efémero.
Se Abril tivesse atendido ao efémero, a nossa liberdade e democracia teriam tardado, e muito, e não seriam o que são.
Se Portugal tivesse, logo no início da sua História, atendido ao efémero, não teria sequer sido Portugal.
E agora, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses, vamos ao essencial.
Vamos vencer as crises que temos de vencer!
Aplausos, de pé, do PS, do PSD, do CDS-PP e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ª e Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas, Sr. Presidente António Ramalho Eanes, Srs. Membros do Governo, Digníssimos Convidados, Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses:
Passaram, há um mês, 60 anos sobre o início de um tempo que haveria de anteceder e determinar a data de hoje, aquela que aqui evocamos, 25 de Abril de 1974.
Foi um tempo feito de vários tempos e modos que, para sempre, marcou a vida de mais de um milhão de jovens saídos das suas terras para atravessarem mares e viverem e morrerem noutro continente ou dele regressarem, alguns com traços indeléveis na sua saúde.
Foi um tempo que, para sempre, marcou a vida das suas famílias, dos seus lugares, das suas aldeias, das suas vilas e mesmo das suas cidades, no fundo, de todo um Portugal, durante 13 anos, ou um pouco mais.
Foi um tempo que, para sempre, marcou a vida daqueles que, por opção de princípio, recusaram aquela partida e rumaram a outros destinos, continuando ou iniciando uma luta contra o que estava e queria permanecer.
Foi um tempo que, para sempre, marcou a vida dos que, já lá vivendo, idos eles ou os seus antepassados de terras daquém mar, de lá vieram, no termo desses longos anos, ou lá ficaram e estão para ficar.
Foi um tempo que, para sempre, marcou a vida dos que viveram e morreram do outro lado da trincheira, para conquistarem o que alcançaram definitivamente, depois do 25 de Abril de 1974.
Foi um tempo que, para sempre, marcou a vida de famílias, de lugares, de aldeias, de vilas e mesmo de cidades, de pátrias afirmadas como Estados independentes, após 13 anos, ou um pouco mais, de um tempo ainda tão vizinho de nós e, todavia, já tão longínquo para tantas gerações.
Este, que não foi um tempo desprendido de outros tempos, foi o que foi, porque as décadas que o precederam, o século que o precedeu, os cinco séculos que o precederam criaram ou prolongaram contextos que o haveriam de definir e condicionar.
E, por isso, é tão difícil, dir-se-ia até impossível, explicar, qualquer que seja a visão de cada qual, esses 13 anos, ou um pouco mais, sem falar do Portugal dos anos 20 aos anos 70, do Portugal do final do século XIX aos anos 20, do Portugal dos vários pequenos ciclos de que se fizeram o império colonial e as relações coloniais nele vividas.
Por isso, é tão difícil olhar com os olhos de hoje e tentar olhar com os olhos do passado que, as mais das vezes, não nos é fácil entender, sabendo que outros, ainda, nos olharão, no futuro, de forma diversa dos nossos olhos de hoje.
Acreditando muitos, nos quais me incluo, que há, no olhar de hoje, uma densidade personalista, isto é, de respeito pela dignidade da pessoa humana e dos seus direitos, na condenação da escravatura e do esclavagismo, na recusa do racismo e das demais xenofobias, que se foi apurando e enriquecendo, representando um avanço cultural e civilizacional irreversível.
Acreditando muitos, nos quais também me incluo, que o olhar de hoje não era, as mais das vezes, o olhar desses outros tempos, o que obriga a uma missão ingrata, a de julgar o passado com os olhos de hoje, sem exigir, em algumas situações, aos que viveram esse passado, que pudessem antecipar valores, ou o seu entendimento, para nós, agora, tidos por evidentes, intemporais e universais, sobretudo se não adotados nas sociedades mais avançadas de então.
Se esta faina é ingrata para séculos remotos, que não se pense que é desprovida de dificuldades para tempos bem mais recentes.
Continua a ser complexo entendermos tanto os olhares no fim do século XIX, quando os impérios esquartejaram, a régua e esquadro, o continente africano, ou como os do começo do século XX, quando o império monárquico passou a império republicano.
Mais óbvio é, pelo contrário, o juízo sobre o passado ainda mais recente, quando outros impérios terminaram e o império português retardou, por décadas, o processo descolonizador, recusando-se a ouvir conselhos da História e apenas extinguindo o indigenato nos anos 60, ou seja, uma dúzia de anos antes de 1974.
Este revisitar da História aconselha algumas precauções.
A primeira é a de não levarmos as consequências do olhar de hoje sobre os olhares de há oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois séculos, ao ponto de passarmos de um culto acrítico triunfalista, exclusivamente glorioso, da nossa história para uma demolição global e igualmente acrítica de toda ela, mesmo a que, a vários títulos, é sublinhada noutras latitudes e longitudes.
Monarcas absolutos e, portanto, ditatoriais aos olhos de hoje - e foram a maioria - seriam globalmente condenados, independentemente do seu papel na fundação, na unificação territorial, na Restauração, na diplomacia europeia intercontinental.
Ou, então, monarcas e governantes do Liberalismo - que os houve -, prospetivos na história que fizeram e refizeram no século XIX, às vezes com a singularidade improvável de um príncipe regente no Brasil, filho primogénito do nosso rei, que declarou a independência dessa potência do presente e do futuro, sendo o seu primeiro imperador, tendo vindo lutar pela liberdade e a morrer em Portugal, no mesmo quarto onde nascera, 35 anos, duas coroas e uma independência antes.
Ou mesmo personalidades do Liberalismo republicano importantes, no centro ou na periferia do império, como Norton de Matos.
A segunda precaução é a de aprendermos a olhar, em particular quanto ao passado mais imediato, com os olhos que não são os nossos, os do antigo colonizador, mas com os olhos dos antigos colonizados, tentando descobrir e compreender, tanto quanto nos seja possível, como eles nos foram vendo e julgando e sofrendo, nomeadamente onde e quando as relações se tornaram mais intensas e duradouras e delas pôde haver o correspondente e impressivo testemunho.
A terceira precaução é a mais sensível de todas, por respeitar a tempos muito, muito presentes nas nossas vidas e àqueles de nós, portugueses, que têm menos de 50 anos e não conheceram o império colonial, nem nas lonjuras, nem na vivência aqui, no centro.
O seu juízo é, naturalmente, menos emocional, menos apaixonado.
Admito que assim não seja, porém, em muitos jovens das sociedades que alcançaram a independência contra o império português e viveram, depois, décadas conturbadas pelos reflexos de vária natureza da anterior situação colonial.
Já para os portugueses com mais de 50 ou de 55 anos, o facto de revisitarem a infância ou a juventude é mais desafiante, é uma mistura de recordações, de novos mundos descobertos, de desenraizamentos ou novos enraizamentos, de primeira desertificação do interior do continente, de migrações e de muitas mais imigrações, de transformações pessoais, familiares, comunitárias, de mortes choradas, de sinais na saúde e na vida, de traumas dos mais diversos e, em momentos diferentes, por aquilo que sonharam e se desfez, pelo que sofreram e ficou, pelo que esperaram e aguentaram e pelo que sentem nunca ter tido reconhecimento bastante.
Para todos eles e muitos mais, o juízo é tão complexo como complexa foi a mudança histórica que, neste dia, evocamos, na sua abertura para a descolonização, para o desenvolvimento, para a liberdade, para a democracia.
Desenvolvimento, liberdade e democracia, sabemo-lo todos, sempre foram imperfeitos e, por isso, não plenos, pois nunca foram resolvidas a pobreza estrutural de dois milhões de portugueses, as desigualdades pessoais e territoriais e as desinstitucionalizações que aqui referi, em 2016 e 2018, e que a pandemia veio revelar e acentuar.
Mas foi complexa essa mudança histórica em 1974, fruto da resistência de muitas e muitos, durante meio século, com os seus seguidores políticos sentados neste Hemiciclo.
Ela ganhou o seu tempo e o seu modo decisivos no gesto essencial dos Capitães de Abril, aqui qualificadamente representados pela Associação 25 de Abril, que saúdo, reconhecido, em nome de todos os portugueses.
Aplausos do PS e do PSD.
Esses Capitães de Abril não vieram de outras galáxias, nem de outras nações, nem surgiram num ápice, naquela madrugada, para fazerem história.
Eles transportavam consigo já a sua história, as suas comissões em África - uma, duas, três, alguns quatro -, anos seguidos nas nossas Forças Armadas, tendo de optar, todos os dias, entre cumprir ou questionar, entre acreditar num futuro querido e que outros definiam ou não acreditar, entre aceitar ou, a partir de certo instante, romper.
Tudo em situações em que a linha que separa o viver do morrer é muito ténue, apesar dos princípios, das regras, dos ditames escritos por políticos e juristas em gabinetes, que não são os cenários em que a coragem se soma à sobrevivência e à solidariedade na camaradagem.
Pois foram estes homens, eles mesmos, não outros, os heróis naquela madrugada do 25 de Abril!
Tal como haviam sido eles, também foram muitos, muitos mais os combatentes, ano após ano, nas longínquas fronteiras do império.
Como foram eles quem acabou por aceitar, para símbolos públicos e face visível da mudança, oficiais mais antigos encimados pelos que haveriam de ser os dois primeiros Presidentes da República na transição para a democracia.
Estes não eram, não tinham sido militares de alcatifa, tinham sido, sim, grandes chefes militares no terreno e, nele, responsáveis por anos de combate, de coordenação com serviços de informação e de atuação antiguerrilha, de proximidade das populações.
Foi assim aquele dia 25 de Abril, antes de suscitar o processo popular revolucionário que o seguiu e apoiou, antes de ser, hoje, património nacional em que o seu único soberano é o povo português.
Foi, no seu eclodir, resultado de décadas de resistência e, depois, crucialmente, grito de revolta de militares que tinham dado anos das suas vidas à Pátria, no campo de luta, e que sentiam estar a combater sem futuro político visível ou viável, presididos eles, e todos nós, por dois chefes militares, um após outro, que tinham conhecido, intensa e prolongadamente, a guerra de guerrilha em missões militares e cargos político-militares dos mais relevantes.
Eis por que razão é tão justo galardoar os Militares de Abril, tendo merecido já uma homenagem muito especial aquele, de entre eles, que, depois de ter estado no terreno, veio a ser peça-chave na mudança de regime e primeiro Presidente da República eleito da democracia portuguesa, que sempre recusou o marechalato que merecia e merece: o Presidente António Ramalho Eanes.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP, do PEV, do CH e do IL.
Eis também porque é tão difícil o juízo sobre uma história tão recente, salvo naquilo que é de mais óbvio consenso: o consenso naquilo em que o império não entendeu, isto é, o tempo que o condenara.
A ditadura não podia entender o tempo que a tinha condenado de forma irrefragável e, ainda mais evidente, a partir de 1958 e da saga de Humberto Delgado.
A relação colonial não conseguira entender a raiz da inevitabilidade da sua inconsequência.
Estas reflexões são atuais porque nada como o 25 de Abril para repensar o nosso passado, quando o nosso presente ainda é tão duro e o nosso futuro é tão urgente.
E, ainda, porque, a cada passo, pode ressurgir a tentação de converter esse repensar do passado em argumento de mera movimentação tática ou estratégica.
Num tempo que ainda é e será de crise na vida e na saúde e de crise económica e social, encaremos com lúcida serenidade o que pode agitar o confronto político conjuntural, mas que não corresponde ao que é prioritário para os portugueses e que, além de não ser prioritário, nestes dias de crises, é duvidoso que o seja alguma vez.
É prioritário estudar o passado e nele dissecar tudo: o que houve de bom e o que houve de mau.
É prioritário assumir tudo, todo esse passado, sem autojustificações ou autocontemplações globais indevidas, nem autoflagelações globais excessivas.
E, no caso do passado mais recente, assumir a justiça, largamente por fazer, aos mais de um milhão de portugueses que serviram pelas armas o que entendiam, ou lhes faziam entender, constituir o interesse nacional.
Aplausos do PSD.
E, também, aos outros milhões que, cá ou lá, viveram a mesma odisseia; aos milhões que, lá e cá, a viveram, do outro lado da história, combatendo o império colonial português, batendo-se pelas suas causas nacionais, ou a viveram do mesmo lado, mas que ficaram esquecidos, abandonados por quem regressou e condenados por quem nunca lhes perdoou o terem alinhado com o oponente.
E ainda aos muitos - e eram quase um milhão - que chegaram rigorosamente sem nada, depois de terem projetado uma vida que era ou se tornou impossível; aos muitos - e eram milhões - que sofreram, nas suas novas pátrias, conflitos internos herdados da colonização ou dos termos da descolonização.
Até por respeito para com todas estas e todos estes, que se faça história e história da História, que se retirem lições de uma e de outra sem temores nem complexos, com a natural diversidade de juízos, própria da democracia.
Mas que se não transforme o que liberta, e toda a revisitação o mais serena possível liberta ou deve libertar, em mera prisão de sentimentos, úteis para campanhas de certos instantes, mas não úteis para a compreensão do passado, a pensar no presente e no futuro.
O 25 de Abril foi feito para libertar, sem esquecer nem esconder, mas para libertar.
Os que o fizeram souberam superar muitas das suas divisões, durante a Revolução e depois dela, a pensar na unidade essencial da mesma Pátria.
Tomando os termos simplificadores desses tempos, sensibilidades diferentes no Movimento das Forças Armadas, que se chocaram então, não deixaram de entender, depois, que a unidade essencial de uma rutura, depois feita Revolução, ela própria composta de várias revoluções, tudo o mais sobrepuja.
Nações-irmãs na língua têm sabido encontrar-se connosco e nós com elas e têm sabido julgar um percurso comum, olhando para o futuro, ultrapassando séculos de dominação política, económica, social, cultural e humana.
Que os anos que faltam até ao meio século do 25 de Abril sirvam a todos nós para trilharmos um tal caminho, como a maioria dos portugueses o tem feito nas décadas volvidas, fazendo de cada dia um passo mais no assumir as glórias que nos honram e os fracassos pelos quais nos responsabilizamos e, bem assim, no construir, hoje, coesões e inclusões e no combater, hoje, intolerâncias pessoais ou sociais.
Quem vos apela a isso mesmo é o filho de um governante na ditadura e no império e que viveu, na que apelida de sua segunda Pátria, o ocaso tardio e inexorável desse império e que, depois, como Constituinte, viveu o arranque do novo tempo democrático.
Um português de charneira, como milhões de portugueses, entre duas histórias da mesma História, que, nem por exercer a função que exerce, olvida ou apaga a história que testemunhou, tal como, nem por ter testemunhado essa história, deixou de ser eleito e reeleito pelos portugueses, em democracia - a democracia que ajudou a consagrar na Constituição que, há 45 anos, nos rege.
Que o 25 de Abril viva sempre, como gesto libertador e refundador da história.
Que saibamos fazer dessa nossa história uma lição de presente e de futuro, sem álibis nem omissões, mas sem apoucamentos injustificados, querendo muito mais e muito melhor.
Não há, nunca houve um Portugal perfeito; como não há, nunca houve um Portugal condenado.
Houve, há e haverá sempre um só Portugal, um Portugal que amamos e do qual nos orgulhamos, além dos seus claros e escuros, também porque é nosso.
Nós somos esse Portugal.
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP (de pé), do BE e do IL, tendo-se levantado o PCP, o PEV e a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ª e Srs. Presidentes dos Tribunais Supremos, Sr. Presidente António Ramalho Eanes, Srs. Presidentes João Bosco Mota Amaral e Eduardo Ferro Rodrigues, Sr. Núncio Apostólico, em representação do Corpo Diplomático, Srs. Membros do Governo, Digníssimos Convidados, em particular representantes e Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses:
Saúdo com elevada consideração pessoal e solidariedade institucional V. Ex.ª, Sr. Presidente, e, na pessoa de V. Ex.ª, as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados, na primeira vez em que uso da palavra perante a Assembleia da República depois da eleição de janeiro último.
Formulo calorosos votos dos maiores sucessos, a bem de Portugal, que o mesmo é dizer de todos os portugueses.
E permitam-me que aqui evoque, também, com muita saudade, quem nos acompanhou 25 de Abril após 25 de Abril com a constante militância cívica que pautou a sua vida por Portugal, o Presidente Jorge Sampaio.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP, do BE, do PAN e do L.
Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses:
Há um ano falei-vos do Portugal na sua caminhada do império até ao 25 de Abril, à descolonização e à democracia.
E nunca é demais evocar e agradecer o gesto refundador dos Capitães de Abril.
Pense-se o que se pensar sobre o que foram antes e depois desse gesto, ele foi único, singular e decisivo.
Sem ele não haveria hoje uma Assembleia da República livre, com vozes livres.
Não há como esquecê-lo na escrita ou na reescrita da História.
Hoje, falo do que vem de muito antes de Abril, vem do começo de Portugal.
Mesmo se só têm 700 anos no mar, 400 anos dos quais como corpo permanente e organizado, muitos séculos em terra e um século no ar, são as nossas Forças Armadas garantes da independência, da soberania, da integridade e da unidade da nossa Pátria.
E, nestes tempos em que a guerra na Europa reentra nas nossas casas, toca as nossas vidas, muda o nosso dia a dia, falar em Forças Armadas é falar daquilo que, sendo passado, é muito presente e, mais ainda, futuro.
Esta guerra não é a única, neste instante, no mundo, mas é talvez a mais global de todas.
Esta guerra não foi a única que conhecemos na Europa, já depois de abril de 1974, mas pode vir a ser a mais brutal em refugiados forçados a terem de cortar as suas raízes e, também, a mais universal nos seus efeitos em quase meio século.
Mas não é da guerra que vos quero falar hoje.
Hoje, o que importa é falar das nossas Forças Armadas no Portugal que Abril permitiu que fosse democrático, das Forças Armadas em democracia.
Há uma semana, agradeci aos nossos militares que partiam para a Roménia - e eram 200 - o seu serviço à Pátria.
Iam em missão de paz, não em missão de guerra; para defender a paz, não para fazer a guerra; para prevenir contra mais guerra e contribuir para criar mais paz.
Paz para a Europa, e, desde logo, para aquela Europa em conflito e as vítimas diretas imediatas e mais trágicas da guerra, paz para a Pátria, a nossa Pátria, do mesmo modo.
Paz e segurança.
Aquela paz e segurança que são a missão primeira das Forças Armadas.
Pela Pátria!
E o que é a Pátria que elas existem para servir?
É um Estado independente há quase 900 anos?
É, mas é mais do que isso.
É uma comunidade de vida, de cultura, de língua, de identidades forjadas na diversidade, a que muitos chamam Nação, mesmo se o nosso Estado é, há muito, plurinacional?
É, mas é mais do que isso.
É uma História, feita de glórias e fracassos, e mais glórias do que fracassos, senão, porventura, aqui não estaríamos agora?
É, mas é mais do que isso.
É uma ideia, um projeto, um desígnio que nos une para além daquilo que nos separa, como o sermos universais, espalhados pelos mundos e servindo como plataformas de encontro entre eles?
É, mas é mais do que isso.
É tudo o que disse, mas mais, muito mais.
Uma Pátria são pessoas de carne e osso, todas somadas e cada uma delas per se, vivam cá dentro das fronteiras físicas, vivam fora delas, no território espiritual, que é onde estiver cada um de nós.
Portugal são os portugueses, mais os que se acolheram ou por eles foram acolhidos, e cada qual diferente, diverso, irrepetível.
Servir a Pátria, como existem para servir as Forças Armadas, é servir esses portugueses - cá dentro e lá fora - mais aqueles que se integram na nossa família comum.
Servir a Pátria desde sempre.
Foi traçar o nosso território continental e partir para as ilhas.
E atravessar oceanos e contactar continentes.
E quase perder, ou perder mesmo, a independência.
E reconquistá-la, tempo após tempo, geração após geração.
E perder batalhas.
E guerras.
Mas ganhar umas e outras.
Nas armas, na diplomacia, na economia, no tecido social, mas também na língua, na cultura, nas pessoas.
Sim, porque as batalhas, como as guerras, se perdem e ganham nas pessoas, com elas e para elas.
Servir a Pátria, neste tempo, por exemplo, é ir para a Roménia, como estar na Lituânia, na República Centro-Africana, no Mali, no Mediterrâneo, no Golfo da Guiné, em Moçambique.
É nessas paragens, como noutras, servir a paz e a segurança de todos nós.
Mas como?
Como é que na Roménia, ou nos céus da Europa Báltica, ou noutras Europas, Áfricas, Américas, ou Ásias, se luta pela paz e a segurança?
Luta-se, porque as nossas fronteiras já não são as que foram.
Porque no Báltico, como no Leste europeu, as fronteiras da União Europeia são as nossas fronteiras.
Tal como noutros continentes, as fronteiras da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) são as nossas fronteiras.
Tal como, nalguns deles, as fronteiras da NATO, ou do mundo ibero-americano, são as nossas fronteiras.
Tal como, cada vez mais por esse mundo fora - que são as Nações Unidas -, as fronteiras da paz, da segurança, da liberdade, da igualdade, da luta contra a miséria e a pobreza e pela ação climática são as nossas fronteiras.
Se a paz não existir, a insegurança atingirá também as nossas vidas, a começar na dos compatriotas espalhados pelo universo, a nossa economia, os preços da nossa energia, dos nossos alimentos, dos nossos bens básicos, e tantos dos nossos projetos de vida.
A paz e a segurança não são, pois, apenas - e já seria muitíssimo, mesmo o mais pungente - a vida e a morte de quem está a dois ou três dias de viagem das nossas casas.
Não.
É o nosso viver de todos os dias.
São as Forças Armadas, não os únicos, mas dos principais garantes dessa paz.
Mais visivelmente ainda em tempo de guerra.
Mesmo se não entram nessa guerra, previnem, ajudam a construir e preservam, mesmo ali ao lado, a paz possível e desejável.
Mas fazem mais, muito mais, cá dentro: desinfetam lares e escolas, organizam vacinação nacional em pandemia, apoiam em incêndios florestais, cheias, catástrofes naturais.
Não são os únicos, mas são sempre dos fundamentais.
E ainda dão, e querem dar mais, formação profissional para reinserção no emprego e na sociedade.
Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses:
Por que razão, neste 25 de Abril, falo das nossas Forças Armadas, na democracia que temos de recriar, jornada após jornada?
Porque sem as Forças Armadas, e Forças Armadas fortes, unidas e motivadas, a nossa paz, a nossa segurança, a nossa liberdade, a nossa democracia - sonhos do 25 de Abril - ficarão mais fracas.
Porque reconhecer como são importantes as Forças Armadas, na nossa vida como Pátria, exige mais do que recordarmos, por palavras, essa sua importância.
Porque, se queremos Forças Armadas fortes, unidas, motivadas, temos de querer que tenham condições para serem ainda mais fortes, unidas e motivadas.
Porque, se não quisermos criar essas condições, não nos poderemos queixar de que, um dia, descubramos que estamos a exigir às nossas Forças Armadas missões difíceis de cumprir por falta de recursos.
Porque se o não fizermos a tempo, outros o exigirão por nós, e, depois, não nos queixemos de frustrações, desilusões, contestações ou afastamentos.
Porque pode ser tão simples mobilizar com pequenos grandes gestos.
Estimular a que quem é indispensável para servir nessas missões fundamentais o possa fazer com horizontes de esperança.
Juntar, ao reconhecimento pelas qualidades excecionais que, cá dentro e lá fora, é unânime quanto às nossas Forças Armadas, mais meios imprescindíveis para poderem sê-lo também mais e melhor.
E fazer isto não é ser-se de direita ou de esquerda, conservador ou progressista, moderado ou radical, é ser-se pura e simplesmente patriota, em liberdade e democracia.
E fazer isto não é só tarefa de um Presidente, de um Parlamento, de um Governo, requer um consenso nacional continuado e efetivo acerca das Forças Armadas como pilar crucial da nossa vida coletiva.
Não podemos aplaudir ou clamar mesmo por maior envolvimento em ações externas, ou querê-las ainda mais presentes nos apoios internos, nomeadamente em situações extremas, e pensarmos que longe vão as guerras, que há muito mais onde gastar dinheiro, que nós podemos dispensar de nelas investir em benefício de todos nós.
Nós sabemos que, mesmo quando lhes faltam esses meios, são das melhores das melhores.
Mas não nos habituemos ao simplismo de converter milagres em quotidiano modo de vida.
Ajudemos a esses milagres, sobretudo quando eles respeitam à paz e à segurança de todos nós.
Neste tempo, em que a guerra surge como mais real ainda, em que a pandemia impôs necessidades mais evidentes; neste dia, em que celebramos democracia e liberdade e em que percebemos como a paz e a segurança tocam as nossas vidas, não é demais pensar, como Pátria que somos, nas Forças Armadas que temos, nas que queremos ter e nas que precisamos de ter.
Como desafio de todos, dos poderes públicos, da sociedade, de cada portuguesa, de cada português.
Porque se os portugueses não perceberem, não aderirem e não apoiarem, não há poder público, mesmo o mais corajoso ou voluntarista, que vingue sem a vontade popular.
É urgente essa vontade popular, constante e firme.
Para que a liberdade e a democracia, para as quais o 25 de Abril abriu pistas fundamentais que prosseguimos até hoje, vivam sempre.
Para que esse sonho do 25 de Abril viva sempre.
Mas, sobretudo, para que Portugal viva sempre.
Vivam a liberdade e a democracia!
Viva o 25 de Abril!
Viva, não menos do que isso, Portugal!
Aplausos do PS, do PSD, do PAN e do L, de pé, do CH, do IL, do PCP e do BE.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr. Presidente, António Ramalho Eanes, Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Srs. Embaixadores, Sr. Presidente da Associação 25 de Abril, na sua pessoa, saúdo calorosamente, uma vez mais, os Capitães de Abril, Ilustres Convidados, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Portugueses:
Entramos hoje no 50º. ano até ao 25 de abril de 2024, tempo de evocação, tempo de reflexão crítica, tempo de esperança, tempo de partilha.
Em 25 de abril de 2024 se falará do tempo do futuro, dos 50 anos pela frente.
Tempo de evocação: evocamos esse momento singular na história portuguesa, de fim do império, de fim do regime ditatorial, de abertura de caminho para a democracia e para a liberdade.
Digo bem, para a democracia e para a liberdade, porque, para a maioria esmagadora dos portugueses, a liberdade não nasceu em 1820, não nasceu com a monarquia constitucional ou com a 1.ª República, acabou por nascer com o 25 de Abril e com a própria democracia - um momento só possível, quando foi e como foi, pela coragem dos determinados e valorosos Capitães de Abril.
Bem hajam!
Aplausos do PS, do PSD, da IL, do PCP, do BE, do PAN e do L.
Mas é também tempo de reflexão crítica.
Em rigor, a reflexão crítica ocorre todos os anos, pelo menos, pelo 25 de Abril, mas, neste começo de 50º. ano, há mais razões para nos debruçarmos sobre essa reflexão.
Há muito quem, em Portugal, sinta que o 25 de Abril ficou incompleto, ficou imperfeito, está por cumprir, não corresponde aos sonhos do passado ou aos anseios do futuro.
Uns porque, em rigor, teriam preferido que não tivesse existido o 25 de Abril, por aquilo que perderam aqui ou nos territórios africanos, ou porque têm, certa ou errada, a imagem do período pré-25 de Abril que corresponderia, se não aos seus sonhos, pelo menos a muitas das suas expectativas e anseios.
A esses, cuja saudade e nostalgia se respeita, há que dizer que o tempo não volta para trás, e aquilo que veem como tendo sido o 24 de abril, em muitos dos seus traços globais, verdadeiramente, não existiu.
É um refazer da História.
Quem como eu pôde viver o fim do império aqui e nas lonjuras desse império, e observar não só de fora, mas por dentro o fim da ditadura, sabe que a realidade era outra.
Que a realidade era uma independência da Guiné-Bissau, reconhecida por muitos mais países do que aqueles poucos que apoiavam Portugal.
Sabe que a situação político-militar em Moçambique era extremamente grave e depois desesperante nos últimos anos que precederam 1974.
Sabe que a ditadura estava exausta, já não tinha conseguido, ainda em salazarismo, sequer o mínimo de renovação.
Falhara depois, na liberalização.
Isso mesmo o disse Francisco Sá Carneiro ao falar na liberalização bloqueada.
Dera passos tímidos, no sentido do desenvolvimento e do acordo comercial com a Europa, mas não no sentido da plena integração europeia.
Continuava, se não mesmo agravava, a atuação repressiva e o sacrifício das liberdades, também por causa da situação militar.
E, sobretudo, o seu principal bloqueamento reconduzia-se a isto: ter milhares e milhares de homens, anos sem fim, a cumprir missões decididas por outros, missões que não tinham futuro político.
Essa era a realidade traduzida, aliás, no afastamento dos dois mais prestigiados chefes militares e nos pedidos de demissão do chefe do Governo, mais do que um nos últimos tempos antes do 25 de Abril.
Mas há aqueles que consideram que o 25 de Abril de hoje não só é imperfeito, como é frustrante, por razões que não se prendem com um regresso a um passado impossível.
Tem a ver com o 25 de Abril que sonharam, que os mais velhos sonharam e que se não concretizou ou apenas se concretizou em parte.
Têm alguma razão, porque, em todas as revoluções, não houve uma revolução, houve várias e essas revoluções conheceram sucessos diferentes em tempos diferentes.
A revolução de António Spínola era ou foi diferente da revolução de Francisco Costa Gomes; a revolução de Francisco Costa Gomes foi diferente da revolução de António Ramalho Eanes; a revolução de António Ramalho Eanes foi diferente da revolução de Vasco Gonçalves; a revolução de Vasco Gonçalves foi diferente da revolução de Otelo Saraiva de Carvalho ou de Ernesto Melo Antunes ou de muitos outros Capitães de abril.
Cada um sonhava ou sonhou, em algum momento, durante o processo revolucionário, com um 25 de Abril diferente.
Se passarmos para os pais civis da democracia portuguesa, o 25 de Abril e a Revolução de Álvaro Cunhal foram diferentes do 25 de Abril e da Revolução de Mário Soares, diferentes da Revolução e do 25 de Abril de Francisco Sá Carneiro e diferentes do 25 de Abril e da Revolução de Diogo Freitas do Amaral.
Como em todas as revoluções ou ruturas, há umas que triunfam e outras que falham, normalmente nunca de forma total.
São vencidas parcialmente.
É natural que muitos dos que formaram ou aderiram àquela frente nacional para abrir caminho para um novo regime sintam que a sua visão própria ficou por concretizar.
O mesmo se dirá da Constituição.
Uma coisa foi a Constituição, que tive a honra de votar como muitos outros, em 1976; outra bem diferente foi a revisão dessa Constituição em 1982 ou em 1989 ou em 1997 - só para referir as mais profundas, duas das quais acompanhei de muito perto.
Era a mesma Constituição em termos formais e em muito da sua substância, mas ficaria profundamente alterada pelo termo do período de transição política em 1982, e ainda mais em matéria económica e social em 1989 e 1997.
Uns tinham vencido e outros tinham perdido.
O mesmo se passou por cada eleição presidencial, por cada eleição parlamentar, por cada primeiro-ministro, por cada presidente de Governo regional ou autarca.
As soluções variaram.
Ao variarem as visões do 25 de Abril e, sobretudo, as suas concretizações, uns ganhavam e outros perdiam.
Houve Presidentes de direita com Governos de direita e com Governos de esquerda, Presidentes de esquerda com Governos de esquerda e Governos de direita e houve ganhadores e perdedores.
A concretização dos sonhos de cada ato eleitoral, também ela, foi uma concretização, que, muitas das vezes, ficou largamente frustrada, nuns casos tendo levado à permanência da Legislatura, noutros, mais raros, porque mais pesados, à sua redução.
Ansiava-se e anseia-se por ainda melhor democracia.
Ansiava-se e anseia-se por mais crescimento, por mais igualdade, por mais justiça social, por melhor educação, por melhor saúde, por melhor habitação, por melhor solidariedade social, por mais ambiente, visão intergeracional, papel da mulher, desempenho de jovens e de setores excluídos ou ignorados da sociedade, por menor pobreza e falta de coesão social e territorial, esse flagelo que, infelizmente, marcou todos os períodos, mesmo os períodos de maior expansão dos últimos 50 anos.
Nunca conseguimos reduzir a menos de um milhão e meio o número de pobres.
Ansiava-se e anseia-se, porque faz parte da lógica da democracia e é imposto pelo conjunto de desafios que se têm sucedido, a ritmo extremamente acelerado, o haver sonhos, aspirações ou tão-só expectativas e, em muitos casos, a não realização desses sonhos, dessas aspirações e dessas expectativas desilude, desaponta, frustra as gerações de 70 ou de 80, como, talvez ainda mais, as do fim do século e destes 20 anos de século XXI.
Nuns casos, nos menos jovens, por parecer uma vida perdida; noutros, nos mais jovens, por parecer uma vida sacrificada à partida.
Mas este é também um tempo de esperança.
Esperança porque a liberdade e a democracia, mesmo quando nos trazem muitas desilusões e a sensação de tempo perdido, de adiamento, nos dão sempre a esperança que a ditadura não tolera, que é a esperança na mudança.
Em ditadura ou se está pela ditadura ou se combate e derruba a ditadura.
Em democracia, há sempre a possibilidade de criar caminhos diversos - sempre.
Podem demorar tempo a surgir, podem ser insuficientes, podem ser imperfeitos, mas existem sempre, existiram sempre ao longo destes 50 anos.
A liberdade e a democracia permitiram e permitem que a maioria esmagadora desta Câmara, como do povo português, apoiasse e apoie, sem qualquer hesitação ou dúvida existencial, a Ucrânia e o povo ucraniano, agredido de forma bárbara e em valores e princípios fundamentais, mas que, ainda assim, houvesse vozes, claramente, minoritárias, dissonantes.
A mesma liberdade e democracia permitiram que dois pais dessa democracia, Mário Soares e Diogo Freitas do Amaral, tivessem desfilado nas ruas contra a posição norte-americana, nosso antigo aliado, relativamente à intervenção no Iraque.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS):
- Muito bem!
O Sr. Presidente da República:
- Ontem, como hoje, há quem concorde e discorde relativamente às atuações internas ou às posições externas e se tenha manifestado ou manifeste: 1, 100, 1000, 10 000, 100 000, 300 000.
O número real ou sonhado não é o essencial, o dos que aparecem e o dos milhões que não aparecem, mas pensam diferente, agem diferente, escolhem diferente, entre si, esse pluralismo é crucial.
Faz parte da essência da democracia e em ditadura nunca haveria.
É essa a razão da nossa esperança.
É o sabermos que, verdadeiramente, o supremo senhor do 25 de Abril, da liberdade e da democracia e, por isso, efetivo garante da estabilidade se chama, há cinquenta anos, povo.
Aplausos do PS, do PSD, da IL, do L e da Deputada do BE Joana Mortágua.
E o povo vai escolhendo com sentido de Estado, com bom senso, com moderação e com boa educação, ao longo do tempo, o 25 de Abril que quer.
E vai mudando quando entende que deve mudar, ou mantendo se entende que deve manter, nem que seja para se arrepender por quanto inovou ou manteve algum tempo volvido.
Mas este é também um tempo de partilha.
É um tempo de partilha porque este 25 de Abril tem de especial o nós podermos ter tido connosco alguém que representa a primeira das primeiras descolonizações de Portugal.
Esse alguém foi recebido, há uma hora e meia, numa Sessão Solene e é o Presidente da República Federativa do Brasil, o simbólico representante de uma pátria irmã e não apenas, ou sobretudo, o titular de cada instante histórico.
Vozes:
- Muito bem!
Foi ademais eleito por quem tinha direito a elegê-lo, o povo brasileiro, e não outros povos ou partes maiores ou menores de outros povos.
Aplausos do PS, do PSD, do BE, do PAN, do L e do Deputado do PCP Manuel Loff.
O que importa, antes de mais, é que nós percebamos porque é que a Assembleia da República viveu hoje, aqui, uma coincidência tão feliz, derivada dos 523 anos sobre o dia 22 de abril que assinalou o momento primeiro do contacto português com o território brasileiro.
O 25 de Abril começou por existir por causa da descolonização.
Os Capitães de Abril entenderam que não fazia sentido manter uma guerra em que cumpriam a sua missão, mas não percebiam com que objetivo, com que horizonte, com que fim.
O fim era traçado por outros, pelos decisores políticos.
Portanto, faz todo o sentido o encontro de hoje, que é um encontro de sempre, precisamente porque uma das componentes nucleares do 25 de Abril se chamou descolonização, e faz sentido termos tido este ano entre nós quem foi pioneiro, quem foi precursor na descolonização, 200 anos antes: o Brasil.
Aplausos do PS, do PSD e do L.
Isso serve-nos para olharmos para trás, a propósito do Brasil, mas seria também possível a propósito de toda a colonização e de toda a descolonização, e assumirmos plenamente a responsabilidade por aquilo que fizemos.
Não é apenas pedirmos desculpa - devida, sem dúvida -, por aquilo que fizemos, porque pedir desculpa é, às vezes, o que há de mais fácil.
Pede-se desculpa, vira-se as costas e está cumprida a função.
Não, é o assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que, de bom e de mau, fizemos no passado.
Fizemos de bom.
Tomemos para o caso do Brasil, por exemplo, entre muitos mais fatores, a língua, a cultura, a unidade do território brasileiro, contrastando com a dispersão nas antigas colónias espanholas.
Tantos traços ficaram a ligar-nos.
De mau, a exploração dos povos originários, denunciada por António Vieira, a escravatura, o sacrifício do interesse do Brasil e dos brasileiros e até a arrogância, durante muito tempo, do seu quase desconhecimento, deslumbrados que andávamos com outras paragens mais orientais e outras riquezas.
Um pior da nossa presença que temos de assumir, tal como assumimos o melhor dessa presença.
O mesmo se diga do melhor e do pior, do pior e do melhor da nossa presença no império, ao longo de toda a colonização.
Portugueses, o novo tempo pós-colonial foi e é um tempo em que a partilha envolveu e envolve aqui, entre nós, centenas de milhares de irmãos da língua e, nos territórios dos seus Estados, centenas de milhares de portugueses.
Aqui, são quase meio milhão de mulheres e homens incansáveis no que têm feito por Portugal nas escolas, nos hospitais, nos centros de saúde, nas misericórdias, nas IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social), como cuidadores informais, no trabalho, na agricultura, no comércio, na indústria, no ensino.
Irmãos brasileiros, irmãos guineenses, irmãos timorenses, irmãos cabo-verdianos, irmãos são-tomenses, irmãos angolanos, irmãos moçambicanos e mais outros que vivem noutros Estados, mas têm comunidades fortes a falar português.
Aplausos do PS, do PSD e do L.
Penso em goeses, macaenses, para já não falar nas nossas excecionais comunidades espalhadas pelo mundo.
Não posso deixar de alargar a muitos outros que, também entre nós, vindos de fora, não falantes de português, constroem Portugal, descontam para a segurança social, criam riqueza, contribuem para o nosso futuro dando força à nossa vocação histórica, ao nosso desígnio nacional, desígnio nacional que não é apenas crescer economicamente mais, o que é importante, ou criar mais igualdade ou reduzir pobreza ou falta de coesão social ou territorial.
É sermos aquilo em que fomos e somos em tantos casos insubstituíveis: plataforma entre oceanos, continentes, culturas e povos.
Aplausos do PS, do PSD e do PAN.
É um grande momento para nós partilharmos o 25 de Abril, agradecendo o que recebemos, esperando poder dar, em tantos casos, ainda mais, muito mais do que temos dado.
Confesso que sinto alguma emoção quando penso que o meu avô partiu para o Brasil, naquele dia 24 de abril de 1871, levando irmãos mais novos, para fugir da miséria das Terras de Basto, no Minho mais profundo, e, depois, muito mais tarde, do Brasil para a Angola ainda colonial.
E que a sua história foi a história de milhares e milhares e milhares de portugueses e de nacionais de outros países de língua portuguesa.
O facto de ser, porventura, o primeiro Presidente da República que tem, fruto da dupla nacionalidade, um filho português que também é brasileiro e uma neta brasileira que também é portuguesa, e parentes próximos noutra pátria como Angola, como tem em pátrias que não são de língua oficial portuguesa, não é mais do que aquilo que se passa com tantas e tantos nacionais nossos compatriotas e nacionais desses Estados de língua portuguesa ou não falantes de português.
Como podemos nós, pátria de emigração - que temos de ser, aliás, mais solidários para com os dramas dos nossos emigrantes -, ser egoístas perante os dramas dos emigrantes que são dos outros?
Aplausos do PS, do PSD, do PAN e do L, de pé, da IL, do BE e do Deputado do PCP Manuel Loff.
Que este 25 de Abril, que é o começo do 25 de Abril de 2024, seja um momento de evocação da democracia que ele tornou possível; da liberdade que ele permitiu que fosse vivida por um maior número de portugueses; de passos na descolonização, e pós-descolonização, tardias, é certo, mas que ele impôs, e que conheceram altos e baixos, sucesso e fracasso; do desenvolvimento, que ele quis acelerar e que tem tido altos e baixos, sucesso e fracasso.
Com a última palavra no povo, com o povo tendo a possibilidade - que só em liberdade e democracia existe, nunca em ditadura - de continuar a escolher o 25 de Abril que quer, mesmo que saiba que é imperfeito, que durará pouco tempo e que ficará aquém das expectativas.
Com a certeza de que o 25 de Abril está vivo, porque nasceu para criar a ambição, para criar a insatisfação, para criar o não acomodamento, para criar a exigência crescente, incessante e imparável de mais e melhor - sempre.
Viva o 25 de Abril!
Viva a liberdade!
Viva a democracia!
Viva Portugal!
Aplausos do PS, do PSD e do L, de pé, da IL e do PAN.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa):
- Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Srs. Presidentes António Ramalho Eanes e Aníbal Cavaco Silva, Srs. Capitães de Abril, Sr.ª e Srs. Presidentes João Bosco Mota Amaral, Jaime Gama, Assunção Esteves e Eduardo Ferro Rodrigues, Srs. Primeiros-Ministros Francisco Pinto Balsemão e José Manuel Durão Barroso, Srs. Embaixadores, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Excelências, Portugueses:
Cinquenta anos passaram desde que um império de cinco séculos acabou.
Uma ditadura de quarenta e oito anos foi deposta.
Do império nos virámos para a Europa.
Mudámos quatro vezes de regime económico.
Parece que foi ontem, ou anteontem.
Mas não foi - foi há meio século.
Dei hoje comigo a ver-me há 48 anos, sentado neste Hemiciclo, na Assembleia Constituinte, e não encontro aqui - a não ser dois antigos Presidentes da Assembleia da República e um antigo Primeiro-Ministro, também conselheiro de Estado, Constituintes, e alguns Capitães de Abril - muitos mais desse tempo, nesta Sala.
É a lei da vida.
Decididamente, até por isso, vale a pena tentar compreender o 25 de Abril: porque não foi antes, porque foi como foi, o que uniu, mas dividiu, os seus tempos e modos, e como chegámos até hoje.
Primeira questão: porque foi tão tarde o 25 de Abril?
Porque vários impérios coloniais ainda eram tidos por quase eternos até ao fim da II Guerra; porque esse sonho e ilusão durou entre nós nos anos 50 e, para uma ditadura em queda, após a campanha presidencial de 1958, se converteu, com as guerras de África, na última narrativa-alibi para tentar sobreviver; e porque o sucessor do chefe do regime só em 1972 tornou totalmente visível a impossibilidade de democratizar, sequer de liberalizar e, sobretudo, de descolonizar.
Assim, as tentativas militares e civis de abreviar o império, de obrigar à sua transição, de preparar o seu fim, falharam todas.
As da oposição, sempre severamente reprimidas; as da situação, sempre ignoradas.
O império, mesmo já sem futuro, agarrou-se, e com ele a ditadura, à ilusão da sobrevivência impossível.
Segunda questão: porque foi como foi?
Porque só assim teria sido possível.
A ditadura nascera pela mão das Forças Armadas, dos jovens oficiais revoltados com a indiferença política perante a sua quase solitária luta na Grande Guerra.
A ditadura cairia pelas mãos de outros jovens capitães, com uma, duas, três, quatro, cinco comissões africanas, livres, conhecedores do terreno e da situação nele vivida, descomprometidos ou mesmo opositores à ditadura.
Em menos de um ano, passaram da luta pela dignidade da condição militar aos olhos da sociedade portuguesa para a análise do que se vivia em África e para duas conclusões: não se antevia solução política para a guerra e, apesar do corajoso combate de centenas de milhares de jovens, não havia vitória militar possível nessa guerra, num tempo em que as guerras não duravam décadas e num país com mais de um milhão de portugueses a emigrar em pouco mais de 10 anos.
Se não responsabilizassem o poder da ditadura, acabariam por ficar os únicos responsáveis por aquilo que não tinham decidido e não tinham tido condições para mudar.
Em menos de um ano, aqueles jovens militares organizaram-se, prepararam-se, concluíram que a ditadura devia cair e que deveriam ser eles a derrubá-la.
Não os políticos que governavam.
Não os grupos económicos, mesmo os mais abertos à Europa, mas ainda ligados a África.
Não apenas os abnegados partidos, sindicatos, movimentos, militantes de décadas de resistência.
Não apenas os estudantes, a cultura, aquela parte da Igreja Católica já em mudança.
Só eles, ligados a todos os mais, mas os únicos com poder militar para depor um regime desde sempre assente no poder militar que controlara.
E fizeram-no sem sangue, a não ser - recordou V. Ex.ª muito bem e muito justamente - o do desespero da polícia política da ditadura, que fez derramar, num dia de «revolução sem sangue», sangue de vítimas inocentes.
Daqui saúdo, com gratidão que não prescreve, os jovens Capitães de Abril, os únicos a poderem ter feito o que fizeram em 25 de Abril de 1974.
Saúdo-os a todos: aqueles que temos hoje connosco e aqueles que partiram durante este meio século.
Aplausos do PS, do BE, do PCP, do L, do PAN e de Deputados do PSD.
Terceira questão: porque foi tão agitado o pós-25 de Abril, o chamado processo revolucionário, de cerca de dois anos?
Porque o movimento militar se converteu, pela presença massiva do povo, em Revolução.
Porque dentro de qualquer revolução não há uma, mas inúmeras revoluções, com projetos diferentes e líderes diversos, militares e civis, já que aos partidos vindos da clandestinidade se juntaram outros, entretanto formados.
E como em todas as revoluções, e como em todas as constituintes e constituições, há quem ganhe e há quem perca.
E isso mudou ao longo da Revolução.
Uns queriam, primeiro, levar mais longe a sua revolução, outros abreviá-la com a sua Constituição.
E dentro de uns e de outros, e dos pactos assinados entre os jovens Capitães e partidos, muito foi mudando entre 1974, 1975 e 1976, sendo então Presidentes dois destacados chefes militares e governantes na ditadura - um destemido detonador de consciências pela sua obra de 1973, nas vésperas de Abril, o outro viria a ser decisivo para evitar um confronto civil em novembro de 1975.
No fim, ganhou um setor político-militar, protagonizado, de algum modo, pelo Documento dos Nove, de que sairia o nome do candidato a primeiro Presidente da República eleito, aqui hoje connosco, essencial na transição da Revolução para a democracia, que saúdo muito efusivamente, sempre teimosamente avesso, na sua humildade, a todas as homenagens, incluindo a do marechalato.
Aplausos do PSD, do PS, do CH, da IL, do L e do CDS-PP (de pé), do BE, do PCP e do PAN.
Também ganhou um partido, que liderou, várias vezes, uma frente ampla na Revolução e arbitrou - fui disso testemunha - os dificílimos compromissos na Constituinte.
Um partido liderado por um homem que acabou por ser, de facto, o imediato vencedor civil da Revolução.
Já não está entre nós, mas este ano celebra-se o centenário do seu nascimento e é justo evocá-lo, até por ter somado um percurso singular na Revolução e na democracia a uma longa luta contra a ditadura.
Aplausos do PSD, do PS e do L (de pé), da IL, do BE e do CDS-PP.
Ele foi o imediato vencedor civil, mas a história recorda, com o devido relevo, três outros principais pais fundadores do sistema partidário, desde logo, que enumero pelo peso dos seus partidos na Constituinte.
Aquele que foi o primeiro Primeiro-Ministro do hemisfério oposto ao vencedor civil imediato e que teve um papel muito marcante na génese da democracia.
Apesar de ter estado meia Revolução afastado por doença e, depois, tragicamente morto, muito no começo de uma carreira notável.
Aplausos do PSD, do PS, do CH, da IL, do L e do CDS-PP (de pé), do PAN e da Deputada do BE Joana Mortágua.
O segundo, seguindo a ordem do peso na Constituinte: o mais antigo e mais persistente lutador contra o salazarismo, com mais provas de resistência na prisão, na clandestinidade e no exílio.
Aplausos do PS, do BE, do PCP e do L (de pé), do PAN e da Deputada do PSD Teresa Morais.
E o terceiro: o líder da formação mais conservadora, que votou mesmo contra a Constituição, mas que garantiu, em tempos muito difíceis, a existência de um mais amplo leque de pluralismo político em Portugal.
Não o podemos também esquecer.
Aplausos do PSD, do PS, do CH, do L e do CDS-PP (de pé), da IL e do PAN.
Muitos e muitos outros, como eles, batalharam e tantas vezes venceram.
E outros batalharam e perderam, pouco ou muito.
E alguns se desiludiram: uns, no próprio 25 de Abril, outros no 28 de Setembro, outros no 11 de Março, outros no «Verão quente», outros no crucial 25 de Novembro - que acabou por definir o desfecho da Revolução e, por isso, a justo título, tal como a Constituinte e a Constituição, desde sempre foi pensado para integrar as celebrações de Abril, que só terminarão em 2026 -, outros ao longo dos últimos 50 anos.
É assim a história, faz-se e refaz-se de altos e baixos, amiúde mais de baixos do que de altos.
Quarta questão: esses altos e baixos terão comparação com qualquer outro movimento político, militar, social na nossa história contemporânea, na história dos nossos parceiros europeus mais antigos ou dos nossos parceiros europeus mais recentes?
Não, não tem comparação.
O 25 de Abril implicou, ao mesmo tempo, o fim de um império de cinco séculos; o fim de uma ditadura de 48 anos; a integração económica e política na hoje União Europeia e quatro mudanças de regime económico - de uma economia meio colonial, meio europeia, para afirmadamente europeia; nacionalizações e expropriações revolucionárias; reprivatizações mais tardias e lentas, para mãos portuguesas e, anos volvidos, numa parte, de mãos portuguesas para mãos estrangeiras.
E tudo num tempo concentrado.
Descolonização, nacionalizações e expropriações em 1974 e 1975, fora os efeitos decorrentes.
Democratização só verdadeiramente completada com o fim do período transitório, em 1982.
A entrada na Europa, em 1986.
A reprivatização dos setores-chave da economia, a partir de 1992 e quase até ao presente.
A CPLP, em 1996.
Nenhuma outra revolução ou golpe militar foram comparáveis na nossa história contemporânea - 1820, 1910 ou 1926.
Nenhum outro império europeu moderno enfrentou todos estes desafios ao mesmo tempo em menos de 30 ou 40 anos.
O espanhol, findara no século XIX.
O britânico ou francês, no termo da Segunda Guerra, e estes dois já eram democracias consolidadas e integradas na Europa.
Nenhum dos nossos parceiros de Leste tivera impérios extraeuropeus nem vivera descolonização com democratização, com integração europeia e quatro mudanças de regime económico como nós.
Por isso, é injusto comparar o incomparável, esquecer os custos globais daquilo que vivemos e até os custos da Revolução, que só existiu porque a ditadura não soube, ou não quis, fazer uma transição, ao contrário da vizinha Espanha.
Quinta questão: e como foi, com esses custos, com tão complicados prazos, o só ser democracia plena oito anos depois de 1974, só ser integração na Europa 12 anos depois, só ter economia como europeia 18 anos depois, só constituir a CPLP 22 anos depois?
Como foi?
Sabemos como foi.
Três ciclos se sucederam, muito diversos: o ciclo da estabilização do regime político de 1976 a 1986, nascido à esquerda, terminado à direita; o ciclo da estabilização do regime económico, de 1986 a 1996, à direita; o ciclo dos novos desafios externos e internos, de 1996 até hoje, esmagadoramente à esquerda, com duas janelas à direita.
Primeiro ciclo - da estabilização do regime político -, com dois protagonistas cimeiros: o Presidente saído dos vitoriosos militares, que pilotou a transição da Revolução para a democracia, e o Primeiro-Ministro saído dos vencedores civis da revolução, que lhe sucederia em Belém, em 1986.
Entre governos partidários, governos presidenciais, cumprimento escrupuloso pelos militares da promessa de regressar aos quartéis em 1982, abertura do acesso ao poder executivo do hemisfério de direita - foram 10 anos agitados, de executivos breves, de indefinição do modelo económico, culminando na adesão às Comunidades Europeias em 1986, assim acabando por escolher o modelo económico para o futuro.
Segundo ciclo - o da estabilização do regime económico -, também com dois protagonistas cimeiros: o Presidente da República, primeiro Presidente civil, como fora o primeiro Primeiro-Ministro em democracia, e o mais duradouro Primeiro-Ministro da democracia.
Ciclo este que beneficiou da adesão europeia e dos seus fundos e da permanência do mesmo partido no Governo desde 1979 até 1996, embora com dois anos partilhados de permeio.
Ciclo que reforçou a estabilidade governativa, introduziu o equilíbrio financeiro e, no quadro do regime económico, lançou as privatizações.
O Primeiro-Ministro viria, mais tarde, a ser o quarto Presidente da República e o primeiro do hemisfério de direita.
Aplausos do PSD (de pé), da IL, do CDS-PP e de Deputados PS.
Terceiro ciclo - dos novos desafios, externos e internos -, com múltiplos novos protagonistas, com especial relevo para o terceiro Presidente da República, fundamental na crise de Timor-Leste e que desempenhou, ao longo da sua vida política, em particular, um duplo papel de concertação dos hemisférios de esquerda e de direita e de convergência de toda a esquerda.
Também ele merece a nossa evocação.
Aplausos do PS, do BE e do L (de pé), do PCP, do PAN e de Deputados PSD.
E, depois, inúmeros primeiros-ministros, de que cito apenas dois, pelos cargos internacionais: o futuro Secretário-Geral das Nações Unidas e o já passado Presidente da Comissão Europeia.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Iniciado com o tempo porventura mais esperançoso quanto ao mundo, à Europa e Portugal - foram os anos de meados de 1990 até o final da década -, depararia, depois, com crises económicas, com crises sociais, com crises sanitárias, externas e internas, mas também com o envelhecimento da sociedade portuguesa, com a repercussão em antigas e novas desigualdades, coexistindo com mudanças estruturais, novas exigências de qualificação, novos modelos energético e digital e internacionalização económica.
Sob o manto da persistência da matriz governativa vinda dos primórdios da democracia, regime político e sistema partidário começavam a conhecer alterações sensíveis.
Sexta questão, e mais recente:
Cinquenta anos passaram; mundo, Europa e Portugal mudaram - aquilo tudo que foi sumariamente evocado não ficou ultrapassado?
Os mais novos desconhecem parte destes 50 anos.
Muitos dos menos novos dele têm recordações distantes.
Apareceram novas ideias, novos movimentos, novos partidos, novos parceiros, novos fenómenos mediáticos, novos problemas sociais, a somar aos antigos; desafios externos a agravar os do foro doméstico.
No que correu bem ou muito bem após o 25 de Abril - na saúde, na educação, nos direitos fundamentais, no papel da mulher, na atenção aos excluídos, na solidariedade social, na mobilidade, na abertura, na tolerância e em tanto mais -, muito ou parece ser já de outros tempos, ou precisar do impulso de novas gerações, ideias e pessoas?
É inevitável e é bom que assim seja.
Antes que Abril - que os estudos recentes de opinião mostram que é partilhado como um marco histórico único na nossa vivência coletiva, em percentagens esmagadoras - fique, ou acabe por ir ficando, saudosismo, nostalgia, mais passado do que futuro, o que fazer?
Como fazer?
Tomar aquilo que de mais forte, mais duradouro, mais redentor, mais promissor tem Abril, e com isso ir recriando Portugal.
Esse valor único, singular, que nunca morreu, nunca se apagou, nunca se enfraqueceu, chama-se liberdade, democracia e vontade do povo.
Então, reconheçamos essa força vital da democracia e tenhamos a humildade e a inteligência de preferir sempre a democracia, mesmo imperfeita, à ditadura.
São democracias, mesmo inacabadas, as sociedades mais fortes e criativas do mundo.
Aplausos do PSD e do PS.
Como são as humanamente melhores, como são as ambientalmente mais avançadas, como são as mais livres, mais plurais, mais abertas, menos repressivas, menos persecutórias, menos intolerantes, menos avessas à diferença, mais abertas a todos - mesmo a todos!
-, incluindo aqueles que contestam, no todo ou em parte, essa democracia.
Há-as, na qualidade, mais democráticas e menos democráticas?
Sim, consoante a qualidade política ser acompanhada pela qualidade económica, social e cultural, no fundo, a igualdade.
Mas ninguém quer trocar uma democracia menos perfeita por uma ditadura, ainda que sedutora ou escondida por detrás de tiques iliberais.
Nós, em Portugal, não o queremos.
Queremos é maior qualidade económica, social e cultural para dar força a melhor qualidade política.
Excelências, Portugueses: comecei as minhas palavras recordando o Constituinte de 20 e poucos anos que eu era, a votar, há 48 - levantado além, na última fila do Hemiciclo, entre o centro e a direita -, a Constituição da República Portuguesa; em liberdade, com uns, a maioria esmagadora, a aprovarem, com outros, em liberdade, a rejeitarem.
Termino, com uma memória uns anos mais antiga, no final dos anos 60, sentado na terceira fila da Galeria, ironicamente por detrás da futura bancada de 1976, acompanhado de colegas estudantes universitários, olhando para os que falavam.
E todos eles, escolhidos um a um, por uma pessoa, e só ela, líder vitalício, ou líder sem prazo, do partido único não assumido, aqui chegados por vontade do chefe, não pela vontade do povo.
Um Hemiciclo tão diferente, tão oposto ao de 1976, ao dos últimos 50 anos, ao de hoje.
Um Hemiciclo de escolha popular seria impossível de encontrar em 1935, em 1945, em 1955, em 1965, em 24 de Abril de 1974.
Definitivamente o caminho que queremos não é esse, o da ditadura; é outro, o da democracia.
Mas o de cada vez melhor, muito melhor democracia, pelo futuro de Portugal.
Viva o 25 de Abril!
Viva a liberdade!
Viva a democracia!
Viva Portugal!
Aplausos do PSD, do PS, do L, do CDS-PP e do PAN (de pé), do BE e do PCP.
Meus Senhores,
Esta Assembleia Nacional Constituinte acaba de depositar nas minhas débeis mãos um tesouro quatro vezes precioso: o da Liberdade, em nome da qual trataremos, com o auxílio de todos os que vierem em volta de nós de eliminar todos os privilégios que, sendo mantidos à custa da depressão e ofensa dos nossos semelhantes, são para mim malditos.
Depositou, além da Liberdade, uma cousa sagrada acima de todas: a Honra da Pátria.
Perante o estrangeiro e perante a nossa consciência, nós vamos honrar, com os nossos sacrifícios, por uma solidariedade inevitável, uma triste herança - a do passado, cheio de compromissos por culpas que não são nossas - encontraremos, no entanto, na alma do povo, energias bastantes para nos redimirmos aos olhos do mundo.
Nas virtudes democráticas, buscaremos os elementos da nossa regeneração.
Não falemos mais nos erros dos contrários depois de os condenarmos, porque as virtudes da democracia valem bastante para esquecermos os inimigos da Pátria.
Há outro tesouro, principalmente, precioso: o Povo Português - este tutelado de séculos que está completamente desvalido, sem a luz da justiça moderna!...
É necessário acalentar aquelas almas, enriquecer e arrotear aqueles corações perdidos para a Verdade, para a Justiça e para o Amor.
Este o objetivo mais dileto do meu coração - os oprimidos.
Resta-me lembrar a simpática missão de chamar à conciliação, à paz, à ordem, à harmonia social a família portuguesa, em nome da Liberdade, em nome da República, em nome da nossa libérrima Constituição.
Segundo os princípios nela consignados, e sob a intervenção direta do povo soberano, deixarão de existir, como até agora, opressores e oprimidos; daí o antagonismo irritante das classes ligadas pela fatalidade e pela força e não, como de hoje em diante, pelo Amor e pela Justiça - cumpre-nos fazer do nosso Estatuto a Cidade Santa do Direito Moderno; conseguir que este direito seja tão invejado pelos nossos inimigos, como outrora o foram as cidades de Atenas e de Roma.
Hão de vir para nós os que de nós fugiram.
Em nome da Pátria e da Liberdade, nós aqui estamos para os receber.
E, a vós, o tributo inalterável da minha gratidão, por confiardes num velho que pouco vale, mas que poderá muito com o vosso auxílio.
Quando há quatro anos, nesta mesma sala, foi lida a proclamação da República Portuguesa, ficou formulado o princípio fundamental de onde derivam todos os poderes do Estado - a soberania nacional, postergada sempre pela frase "da graça de Deus", com que as dinastias mascararam o seu poder pessoal absoluto.
Reivindicaram esse princípio as revoluções de 1640, 1820, 1836, sempre desvirtuadas pelos seus mandatários.
Na sua essência a revolução de 5 de Outubro de 1910 foi essa reivindicação, tendo como consequência imediata a fundação da República; e, para que a revolução não fracassasse como as anteriores, deu se ao título da República, que abrange muitas modalidades de instituições, a forma nítida, iniludível da República Democrática Parlamentar.
Como esta base estável não foi suficientemente compreendida, as novas instituições sofreram diversas vicissitudes e, ultimamente, a de uma ditadura de feição imperialista absolutamente repugnante às aspirações do país.
Esquecera por completo a fundação de 5 de Outubro de 1910 e, para salvá-la, deu-se o conflito violento de 14 de Maio de 1915.
São dois momentos históricos que se completam, integrando-se em uma época nova que há de ser fecunda pelo sacrifício de um milhar de desinteressadas vítimas que cimentaram com o seu sangue a República Portuguesa.
Que se segurem as mãos dos que tocaram irreverentemente na arca santa das nossas liberdades.
Que todo o cidadão elevado à Presidência da República se considere um magistrado, tendo por escopo o acatamento da soberania nacional e assistindo com interesse e amor, mas sem intervenção ilegítima, ao normal funcionamento do regime democrático parlamentar.
Nenhuma função mais difícil do que manter a harmonia dos poderes do Estado, e sua mútua independência e coexistência.
Feliz quem, sob a sua chefatura, conseguir alcançar esta energia que realiza a ordem como condição de progresso.
Portugal já não é um país confinado no extremo ocidente; é um elemento desta civilização heleno-latina que a Renascença incorporou no mundo moderno com vinte séculos de cultura.
Vivemos nesta espécie de solidariedade humana que corrige os excessos do egoísmo humano.
Um outro equilíbrio europeu tem de fundar-se, conduzindo ao estabelecimento duma paz milenária.
A política externa de Portugal deriva completamente da sua situação geográfica; ela solidarizou-se com a Europa, quando combatia o imperialismo da Espanha no século XVII e quando no século XIX desmoronava o imperialismo napoleónico; ela nos fará cooperar na atividade mundial dos grandes estados com apoio no Atlântico.
Apresentando estes dois aspetos da política interna e externa da nação portuguesa, deles se deduz um plano de Governo.
E, ao preferir as palavras de compromisso de honra, desta hora em diante só aspiro a que, ao regressar dignamente ao lar, se possa dizer: "Cumpriu o que prometeu; guiou-se pelo bom senso e pelo desinteresse".
Senhores,
Saudando deste lugar o meu eminente predecessor, Dr. Teófilo Braga, que deu logo ao Governo Provisório da República o auspicioso prestígio do seu grande nome mundial, apresento ao Soberano Congresso os protestos enternecidos do meu devotadíssimo reconhecimento pela suprema investidura que se dignou outorgar-me, tanto mais honrosa quanto mais grave é o solene momento que atravessamos.
Sem embargo das resistentes dificuldades herdadas, muitas das quais dir-se-iam já irredutíveis, íamos afirmando eficazmente a ação salvadora do novo regime, fórmula fiel do nosso progressivo disciplinamento popular, quando sobreveio a formidável guerra atual - em que terçam armas nações amigas, uma delas mesmo nossa inseparável aliada - abrindo perante nós um período mais que difícil, inquietante para a obra de restauração social que iniciámos.
Não haverá, contudo, provação que possa abater-nos ou humilhar-nos, se, com firme hombridade, pusermos abnegadamente, como nos cumpre, o dever coletivo, que é também o interesse comum, da defesa interna e externa da Nação acima de todas as nossas disputas e contenções divisórias.
Comprovemos bem alto o nosso civismo, para que deste penoso lance de ansiedade e de sacrifícios saiamos moralmente robustecidos para melhor prosseguirmos, sem o mínimo desdouro, a realização, tão contraminada pela reacionária decadência monárquica, do destino inconfundível que a história traçou ao povo heroico, que, colocado na vanguarda da Europa, teve o arrojo imortal de ir, à sua frente, implantar pelo mundo inteiro a definitiva hegemonia da sua civilização.
O acolhimento, de feliz augúrio, dispensado, dentro e fora do país, à eleição presidencial, enchendo-me a mim da mais confortadora gratidão, representa certamente o aplauso geral ao propósito de pacificação política que se viu nela, e, portanto, uma expectativa confiante na inquebrantável solidariedade dos nossos corações patriotas.
E essa confiança é um verdadeiro mandato imperativo.
Orgulhosos de o merecermos, com o pensamento em todos os nossos concidadãos de aquém e de além-mar, sobretudo naqueles que mais necessitam do carinho e amparo governativo - o povo, a mulher e a criança - conclamemos, com fé ardente, inextinguível, o verbo sagrado que resume esperançosamente os mais nobres anelos da alma nacional.
Viva a República Portuguesa!
O Povo Português, chamado a manifestar, em sufrágio universal e eleições livres, a sua vontade, acaba de consagrar a Revolução de 5 de Dezembro pela forma mais retumbante, juntando a maior votação que há memória em Portugal à volta de um homem que, tendo a honra de ser o Chefe da Revolução, para ele encarna certamente os seus levantados ideais.
Inútil é dizer-se, da parte dos detratores da Revolução, que uma tal votação excedendo 500.000 votos não representa a vontade soberana do Povo Português.
Nunca a abstenção foi menor, apesar de três agrupamentos partidários a terem resolvido e dela terem feito em larga escala a propaganda, bem mais fácil e suscetível de ser coroada de sucesso do que a de chamar os eleitores às urnas.
Nunca a abstenção foi mais insignificante, apesar de faltar o estímulo da luta; ninguém se propôs a Presidente da Republica e, por parte dos defensores da atual situação, um nome estava em todas as bocas; por parte dos que a atacavam nenhum nome foi indicado como representando as suas aspirações comuns.
Nunca a abstenção foi mais reduzida, apesar dos boatos alarmantes de perturbações da ordem pública, de atentados pessoais, de movimentos revolucionários, para o que se pretendeu criar uma atmosfera de terror.
Nunca a ordem foi mais completa em um ato eleitoral, decorrendo sem incidentes em todo o país, apesar da propaganda revolucionária que se fez e do convite à Revolução que implicitamente se continha na campanha do abstencionismo.
Nunca a liberdade foi mais ampla em eleições, que se efetuaram sem a menor pressão por parte das autoridades ou de influências locais.
Nunca a legalidade foi maior em operações eleitorais, fiscalizadas de resto pela oposição.
Nunca a honestidade foi mais perfeita por parte do Governo, que deu ordens terminantes para que se não exercessem quaisquer subornos ou corrupções, por mais disfarçados que fossem, nem se fizessem desdobráveis, processo imoral, tantas vezes usado.
Propositadamente, e por dois motivos principais, não apresentei ao país a minha candidatura.
Primeiro, porque nenhum desejo pessoal ou ambição ilegítima tinha de me manter num cargo que só pelo dever de assegurar o êxito da Revolução assumi e que por experiência sei ser um permanente tormento físico e moral, na ânsia sempre insatisfeita de buscar a felicidade do Povo, único grande ideal que se alberga no meu coração e que absorve a minha existência.
Segundo, porque no momento atual e conhecendo o país bem o meu nome, necessário era deixá-lo em completa serenidade escolher independentemente de quaisquer sugestões, o homem que reputa digno da suprema honra de presidir aos destinos da Nação.
Nunca, por isso, foram mais espontâneos os votos que concorreram às urnas eleitorais, na ausência de solicitações de toda a ordem.
Debalde se fez durante os últimos cinco meses uma campanha antipatriótica e antirrepublicana, tendo por base a dupla calúnia de apresentar aos olhos dos aliados e aos olhos da Nação o governo saído da Revolução como hostil aos aliados e contrário às atuais instituições.
Essa campanha insidiosa, que começou pela tentativa de enganar, intrigar, indispor a marinha portuguesa, sempre briosa na defesa da Pátria e da República, chegou ao cúmulo de insinuar a intervenção estrangeira, última das ignomínias a que só a absoluta falta de patriotismo pode levar.
A calúnia, a intriga, a conspiração caíram diante da força invencível da verdade.
Todos os atos do Governo da República, sem uma única exceção, depois de 5 de dezembro, demonstram o seu cargo de cooperar com os aliados e todos foram realizados no mais perfeito acordo com eles.
Todos os atos do Governo da República, saído da Revolução de 5 de dezembro, foram inspirados na mais pura fé republicana e se encaminham para a consolidação da República, pela integração de todos os portugueses num grande movimento nacional; e essa política quaisquer que fossem os obstáculos encontrados teve o seu mais formidável sucesso na eleição que acaba de realizar-se, onde o Presidente da República reuniu à sua volta meio milhão de eleitores conscientes da necessidade de se entrar num período de calma, de ordem e de sossego, que permita o desenvolvimento de todas as forças úteis ao país.
O povo, na sua extraordinária clarividência, no seu infalível espírito de justiça e na sua nunca desmentida sinceridade, repudiou todas essas calúnias, julgou, sentenciou e coroou assim, com o seu espiritoso aplauso, a obra da Revolução.
Povo Português!
Sinto-me orgulhoso de ser o teu Presidente eleito e procurarei, quanto em minhas forças caiba, corresponder à confiança que em mim depositaste, sendo o teu amigo de todas as horas e interpretando o teu sentir e a tua vontade soberana, única a que me curvarei, e a quem ninguém poderá desobedecer sem passar por cima de mim.
Nenhum ódio, nenhuma animosidade pessoal, nenhum sentimento rancoroso encontra eco no meu coração, só tenho a aspiração veemente de conciliar todos os nossos interesses legítimos.
Poderei errar, mas apenas me demonstrem o erro estou pronto a emendá-lo sem ressentimentos nem vaidades, sem teimosias ininteligentes, sem intransigências tiranizantes.
Todo o povo português pode contar em mim um amigo, pronto a defender a sua justiça, ainda que seja o meu maior inimigo.
Nenhumas perseguições fiz, tomei somente as medidas indispensáveis para assegurar a ordem pública que a minha guarda estava confiada.
Povo Português!
Ao assumir o exercício da Suprema Magistratura da Nação, as minhas primeiras saudações vão para as forças de terra e mar que heroicamente se bateram ao lado dos nossos aliados contra o inimigo comum pela causa da Liberdade, do Direito e da Independência dos Povos.
Essas forças são a tua emanação, são o teu sangue.
Saudando-as abraço-te a ti, a todo o Povo Português, no teu grande desejo de justiça tão ardentemente manifestado na espontaneidade com que abraçaste a causa dos aliados.
Uma nova era de Liberdade, de Tolerância, de Respeito pelas crenças religiosas e pelas convicções políticas, surgiu.
E só numa tal atmosfera que a nação poderá prosperar.
Ela precisa duma base estável que não poderia encontrar-se senão na união espiritual de muitas almas.
Essa união é hoje um facto e a força de atrações dela emanada alargará o seu âmbito e intensificará a sua potência.
Um grande ideal nacional populariza este movimento.
A Revolução de 5 de Dezembro triunfou!
O ressurgimento da nossa Pátria é mais do que uma esperança, é uma consoladora certeza.
Portugueses!
Conservai-vos unidos.
Aqui vos afirmo solenemente pela minha honra que defenderei até à última gota de sangue a sagrada causa da Pátria e da República que é também a causa do Povo Português.
Viva a Pátria!
Viva a República Nova!
Ao Congresso da República, eu apresento os meus reconhecidos agradecimentos pela alta honra que se dignou confiar a quem, como eu, se acha desprovido dos precisos dotes para o cabal desempenho de tão elevada quanto espinhosa função.
Para tal confio, porém, no precioso auxílio de todos os seus membros e no de toda a família portuguesa.
Diligenciarei, ao exercer o meu alto cargo, honrar a memória do nosso malogrado e saudoso Presidente, Dr. Sidónio Pais, procurando sempre seguir a sua grandiosa obra e inspirar-me, para o bem da República Portuguesa, nos ditames de honra, de justiça e de dignidade.
Agradeço ao Congresso da República Portuguesa a alta honra que me dispensou, elegendo-me Chefe de Estado.
Sou um homem simples e modesto, sem qualidades que o distingam nem predicados que o imponham.
E, se fui elevado ao alto cargo em que me encontro, a dignidade que me concederam só pode ser atribuída à benevolência de quem me elegeu e porventura ainda à circunstância de o Congresso querer mostrar que não se esquecia da minha dedicação à causa pública, e da persistência convicta, inalterável e tenaz, com que, nesta casa do Parlamento, defendi, sem um desfalecimento, e nas condições mais variadas, a legítima causa dos Aliados, a que sempre considerei indissoluvelmente ligada a nossa sorte de povo livre.
E, procedendo assim, o Congresso quis significar, sem dúvida, que, perante aquelas razões fundamentais, não prevaleciam razões de ordem secundária, que, todavia, anteriormente, exerceram influência na vida e marcha do Estado.
De facto, eu mantive-me, até a última hora, na política ativa, exercendo uma ação combativa na imprensa e na tribuna parlamentar e popular.
Até à última hora, estive à frente de um bravo e generoso partido, que, embora ligado por fortes laços de camaradagem patriótica aos outros agrupamentos políticos, tinha a sua doutrina peculiar e adotava processos que acentuadamente lhe pertenciam.
Apesar disso, o Congresso deliberou escolher-me para, numa República parlamentar, em que o Chefe de Estado se deve conservar alheio a todas as lutas e paixões, presidir aos destinos da Nação a que se condicionam todos os destinos partidários.
Este facto, que não deve ser olvidado, significa que a República Portuguesa está na resolução de pôr, acima dos interesses de grupo, os interesses genéricos da Pátria, e que só passageira e superficialmente se deixará impressionar pela modalidade técnica da política dos homens, para apenas ter em conta a superior expressão do seu patriotismo, contanto que eles sejam merecedores, pela sua lealdade, da confiança com que os honrem.
Mais ainda que o galardão que me conferiu, eu agradeço ao Congresso a segurança que atribuiu ao meu carácter e a certeza antecipada que se criou de que eu, no alto cargo a que ascendo, serei imparcial e sereno, sem outra paixão que não seja a do engrandecimento da Pátria e sem outro sentimento que não seja o do amor à República.
Não se há de iludir o Congresso.
Aqui cheguei sem qualquer espécie de tergiversação ou doblez.
A nenhuma convenção ou pacto anterior tenho de subordinar os meus intuitos, a não ser àquele pacto fundamental, que regula toda a vida da Pátria: a Constituição.
Essa, sim, respeitá-la-ei sempre, servindo-a ao mesmo tempo com consciência e amor, e de maneira tal que eu, zelando-a, a engradeça, e, engradecendo-a, não deixe de a zelar, até mesmo naquilo que são atribuições minhas, das quais não cederei jamais, na compreensão de que, se seria um atentado invadir a esfera dos outros, seria uma defeção consentir que os outros apoucassem ou deprimissem os direitos que me pertencem.
Tomei o meu compromisso há pouco.
Aqui o formulei em voz bem alta, dando-lhe a garantia da minha honra e aí fica ele escrito sob a responsabilidade do meu nome.
Saberei cumpri-lo.
É bem difícil o momento em que assumo a Presidência da República.
O mundo, abalado nos seus fundamentos pela grande guerra, durante muito tempo procurará debalde a fórmula do seu equilíbrio.
Portugal que, cavalheirosamente, se envolveu na luta, ressente-se dos estragos que a furiosa devastação produziu nas suas finanças e na sua economia.
Estamos num momento agudo da nossa história e, porventura, esse momento é decisivo.
Mas não devemos preocupar-nos além daqueles limites em que são legítimos a prevenção e o receio, como estímulo de energias adormecidas.
O país tem condições de vida que são suficiente garantia do seu futuro.
Com trabalho ordeiro e disciplinado e com uma economia severa, pautada, pelas mais austeras normas de moralidade administrativa, triunfaremos de todas as dificuldades.
Tenhamos essa fé, essa certeza.
Qualquer palavra de desânimo será criminosa.
Erradamente se costuma dizer que o país é pequeno, parecendo ignorar-se que somos a terceira nação colonial, com imensos tratos de terreno virgem, onde se acumulam as mais extraordinárias riquezas.
E quando os defectistas dizem que a raça é indolente, eles fingem ignorar as provas de vigor que ela tem dado sempre e ainda agora está manifestando, na ânsia indomável com que deseja acompanhar o movimento de renovação que vai pelo mundo.
Mas, para que o país possa desenvolver-se com intensidade e harmonia, é preciso que gozemos duma paz sem sofismas, e essa só é possível numa atmosfera de ordem, fecunda e acolhedora.
Para que essa atmosfera se crie pela solidariedade de todos, empregarei os melhores esforços e farei os maiores sacrifícios.
Conto com o êxito.
Acalmando as paixões, apaziguando as cóleras, moderando as ambições dos homens e estimulando as suas energias, o seu amor ao trabalho, o seu poder de iniciativa, conseguirei, pela concórdia e persuasão, aquilo que afinal tem sido o lema político de toda a minha vida: a Paz.
Alheio às lutas políticas, só nelas intervirei com o fim de as acalmar e aproveitando sempre o estímulo patriótico que delas derive.
Respeitador de todas as ideias políticas e religiosas dos portugueses, como é próprio da minha tradição e do lugar que vou ocupar, só combaterei, segundo os ditames da Constituição, quem atentar contra a República, e, então, não defenderei só o estado republicano, mas defenderei, como me cumpre, a própria doutrina republicana.
O âmbito da minha ação política é - eu o sei - pequeno.
E não sou eu homem que em caso algum o ultrapasse.
Mas a esfera da minha influência moral pode ser vasta, enorme.
E é precisamente essa grande e, por vezes, dominadora influência que eu vou empregar na missão elevada de conciliar os cidadãos portugueses.
Respeitador, por índole e dever, da Soberania Nacional, a minha ação de Chefe de Estado vai cifrar-se na palavra Fraternidade.
Só assim poderei dalguma forma merecer a liberalidade com que me haveis honrado, elegendo-me, e só dessa maneira eu serei digno da satisfação, por tantos modos revelada, com que a Nação aplaudiu esse ato.
Fui o presidente do Governo da União Sagrada.
Esse facto impõe-me obrigações que corajosamente aceito e aponta-me um caminho que intrepidamente seguirei.
Na minha fé sagrada, apesar da perturbante emoção que então senti, não tive um momento de hesitação ou desalento quando se tratou de sujeitar o país às provas dolorosas duma guerra atroz.
Servindo a Pátria nos seus altos destinos e obedecendo às vozes da Raça, contribuí para que Portugal, graças ao heroísmo do seu exército e da sua marinha, assegurasse, com a integridade do seu território, a prosperidade e benefícios duma honrada independência.
Agora com devoção igual me dedicarei inteiramente à missão pacífica de harmonizar os meus compatriotas, trabalhando pela Paz com o mesmo afão patriótico com que empreguei todas as minhas energias nas horas angustiosas da guerra.
Só assim corresponderei ao vosso mandato e só assim não serei amaldiçoado pela memória daqueles que dormem o glorioso sono sob a terra em que, defendendo a Pátria, caíram prostrados.
Que a vossa benevolência e o vosso autorizado conselho me não faltem, Senhores Congressistas.
Que me não falte o agasalho fraternal do povo.
Que não me falte, em suma, a confiança generosa da Nação.
E contando com esse amparo, que é ao mesmo tempo estímulo e fortaleza, deste lugar, onde imerecidamente cheguei, saúdo todos os portugueses sem excluir ninguém, na sentida aspiração de ver a Pátria engradecida - a Pátria a cujas virtudes, a cujo prestígio e a cuja glória rendo, neste momento, uma suprema homenagem, vitoriando-a no seu símbolo supremo.
Viva a República Portuguesa!
Senhores Senadores e Deputados da Nação,
Muito lhes agradeço a honra que me fizeram elegendo-me Presidente da República.
O juramento que acabo de fazer torna ociosa e inútil qualquer declaração, ou promessa sobre o modo como tenciono cumprir as obrigações do meu cargo.
Certo de que não me faltará nunca a colaboração do Parlamento, nem o apoio do povo português, entro afoitamente no exercício das minhas funções.
Espinhoso é o cargo de Presidente da República, e mais difícil no meu caso por suceder no seu exercício à nobilíssima figura do Exmo. Sr. António José de Almeida.
Republicano prestigioso entre os que o são, patriota de alma e coração, exemplo de virtudes cívicas inigualáveis, ele soube durante um quadriénio dos mais agitados da República, conquistar o respeito e a admiração de todos os portugueses.
E entre os nossos irmãos brasileiros, que o escutaram embevecidos, o seu verbo ardente criou tal atmosfera de simpatia, que o velho Portugal ali ressuscitou mais estimado do que nunca.
Nas chancelarias por onde transitei, e nas conferências internacionais a que assisti, só ouvi pronunciar o seu nome com sentida veneração.
Em Portugal e fora dele, a passagem do Exmo. Sr. Dr. António José de Almeida pela suprema magistratura da Nação assinalou-se como um modelo de integridade e de patriotismo.
Oxalá me seja dado seguir-lhe as pisadas!
A política externa adotada pela República tem merecido o aplauso da Nação inteira.
A mais e mais nos temos aproximado do Brasil, cujo povo, pela consanguinidade e pelo sentimento, é o mais afim do povo português.
Não se têm poupado esforços para que as nossas relações com a Espanha se estreitem, como deve suceder entre nações limítrofes e amigas, sobretudo nos casos, como este, de recíproca e sincera estima.
Com a França e a Itália, a nossa participação na Guerra criou essa nobre camaradagem que garante as amizades eternas.
Mantemos excelentes relações com todas as nações do Mundo e nos Estados Unidos da América os densíssimos núcleos de emigração portuguesa consolidam a profunda simpatia que sempre nos ligou à grande República.
Quanto à Inglaterra, cuja aliança tem por muitos séculos servido de base à nossa política externa, as provas de estima recebidas ultimamente pelo país, nas honras prestadas à pessoa do Presidente eleito, bastariam, se outras razões não houvesse, para provar os excelentes termos em que os dois países vivem.
É esperança minha, é certeza minha, que esta aliança continuará indefinidamente a servir de base à nossa política externa e ufana-me que o meu país trabalhe, para o progresso e a civilização da humanidade, de mãos dadas com a Grã-Bretanha.
É quase angustiosa a crise que atravessam todas as nações europeias que entraram na Grande Guerra: crise financeira, crise económica, crise política; de todas essas crises padecemos nós também.
Tão vastos são, porém, os recursos naturais da nossa abençoada Pátria, que se me afigura fácil vencer as duas primeiras, por pouco que nos unamos para as debelar.
Fio do patriotismo do Povo Português, do seu ardente amor à Liberdade, da sua coragem em defender as regalias conquistadas à força de tantos sacrifícios e à custa de tanto sangue, pelo constitucionalismo e pela República, que a crise política em Portugal nunca atingirá, nem de leve, o livre exercício das instituições parlamentares.
Fio também desse mesmo povo que trabalhará sem descanso para fortalecer essas instituições, dignificando-as.
Viva a República Portuguesa!
Senhores Senadores e Deputados da Nação,
É com profunda comoção de reconhecimento que recebo de novo o grave mandato da magistratura suprema da República.
Quando em 5 de Outubro de 1915 o assumi pela primeira vez, o nosso programa governativo era a intervenção de Portugal na guerra, e orgulho-me de haver então cumprido todo o meu dever presidencial.
O povo português que erguera valorosamente nas suas mãos o lábaro republicano em prol dos destinos da Pátria; tomou altivamente o lugar de honra que lhe pertencia no exército augusto das nações livres.
E a vitória veio coroar o esforço ardente da nossa heroica democracia.
A missão que impende hoje sobre nós é outra, mas não é menos momentosa, nem menos imperativa.
Temo de assegurar aos nossos denodados compatriotas, sem a mínima perda de valores e de tempo, a justa compensação dos seus generosos sacrifícios, não deixando jamais de reivindicar a causa dos nossos direitos, direitos sagrados, que ninguém ainda conquistou mais legitimamente do que nós pela nossa ação civilizadora no mundo.
O inimigo secular, que tantas vezes nos flagelou ferinamente, arrastando-nos à decadência, é historicamente o mesmo, na paz como na guerra, hoje como ontem, dentro ou fora do país.
É a usurpação da soberania popular, o arbítrio, a ditadura do Poder, causa fatal da instabilidade e dissolução ruinosa da vida pública.
Conjuremos resolutamente tais atentados.
Governe o Parlamento, governe sem declinar nenhuma das suas nobres prerrogativas na plenitude fecunda das suas faculdades poderosas reconstituintes, fazendo da República, pela justiça das leis e pela austeridade dos seus mandatários, um regime cada vez mais zeloso de todas as liberdades, individuais, associativas, corporativas e de todas as renovadoras iniciativas, científicas, artísticas, industriais, protetor querido e abençoado de quantos infelizes só dele podem esperar o alívio e resgate das suas obras.
No desempenho das suas altas funções, de tamanha responsabilidade, que o Congresso mais uma vez só dignou confiar-me, desvelar-me-ei por corresponder à sua extremada benevolência, e inspirando-me imperterritamente na mais entranhável devoção cívica à grandeza e ao prestígio da República pelo estreitamento dos vínculos de concórdia e confraternização social, em fiel solidariedade com as aspirações palpitantes do progressivo génio da Pátria.
Viva a República Portuguesa!
Podem os que me escutam imaginar como é grato ao meu espírito este momento que, sendo embora de sacrifício, não deixa de ser de íntima satisfação.
Um soldado, um simples soldado como eu, habituado ao cumprimento do dever e que nunca quis outra coisa senão cumprir o seu dever, sente-se naturalmente comovido ao ser investido nas mais elevadas funções a que um cidadão pode aspirar.
Sinto que vou encontrar dificuldades e espinhos no meu caminho.
E sinto também não poder levar a cabo, com aquela grandeza que as necessidades do país exigem, a tarefa que me vai ser cometida.
É certo que tenho trabalhado pouco.
Mas os que quiserem avaliar, com segurança e com lealdade, da natureza e do valor desse trabalho, hão de considerar que a acumulação de funções, a de chefe de Governo e a de ministro da Guerra, me vem impedindo de realizar por esta pasta, a tarefa que é necessário executar.
Mas, desassombradamente, posso afirmar que tenho procurado conciliar vontades e fazer desaparecer divergências que separam os portugueses.
E que, embora não haja chegado a resultados concludentes, alguma coisa de útil e de proveitoso tenho conseguido.
É grata, agradável ao meu espírito a missão de conciliar.
Agora como Chefe de Estado procurarei tornar mais profícuos ainda os meus intuitos de pacificação.
Torna-se necessário fechar o ciclo das lutas e das revoluções.
Se o Governo a que presido conseguir que estas lutas e que essas revoluções acabem, terá prestado ao país o mais alto e valioso serviço.
Por mim, afirmo que tenho procurado integrar-me no espírito do movimento de 28 de Maio.
O programa desse movimento não é de vinganças nem de retaliações.
É um programa de paz, de concórdia.
Cumpri-lo é uma honra para mim.
Meus senhores,
O movimento militar do 28 de Maio, executado com admirável e patriótica decisão pelo glorioso Exército português de terra e mar, numa explosão unânime de revolta contra erros inveterados da governação do Estado, traduziu à evidência os sentimentos e a vontade soberana da Nação rudemente experimentada, desde longe, por vicissitudes funestas e desilusões bem amargas.
Dois anos volvidos sobre a memorável data histórica, e postos em prática, através de circunstâncias aspérrimas, novos métodos e processos administrativos, caracterizados por uma honestidade irrepreensível e pela abnegação sem limites que à Pátria devemos todos nas horas de má fortuna, é uma grande consolação verificar como o povo - este bom e generoso povo da nossa terra, incarnação viva das virtudes e do génio imortal da Raça - chamado a exprimir em sufrágio direto e livre o seu juízo sobre o uso que o Governo da Ditadura tem feito da plenitude do poder, consagra solenemente, pela votação mais retumbante que ainda se fez em Portugal, não o valor muito obscuro do Presidente da República que, neste momento, se investe no exercício da sua magistratura, mas antes e sobretudo o próprio pensamento de reabilitação nacional, que eu, modestamente, sou obrigado a personificar como sei e como posso.
É cedo para julgar os homens e os acontecimentos.
Dessa delicada missão se encarregará a História, algum dia.
Mas, se o primeiro e mais grato dos meus deveres, nesta hora, é saudar toda a família portuguesa, sem restrições nem reservas, patenteando eterno reconhecimento eterno aos meus concidadãos que me honraram com a confiança do seu voto, do qual procurarei ser digno, julgo também oportuno afirmar a admiração de que me sinto possuído por todos os meus dedicados cooperadores, que, fazendo prova de um alto espírito de sacrifício, têm prestado relevantes e desinteressados serviços ao País, quer na metrópole, quer nas colónias, sendo para destacar a notável ação das comissões administrativas municipais, na faina nunca assaz louvada de reconstituírem a vida provincial, lamentavelmente decaída das suas antigas e preciosas tradições.
Esforçada tem sido a ação do Ministério a que presidi.
É natural que haja nela erros cometidos, inerentes à experiência contingente e à facilidade da inteligência.
Mas é de vulto a sua tarefa já cumprida, na preocupação absorvente de restabelecer sem violência a ordem nas ruas e nos espíritos, condição primeira de todo o programa de reconstituição em perspetiva; de reconquistar o crédito financeiro, saldando compromissos importantes no estrangeiro; de acalmar paixões sectárias, distribuindo justiça a uns e chamando outros, qualquer que seja o seu credo político, filosófico ou religioso, a colaborar com as suas ideias e o seu patriotismo na redenção da nossa Terra, que só pelo trabalho e pela virtude poderá alcançar tranquilamente o seu antigo prestígio.
Que o Governo da Ditadura vai em boa estrada, prova-se bem pelo testemunho de repetidas demonstrações de apreço e consideração diplomática que lhe têm sido prodigalizadas pela Inglaterra, nossa fiel aliada, pelo Brasil e pela Espanha, nações amigas, duma amizade muito leal, às quais nos prendem fortes vínculos de raça, e afinidades históricas que não é lícito esquecer, e, de modo geral, por todas as demais nações entre nós acreditadas.
Meus senhores,
Nada contribuí com ambições que nunca tive para ascender a esta posição, que considero bem excessiva para a pobreza dos meus méritos.
Soldado, fui sempre escravo do Dever e da Honra; jurando defender até à última gota do meu sangue, se preciso for, a Pátria e a República, que hoje me são confiadas, dou por penhor do meu juramento a coerência de todas as ações da minha vida; e só peço a Deus que, se algum prémio merece a minha dedicação à causa da Pátria, me dê a felicidade de ver reconciliada, em breve, numa perfeita unidade moral, toda a Família portuguesa.
É a minha suprema aspiração.
Senhores Deputados,
Agradeço a Vossas Excelências as palavras de saudação que me dirigistes e mais sentidamente, ainda, os votos que fizestes para que se (? ) dirija com felicidade, neste novo período, o Governo do país.
Eu sei que o que procede em harmonia com os ditames de uma consciência reta cumpre perante a moral o seu dever, mas o homem público só realiza o seu destino quando os seus atos aumentam o património moral e material da Nação.
Penso ter obedecido sempre aos ditames da minha consciência e espero confiadamente que a eles continuarei a obedecer, mas espero também que a Assembleia Nacional e os demais órgãos do Estado, ajuntando os seus esforços aos de todos os portugueses, darão aos meus propósitos a virtude de com eles servir os altos destinos de Portugal.
Senhores deputados, há muitos anos que sirvo a nação: primeiro a servi como soldado, sem reservas, sem restrições, como é lei do soldado; depois na direção dos negócios públicos, desde que um movimento geral e profundo da opinião pública pôs fim a uma crise política que, pela sua longa duração e intensidade, vinha enfraquecendo e anarquizando as forças estruturais do País.
Vão decorridos mais de oito anos depois que me foi concedido esse pesado encargo, tempo bastante para experimentar processos de atuação e para os condenar ou sancionar.
Durante eles pôs-se termo ao dissídio permanente que nos enleava e ameaçava subverter; iniciou-se e já vai longe a obra de reconstrução moral e material da Nação e esta readquiriu a confiança nos seus próprios destinos, sobretudo depois que pôde ver a sua atividade apontada como exemplo a povos de mais relevo na cena mundial.
É certo que o esforço para a reconstituição não pôde ainda atingir todos os objetivos visados pela revolução nacional, não só porque alguns demandam de si mesmos muito tempo para serem executados, mas também porque fomos surpreendidos pela crise mundial, que a todos os países fundamente perturbou, mesmos aos mais bem apetrechados, mais ricos do engenho do homem e das dádivas da natureza.
Creio, porém, que os resultados merecem ser recordados e postos em relevo, e, se o digo, é, sobretudo, com o intuito de fazer justiça ao próprio esforço da Nação, sem o qual seria impossível obra de tão grande vulto e a colaboração dos homens de boa vontade que a têm servido.
A idade já longa e os trabalhos de muitos anos podiam-me fazer crer que sobre outros ombros a Nação lançaria o pesado encargo de a dirigir.
Entendeu ela, porém, que poderia ser-lhe ainda útil a minha ação, e eu, acostumado a servir, não a recusei, embora não ignorasse a gravidade dos problemas que ensombram a hora presente.
A crise mundial continua dominando todos os povos, invadindo todos os setores da atividade.
No mundo assim conturbado, e por força da solidariedade que a todos une, as nações são vítimas não só das dificuldades que em cada povo se engendram e nascem, mas das que em outros povos se geram.
Parece-me, por isso, que toda a governação deve ser orientada no sentido de cada país, organizando-se a si próprio e promovendo o seu progresso material e moral, evitando que as suas dificuldades sejam causa da perturbação nas outras nações.
Assim, do mesmo passo que realiza o seu ideal nacional, realiza, ainda, o princípio da comunidade internacional, e esta atitude será, sem dúvida, o melhor e mais útil contributo que cada povo pode dar à obra de solidariedade das nações.
A reconstrução nacional tem de ser, tem de continuar a ser, simultaneamente moral e material; obra moral de fortalecimento contínuo do ideal coletivo pela exaltação dos altos destinos da raça e das perspetivas que o seu génio saberá traçar, e pelo apaziguamento das paixões desvairadas, dos conflitos que dividem e por isso mesmo diminuem; obra material, que eleve o nível de vida da população e torne, se não mais fácil, pelo menos, mais útil o esforço dos que trabalham.
Eis senhores deputados, no que pode resumir-se os objetivos que desejaria fossem realizados neste segundo período da minha presidência, para o que sei que posso contar com a ajuda da vossa colaboração valiosa.
Senhores Deputados,
As palavras de saudação que Vossas Excelências acabam de dirigir-me vieram obrigar mais ainda o agradecimento devido à Nação pelo entusiasmo e carinho com que decidiu renovar-me o mandato de continuar a presidir aos seus destinos.
A autoridade em que acabo de ser investido existe para bem de todos os portugueses, e a todos os que comungam na unidade da Pátria, embora vivam ou cumpram a sua missão em terras distantes, se dirigem as minhas saudações e a expressão do meu reconhecimento.
Não aludirei às deficiências da minha pessoa e da minha idade, para sopesar a mais alta magistratura do País, nem que não seja senão porque, ante a insegurança que avassala o mundo e a grandeza dos acontecimentos, já os maiores valores humanos se reputam insuficientes.
Patrioticamente coagido a continuar o exercício da Presidência da República, quero somente dizer que, tendo aprendido a servir a Nação no decorrer de uma vida inteira, da melhor vontade lhe ofereço as energias que me restam e todo o esforço de que me for capaz para a sua sustentação inquebrantável dos seus direitos, para a defesa do seu maior prestígio, da sua integridade e independência.
Estas palavras do compromisso constitucional que podem, em épocas de calma normalidade, parecer simples manifestações da majestade do poder público, envolvem, nesta hora conturbada, responsabilidades que todos conhecem e a muitos causam justa apreensão.
Mas jamais, em qualquer época da história, a missão altíssima de governar andou isenta das maiores dificuldades e perigos; para os vencer e conjurar se reuniram sempre à volta dos chefes todas as energias nacionais desde a força da tradição, pela qual as nações são o que são ao longo dos séculos, até aos sacrifícios mais devotados dos seus continuadores no presente; desde os desígnios, formados pela falível inteligência dos homens, até aos que encontram decisivo apoio no favor da Providência.
É rodeada de todas estas energias e valores que a voz de um homem, embora imperfeito ou alquebrado, se fala em nome de uma Pátria, assume ressonâncias infindas; nela ecoam direitos e obrigações dos antepassados, nela vibram as esperanças dos homens de hoje, nela vivem antecipadamente as ânsias de verdade, de ventura e de justiça dos homens de amanhã.
Sei bem que posso contar com esta admirável força patriótica no desempenho da minha árdua missão; conheço-lhe as raízes que prendem na história e tendo podido avaliar, nas altas funções que me foram confiadas, a sua fecundidade construtiva na preparação de novos tempos; e se é crucial o momento histórico que atravessamos, também sinto essa força patriótica cobrar novos alentos pela união dos corações e das inteligências à volta dos supremos interesses nacionais.
Vale a pena, Senhores Deputados, viver e morrer por uma Pátria que, ainda na hora em que parece o mundo tudo despreza e tudo subverte, encontra justos motivos para o respeito dos outros povos.
De muitos dos seus ilustres Chefes, como do Sumo Pontífice, tive a honra de receber palavras de apreço pela minha reeleição; quero renovar-lhes também os meus agradecimentos, em nome da Nação Portuguesa, que com todas tem procurado manter amistosas relações e só deseja poder continuá-las, animada do bom propósito de converter em proveito comum, não só a tranquilidade que felizmente disfrutam, mas ainda os sacrifícios que as lutas alheias imerecidamente lhe imponham.
Senhor Presidente da Assembleia Nacional,
Senhores Deputados,
Ao assumir pela quarta vez o mandato em que a Nação me investiu são para ela, nas pessoas dos seus diretos representantes, as minhas primeiras saudações.
Tributo-lhe ainda os meus reconhecidos agradecimentos pelo seu voto de confiança e manifesto a minha gratidão pelas palavras com que a Assembleia Nacional teve a bondade de receber-me.
Faço-o por dever de cortesia e por imposição do sentimento, ainda que as reais limitações de uma idade avançada e o cansaço de uma vida de trabalho me agravem neste momento as preocupações com que, mesmo noutras circunstâncias, tomaria o encargo de presidir aos destinos da Nação.
Como homem consciente das responsabilidades do cargo e das dificuldades da época que atravessamos, não obedeci, com efeito à voz da comodidade, mas posso dizer que segui o imperativo do dever.
Ao menos parece-me que a simpatia, o ardor, o entusiasmo com que a Nação se ergueu para designar o meu nome me impunham a obrigação de me dispor a servi-la com as forças que me restassem e enquanto humanamente o pudesse fazer.
Sirvo-a em nome dos mesmos princípios que me tem conduzido e todos temos professado, nenhum outro interesse busco através de toda a ação além do interesse nacional.
Estamos, como todos reconhecem, numa das grandes viragens da História.
Multiplicam-se os problemas; acumulam-se as dificuldades; uma grave perturbação agita os espíritos; no mundo económico, no mundo social, no mundo político, nas relações entre Estados e no seio das Nações, os homens revelam mais perplexidades que seguranças, mais problemas que soluções, mais dúvidas que certezas.
É quase certo que desta fermentação social um novo mundo despontará; Esse outro mundo é porém para a mesma humanidade - isto é, para o mesmo homem que, à face da terra, terá sempre de trabalhar e sofrer, de conviver com os outros homens, disciplinar e condicionar a sua atividade, e continuará a partilhar a vida entre tendências inferiores, a caminho da materialidade das coisas, e magníficas florescências duma espiritualidade quase divina.
E, sendo assim, muito perigosa é para as sociedades a ânsia duma impossível renovação total, e falsa a ideia de que, para fazer de novo, se podem esquecer ou postergar os princípios que derivam da própria natureza humana e a experiência de séculos foi pouco a pouco revelando e cristalizando na consciência dos povos.
Eis porque Portugal se tem mostrado tão largo e aberto ante novas perspetivas - e algumas com imensos sacrifícios seus abriu ao mundo - e ao mesmo tempo tão apegado se mostra às diretrizes permanentes da sua História e aos princípios modeladores da consciência da Nação.
Nós o vimos bem claramente através de uma reação vivíssima quando receou pudessem ser atingidos alguns daqueles princípios fecundos a que tem obedecido a sua vida, o seu orgulho de nação livre, a independência e integridade da Pátria, cuja defesa de modo tão explícito a Constituição me impõe como Chefe do Estado.
Essas claras indicações da consciência nacional são diretrizes a que tem de obedecer a ação do Estado, nos confusos tempos que vivemos.
Para que triunfem não basta, porém, que as sigamos; é necessário que a comunidade nacional se encontre espiritualmente unida na sua defesa.
É para essa união dos portugueses que apelo, é essa união de espíritos que desejaria se fortalecesse cada vez mais, como indispensável à realização dos seus destinos.
Não podemos deixar de ver com satisfação que a Europa vai despertando para a consciência dos princípios básicos da sua própria civilização e que das recentes destruições e desgraças começa a ressurgir para uma vida mais conforme à solidariedade das nações que a constituem.
A generosidade com que a América, tanto material como moral e politicamente, ajuda à recuperação europeia marcará, sob certo aspeto, a fisionomia de uma época, e, se for possível, mercê dessa política salvar a paz e com ela a civilização cristã do Ocidente, penso que a Humanidade deverá pelos séculos fora regozijar-se de ter sido possível preservar dos erros e loucuras que o ameaçam o seu mais valioso património.
Concluo sobre essa esperança e sinceríssimo voto as minhas despretensiosas palavras e sobre ela começo o meu novo mandato que a Providência abençoe e torne feliz para todos os portugueses.
Senhores Presidentes da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa,
Senhores Deputados e Dignos Procuradores,
Saúdo em Vossas Excelências os ilustres representantes da Nação e agradeço-lhes a bondade das palavras que em vosso nome acabam de ser-me dirigidas.
Ao ser investido na suprema magistratura do País não quero deixar de significar a minha profunda gratidão pela forma por que ele se manifestou no momento melindroso em que teve de eleger o novo Chefe do Estado.
Procurarei corresponder à confiança que em mim depositaram pondo toda a minha boa vontade e todo o meu patriotismo ao serviço da Nação, com a ambição única de contribuir para o bem e prosperidade dos Portugueses.
Desejo ardentemente que em minha volta se reúnam todos os que tiveram a honra de nascerem terras de Portugal, sem distinguir raças, religiões ou ideias, e que no Chefe do Estado vejam segura garantia do prestígio e da continuidade da Pátria.
Os povos só prosperam e são fortes quando, espiritualmente unidos, formam um bloco sólido e homogéneo, invulnerável às investidas do tempo e dos homens.
A época em que vivemos, tão perturbada e de futuro tão incerto, não nos permite - nem às nações nossas amigas - dedicar energias e haveres exclusivamente ao bem-estar das populações; é mister que nos apetrechemos para enfrentar os perigos que nos ameacem.
No entanto, apesar das dificuldades que o Mundo atravessa, em Portugal as grandes realizações de toda a ordem têm podido continuar num ritmo que deve satisfazer os mais exigentes; e, em passo tão difícil da vida nacional, realizaram-se ou estão em curso importantíssimos trabalhos públicos, que contribuirão, sem dúvida, para elevar o nível de vida do nosso povo.
Não seria possível tal situação se não estivéssemos preparados com uma orgânica do Estado que não facilita a divisão dos valores nacionais, nem permite que as energias da grei sejam consumidas em lutas estéreis.
A sensata reflexão da nossa gente mostrou mais uma vez, na última consulta ao País, que todos - indivíduos ou famílias, na metrópole ou no ultramar - desejam continuar a viver habitual e pacificamente a sua modesta, mas progressiva, existência.
Está assegurada a paz interna onde quer que flutue a nossa bandeira.
Mas Portugal, que não vive isolado do Mundo, tem de compartilhar das responsabilidades e riscos que pesam sobre o grupo de nações a que está ligado; e tal facto obriga o País a preparar-se moral e materialmente para satisfazer os compromissos que as circunstâncias internacionais impuserem.
As nossas gloriosas forças armadas do mar, terra e ar adestram-se sem olhar a sacrifícios para poderem cumprir a alta missão que lhes compete, na defesa do património nacional e da civilização que tanto ajudámos a criar.
Espero em Deus que as precauções tomadas pelos países do Ocidente serão suficientes para evitar que o Mundo - mal curado ainda de recentes feridas - seja lançado no mais sangrento e devastador conflito.
Por nossa parte, continuará a ser constante aspiração vivermos nas melhores relações com as nações amigas e por essa forma contribuirmos para a boa compreensão entre os povos, facilitando as condições em que a paz possa existir e consolidar-se duradouramente.
Senhores Deputados e Dignos Procuradores, o juramento que prestei perante Deus e perante os homens ficou profundamente gravado no meu espírito e na minha consciência.
Não esquecerei que passei a ser o chefe de um grande povo, que, através de longa e gloriosa vida, escreveu páginas das mais brilhantes da história da Humanidade.
Senhores Presidentes da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa,
Senhores Deputados e Dignos Procuradores,
O juramento que perante vós prestei nesta soleníssima sessão, para formal investidura nas funções do Presidente da República, impõe-me a obrigação de manter e cumprir leal e fielmente a Constituição, de observar as leis, de promover o bem-estar geral da Nação e de sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria Portuguesa.
Nas circunstâncias atuais, em que os espíritos se mostram, não só entre nós mas por toda a parte, perigosamente perturbados, o juramento a que fiquei vinculado exprime-se, o talvez mais do que nunca, por uma tarefa extremamente pesada e difícil, que só poderá ser integralmente executada desde que me não falte a indispensável ajuda dos Portugueses e possa verificar-se uma favorável evolução nos acontecimentos mundiais.
Salvo episódicas ocasiões, conseguimos viver em quietação política nos últimos trinta anos, com manifesta utilidade para o progresso e bom nome do País.
Ocorreu recentemente uma dessas ocasiões, que se caracterizou por nefasto clima de paixões, apto a envenenar a paz e harmonia em que vivemos.
Convêm, no entanto, estar atento e sentimentos ou críticas que pareçam justificados.
Em toda a obra humana nem tudo resulta bem feito ou executado em conformidade com os melhores intentos e, não se afigurando sério negar ou minimizar o muito que de bom se faça, não há, também, que falar apenas no que resulte bem, escondendo o que ficou por fazer ou se realizou mal.
A quem administra cabe estar atento aos erros que se cometem e às deficiências que forem surgindo e animado do firme desejo e da preocupação constante de só ser útil à causa que serve.
A obra a realizar, dentro desta orientação, é ainda imensa e para a sua consecução poderá contribuir em muito o II Plano de Fomento, cuja execução começará no próximo ano; e não deverá olvidar-se que entre os problemas mais instantes e só parcialmente resolvidos avultam os do nível de vida das classes mais desfavorecidas, da habitação dessas classes, da saúde e da educação.
A eles terá de ser dedicado imediato o especial cuidado e para a sua realização serão necessárias a ajuda e a compreensão de todos os portugueses.
Apesar das aparências, tem-se vincado cada vez mais os dissídios entre os dois blocos em que o Mundo se encontra dividido, caracterizando-se um pela sua orientação desconcertante, mas sempre objetiva e dinâmica, e o outro por procedimentos muitas vezes desconexos, hesitantes, senão contraditórios.
Dessa diferença de orientação, têm resultado apreciáveis ganhos para um deles e perdas, praticamente irrecuperáveis, para o outro.
Nós estamos diretamente interessados no caso, porque aos Portugueses deve em grande parte o Ocidente a influência que dele perdurou em várias partes do Mundo, durante alguns séculos, e a eles deve ainda um dos pontos de resistência consciente aos abandonos geralmente consentidos.
Para se evitarem as maiores catástrofes parece indispensável que o bloco ocidental defina e siga uma política homogénea e firme, não só capaz de lograr a paz geral entre os povos, mas de preservar-lhes a sua integridade e independência.
Nem há que cuidar somente da defesa do Ocidente sob o ponto de vista militar, porque, se é indispensável, apesar dos pesados sacrifícios que impõe, para evitar o maior mal de todos, não tem ela conseguido obstar a que o Oriente, por caminhos menos aleatórios, vá atingindo os objetivos que visava alcançar.
Senhores Deputados e Dignos Procuradores, não se me tendo afigurado legítimo esconder as apreensões que naturalmente suscitam as dificuldades e os perigos do momento em que se inicia o meu mandato, não podem umas e outros dominar - e felizmente não dominam - a fé e a esperança de que estou possuído ao dirigir ao País, do seio da representação nacional, a minha primeira mensagem como Chefe do Estado, como resposta à confiança que em mim quis depositar.
Nela me cumpre agradecer - e desvanecidamente o faço - as palavras cativantes que acabei de ouvir e constituirão precioso incentivo no limiar da tarefa árdua que terei de enfrentar.
Nela sinto ainda o dever de endereçar as mais cordiais saudações às nações aliadas e amigas, cujos representantes vejo presentes.
E nela ofereço a todos que nasceram portugueses, vivam ou não em território pátrio, o que humanamente possa ser exigido em esforço e dedicação.
Crente de que a Providência continuará velando por Portugal e de que todos os portugueses, esquecendo as suas divergências de ocasião e unidos num mesmo patriótico pensamento, darão ao novo Chefe do Estado a colaboração de que venha a carecer, inicio o desempenho das funções em que fui investido com o firme propósito de acertar e de não desmerecer do exemplo deixado pelos meus ilustres antecessores - marechal Óscar Carmona e general Craveiro Lopes.
Senhores Presidentes da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa,
Senhores Deputados e Dignos Procuradores,
A mensagem que vou ler perante Vossas Excelências tem de começar, naturalmente, por agradecer a confiança que a Nação me reiterou, por via do seu Colégio Eleitoral, elegendo-me para novo septenato na Chefia do Estado.
A exemplar dignidade em que funcionou o Colégio e a presença da quase totalidade dos possíveis eleitores conferiram ao ato a maior relevância e pareceram provar as vantagens do novo sistema, afinal semelhante ao existente em muitos outros países e até com a vantagem de mais larga e completa representação nacional.
E a votação que o meu nome mereceu, além de muito me ter desvanecido, mostrou que a anuência por mim dada para segunda candidatura à chefia do Estado terá constituído talvez, na situação atual, a solução que o País esperaria.
Mas sinto-me no dever de esclarecer que muito hesitei em candidatar-me a novo mandato presidencial.
Foi sempre minha intenção retirar-me após os sete anos que hoje precisamente findaram.
Completei já setenta anos de vida e poucos períodos de ócio conheci durante ela.
Habituei-me ao trabalho árduo e, na Chefia do Estado, continuei seguindo a mesma linha de conduta, coerente com o meu passado.
E, se em tão alto cargo tive a suprema consolação de conquistar a geral simpatia popular, é igualmente certo não me ter eximido a qualquer esforço, por maior que fosse a sua violência.
Onde foi pedida a minha presença e ela se justificava não deixei de estar presente, e muitas foram as terras que em mim viram o primeiro chefe do Estado que as visitava.
A saúde e o vigor físico permitiram sete anos de dedicação completa a causa pública e sem essa dedicação completa não é legítima, a meu ver, a presença em cargo de tão grande responsabilidade.
Por isso hesitei muito e resisti largo tempo às pressões que de tanto lado e tão simpaticamente se exerceram.
E só as razões derivadas das circunstâncias especiais de guerra em que o País vive me convenceram.
Por isso nenhuma gratidão me é devida.
Apenas cumprirei mais uma vez e com toda a devoção o meu dever para com a Pátria.
Em servi-la, não há sacrifícios que contem: mas só servindo-a exemplarmente se justificará continuar.
Não se afiguram fáceis os sete anos que hoje começam.
Durante eles poderão surgir problemas da maior gravidade, a exigirem decisões prontas e firmes, mas que terão de ser consentâneas com os reais interesses da grei portuguesa.
E, se ao Chefe do Estado cabe sempre estar atento, compete-lhe sobretudo estar preparado para as emergências que possam surgir, pois é na sua consciência que pesará a responsabilidade das decisões a tomar.
Quero crer só haja, por enquanto, que continuar enfrentando as dificuldades internas e externas que, de diversos modos, afligem também todos os outros povos.
No caso português tais dificuldades quase se confundem, porque os problemas internos criados à Nação são sobretudo os que, tendo origem internacional, se desenvolvem no ultramar português.
Mas a sucessão de acontecimentos internacionais, os constantes insucessos da política ocidental e a crescente expansão dos comunismos russo e chinês em África têm ajudado a esclarecer na opinião pública internacional, ainda que com lentidão, as posições tomadas pelos Portugueses.
E, no entanto, os sacrifícios que estas comportam não se traduzem em vantagens exclusivas da Nação Portuguesa.
Antes e ao mesmo tempo se destinam a salvaguardar interesses essenciais do Ocidente.
Não é de mais afirmar que estamos trabalhando e lutando sobretudo em benefício alheio.
E na luta que se está travando em Angola, na Guiné e em Moçambique, junto das fronteiras de Estados recém-nascidos, de onde parte o terrorismo que nos tem assolado, deve-se às Forças Armadas o maior reconhecimento pelo seu abnegado e total esforço na defesa intransigente do torrão pátrio, contra inimigos insidiosos, instruídos principalmente pelos que odeiam o Ocidente e a sua civilização milenária.
O moral com que os soldados de terra, mar e ar se batem e morrem, suportando as maiores inclemências, dá bem a medida do seu valor e, também, da plena consciência com que lutam.
E tudo isso é possível e natural, porque o povo português se mantém patriota como nenhum outro e tem, como aliás teve sempre, o sentido exato do verdadeiro interesse nacional.
A luta terá de continuar até à nossa vitória final, que uma compreensão mais realista do Ocidente pode apressar.
Mal tal determinação da nossa parte não obsta a que manifestemos sempre o nosso espírito e o nosso desejo de colaboração com todos os países, especialmente os que, sendo vizinhos em África, mais necessitam do nosso entendimento, de auxílio e apoio, e não de lutas.
E não podemos duvidar de que o Mundo, em muitas partes envolvido em guerras anseia por ter paz, embora pareça não saber já procurar os caminhos que a ela podem conduzir.
A ambição é, no plano externo, a principal causa da guerra, sobretudo quando alimentada por certas ideologias que, sendo universalistas, em si mesmas contêm germes de agressão.
E no plano interno sucede naturalmente o mesmo.
A espécie de angústia espiritual do nosso tempo não se curará através da permanente e sôfrega procura de gozos e bens materiais, nem se curará com mutações políticas a cada momento procuradas, ainda que as instituições tendam a evolucionar à medida que as circunstâncias da vida económica e social apresentem alterações profundas.
O otimismo criador que impulsiona a vida económica dos nossos dias tem de ser aproveitado para o bem comum, na criação e distribuição da riqueza.
Fala-se hoje muito de um mundo novo, de uma sociedade nova e de um homem novo em gestação nos nossos dias: mas a evolução do ser humano é de si extraordinariamente lenta, e daí os atritos, mais ou menos duros, entre o homem e o meio em que é obrigado a viver.
Sejamos, por isso, modestos, não ambicionando alterar em décadas a constituição do Mundo, mas trabalhemos antes por melhorá-lo em cada momento no que de nós dependa e o progresso da técnica, em certas épocas como a nossa, mais aceleradamente permita.
Esta tem sido, aliás, a orientação que temos seguido, pois não podemos esquecer não sermos ricos e que há quarenta anos nos encontrávamos em confrangedor atraso.
O que se tem conseguido justifica que comemoremos, no próximo ano, as primeiras quatro décadas do regime em que vivemos.
Temos usufruído, ao longo delas, uma quase contínua paz interna, que pôs termo a muitas outras de lutas políticos constantes e improdutivas.
E tem sido possível, apesar de graves e demorados acontecimentos internacionais terem repercutido intensa e desfavoravelmente na vida nacional, um progresso económico e social muito além do que há anos atrás era possível ambicionar.
Largas tarefas, no entanto, terão ainda de ser executadas, mediante completos e bem estruturados planos de fomento, para elevar os níveis de vida, de habitação, de educação e de saúde do nosso povo.
Para tanto, porém, há que continuar usufruindo a mesma paz interna que o regime nascido em 28 de Maio de 1926 assegurou.
E não pode afirmar-se, com seriedade, que tal regime só existe mantido pela força e contra a vontade do povo.
Dificilmente, em qualquer época, houve força capaz de impor e manter em paz, um mesmo regime durante quarenta anos.
Hoje isso tornou-se impossível e a verdade é pois outra: se o nosso atual regime viveu, e vive, é porque contém é em si mesmo a vida que o faz viver.
Senhores Deputados e Dignos Procuradores, alonguei-me demasiadamente, talvez, nesta minha mensagem, mas é meu dever, antes de concluir, agradecer as palavras gentis e encorajantes que escutei em vosso nome e manifestar a esperança de que as lutas africanas terminem em breve e de que as populações regressem à paz e tranquilidade do trabalho, essenciais ao seu progresso económico e social.
E o regresso à ordem permitir-nos-á devotar-nos mais intensamente ao seu bem-estar.
E ainda deste lugar me compete saudar as nações amigas dos seus representantes diplomáticos aqui presentes exprimir a todos os portugueses, vivam ou não em território nacional, a minha profunda simpatia.
Em primeiro lugar o meu pensamento vai, muito naturalmente, para as Forcas Armadas que defendem Portugal em África e para os portugueses do Estado da índia, ainda sujeitos a iníquo e pesado jugo estranho.
E finalizo reiterando o juramento que prestei há pouco perante vós e com o qual iniciei o novo mandato que a Nação tão significativamente me conferiu.
Esse juramento, apesar do seu significado transcendente, pode exprimir-se, como tudo que é grande, por poucas, mas belas palavras, apenas duas Continuar Portugal.
Pois bem, com a ajuda de Deus e dos Portugueses, prometo solenemente, com a maior firmeza e até ao limite das possibilidades humanas, que tudo empenharei na alta missão de continuar Portugal.
Senhores Presidentes da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa,
Senhores Deputados e Dignos Procuradores:
Perante Vossas Excelências e de acordo com o preceituado no artigo 75.
° da nossa Constituição Política, assumi há pouco e pela terceira vez consecutiva as altas funções do Presidente da República.
No momento solene da posse e usando a fórmula de compromisso que o mesmo artigo prescreve, jurei, mais uma vez, manter e cumprir leal e fielmente a Constituição da República.
As palavras do texto constitucional são intuitivas e aparentemente simples, mas, bem meditadas, representam um rosário, quase sem fim, de responsabilidades.
E embora o sejam, também, para todos os portugueses, elas atingem, quanto ao Chefe do Estado, e logicamente, o máximo da sua intensidade, constituindo para ele preocupação permanente era todos os seus pensamentos, procedimentos e decisões.
O reconhecimento perfeito das responsabilidades e do seu constante incremento, derivado da já longa permanência na chefia do Estado, fez-me hesitar muito, muito mais ainda do que em 1965, no propósito de me candidatar a novo mandato presidencial, que se me afigurava pouco justificável, mas para que estava sendo insistentemente impedido por apelos de que a minha consciência nem sempre conseguia desprender-se com a indispensável tranquilidade.
Não resultaram essas hesitações do aparecimento de quaisquer quebras de ânimo ou de súbito temor às responsabilidades, pois tais hesitações seriam irremovíveis.
As suas causas derivavam do natural receio, bem compreensível, de ao cabo de tantos anos de exaustivos esforços e de idade, não conseguir desempenhar, por mais alguns ainda e com a eficiência plena que elas exigem, tão altas e difíceis funções.
É certo existir em qualquer idade o risco da pessoa desaparecer da vida ou de se incapacitar nela, mas não deve esquecer-se que tal risco vai logicamente crescendo ao longo dos anos que se vão vivendo.
Porém e através de insistente argumentação, de que não consegui libertar-me convictamente, fizeram-me crer que o meu dever, no momento atual, era continuar.
Por isso anuí em me candidatar e como fui eleito, continuo; e continuo porque a um português que sinta entranhadamente Portugal, não se afigura legítimo eximir-se ao cumprimento do seu dever, enquanto o puder e souber cumprir.
A minha candidatura foi recebida com geral simpatia e com manifesto entusiasmo em todo o morado português.
De uma e de outra deram pleno eco os órgãos de informação e o excecional volume de correspondência recebida, tudo parecendo mostrar ser a renovação dos meus anteriores mandatos a solução mais desejada.
E confirmando esse parecer, o Colégio Eleitoral elegeu-me, por expressivo e consolador número de votos, para mais um septénio na chefia do Estado, o que exprime, sem dúvida, a continuação da confiança que a Nação em mim tem depositado.
Desvanecidamente agradeço essa confiança, tão largamente manifestada, e procurarei continuar a merecê-la, servindo o País, como o tenho procurado fazer sempre, com toda a dedicação e entusiasmo que lhe são devidos.
É, aliás, uma obrigação e pelo seu cumprimento não há lugar, evidentemente, a qualquer gratidão.
Mas é oportuno repetir o que afirmei na mensagem há sete anos dirigida à Nação, deste mesmo lugar.
Em servir a Pátria não há sacrifícios que contem: mas só servindo-a exemplarmente se justificará continuar na chefia da Nação.
Não penso que venham a ser fáceis os anos que se avizinham, pois, se tal pensasse, seria agora e apenas mais um simples espectador desta solene cerimónia.
E não penso, nem é de pensar, porque a humanidade se está mostrando cada vez mais profundamente perturbada e porque a experiência trazida dos dois anteriores mandatos e o clima de incrível animosidade, que tão injustamente nos criaram e tão encarniçadamente está sendo mantido, não permitem otimismos inconvenientes.
Infelizmente não voltarão, com a brevidade precisa, os tempos calmos que há anos atrás se viveram, embora a parte boa e sã da humanidade os deseje, como nós, com toda a compreensível ansiedade.
Os estragos que as forças do mal têm causado são já muito profundos, pouco se tendo feito de positivo, até agora, para pôr termo ao desrespeito, à indisciplina, à degradação e ao banditismo que têm grassado, com estranha impunidade, em quase todo o Mundo e têm conseguido abalar, e de que maneira, os milenários alicerces em que se firmara, até há não muitos anos e com uma segurança que parecia indestrutível, a civilização ocidental e cristã.
É neste quadro bem pouco animador e até preocupante, mas sem dúvida realista, que inicio o meu terceiro mandato na Presidência da República.
Mas não enceto a marcha de forma alguma vencido e antes animado de pertinaz empenho de vencer, pois sem este negaria o meu passado e renegaria o portuguesismo que, arreigadamente e para sempre, se fixou no meu coração e na minha alma.
Usarei na minha ação, como armas inquebráveis, a calma, a paciência e a persistência, que sempre me têm acompanhado.
Continuarei fiel ao meu pendor para a bondade, sem hesitar no uso da firmeza, quando ela se torne necessária.
E não olvidarei que a bondade não significa abdicação, nem a firmeza implica, necessariamente, violência.
Conhece-me o País suficientemente, pois o tenho percorrido, praticamente de lés a lés, com exceção dos pedaços de Portugal situados na Ásia e na Oceânia.
Não preciso, pois, de dizer-lhe quem sou, nem como sou.
Mas apesar de assim ser, não me julgo dispensado de reafirmar, nesta mensagem, o que a Nação tem direito a esperar de mim, para que eu possa corresponder à confiança que, com tanta largueza, me reiterou.
Além de tudo o mais que abnegadamente lhe tenho dado, tem a Nação todo o direito a exigir de mim o integral cumprimento da obrigação contraída no juramento que prestei no início desta solene sessão e com o qual fiquei empossado, pela terceira e última vez e sem soluções de continuidade, nas funções de Presidente da República.
Segundo a fórmula de compromisso lida, jurei manter e cumprir leal e fielmente a Constituição da República, observar as Leis, promover o bem geral da Nação, sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria Portuguesa.
A manutenção e o cumprimento leal e fiel da Constituição que estiver em vigor e a observação das leis não é tarefa exaustiva no regime em que felizmente vivemos.
Outro tanto não posso afirmar quanto ao restante do juramento, pois a promoção do bem geral da Nação, quando temos, efetivamente, de sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria, sendo tarefa excecionalmente aliciante e verdadeiro desafio à nossa capacidade realizadora, é já missão eriçada de dificuldades na sua conjugação, porque à defesa da integridade e da independência da Pátria não pode deixar de conceder-se preferência sobre qualquer outra causa, mesmo a da promoção do bem geral da Nação, pelo menos ao ritmo a que poderia e deveria ser realizada em circunstâncias normais.
Desde que em Março de 1961, sem qualquer notória repulsa dos povos civilizados e até com a sua estranha e quase total indiferença, ocorreu imprevistamente canibalesco massacre no Norte da província de Angola, em que foram horrorosamente martirizados, mortos e trucidados mais de um milhar de brancos e de pretos, praticamente indefesos, não mais deixaram os perturbadores da paz alheia - com fins ocultos, diferentes dos alegados e que o tempo foi clarificando, pouco a pouco - de alimentar o terrorismo nas zonas fronteiriças de Angola e, seguidamente, da Guiné e de Moçambique, províncias infelizmente não apenas limitadas pelo mar, mas confinantes com alguns países de formação muito recente, sem noção dos seus deveres e das suas responsabilidades, que qualquer nação já amadurecida não pode deixar de conhecer e respeitar.
De então para cá temos estado permanentemente empenhados na manutenção da paz nessas parcelas de Portugal, protegendo todos quantos nelas vivem e trabalham honestamente da ação insidiosa do inimigo, subtilmente infiltrado do exterior, após ter sido instruído nas escolas marxistas da especialidade.
Esse empenhamento não tem, porém, obstado ao espetacular desenvolvimento realizado em grandes parcelas dessas províncias, nem à promoção social dos seus habitantes, em todos os aspetos que ela envolve.
Mas tudo isso, que representa um esforço quase sobre humano, tem de continuar sem desfalecimentos e, se possível, cada vez mais intensamente.
Mas o essencial, repito, não pode deixar de ser, no momento que vivemos, a defesa da integridade do solo pátrio.
Nela estamos dolorosamente consumindo, por culpa que não é nossa e há mais de onze anos, vidas e haveres, sem preço, as primeiras, e, em grande parte irrecuperáveis, os segundos.
De resto o respeito devido à Constituição, à nossa História quase milenária e aos portugueses que ao longo dos séculos tudo sacrificaram e estão sacrificando em holocausto da Pátria, impõe que se mantenha, sem hesitações e sem tibiezas, a decisão que Salazar consubstanciou nas célebres palavras que proferiu em Abril de 1961.
A minha recente reeleição, com o aplauso generalizado da Nação, bem ciente do meu firme pensamento em tão melindrosa matéria, não pode ter significado diverso.
E eu confio no sentido arguto do povo português que, em todos os transes da nossa vida como Nação, soube sempre apontar, com o seu exemplo, os caminhos que deviam ser trilhados pelos seus governantes.
Em nome da Pátria, que represento e consubstancio, é meu dever saudar desta tribuna, com toda a gratidão, os militares de terra, mar e ar que, ao longo de mais de uma, década, têm sido exemplos sublimes e constantes de coragem, de abnegação e de amor ao seu País, saudação que envolve todos os restantes portugueses, pretos ou brancos, que em Angola, em Moçambique e na Guiné têm auxiliado devotadamente a ação dos militares.
A prioridade que indubitavelmente merece a defesa da nossa integridade territorial, mediante a manutenção da paz em todas as parcelas portuguesas espalhadas pelo Mundo, de modo algum pode ser satisfação bastante para a nossa consciência.
Há, para além desse grandioso esforço, que despender outro, também imenso, o de promover o bem geral da Nação, em escala sempre crescente, para assim nos aproximarmos, tanto quanto possível, dos padrões de vida dos países mais desenvolvidos.
Seria ingratidão esquecer o muito que se tem feito nestas últimos quatro décadas e o caos em que Portugal se debatia no princípio do século, mormente nos anos vinte.
Partidos praticamente do zero e muito distanciadas dos países ricos, não podíamos, evidentemente, vencer o atraso e, conjuntamente, progredir ao ritmo desses países.
Através dos planos de fomento e por fora (força? ) deles, realizámos já uma obra de extraordinário valor que o futuro plano, o IV, com início no ano de 1974, certamente irá desenvolver com maior intensidade em todos os sectores da vida nacional, mormente na indústria, na agricultura, nos transportes e comunicações, na energia, na educação, na investigação, na saúde, na habitação e, de uma maneira geral, nos serviços da administração pública, obstando a que o mal da emigração prossiga e promovendo, ao contrário, o regresso de muitos portugueses, que passarão a encontrar na sua terra a melhoria de vida que têm buscado em terra alheia, à custa de sacrifícios sem conta.
A obra enorme que nos espera é, como já disse, um verdadeiro desafio à nossa capacidade realizadora, mas não é impassível de levar a bom termo.
Para o vencermos há, porém, que trabalhar muito mais e mais acertadamente ainda, que unir produtivamente todos os nossos esforços num sentido mais benéfico para a comunidade portuguesa, e evitar dissensões que a experiência nefasta do primeiro quartel deste século, em absoluto, condenou.
Evidentemente que se deverão discutir as soluções possíveis, mas sempre libertos de ideias feitas e com espírito compreensivo e construtivo, abdicando de preconceitos, de ressentimentos, de melindres e de excessos de amor-próprio, que sendo inconvenientes em qualquer caso, se tornam indesejáveis quando está em causa o bem e o progresso do País.
E ao examinarmos com toda a minúcia e conscienciosamente as soluções adotadas nos países mais avançados, para os problemas que tenhamos a resolver, não nos devemos deixar impressionar por ideias utópicas ou de inconveniente aplicação entre nós, só porque estão na moda.
Aumentar os nossos conhecimentos, só nos pode trazer vantagens; aperfeiçoar as nossas qualidades e diminuir os nossos defeitos é da maior utilidade; mas não percamos as nossas especiais características, pois foram elas que asseguraram a nossa vida passada e continuam constituindo seguro penhor do nosso futuro.
Em remate acrescentarei, ainda, devermos aplicar a nossa inteligência e a nossa capacidade de realização no sentido de a todos os portugueses poderem ser proporcionadas melhores condições de vida, garantindo-lhes pão suficiente, lar condigno, desenvolvida educação e conveniente defesa da saúde.
Além de que, numa sociedade bem constituída, é necessário que as pessoas que a compõem tenham espírito de entreajuda, para que os beneficiados pela sorte se não esqueçam dos atingidos pela desdita.
Antes de terminar esta mensagem, é meu elementar dever agradecer as cativantes palavras do Sr. Deputado que me saudou em nome dos componentes das duas Câmaras reunidas nesta sessão conjunta e dizer-lhe que apreciei muito o seu discurso, escutado com o crescente interesse que as judiciosas considerações feitos me foram provocando.
É igualmente dever meu, que cumpro com o maior aprazimento, saudar com muita simpatia as nações amigas, cujos representantes diplomáticos compareceram nesta cerimónia e afirmar que Portugal lhes oferece a mesma leal colaboração de sempre e lhes deseja venturoso porvir.
E porque visitei há poucos meses o Brasil, numa missão de grande significado histórico e porque com ele constituímos uma Comunidade verdadeiramente fraterna, exprimo ao seu ilustre representante, numa palavra especial, a profunda estima que sinto pela nação irmã.
E, ainda, antes das últimas palavras desta mensagem, não posso deixar de recordar os acontecimentos que mais impressionaram o povo português, nos meus dois anteriores mandatos.
No primeiro, o brutal choque pela espoliação dos nossos centenários territórios de Goa, Damão, e Dio, em Dezembro de 1961, por um país de formação recente e que se dúzia pacifista.
Eles continuam ainda e desoladoramente afastados da Mãe-Pátria, mas estão sempre presentes no seu pensamento.
No meu segundo mandato, que hoje termina, a incapacidade inesperada e o consequente afastamento do Doutor Salazar da vida política portuguesa, em que providencialmente entrara quarenta anos antes, e a sua substituição pelo Doutor Marcelo Caetano, na Chefia do Governo.
Lembro o primeiro com imensa saudade e profunda gratidão; reitero ao segundo a confiança nele convictamente depositada em 27 de Setembro de 1968.
Vou terminar com um apelo, em que ponho toda a minha fé.
Peço a Deus que conserve em perfeita união todo o povo português.
A união multiplica a força e nós carecemos dela, tanto como noutros momentos difíceis da nossa História, para vencer a crise em que nos debatemos.
Unidos, conseguiremos defendermo-nos e progredir e, portanto, vencer e continuar Portugal.
Sinto-me com autoridade para fazer este apelo, não apenas e já seria suficiente, pelas funções que continuo exercendo com plena confiança da Nação, como ainda pela circunstância, que só a título excecional aponto como exemplo entre os muitos que certamente existem, de poder afirmar, apesar de ter nascido na última década do distante século passado, nunca me ter sentido um português inútil, durante toda a minha já longa vida.
Se o meu apelo for ouvido, o que espero; se todos nos conservarmos perfeitamente unidos naquilo que fundamentalmente interessa à nossa terra, como é mister: nunca deixaremos - todos - de nos sentirmos orgulhosamente portugueses, úteis à Pátria em que nascemos e queremos constantemente progressiva e eterna.
Portugueses,
Ao ser investido nas funções de Presidente da República por decisão da Junta de Salvação Nacional, sinto-me no dever de me vincular ao ideário do Movimento das Forças Armadas, à luz do qual se cumprirá a tarefa de construção do futuro e por cuja execução assumo, perante o País, o mais solene compromisso.
São para as Forças Armadas as minhas primeiras palavras.
Vilipendiadas pelas atitudes servis de alguns dos seus chefes, injustamente acusadas dos erros dos políticos, violentadas a coberto do seu elevado sentido da honra e do dever, quase destruídas, em suma, no que representavam de instituição eminentemente nacional, as Forças Armadas, pela mão dos seus quadros mais jovens, souberam apesar de tudo mobilizar a sua última reserva moral colocando-se ao serviço da Nação, de que há décadas haviam sido desviadas.
A Pátria deve a hora grandiosa que hoje vive a esses jovens que souberam manter acesa a chama do dever, e que, na nobreza do seu idealismo, arrastaram com eles à vitória o Povo Português.
Na consciência de que a plenitude da soberania pertence à Nação, cabendo às Forças Armadas a sua instante defesa, o Movimento das Forças Armadas, em rasgo de serena audácia e perfeita isenção, restituiu Portugal ao seu Povo.
Jamais os Portugueses poderão esquecer o verdadeiro alcance da gesta libertadora destes magníficos militares que salvaram o País da tragédia nacional para que se caminhava.
Devemos ao seu patriotismo e ao seu sentido do dever como servidores do Povo sem partidarismos, o momento histórico que a Nação vive.
E por mais eloquentes que sejam as palavras, só a História e os vindouros saberão julgar toda a extensão e incomensurável serviço prestado à Pátria e ao Povo Português do Movimento das Forças Armadas.
Vividas as primeiras semanas de natural explosão emotiva, pontuada todavia por alguns excessos lesivos do clima de tranquilidade cívica cuja firme salvaguarda se impõe, o País vai entrar numa fase de refletida ponderação, iluminada pelo reconhecimento de que democracia não significa anarquia, e de que a confusão dispersiva de atuações descoordenadas não ajuda, de modo algum, a construção do futuro que o Povo Português anseia.
O desrespeito pela ordem social decorrente de uma sólida fundamentação democrática e do perfeito funcionamento de instituições representativas foi sempre, em todos os tempos e latitudes, a porta por onde entraram os ditadores.
Bem gostaríamos de a ter encerrado definitivamente; mas só o conseguiremos quando cada português impuser a si próprio, em livre expressão da sua capacidade para o exercício da cidadania, o mais alto padrão de disciplina cívica, sem o qual jamais poderá edificar-se uma autêntica democracia.
Impõe-se-nos, antes de mais, fazer um profundo exame de consciência, para concluir se será, de facto, democrático o processo esboçado de decidir e aplicar decisões fracionárias antes de o Povo definir, em consenso, o tipo de sociedade em que deseja viver.
E que a democracia e o governo do povo, pelo povo e para o povo, não podendo entender-se senão na mais inteira liberdade de expressão, associação, reunião, debate e votação das decisões coletivas pela via de instituições legítimas, logo seguida da mais estrita observância das decisões assim tomadas.
Creio firmemente ser essa a única forma de vida política onde cabe a dignidade humana; de resto, foi em nome desse ideal cívico que as Forças Armadas libertaram o País.
A democracia não se conquista; talvez mesmo se não construa; a democracia vive-se.
E, assim, o nosso propósito não pode ser outro senão o lançamento de bases sólidas para essa vivência; propósito aliás claramente expresso no programa do Movimento das Forças Armadas que vale a pena evocar nos seus traços essenciais.
Reitero por isso o programa traçado, tendente a promover a estruturação partidária e associativa em clima da mais completa abertura, devendo o poder instituído assegurar que as liberdades de uns não sejam ameaçadas por excessos de outros.
Empenhar-nos-emos em evitar, por todos os meios, que o processo de politização dos cidadãos possa ser entravado ou comprometido, constituindo ponto firme do nosso programa o desmantelamento do aparelho repressivo do antigo regime.
Mas os caminhos que o País haverá de trilhar terão de ser definidos por instituições democráticas verdadeiramente representativas e solidamente implantadas, através das quais todos os cidadãos possam exprimir-se, onde todas as correntes de opinião se façam ouvir e em cujo topo se encontre, em lídima expressão final da soberania, uma Câmara Legislativa constituída por mandatários incontestáveis do Povo português.
Serão as decisões dessa Câmara, depois de referendadas, que definirão o nosso estatuto político, económico e social.
E só então nascerá, de facto, o Portugal renovado que ambicionamos.
Entretanto, os nossos esforços centrar-se-ão no restabelecimento da paz no Ultramar; mas o destino do Ultramar português terá de ser democraticamente decidido por todos os que àquela terra chamam sua.
Haverá que deixar-lhes inteira liberdade de decisão; e em África, como aqui, evitaremos por todas as formas que a força de minorias, sejam elas quais forem, possa afetar o livre desenvolvimento do processo democrático em curso.
Nesta linha de pensamento, desejamos firmemente, em plena corporização dos ideais do Movimento triunfante, que a paz volte ao Ultramar.
E pensamos que o regresso dos partidos africanos de emancipação ao quadro da atividade política livremente desenvolvida será a prova cabal do seu idealismo e o mais útil contributo para o pleno esclarecimento e a perfeita consciencialização dos povos africanos, em ordem a uma opção final conscientemente promovida e escrupulosamente respeitada.
Na ordem interna, empenhar-nos-emos em tornar representativas as organizações políticas, sociais e económicas, reparar injustiças sociais e cívicas, recuperar valores e assegurar o justo equilíbrio nas relações de trabalho.
Para tanto, haverá que acelerar o ritmo de expansão económica; garantir, dentro dos sãos princípios da ordem democrática, a completa liberdade sindical dos trabalhadores e do patronato; desmantelar o antigo controlo corporativo e aniquilar os seus estrangulamentos; criar um clima propício à constituição de partidos e associações político-económicas que exprimam todas as correntes de opinião; promover a livre eleição da nova Assembleia Constituinte; sujeitar a referendo a Lei Fundamental que definirá o estatuto de livre escolha do Povo Português; e finalmente entregar o Poder às novas instituições livremente constituídas e como tal perfeitamente legitimadas.
É evidente que terá de proceder-se, em paralelo, ao saneamento moral do País e à reformulação de todo um complexo de conceitos de justiça social, delineando as bases em que irá moldar-se o perfil da nova sociedade portuguesa.
Na ordem externa, manteremos os nossos compromissos de natureza política, económica e militar, para os quais não há, de momento, outras razões limitativas senão as claramente decorrentes do circunstancialismo do momento que vivemos e da salvaguarda de riscos imediatos.
Entendo não dever ir mais longe nas minhas afirmações, pois a partir de amanhã o País terá à sua frente um Governo Provisório a quem será entregue a prossecução das tarefas que hão de corporizar o ideal proclamado.
Na verdade, se o Movimento das Forças Armadas libertou o Pais dos que agiam em seu nome mas sem mandato, não faria sentido que, ao ultrapassar o quadro traçado, voltássemos afinal ao mesmo sistema de decisões unilateralmente tomadas, embora sob outro rótulo e pela mão de outros poderes.
Nem se argumente que tais tarefas seriam legitimadas pela vontade do Povo expressa nas gigantescas demonstrações cívicas a que o País assistiu.
Será bom recordar que os ditadores começaram sempre reformando à margem das instituições sob o eufórico aplauso popular.
Foi aliás essa forma demagógica de transformar o Poder em tirania com o apoio das massas em delírio que esteve sempre na origem dos regimes totalitários.
Ao contrário, o propósito que nos anima é o de criar a defender instituições democráticas estáveis, na serenidade de espírito com que devem tomar-se as decisões por que há de reger-se um povo.
Competirão, portanto, ao Governo Provisório as tarefas administrativas necessárias à vida quotidiana que não pode parar, e a ingente missão de, a par da construção do bem-estar económico e social, edificar e consolidar a democracia através da qual o Povo Português encontrará a autêntica liberdade.
Terá de ser, assim, um Governo sem partidos, porque é de todos os partidos; sem tendências, porque nele cabem todas as tendências; sem programas, porque o seu programa é o do Movimento das Forças Armadas.
É nesse sentido de emanência nacional que se enquadra; e a essa luz governará a Nação até que esta tenha ultimado quanto carece para governar-se a si própria, no pleno exercício da soberania que enfim se lhe devolve.
A realização desta gigantesca tarefa de preparação e de recuperação do País tem necessariamente de basear-se na estabilidade social e na expansão económica, impondo-nos serenidade cívica e a obrigação moral de uma total entrega ao trabalho intenso em todos os sectores da vida nacional.
Não podemos, de forma alguma, deixar que pressões de qualquer ordem venham perturbar o nosso processo de evolução; e à imagem do Portugal Renovado que estamos construindo teremos de associar a afirmação de plena capacidade para evoluir politicamente sem convulsão social nem quebra do ritmo da formação de riqueza que a todos aproveite.
Daí justificar-se, mais do que nunca, o apelo ao trabalho no sentido de um aumento de produtividade, sendo esta, de momento, a mais instante das reivindicações; apelo, por isso, à consciência coletiva do operoso Povo Português que por certo não desejará a sua libertação ensombrada pelo espectro desolador de uma crise económica com todo o cortejo de privações e sob o signo do desemprego.
E tão-pouco será em clima de ódio cego e de obstinação vingativa sobre os responsáveis dos males passados que construiremos a imagem que há de restituir-nos, perante o mundo, o lugar que nos cabe no contexto das Nações.
Para tanto, impõe-se que sejamos coerentes e se entregue à isenção da Justiça o apuramento de responsabilidades pelos crimes e iniquidades cometidos à sombra do velho regime.
E bem desejaria que, nesta hora de arranque para uma nova ordem, esse apelo à coerência encontrasse eco no espírito de todos os Portugueses, pois o Movimento das Forças Armadas triunfou para que as decisões arbitrárias e os anteriores métodos de repressão fossem banidos da vida nacional, e não para que houvesse apenas simples mudança de executores.
São estes os traços gerais da missão em que me empenharei durante o mandato que o Movimento das Forças Armadas me confiou.
Tomo perante o Povo Português a responsabilidade do seu integral cumprimento; e faço-o de consciência tranquila, pois jamais a vida política se me revelou aliciante.
Servirei o País com a mesma santa devoção com que sempre o servi, como soldado que me orgulho de ser; e desejo por isso concluir, com a afirmação de que a minha presença neste lugar deverá ser por todos entendida, antes de tudo e apenas, como firme e cabal garantia de que não serão traídas as esperanças despertas nos corações portugueses na manhã de 25 de Abril.
Cumprida essa missão, e entregue o testemunho ao Presidente da República que o País livremente escolher, recolherei de novo ao seio das Forças Armadas de que nunca me afastei, e onde irei reintegrar-me com a consciência de ter cumprido o meu dever.
Portugueses.
Ao aceitar o cargo de Presidente da República fi-lo pela convicção de que nenhum português tem o direito de se negar às responsabilidades que lhe sejam exigidas no período difícil que todos fraternalmente teremos que ultrapassar.
Quis o destino que eu suceda no cargo a um grande Homem, verdadeiro soldado, ao qual me une meio século da mais fecunda amizade.
Muitos momentos comuns, muitas horas de amargura, multas noites de vigília cimentaram entre nós sentimentos fraternos tão vincados que sempre ultrapassaram e ultrapassarão naturais diferenças de opiniões e conceitos.
Ninguém poderá negar que a sua última obra "Portugal e o Futuro" foi uma pedra angular no despertar da consciência coletiva de uma Nação desviada dos seus verdadeiros destinos.
Homem do Movimento das Forças Armadas, nunca se desvinculou dessa qualidade, e todos contamos com a sua dedicação à causa do Movimento, a cujas fileiras continua a pertencer, desde as primeiras horas de incerteza.
Profundamente idealista e exigente consigo próprio, o Sr. General António de Spínola comunicou ao Pais a sua decisão de rescindir ao cargo de Presidente da República, baseado na sua análise pessoal e subjetiva da situação nacional.
Perante o Conselho de Estado, cujos membros bem conhecem os meus esforços continuados para evitar este ato de resignação, fiz a devida justiça às suas qualidades de grande amigo e companheiro de armas e o meu desgosto perante a sua decisão.
Ainda perante o Conselho de Estado signifiquei as extensas divergências entre as afirmações de S. Exa. e a forma como o problema nacional pode ser apreciado.
Não seria cómodo, para quem me escuta, uma exposição extensa, mas não posso eximir-me a focar alguns pontos.
Na descolonização não houve qualquer desvio ao Programa do Movimento das Forças Armadas.
Visto que em todos os atos políticos não haveremos de sujeitar-nos a esquemas rígidos preconcebidos, teremos sim de, em respeito pelos grandes princípios, orientar a evolução dos acontecimentos face à constante mutação da conjuntura política enquadrante.
Entendo dever referir que os responsáveis do Governo Provisório e todos os que têm colaborado no processo de descolonização em curso têm demonstrado inteligência, dedicação e talento.
Credo que os resultados obtidos e a obter serão referidos como os melhores que, no momento histórico, seriam possíveis à luz dos interesses dos povos intervenientes.
Quanto ao curso da democratização do País, se nem sempre tem sido possível evitar desvios a quem aprende o caminho da liberdade autêntica, creio que poderemos continuar a perguntar-nos se outra Revolução no mundo soube ser simultaneamente tão profunda e tão pouco marcada por sangue, por dores ou por atentados graves ao civismo.
Há muito a melhorar e a corrigir; pois todos unidos nós o faremos.
Nenhum Português que ame o Povo a que pertence ignora hoje que o trabalho, a ordem e a unidade são os marcos essenciais que garantem as liberdades democráticas e o respeito pelos direitos fundamentais do Homem.
Em política, como em tudo na vida, quem planeia, a longo prazo, tem menos que se preocupar com o patamar em que se apoia do que com a tendência ascendente a imprimir ao fenómeno.
Estaremos todos unidos para trabalhar e progredir, sempre melhores, sempre mais disciplinados e conscientes do que no dia anterior.
Resta-me agora, perante a Nação, definir algumas linhas mestras do meu pensamento quanto ao nosso futuro imediato.
No plano geral, saberemos interpretar as leis constitucionais em vigor, onde são essenciais os pontos do Programa do Movimento das Forças Armadas.
Saberemos todos criar as condições sociais que permitam ao Povo escolher as suas instituições políticas, dentro do conceito basilar de democracia pluralista, único que garante espaço para projeção da verdadeira dimensão da dignidade humana.
No processo de descolonização tudo faremos para respeitar os legítimos interesses das populações locais procurando o justo equilíbrio na criação das condições de fraternidade, de respeito mútuo e de amizade que substituirão laços anteriores historicamente ultrapassados.
Timor, S. Tomé e Cabo Verde serão problemas diferenciados cuja única constante é a garantia de que a consulta das populações livremente expressa terá papel decisivo no curso do processo.
Quanto a Moçambique iremos respeitar com meridiano rigor os compromissos assumidos nos acordos de Lusaca.
Angola tem as coordenadas fundamentais desta fase do processo já definidas pela Junta de Salvação Nacional a que pertenço e com as quais me identifico plenamente.
Conforme já foi aceite nas Nações Unidas, Macau tem um estatuto especial.
Ao entrar agora nos aspetos da política externa, desejo fazer uma referência a um novo país da comunidade internacional, à Guiné-Bissau.
Procuraremos desenvolver em termos de respeito e interesses mútuos todos os laços políticos, económicos e culturais, que os dois povos entendam por bem.
Em relação à sociedade internacional continuaremos a garantir o respeito pelos princípios da independência e da igualdade entre os Estados, sem interferências nos assuntos internos de outros países.
Respeitaremos os tratados internacionais em vigor, nomeadamente o da O.T.A.N., bem como os compromissos comerciais ou financeiros a que nos vinculámos.
O espírito da nova Constituição permitir-nos-á reforçar laços com os países amigos e negociar o estabelecimento de relações diplomáticas e comerciais com todos os países do mundo.
Os laços históricos facilitar-nos-ão reforçar a Comunidade Luso-Brasileira, renovar as relações com os países do Terceiro Mundo, com os países árabes e outros de que nos encontramos afastados.
Desejaria terminar com uma palavra de tranquilidade.
Deixo-vos a certeza de que as Forças Armadas, militares e militarizadas -, se estão integrando rapidamente no espírito novo e vão-se tornando mais aptas a garantir ao Governo Provisório e ao Povo o clima de ordem e liberdade por que ansiamos para nos dedicarmos ao trabalho com a certeza de que vamos construir um futuro melhor, mais justo, mais democrático.
Estou plenamente convencido que essa colaboração, que já vem de há longo tempo, continuará nos mesmos moldes de lealdade, sinceridade e amizade, com que através dos tempos temos vindo a colaborar.
Muitas felicidades, para bem deste povo que tanto precisa do nosso acordo e da nossa convergência de esforços.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Portugueses,
Este ato de investidura de um Presidente da República, que apenas deve este cargo ao sufrágio dos seus concidadãos, culmina um longo e penoso caminho de resistência do povo português à opressão e é um marco decisivo na institucionalização da democracia.
Ao mesmo tempo, este ato de investidura de um Presidente da República que acaba de jurar a Constituição livremente elaborada pelos legítimos representantes do povo consagra a derrota das minorias que se opuseram às transformações políticas, económicas, sociais e culturais, agora traduzidas num projeto de vida coletiva baseado na justiça, na igualdade, no respeito pelas liberdades e no progresso partilhado por todos.
Foi um duro e difícil caminho de resistência até um 25 de Abril em que as Forças Armadas restituíram a este povo o seu próprio País, a este Pais o seu lugar no Mundo e a si próprias a sua verdadeira função social.
Foi um movimento de juventude e de renovação, enraizado nas lutas de meio século, que não cedeu à tentação fácil de usar o poder em proveito próprio, antes soube devolver aos cidadãos a escolha do seu destino e a definição do seu futuro.
Arredados que andávamos da prática democrática, inexperientes no campo da atividade sindical e cooperativa, condicionados por um sistema totalitário que lançou raízes nas formas de organização e nos comportamentos individuais, nem sempre as nossas experiências na construção difícil da democracia se ajustaram, nestes últimos dois anos, aos processos e às metas definidas pelos homens do 25 de Abril e por quantos se bateram para que Portugal e os Portugueses fossem efetivamente livres.
Mas a firmeza com que o povo português soube responder a todas as situações ditatoriais.
A sua determinação de viver a liberdade e a paz demonstraram a justeza do Programa do MFA e a firme adesão do povo português à sua mensagem, que em 25 de Novembro de 1975 ficou de novo claramente expressa.
Ao iniciarmos um novo período na vida da nossa Pátria, legitimamente constituídos os diversos órgãos de Soberania que caracterizam um Estado de direito, cabe aqui a evocação e a homenagem a quantos na resistência à ditadura ou no Movimento das Forças Armadas deram o melhor de si próprios, quantas vezes a vida, para que todos os portugueses pudessem decidir em liberdade a Pátria que queriam ser.
A uns e outros evoco e saúdo na pessoa do Presidente da Assembleia da República e nos camaradas de armas presentes nesta Assembleia ou nos seus postos de comando e trabalho.
Não quero aqui antecipar-me à história no registo de nomes.
Ela o fará, certamente com perspetiva, certamente com verdade, inevitavelmente com justiça.
Apresentei-me aos Portugueses com o compromisso solene de cumprir a Constituição, não como um quadro de referência, mas como um projeto de vida coletiva, apontando para metas concretas e estabelecendo como caminho o respeito permanente pela vontade do povo português livremente expressa.
Hoje jurei, perante o País e o Mundo, defendê-la; e ao fazê-lo, mais uma vez me comprometo a assegurar e desenvolver as condições que hão de garantir o primado do Estado de direito democrático e as bases de uma sociedade socialista.
A eleição do Presidente da República significou, de forma inequívoca e clara, a adesão a um projeto político que lhe foi apresentado sem ambiguidades e com realismo.
Esta adesão responsabiliza todos os portugueses na participação efetiva na construção de um Estado e de um regime de que a Constituição é o principal fundamento.
Definido este quadro, está delimitado o campo de atuação das forças políticas.
Não há, pois, lugar para atuações que visem a restauração de um passado que o povo português claramente rejeitou, nem serão toleradas quaisquer tentativas de criação de poderes paralelos, radicados em atividades de carácter insurrecional que só podem conduzir de novo à miséria e à ditadura.
Projeto de vida coletiva, quadro de garantia da democracia e do seu desenvolvimento, diretriz de todas as participações individuais ou coletivas, a Constituição representa a realidade e as conquistas revolucionárias que o 25 de Abril desencadeou e consagra a eliminação do golpismo e da anarquia a que o 25 de Novembro pôs termo definitivamente.
Jurei defender a Constituição e cumprirei com fidelidade o meu dever.
Mas esse é também o dever de todos os cidadãos democratas e patriotas e de todos os outros órgãos, instituições e agentes do Estado.
Estou certo de que todos assumiremos as responsabilidades históricas que nos cabem, neste iniciar de uma nova era na vida de uma Pátria que soube sempre escrever, a seguir a cada crise, uma nova página de grandeza.
Exercerei o cargo de Presidente da República consciente de que um Estado de direito democrático se caracteriza pela pluralidade e independência dos órgãos e poderes constituídos.
Comprometo-me a respeitar a esfera de cada um, a exigir de todos o cumprimento integral da sua missão e a todos garantir as condições do seu correto exercício.
As forças armadas assumiram, ao depor em 25 de Abril um regime antidemocrático, o pesado encargo de lançar os fundamentos de um Estado participado.
Nos dois últimos anos, o exercício do poder político assentou na legitimidade revolucionária e na fidelidade a um programa que agora se concretiza na própria legalidade constitucional.
No prolongamento das responsabilidades que os militares assumiram em 25 de Abril de 1974, a Constituição consagra o Conselho da Revolução como a expressão política das forças armadas, como garante do seu cumprimento e da fidelidade ao espírito do 25 de Abril, a par de lhe atribuir funções legislativas em matéria militar.
A entrada em vigência plena da nossa lei fundamental e dos órgãos nela instituídos, representando a materialização de compromissos tomados, contribuirá eficazmente para a coesão e operacionalidade das forças armadas, no exercício da missão que lhes cabe na defesa da democracia e da independência nacional.
Esta é também a melhor garantia de que o Conselho da Revolução cumprirá corretamente os fins que lhe são inerentes e lhe estão justamente atribuídos e contribuirá de modo decisivo para o equilíbrio e unidade de ação que ao Presidente da República compete assegurar.
Na Assembleia da República se consubstancia a própria democracia pluralista.
A história do funcionamento dos parlamentos em Portugal constitui matéria de reflexão e fonte de ensinamentos.
A oposição deve ter neste País um lugar e uma voz.
Mas tem de constituir uma alternativa real e não um mero exercício lúdico de querelas partidárias, para que se não transforme de oposição a um Governo em oposição a uma democracia.
A vida na Assembleia Constituinte foi um capítulo de luta e coerência nos agitados tempos da sua existência.
Envidarei todos os esforços para dignificar a atividade desta Assembleia, mas é no ajustamento da sua prática à situação real do País e às aspirações concretas do povo que assentam as determinantes do seu prestígio.
Os tribunais são as únicas instituições a quem compete administrar a justiça, protegendo os interesses dos cidadãos e defendendo a legalidade.
Ninguém ignora a diversidade do espectro político de algumas regiões do País.
Da força moral que representa o funcionamento independente dos tribunais e da sua capacidade para verter na vida as regras constitucionais e as novas leis depende em larga medida o clima de autoridade democrática e a garantia de igualdade dos cidadãos.
A cedência a quaisquer pressões, se por um lado não dignifica os tribunais, por outro ofende gravemente os princípios democráticos em que assenta a nova sociedade, uma sociedade em que não haja mais lugar para o medo nem para a impunidade do terrorismo e do crime.
Aplausos dos Srs. Deputados do PS, PPD e CDS.
Srs. Deputados, Portugueses:
A democracia em Portugal é possível; e, sendo possível, tem de ser viável.
O País tem cada dia uma consciência mais clara das dificuldades que nos assoberbam.
Generalizou-se, é verdade, a irresponsabilidade e a incompetência - quantas vezes usurpando o nome e os interesses dos trabalhadores - e avançou-se largamente no campo da irracionalidade económica, que poderia conduzir a muitos lugares, mas não por certo à democracia e muito menos ao socialismo.
Cabe ao Governo encontrar os caminhos da viabilidade em que assentam em larga medida os avanços - das conquistas das classes mais desfavorecidas, mas todas as forças políticas serão de cento modo responsáveis pela criação de condições que permitam a concretização do programa que esta Assembleia vier a aprovar.
Não se espera o monólogo nem o diálogo de surdos.
A consciência da gravidade - da situação presidirá à procura de formas de atuação política que, sem prejuízo de uma indispensável atividade política, saibam salvaguardar o essencial para este povo, que é a defesa da paz, da liberdade e de um progresso real e duradouro.
A recuperação da situação económica, passando por uma política de austeridade, não poderá limitar-se ao seu aprofundamento, num país que de há largos anos detém os padrões de vida mais baixos da Europa, essa Europa que constitui local de trabalho e ponto de referência para mais de um milhão de trabalhadores de Portugal.
A exploração não pode voltar ou continuar onde ainda exista, e esta recuperação não se fará em nenhum caso à custa dos legítimos direitos dos trabalhadores, das suas organizações e associações e, eventualmente, só os poderá favorecer.
Mas para que a economia, a democracia e o próprio País se salvem, é indispensável que todos os trabalhadores de facto trabalhem e produzam como se impõe e, com uma crescente maturidade política e no cumprimento de um dever patriótico, recusem frontalmente demagogias irresponsáveis, ilusões utópicas, vantagens imediatas que se traduzem em prejuízos irreparáveis a curto prazo, reivindicações irrealistas e formas de atuação que neste momento só podem servir a falência do Portugal novo e democrático, com o consequente e inevitável regresso ao passado.
A rentabilização do sector nacionalizado e a criação de condições de exercício aos empreendimentos privados que permitam o relançamento do investimento são objetivos que é imperativo atingir a curto prazo.
Importa prosseguir uma política de melhoria de condições de vida das classes mais desfavorecidas, com prioridade para os trabalhadores cujos salários se situam ainda muito abaixo da média nacional, nomeadamente no sector da agricultura e da pesca, da função pública, das pequenas e médias empresas e reformados.
Por outro lado, ao mesmo tempo que importa combater, na medida do possível, o aumento do custo de vida, há que desenvolver condições que possibilitem a criação de novos postos de trabalho, pondo termo à situação dramática dos desempregados e de muitos dos deslocados de África.
O País exige um ponto final no lamentável espetáculo de um sistema educativo que não funciona e que dia a dia continua a hipotecar o nosso futuro, pela sua demissão na formação das gerações que hão de garantir ao nosso país as condições de progresso e de independência real.
Há que lançar programas ousados no domínio da habitação e da saúde e que encontrar soluções que melhorem a qualidade de vida das populações da cintura dos grandes centros urbanos, onde vivem desenraizados os que abandonaram os campos e as aldeias na procura de sobrevivência para si e para os seus.
O conjunto de transformações que se torna necessário dinamizar exige uma organização administrativa qualificada e eficiente e, em consequência, a dignificação da função pública, por forma a ultrapassar a situação de bloqueamento que se vem arrastando perigosamente.
Nos vários sectores de atividade, temos de terminar com quaisquer formas de irresponsabilidade e corrupção, impondo o primado da seriedade e da competência.
E, para atingir todos estes objetivos, precisamos ainda de órgãos de comunicação social que não sejam fatores de perturbação veículos de mentiras, difamações ou injúrias, campos de batalha fomentando a agressividade ou o ódio entre as pessoas, mas que sirvam antes, em todas as circunstâncias, para informar e esclarecer honesta e serenamente, contribuindo de modo decisivo para um consciente empenhamento do povo português nas ingentes tarefas da reconstrução nacional.
Srs. Deputados, Portugueses:
Esta hora é de otimismo e de esperança.
Mas julgo que trairia as expectativas do povo que me elegeu, se não tivesse dado testemunho de alguns dos principais problemas que a todos afligem.
Para os resolver, assegurarei ao Governo condições de autoridade e de eficácia que lhe permitam corresponder à esperança que é legítimo nele deposite um povo cansado de viver num país provisório e sucessivamente adiado.
É, neste país, com os seus recursos e com os seus filhos, que havemos de reencontrar a nossa dignidade e a nossa identidade nacional, criando uma sociedade mais rica e mais igual que todos sintam realmente como sua.
Somos um povo amante da paz e queremos contribuir ativamente para uma solução pacífica dos problemas que afligem a vida dos povos.
Guiar-nos-emos pelo respeito dos outros na colaboração que com eles estabelecermos.
Temos consciência da nossa dimensão e da nossa integração em espaços geográficos, económicos, culturais e afetivos que nos são afins.
Intensificaremos a nossa participação nesses espaços, na Europa em que estamos integrados, no mundo de expressão portuguesa a que nos ligam profundos laço afetivos e culturais; e colaboraremos com todos os países que connosco quiserem percorrer os caminhos da paz e comungar o pão da esperança, num mundo sem blocos e sem o desvio de poderosos recursos para indústria de armamentos.
Não esqueceremos que da nossa realidade fazem parte muitas centenas de milhares de portugueses que noutros países procuram o que um regime padrasto lhes negou.
Estou certo de que a participação que já lhes é garantida nas eleições para a Assembleia da República será reforçada com outras formas que deem ao País que somos a dimensão de um povo que transcende o seu próprio território e procurar-se-á com pragmatismo encontrar, com os países de acolhimento, a solução para os problemas concretos que os afligem e nos afligem a nós.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Portugueses:
Encerrámos o "ciclo do império" e eis-nos perante a tarefa de continuar a Pátria nas primitivas dimensões das terras que nasceram portuguesas.
Emergimos da noite totalitária e logo tivemos de fazer face a repetidas tentativas de regresso a um passado em que só porventura mudariam os dominadores.
Estamos mais pobres, mas a experiência vivida nos ensinou que a liberdade é um bem inestimável que merece a vida e sem o qual não há democracia nem dignificação do homem.
Temos à nossa frente dificuldades que é imperioso vencer para assegurar a consolidação da democracia e abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito permanente pela vontade do povo português.
Impõe-se que as dificuldades não nos façam esquecer os verdadeiros objetivos e antes reforcem a determinação do nosso povo em construir uma sociedade que claramente escolheu em três eleições livres nos últimos dois anos.
Para isso impõe-se também que se viva o ambiente de estabilidade social e tranquilidade cívica, um espaço de tolerância e diálogo entre os cidadãos, um clima de concórdia e reconciliação nacional no respeito mútuo pelas divergências de opinião legítimas no quadro das instituições democráticas.
Temos de acabar com o sectarismo, a intolerância, a violência, o ódio; temos de acabar com os atentados, as perseguições, a agressividade nas relações entre as pessoas e entre os grupos; temos de banir totalmente as sequelas do fascismo e realizar integralmente o 25 de Abril.
E assim, nos caminhos da verdadeira justiça social, haveremos de construir um país em que haja uma liberdade igual para todos e todos possam viver em paz, com segurança e em bem-estar a sua liberdade; haveremos de fazer desta terra, que é a nossa terra, uma pátria com lugar para todos os portugueses.
Mas que fique bem claro: esta não é, não pode nem deve ser, tarefa de um homem, ou sequer de um Governo: tem de ser tarefa de nós todos, tem de ser uma missão do próprio povo de Portugal.
Como Presidente da República, espero a colaboração e contributo decisivo dos vários órgãos de Soberania, e também dos da Administração e do Poder Local, para a consecução destes grandes objetivos nacionais, mas, como Presidente da República, para os atingir, apelo sobretudo para o povo português, para uma experiência, para uma consciência e uma cultura que tem atrás de si oito séculos de história, para um sonho transformado em projeto e um projeto de vida que se quer transformar em realidade e que tem à sua frente, para isso, todo um futuro.
Hoje, como em muitas encruzilhadas da nossa história, o povo português há de reconciliar-se em torno de um projeto verdadeiramente nacional e erguer um mundo novo nos limites velhos das suas fronteiras.
Hoje há de fazê-lo, como sempre que esteve em causa o seu futuro.
Saibamos todos ser dignos dessa história e deste futuro; saibamos ser dignos do povo a que pertencemos - e que Portugal, com todos, se cumpra em Portugal.
Discurso:
Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro,
Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Srs. Conselheiros da Revolução,
Srs. Deputados,
Portugueses,
As condições em que, se realiza esta cerimónia de investidura são bem diferentes das que existam no início do meu primeiro mandato.
Então a incerteza e a insegurança ainda seriam os traços mais marcantes que se encontravam em todo o sistema político, mesmo que fossem ocultos pela nossa esperança democrática, pela convicção de que só a democracia permitiria resolver os graves problemas nacionais.
Apesar de termos depois atravessado um período de relativa estabilidade económica e social, persistiram tentativas de radicalizar o processo político.
As instituições, porém, resistiram e o resultado eleitoral de 7 de dezembro, por fim, consolidou-as.
Temos hoje experiências feitas e certezas adquiridas; temos a demonstração de que as provas que um sistema democrático prestarão sempre as suas melhores defesas.
Por isso, encontro o primeiro e mais importante resultado da minha reeleição da expressão clara da vontade do povo português em manter, sem ruturas, o processo democrático aberto em 25 de Abril e reafirmado em 25 de Novembro.
Reconhecendo o comportamento democrático, o realismo responsável e a fidelidade ao espírito do 25 de Abril, que procurei manifestar ao longo do meu primeiro mandato, a minha reeleição impõe um compromisso indeclinável.
Um compromisso indeclinável com o regime democrático, com um futuro de pluralismo, de convivência aberta e livre, de justiça e de tolerância, de estabilidade e de progresso.
Tendo sido critérios permanentes das minhas decisões, continuarão a ser os marcos orientadores da minha ação, por compromisso consciente e por imposição da vontade dos Portugueses.
Não interpreto a reeleição como uma vitória pessoal.
Em democracia, não pode haver vitórias pessoais.
Ainda que, como acontece nas eleições presidenciais, não exista, um confronto entre partidos nem entre programas de governo, a vitória é o êxito de um sistema de ideias e de conceções que são comuns a muitos responsáveis políticos, que são democraticamente afirmadas e praticadas por organizações e instituições, que correspondem aos anseios e sentimentos da maioria dos portugueses.
A democracia pluralista e a garantia de convivência livre e aberta entre conceções e interesses distintos são os principais valores políticos que saíram realmente vencedores.
E importa reter o seu significado, porque o pluralismo e a liberdade de expressão dos interesses sociais são valores, como sabem, permanentemente ameaçados.
Pudemos verificá-lo no período agitado e violento que antecedeu a institucionalização do regime democrático constitucional.
E mesmo depois disso, em múltiplas ocasiões e em diferentes oportunidades, foram defendidos projetos e conceções que admitiam o condicionamento das liberdades, que admitiam a limitação das relações e da legitimidade dos partidos políticos como fontes de representatividade do poder soberano dos eleitores ou que admitiam ainda a utilização das posições de autoridade do Executivo para condicionar a expressão, legítima de correntes de opinião.
Em democracia, o pluralismo e a liberdade de expressão são valores absolutos.
Mas constituem também pressupostos indispensáveis para responder à crise, conseguir a modernização, conseguir o desenvolvimento.
Não haverá esforço coletivo realmente consistente baseado na exploração e na opressão.
Não haverá capacidade criativa se o nosso regime democrático não estiver aberto ao debate das alternativas, à capacidade crítica, à expressão das divergências.
Só assim poderemos escolher o caminho mais eficaz e conhecer os sacrifícios que aceitamos suportar.
Competirá, sem dúvida, ao Estado democrático a, responsabilidade de afirmação do interesse nacional.
Mas as suas decisões só serão ajustadas e compreendidas se se basearem num exame atento das possibilidades em confronto e numa pedagogia aberta dos fundamentos aceites como válidos.
Neste sentido, foram superados pela expressão eleitoral o voluntarismo, que se apoia na autoridade, e, os projetos de concentração formal dos poderes políticos, que esquecem o pluralismo das vontades, bloqueiam a alternância, ameaçam a continuidade democrática e dividem os cidadãos.
E igualmente superadas se encontram as conceções que se apoiam em conceitos de vanguardas políticas ou sociais, estejam elas orientadas para objetivos revolucionários ou para o restauracionismo de privilégios.
Consubstanciando a defesa do consenso e do pluralismo, da legalidade e da estabilidade, a expressão da vontade eleitoral representa também a vitória das condições legítimas de revisão constitucional.
Os significados políticos da reeleição assentam na minha ação política passada e no programa que apresentei ao País.
Por isso, considero que se impõe, no momento solene da investidura no cargo de Presidente da República e do juramento da Constituição, reafirmar o Quadro orientador que contém o critério dos meus atos, onde reside o conteúdo da responsabilidade política que assumo perante todos os Portugueses.
A democracia pluralista é o princípio superior a que se subordinam o Estado, o sistema político e o quadro orientador das relações sociais, no reconhecimento de que só a expressão diferenciada dos interesses políticos e sociais permite a realização plena da liberdade e da dignidade do homem, a afirmação responsável dos seus direitos e deveres, a garantia permanente dos vínculos de solidariedade que unem e obrigam todos os cidadãos.
A liberdade é valor indiscutível que a democracia pluralista garante e que assegura a todos e sem exceção os direitos de livre expressão, de livre associação, de acesso real às oportunidades, da sua realização no quadro das responsabilidades consagrado pelas regras democráticas.
A solidariedade social, resultante da integração de cada cidadão na comunidade nacional, impõe que se assumam inteiramente as exigências da vida coletiva em liberdade, garantindo condições de existência, de segurança e de apoio, a que todos têm direito numa sociedade que recusa a opressão e a exploração.
A justiça, assegurando a igualdade perante a lei democraticamente legitimada e assumida, é o valor permanente que uma sociedade livre, aberta e responsável não pode deixar transgredir, sob pena de se degradar na insegurança, na arbitrariedade, na luta fratricida e na violência.
A dignidade do homem é a finalidade e o valor último para que convergem a democracia pluralista, a liberdade, a solidariedade social e a justiça, pelo que não admite qualquer desvio ao seu respeito integral e exige a sua consideração como objetivo permanente de toda a ação política.
A defesa da identidade, nacional corresponde ao compromisso patriótico inviolável de assegurar a continuidade e o desenvolvimento das nossas raízes históricas e culturais, dos valores permanentes da nossa sociedade, em independência e com dignidade, e constituía, exigência suprema que vincula quem, servindo à Pátria, serve todos os Portugueses.
O respeito permanente por este quadro de valores fundamentais determina a dimensão ética em que considero dever situar-se o Presidente da República, como garante último da democracia e da unidade nacional.
No plano específico da função política do Presidente da República, considero que, com uma legitimidade democrática própria, que se justifica e o responsabiliza no seu programa de candidatura, tem as suas funções na política interna e na política externa definidas pela Constituição, que respeita e se obriga a fazer respeitar.
A autoridade que para o Presidente da República decorre da sua eleição por sufrágio direto e universal permite-lhe ser, em termos efetivos, o garante da regularidade do funcionamento das instituições, o ponto de referência final do sistema, a última salvaguarda nos momentos de crise ou de emergência.
A dualidade de órgãos eleitos pelo mesmo processo exige, porém, no regime semipresidencialista, mais do que em qualquer outro, a solidariedade institucional.
Esta não significa a identidade permanente de conceções ou de entendimentos.
Traduz, sim, a estrita e rigorosa obrigação de respeito recíproco entre Presidente da República, Assembleia da República e Governo, no quadro das respetivas competências constitucionais, e de ação concertada, para além de todas as divergências que porventura possam existir.
O Presidente da República não faltará com a sua solidariedade institucional e com o apoio que desta deriva.
A única condição do Governo é a sua legitimidade democrática.
A partir daí qualquer Governo tem direito aos meios para governar e a obrigação de fazê-lo à única luz do interesse coletivo.
De qualquer, Governo, sem aceção de partidos ou de pessoas, esperará sempre o Presidente da República correção, lealdade, transparência de processos, respeito pelas regras de relação entre os órgãos de soberania.
O Presidente da República exercerá o seu mandato sem nunca ultrapassar as suas competências ou usurpar poderes alheios.
Mas jamais prescindirá do exercício da sua autoridade constitucional, conforme as circunstâncias e as necessidades.
Realizado o objetivo que me propus, em 1976, de normalização das forças armadas, não acumularei as minhas funções políticas com quaisquer outras de natureza militar, salvo as que decorrem da qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas.
Neste sentido, decidi que a transmissão de poderes para o novo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas se fará até ao final do próximo mês de fevereiro.
No entendimento rigoroso do que é a defesa e a garantia da evolução estável do regime constitucional, exercerei o meu mandato, como o fiz no passado, com os objetivos permanentes de garantir a paz, a liberdade e a segurança, com a firmeza que impõe a legitimidade democrática da minha investidura.
Do mesmo modo, manterei, no âmbito das minhas atribuições, os objetivos de procura dos consensos políticos e sociais, como fatores de estabilidade e de coerência, de resolução dos conflitos pela negociação e de promoção das ações de cooperação entre interesses distintos que contribuam para o reforço da solidariedade social.
Como está estabelecido na Constituição, não cabe ao Presidente da República qualquer função própria no processo de revisão constitucional.
A responsabilidade pela revisão constitucional pertence integralmente aos parlamentares, que recebem o poder constituinte.
Porém, o Presidente da República, dentro dos limites das suas competências, assegurará o respeito pelas normas a que o próximo processo de revisão constitucional tem de obedecer.
Se estes são os princípios gerais a que se subordina a ação política do Presidente da República, em função dos seus poderes constitucionais e das responsabilidades assumidas com a reeleição, é em relação a eles que se determina a sua posição perante as questões políticas concretas.
O Presidente da República não tem, na nossa ordem constitucional, uma ação direta na área executiva.
Mas é sua obrigação estrita explicitar as coordenadas de interpretação das situações, realizando assim a sua missão de orientação superior da nossa vida política e criando as condições para que os grandes problemas nacionais sejam resolvidos em convergência de esforços.
A crise que atravessamos, onde os fatores internos se conjugam com os fatores externos, exige que os responsáveis políticos não abandonem os caminhos do realismo, da ponderação e da serenidade que têm vindo a ser percorridos nos últimos anos.
Conseguimos encontrar as bases da estabilidade política, assegurando as condições de alternância e obtendo, pelo menos em relação às questões essências, espaços de consenso significativos.
Esse é um contributo importante para que possamos agora enfrentar com determinação as exigências da democracia, da modernização e do desenvolvimento.
Só o conseguiremos se soubermos compreender a necessidade da transformação e da mudança.
Por isso, teremos de decidir, com coragem política, com adequação social e com fundamentação técnica, quais as melhores condições de organização da atividade económica que permitam obter melhores resultados dos capitais disponíveis, do trabalha e dos sacrifícios que impomos às gerações atuais.
Só assim será possível um desenvolvimento assente, em condições sólidas e ajustadas aos novos desafios.
Teremos também de decidir, com igual coragem, quais os caminhos que queremos trilhar na modernização da agricultura, da indústria e do comércio, qual a nossa atitude perante a urgência de modernizar o sistema educacional, a produção e difusão de conhecimentos científicos, a criação cultural.
Só assim enfrentaremos os desafios do desenvolvimento do progresso.
É importante o debate ideológico para a formação de uma consciência coletiva informada das alternativas existentes.
Mas ele não nos pode distrair das tarefas necessárias, nem nos pode fazer perder as oportunidades que estão ao nosso alcance.
Nestes termos, o realismo que se impõe na decisão económica, olhando com coragem, para o futuro, sem ficarmos presos a considerações estéreis sobre o que foi o passado, exige também que se assumam inteiramente os imperativos de solidariedade social e de satisfação das expectativas legítimas de segurança, de justiça e de bem-estar que os Portugueses alimentam.
A modernização e o desenvolvimento não se atingirão se as realidades prometidas se colocarem apenas num horizonte longínquo, incapaz de motivar o esforço no presente e os sacrifícios que se exigem no imediato.
Neste sentido, a participação de todos os agentes económicos sejam empresários ou trabalhadores, técnicos ou investidores, de todos os grupos sociais, no debate e na formulação da política económica geral não pode ser uma promessa vazia de conteúdo.
Mas, igualmente, não pode ser esquecido o compromisso político de proteção e de apoio aos que, menos capazes de exercerem um poder reivindicativo, são mantidos afastados dos benefícios do desenvolvimento.
Em todo este caminho complexo que nos conduzirá pela consolidação da democracia política, pela concretização do princípio democrático nos domínios económico, social e cultural terá um papel decisivo a comunicação social, como veículo da máxima importância na formação de uma consciência e de uma vontade coletivas.
Será, contudo, necessário que os meios de comunicação social, especialmente a rádio e a televisão, não sejam utilizados como instrumentos de pressão política ilegítima ou de adulteração deliberada de notícias ou de fundamentos de decisão para serem, como sempre devem ser, espaços de expressão pluralista, de alternativas e de conceções.
Se não for assim, a comunicação social trai a sua responsabilidade democrática, aviltando os seus profissionais e pervertendo um instrumento essencial na organização das sociedades modernas.
Mais do que no passado recente, essencialmente orientado para a procura da clarificação e da estabilidade política, importa agora que o debate das alternativas que se colocam na determinação de uma política de modernidade seja enriquecido pela produção de uma informação séria, verdadeira e responsável.
Isso se espera, como condição conscientemente aceite, de todos os responsáveis pela comunicação social e de cada um dos seus profissionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Vivemos tempos de transformações, de mudança, de superação de conceções tradicionais.
Defrontamos novos problemas, reconhecemos novas condicionantes da vida em sociedade, encontramos, em toda a sua extensão, o desafio da construção do futuro.
Já vencemos, na nossa história, outras crises globais, outras situações de transformação e de inovação, outros momentos em que a capacidade coletiva derrotou os que, fechados no seu conservantismo e dogmatismo, anunciavam a catástrofe.
Conhecemos bem os comportamentos de recusa perante o que é novo, a negatividade sistemática dos velhos do Restelo, a crença fantasista em salvadores iluminados, a tendência para os messianismos secularizados.
Nascidos, como entidade política autónoma e dependente, da evolução histórica da Europa, das suas condicionantes económicas, sociais e religiosas, cedo manifestámos a nossa vocação universalista.
Exercemos uma função crucial na abertura da Europa ao Mundo, iniciando o ciclo imperial europeu no momento exato em que as condições materiais permitam a expressão e o desenvolvimento da conceção universalista da Renascença.
Fizemos o mundo conhecido, relacionámos culturas, desenvolvemos a convivência fraterna com outros povos, contribuímos para a conceção aberta e ecuménica que marca a cultura europeia, no nosso modo singular de entender e realizar a relação entre os homens.
Voltámos à unidade das terras que nasceram portuguesas, encerrando o grande ciclo da expansão europeia, quando as condições geopolíticas de afirmação da vontade, da conceção e da identidade europeias transformam e modelam em novos termos as possibilidades da sua expressão.
Regressados à Europa, partilhamos com o velho continente uma crise de orientação que, tendo aspetos específicos em cada país, marca profundamente as condições de expressão dos nossos valores de cultura e de civilização.
Nestes tempos de perturbação, em que teremos de responder aos que querem impor o seu dogmatismo imobilista, parece-nos bem que se recordem as palavras de um dos nossos pensadores:
[... ] quando a crise, enfim, se manifesta a claro, a ideia que ocorre à maioria dos homens é a do simples regresso à estabilidade antiga [... ].
Esta ideia, porém, tem o inconveniente de ser quimérica e de chegar semente a soluções transitórias, que hão de desabar catastroficamente.
É necessário um equilíbrio novo, que seja essencialmente um equilíbrio dinâmico, por assim - dizer, não a harmonia de uma coisa estática, mas o decorrer dialético de um movimento, o que torna evitáveis as revoluções sangrentas.
A elite, que viveu até aí do tradicional, já não tem remédio senão inventar, conceber com audácia, corrigir seus rumos [... ].
No que toca à sociedade e ao viver político, torna-se indispensável avançar sem termo por «mares nunca dantes navegados» e passar a ideia dos Descobrimentos para o íntimo domínio do espiritual.
Inventar, revolucionar, andar, transformar pela história as instituições históricas, procurar a igualdade e a fraternidade entre os homens, desejando a aproximação de um ideal longínquo [... ].
Só no momento em que a Nação Portuguesa adotar, enfim, esse modo de ver e essa mesma conceção da sua própria história, só então, digo, terá adquirido a consciência plena da sua personalidade e do seu destino e estará de posse das condições intelectuais do seu ressurgir e dos rumos progressivos da sua vida pública.
É em confronto com estas palavras que podemos estabelecer um juízo sobre o caminho já percorrido pela nossa democracia.
O nosso Estado democrático caminha para a plena consolidação.
Dispõe das condições necessárias para orientar Portugal neste período difícil e de profundas transformações.
Demos nos últimos anos passos seguros, e que serão continuados, na via da descentralização e do respeito pela autonomia das regiões insulares, reconhecendo a legitimidade dos interesses diferenciados que aí encontram a sua expressão.
Longe de enfraquecerem o Estado ou de lhe reduzirem a eficácia, essas condições aumentaram a capacidade de realização e de satisfação das necessidades das populações e deram uma consciência mais firme, porque mais flexível, à unidade nacional.
As exigências democracias são claras e imperativas para a responsabilidade dos detentores do Poder, que não podem limitar a criação de condições para que cada comunidade local e regional possa desenvolver livremente as suas capacidades e assim participar, livre e conscientemente, na construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
As linhas fundamentais da nossa política externa estão claramente definidas no que se refere à Europa, à Aliança Atlântica, aos Estados da África e da América Latina, a que nos ligam fortes laços de história e de interesse mútuo, e aos países árabes.
Iniciámos uma ação de valorização das comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo, obra ainda incompleta e longe de, satisfazer as naturais expectativas dos emigrantes e os reais interesses de Portugal.
Permitem-nos afirmar a nossa capacidade singular no diálogo internacional, contribuir para a redução dos conflitos e das tensões, reforçando o prestígio de Portugal na comunidade das nações.
Permitem-nos ainda a afirmação dos nossos interesses, a maximização de oportunidades e o reforço das ligações externas através da organização de um sistema de relações económicas internacionais estável e equilibrado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
É neste quadro de esperança e de responsabilidade que assumo, como Presidente de todos os Portugueses, perante esta Assembleia e perante o País, o compromisso solene de defender, e de garantir a nossa democracia aberta, expressa nas suas dimensões de participação política, de desenvolvimento económico, de solidariedade social e de criação cultural, respondendo aos desafios do presente e construindo um futuro de progresso e de fraternidade.
Os tempos atuais são exigentes pelas dificuldades que nos colocam.
Os tempos futuros são, pelas oportunidades que se nos oferecem, pela experiência que recolhemos e pela consciência e serenidade que saberemos manter, espaços abertos de realização e de afirmação do nosso destino coletivo.
Saibamos todos ser dignos da nossa história e do nosso futuro.
Saibamos ser dignos do povo a que pertencemos.
Assim cumpriremos Portugal.
Sr. Presidente da Assembleia da República,
Ex. mos.
Chefes de Estado, Primeiros-Ministros e Altos Representantes de Estados e Povos Amigos,
Sr. Primeiro-Ministro, Membros do Governo e Altas Autoridades Portuguesas,
Srs. Deputados,
Minhas senhoras e meus senhores,
Depois de ter jurado por minha honra «cumprir e fazer cumprir a Constituição», as minhas primeiras palavras são para saudar o povo português, garante da perenidade da Pátria - uma Pátria com mais de oito séculos de história e que representa uma cultura, uma forma peculiar de estar no mundo e uma língua hoje falada por cerca de 150 milhões de seres humanos.
É aos Portugueses, a todos os Portugueses, sem esquecermos emigrantes espalhados pelo vasto mundo, e que com o seu trabalho honram Portugal, que exprimo o compromisso do meu empenhamento e da minha solidariedade.
Fui eleito pelos Portugueses para desempenhar o alto cargo de Presidente da República nos próximos cinco anos, que considero decisivos para assegurar um futuro de desenvolvimento a Portugal, no quadro da Comunidade Europeia, a que agora pertencemos por direito.
Findo o período de transição para a democracia plena, sou o primeiro Presidente civil eleito, diretamente, pôr sufrágio popular.
É uma escolha que me honra e que me responsabiliza.
Tudo farei para estar à altura da responsabilidade histórica que me foi confiada pelo voto livro dos Portugueses.
Com isenção e independência, ao serviço, tão-só de Portugal e do que Portugal representa no mundo.
Sou um homem de convicções e de fidelidade.
É com humildade que lhe agradeço, Sr. Presidente da Assembleia da República, as generosas palavras de confiança e de apreço que me dirigiu, com a autoridade democrática e o talento que lhe são unanimemente reconhecidos.
Foi com igual humildade e com o sentido pesado das responsabilidades que assumi, perante os Srs. Deputados, legítimos representantes do povo português, o meu compromisso para com a Nação.
Sempre considerei - e considero - a Assembleia da República como o centro vital da democracia.
Honro-me de ter sido parlamentar.
Deputado às Constituintes, fui sucessivamente reeleito em todas as legislaturas.
Nos últimos dez anos vivi momentos históricos, exaltantes, neste hemiciclo, de que guardo indelével recordação.
Num regime pluralista e pluripartidário, como o nosso, o papel do Parlamento é primordial e insubstituível.
É da eficácia da sua ação, no plano político e no plano legislativo, que em grande parte depende o regular funcionamento das instituições democráticas, de que sou, a partir de agora, constitucionalmente, garante.
A Assembleia da República pode contar com o meu respeito, com a minha solidariedade e com a minha cooperação.
Estarei atento, como é meu dever, às indicações desta Casa, que todos os democratas têm o dever de prestigiar, e manterei com V. Ex.ª, Sr. Presidente da.
Assembleia, e com todos os partidos aqui representados um diálogo atento e permanente.
Muito me honra, também, a presença, neste ato solene, de Chefes de Estado, de Primeiros-Ministros e de Altos Representantes de nações amigas com que Portugal mantém relações especiais.
Desejo agradecer-lhes e saudá-los calorosamente.
A sua ilustre presença é um testemunho de solidariedade para com o povo português, que muito me sensibiliza.
É mais uma prova de que Portugal saiu definitivamente do isolamento internacional, em que tantos anos viveu, e que é hoje, graças ao 25 de Abril, um país prestigiado e respeitado da comunidade internacional.
Há, no entanto, um lugar vazio nesta Sala que impede que o nosso regozijo seja completo.
Esse lugar deveria ter sido ocupado por um grande estadista, por um humanista, defensor das causas nobres e generosas, um amigo sincero de Portugal.
Refiro-me a Olof Palme.
Um atentado brutal e absurdo - como todos os atos terroristas - roubou-lhe a vida.
Curvo-me, respeitosamente, perante a sua memória.
Foi um homem de diálogo, de tolerância e de paz.
Honro-me de ter sido seu amigo e companheiro de ideal durante quase três décadas.
O terrorismo representa hoje uma das principais ameaças ao desenvolvimento da democracia.
Nos planos nacional e internacional.
Por isso, as democracias têm de saber defender-se, pondo-se de acordo numa ação concertada e eficaz de luta contra o terrorismo, fruto amargo da violência, do fanatismo e da intolerância.
Nas sociedades abertas a segurança é um bem tão precioso quanto a liberdade.
O terrorismo, flagelo até há pouco desconhecido em Portugal, não pode ser hoje arredado, infelizmente, das nossas mais instantes preocupações.
Tudo farei para que lhe seja dado um combate efetivo e sem tréguas.
O povo português, tradicionalmente pacífico e tolerante, elegeu-me porque confia na minha capacidade para unir os Portugueses, contribuindo assim para criar condições de convivência cívica e de colaboração responsável entre todos, ao redor de objetivos claros que nos são comuns.
Essa vontade de promover um clima de concórdia nacional não exclui firmeza e exigência, no respeito pelas regras democráticas e pelas leis da República.
Nesse aspeto, serei inflexível.
Consciente do perigo que sucessivas crises representam para o regime, tenho defendido que a estabilidade política e a paz social são condições indispensáveis para o desenvolvimento e a modernização de Portugal.
O desenvolvimento, com a verdadeira dimensão social - o que pressupõe correções e aperfeiçoamentos do sistema político e económico -, é, com efeito, o grande desafio com que estamos confrontados, até ao fim do século, e que justifica o nosso empenhamento coletivo, com vontade de ganhar.
É o desígnio capaz de unir os Portugueses nos próximos anos, congregando energias e boas vontades - a inteligência, a criatividade e o entusiasmo de muitos, e em especial dos jovens, para construir uma sociedade aberta, justa e de bem-estar, e lutar sem descanso contra a pobreza, a ignorância e a intolerância que ainda atingem, infelizmente, tantos portugueses.
Para tanto, exige-se a responsabilidade solidária e a cooperação leal dos órgãos de soberania, cabendo ao Presidente da República, pelas suas próprias funções, ser um fator essencial de estabilidade, o natural mediador dos consensos possíveis.
Esse será o meu principal objetivo.
Conheço bem as dificuldades de governar e sei, portanto, medir a importância que tem, para a ação governativa, a compreensão e o estímulo do Presidente da República.
Sempre considerei um erro opor maiorias que não devem ser, em termos de defesa do regime, oponíveis.
Por isso afirmei, antes e após serem conhecidos os resultados eleitorais, que a maioria que me elegeu se esgotou no próprio ato da eleição.
Para evitar ambiguidades.
Considero assim ser meu dever trabalhar lealmente com os governos que tenham a confiança da Assembleia da República ou que por esta sejam viabilizados, quaisquer que forem.
Asseguro, pois, ao atual Governo, embora minoritário, o meu apoio leal e a minha solidariedade, nos termos expressos.
Conheço e compreendo os problemas dos partidos, quer estejam no Governo quer na oposição.
Os partidos são instituições essenciais à democracia - tão essenciais que sem eles não há democracia - e, por isso, é dever de todos os democratas prestigiá-los.
Tendo renunciado a todos os cargos, direitos e deveres partidários, uma vez eleito Presidente da República - por os julgar incompatíveis com a função presidencial -, estou em condições de assegurar a todos os partidos, com imparcialidade, e designadamente aos que têm representação parlamentar, uma cooperação isenta e que tenha em conta tão-só o interesse nacional.
Tal como a entendo, a função presidencial não deve ser interferida por projetos pessoais nem por egoísmos partidários, sejam de que natureza forem.
Durante o meu mandato os Portugueses estão certos de que isso não acontecerá.
Vivi por dentro todas as crises políticas do regime e penso conhecer-lhes as razões e os mecanismos subtis.
Sei o que custam ao País.
Os Portugueses têm a garantia de que tudo farei para as evitar, poupando perdas de tempo irreparáveis e recursos que nos fazem falta e serão melhor aplicados numa estratégia nacional de desenvolvimento.
Disse-o aos Portugueses durante a campanha eleitoral e reafirmo-o hoje, com solenidade: serei o Presidente de todos os portugueses e não apenas daqueles que em mim votaram.
É nessa qualidade que desejo prestar uma homenagem sincera, neste momento e neste lugar, ao meu ilustre antecessor, o Presidente da República cessante, general Ramalho Eanes.
Conhecidas que são algumas divergências que pertencem agora ao passado, estou à vontade para enaltecer o papel que desempenhou o Presidente Eanes no processo político e militar complexo que conduziu à estabilidade democrática, ao longo dos seus dois mandatos.
Desejo igualmente saudar, com todo o respeito, os candidatos à Presidência da República que defrontei na primeira e na segunda volta das eleições presidenciais e o valioso contributo que deram para o esclarecimento democrático dos Portugueses.
Completa-se hoje um ciclo da vida portuguesa.
Outro começa, em plenitude democrática, que gostaria fosse marcado pela confiança dos Portugueses em si próprios e nas potencialidades de desenvolvimento de Portugal.
Podemos hoje olhar o futuro com esperança.
No passado próximo, vivemos crises difíceis, um processo político-social complexo e sinuoso, ultrapassámos dificuldades económicas e financeiras que pareciam invencíveis, sofremos frustrações e choques de diversa índole, alguns de grande gravidade.
A tudo resistimos.
E resistimos sem nunca pôr em causa os interesses nacionais essenciais e sabendo preservar e aprofundar as instituições democráticas pluralistas, nascidas com o 25 de Abril.
É o momento de prestar homenagem aos militares de Abril, sem a coragem e o patriotismo dos quais nada teria sido possível.
Não esqueceremos nunca o que lhes devemos.
E é tempo, igualmente, de saudar a instituição militar - as Forças Armadas - que, na sua hierarquia, profissionalismo, disciplina e lealdade democrática tem contribuído decisivamente para consolidar, por forma que representa um grande exemplo, o regime saído da vontade popular.
Às Forças Armadas, de que sou a partir de hoje, por inerência, o Comandante Supremo, incumbe, constitucionalmente, o importante papel da defesa militar da República.
Dotá-las das condições necessárias ao cumprimento das suas missões, à sua modernização e reestruturação, é pois uma exigência nacional.
A segurança dos Portugueses e a absoluta garantia dos seus direitos e liberdades, bem como dos seus direitos e deveres económicos, sociais e culturais, são imperativos constitucionais do Estado democrático.
Os tribunais são órgãos de soberania a quem incumbe, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
Saúdo, respeitosamente, os magistrados portugueses, de todas as categorias, que são um pilar essencial na manutenção e aperfeiçoamento do Estado de direito.
Como garante da unidade do Estado, desejo saudar os órgãos próprios das regiões autónomas e assegurar-lhes uma leal e efetiva cooperação.
A autonomia regional constitui uma das grandes realizações da nossa democracia, que importa prosseguir e desenvolver, visto que trouxe inúmeros benefícios às populações insulares.
É unanimemente admitido que o poder local constitui uma pujante realidade democrática.
Por isso merece toda a minha solidariedade.
Com efeito, as autarquias têm sido uma escola de democracia, possibilitando a participação e o empenhamento de milhares de cidadãos na vida da comunidade e em defesa dos interesses locais e regionais.
Aprofundando a tradição municipalista, tão celebrada por Herculano, o poder local tem modificado, com as suas realizações, a própria estrutura de Portugal e trazido às populações melhoramentos sem paralelo na nossa história contemporânea.
Durante a campanha eleitoral assumi voluntariamente compromissos políticos e culturais, que desejo neste momento reiterar.
Agirei no respeito escrupuloso das minhas competências, observando em relação aos outros órgãos de soberania a separação e interdependência estabelecidas na Constituição.
Tudo farei para garantir a estabilidade política e institucional, de acordo com a responsabilidade que me foi conferida pelos Portugueses.
É nesse quadro que considero ser meu dever tomar as iniciativas que entenda adequadas aos grandes objetivos nacionais.
Sempre entendi que o Presidente deve acompanhar a ação governativa, mas não tem que se intrometer nas decisões de política corrente.
O Presidente da República é portador de um desígnio nacional e compete-lhe, no âmbito dos seus poderes, ser um fator de orientação e de referência, em termos genéricos, que permita a realização progressiva daquele desígnio, com tempo, serenidade e moderação.
Não hesito em identificar esse desígnio nacional, nesta nova fase da vida portuguesa, com a estratégia para o desenvolvimento, a reforma do Estado, a modernização da sociedade e a afirmação da vitalidade indesmentível da nossa cultura.
São objetivos interligados que importa prosseguir sem perda de tempo, suscitando para tanto amplos consensos e fazendo apelo aos portugueses de boa vontade.
É óbvio que há divisões, conflitos e contradições na sociedade portuguesa, que se exprimem livremente, como é próprio das sociedades abertas, e que se não podem ignorar.
Mas longe de nos paralisarem devem estimular a nossa criatividade e capacidade de concertação, dado que em democracia os conflitos se dirimem pelo voto e pela aceitação da regra da alternância democrática.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Quero endereçar à população de Macau a expressão da minha solidariedade e apreço.
Tudo farei para lhe garantir as melhores condições de estabilidade, de progresso e de desenvolvimento.
Desejo também exprimir aqui a minha preocupação relativamente à situação de Timor Leste, que tem sido acompanhada por Portugal, nos últimos anos, com realismo e persistência, de harmonia com as regras do direito internacional.
Nos termos da Constituição, Portugal continua, relativamente a Timor Leste, vinculado às responsabilidades que lhe incumbem.
É na fidelidade a esses princípios e responsabilidades que continuaremos a afirmar e a lotar, na medida das nossas possibilidades, pelo direito imprescritível do povo de Timor Leste à autodeterminação e independência.
Neste momento solene e na presença tão honrosa de ilustres personalidades nacionais e estrangeiras, seja-me permitido endereçar, em nome de Portugal, as nossas saudações à comunidade internacional.
Portugal é hoje uma nação de paz e que luta, esforçadamente, pela paz no mundo.
Fiel às suas alianças tradicionais, membro fundador da Aliança Atlântica e membro de pleno direito da CEE, Portugal não esquece os laços fraternos e de excecional afetividade e solidariedade que o unem aos países irmãos de África de língua oficial portuguesa e à grande nação brasileira.
Não esquece, igualmente, a presença portuguesa que a história deixou repartida pelo mundo e que o trabalho dos nossos emigrantes, que efusivamente saúdo, rejuvenesce cada dia.
A fidelidade às nossas origens e o culto renovado da nossa identidade cultural são trunfos decisivos na batalha do futuro, em que estamos empenhados neste final do século.
Ao Presidente da República competirá dar o seu patrocínio a ações que visem promover externa e internamente a cultura portuguesa e a voz da Pátria.
Queremos fazer de Portugal uma terra de gente livre e solidária.
Uma terra de progresso, de prosperidade e de cultura.
É um sonho que está ao nosso alcance realizar.
Retomemos a esperança e ganhemos confiança no esforço próprio.
Muito depende de nós.
Saibamos despertar a iniciativa criadora de trabalhadores e empresários.
Façamos confiança à inteligência portuguesa aos nossos professores, cientistas, técnicos, escritores, artistas.
Demos à juventude condições para construir, pelas próprias mãos, o futuro que lhe pertence.
Sejamos, sobretudo, solidários com os mais pobres e os mais carecidos - os idosos, os doentes, os deficientes.
Com eles está a preocupação permanente e a solidariedade ativa do Presidente da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
Nesta hora de responsabilidade e de alegria, nesta sala de tantas e tão antigas tradições liberais, na presença dos nossos convidados, seja-me permitido reafirmar o meu compromisso nacional: unir os portugueses, servir Portugal.
Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados, Srs. Embaixadores,
Sr. Cardeal-Patriarca, Eminência,
Srs. Convidados,
Proferido o compromisso constitucional de «defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição», perante a representação nacional, expressa neste Parlamento, e perante os altos corpos do Estado, aqui também reunidos, as minhas primeiras palavras serão para agradecer, com humildade sincera e pleno sentido das minhas responsabilidades, ao povo português, fundamento primeiro e último da soberania nacional, ter-me honrado de novo com a sua confiança - pela forma expressiva como o fez - para continuar a presidir aos destinos da República, nos próximos cinco anos.
No desempenho das funções em que acabo de ser investido, tudo farei para ser em absoluto fiel a essa confiança reiterada e ao juramento solene que acabo de proferir, no entendimento que tenho da Constituição, da sua letra e do seu espírito, que é bem conhecido, e como garante que sou, por imperativo constitucional, do regular funcionamento das instituições democráticas, legitimadas pelo voto popular, e dos princípios inspiradores do Estado de direito, que somos, baseado na observância da lei e da legalidade, no respeito pelos direitos humanos e das minorias e na aceitação, a todos os níveis, do pluralismo e da alternância democrática.
Quero agradecer a V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, as generosas palavras que me dirigiu, ao saudar-me em nome dos Srs. Deputados, e assegurar, a esta ilustre Assembleia, o meu respeito, como sede principal da democracia portuguesa, e a minha intenção de estreita cooperação e solidariedade.
Ao iniciar um segundo mandato, como Presidente da República, não devo furtar-me a uma breve reflexão sobre o caminho percorrido, nos últimos cinco anos, que hoje se completam - as grandes mudanças ocorridas na vida nacional e, principalmente, no plano internacional - considerando-as, obviamente, numa perspetiva de futuro.
Trata-se de avaliar o percurso feito, o seu sentido e alcance, por forma objetiva, mas, sobretudo, de procurar discernir as linhas do futuro, para melhor o preparar para as gerações que despontam.
O meu compromisso de há cinco anos foi «unir os Portugueses e servir Portugal», com absoluta independência política, colocando-me numa posição de equidistância em relação aos partidos políticos, que respeito por igual, oferecendo uma solidariedade institucional sem falhas ao Governo legítimo, porque resultou do voto popular expresso nas eleições legislativas de 1985 e de 1987, observando, e fazendo observar, as regras de jogo normais numa sociedade aberta, que implicam concertação cívica, espírito de tolerância, respeito pelas minorias e plena igualdade entre os partidos, qualquer que seja a sua representação parlamentar, em especial no acesso aos meios de comunicação social sob tutela do Estado.
O compromisso de então reassumo-o hoje, nos mesmos termos e fazendo a mesma leitura da Constituição, com plena consciência, todavia, de que os próximos cinco anos serão diferentes, porventura mesmo mais difíceis e com desafios bem mais complexos a vencer.
Faço-o, entretanto, com idêntica determinação, fiel a mim próprio, com total devoção ao bem comum e à ideia que tenho de e para Portugal, repetidamente exposta em diferentes oportunidades, mas decerto com um conhecimento mais aprofundado dos problemas nacionais, e da sua ordem de prioridades, bem como das resistências burocráticas, dos grupos de pressão e dos mecanismos entorpecedores da sociedade civil e do Estado.
Conheço hoje melhor Portugal e os Portugueses.
Percorri o País em todos os sentidos, de norte a sul, do litoral ao interior, o continente e as ilhas atlânticas; contactei amplamente as populações, como porventura ninguém antes o fizera tão sistemática e intimamente, procurando auscultar os seus diferentes segmentos sociais, tão diferenciados entre si, e ouvir as opiniões das pessoas responsáveis, dos mais distintos padrões culturais e condições sociais.
Além disso, visitei os portugueses da diáspora dispersos pelos vários continentes - que daqui saúdo com especial carinho - e tenho procurado aperceber-me das pulsões do País profundo, do sentido e evolução dos costumes, dos modos de pensar, de reagir e dos sentimentos, frustrações e ambições dos Portugueses.
Portugal mudou muito nos últimos anos, e vai mudar muito mais ainda.
Somos hoje uma Nação muito diferente, e muito melhor do que éramos em 25 de Abril.
Temos perante nós, em aberto, exaltantes perspetivas de futuro.
O mundo mudou, igualmente, por forma aceleradíssima, em especial a Europa, em que naturalmente nos inserimos.
Os Portugueses devem ter plena consciência dessas mudanças e preparar-se para elas, com criatividade e sentido inovador.
Por isso, a política, obviamente, e as conceções estratégicas para o desenvolvimento e adaptação de Portugal, ao mundo que aí vem, devem também mudar, bem como o discurso, as propostas e quiçá mesmo os objetivos políticos, a curto e a médio prazo.
Não vamos navegar, como nos anos que passaram, com uma realidade internacional bem definida, com parâmetros seguros que pareciam imutáveis.
Os condicionalismos mudaram.
Tudo é agora incerto e complexo.
Mas a navegação à vista, timorata e sem alma, que claramente é a que comporta menos riscos, não será porventura a mais compensadora no plano nacional.
Teremos que aceitar correr riscos ponderados e reaprender a navegar ao largo, na linha de uma grande ambição nacional que foi comum aos nossos melhores antepassados - aqueles que ainda hoje recordamos.
O ciclo da transição da ditadura para a democracia, que vivemos nas décadas passadas, está completo e encerrado.
Não, que a nossa democracia não comporte aperfeiçoamentos ou não possa ser aprofundada, mediante uma maior participação e um mais amplo pluralismo.
Claro que pode, deve e é importante que isso aconteça.
Mas no sentido em que é inimaginável, na Europa de hoje, um regresso, em Portugal, a situações antidemocráticas e, portanto, que certo tipo de discursos radicalizados, num sentido ou noutro, de antagonismos e de contradições, que vivemos, e tanto nos ocuparam e preocuparam no passado recente, se encontram hoje definitivamente ultrapassados.
Já não mobilizam ninguém.
Julgo que os homens políticos e os partidos terão vantagem em ser os primeiros a aperceber-se disso, procedendo em conformidade.
A descolonização e todas as sequelas desse período tão dramático como inevitável, dado o condicionalismo anterior, constituem outro exemplo de uma temática esgotada, que pertence igualmente ao passado.
Os historiadores, com certeza, em tempo próprio, oferecer-nos-ão os seus juízos, com a objetividade possível.
Serão seguramente interessantes e válidos.
Mas o potencial de controvérsia que a descolonização ainda encerra, por maior que seja, importa pouco à sociedade portuguesa de hoje e, muito menos ainda, aos países africanos lusófonos, abertos à paz e ao pluripartidarismo.
O que interessa agora - e isso, sim, é atualíssimo - é aprofundar a nossa cooperação com os países africanos de expressão portuguesa, a todos os níveis, na igualdade, no respeito mútuo e na reciprocidade de vantagens, cimentando em bases sólidas a comunidade de afeto e de língua que nos une já e estimulando as tão necessárias relações de compreensão, amizade fraterna e de entreajuda.
Nesse sentido, seja-me permitido saudar com satisfação e uma ponta de orgulho lusófono, a tão significativa e promissora evolução democrática de países como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe - em especial os Presidentes eleitos Mascarenhas Monteiro e Miguel Trovoada e os seus respetivos Governos, países que se revelaram pioneiros, em África, dessa imensa mutação democrática que está em curso nesse continente mártir, e que a nós.
Portugueses, com manifesta vocação africana, importa seguir atentamente, estimular e ajudar, com todas as nossas forças.
Saúdo igualmente os esforços perseverantes de paz que estão a ser feitos em Angola e Moçambique - com significativa participação portuguesa, no primeiro caso - e que representam uma condição imprescindível para o desenvolvimento desses países irmãos.
Somos hoje uma Nação plenamente inserida na Comunidade Europeia e desde há cinco anos participamos, ativamente, na sua construção.
O choque europeu foi indiscutivelmente benéfico para Portugal, concorrendo para uma acelerada modernização global da sociedade e influenciando a evolução das próprias mentalidades.
Tenho dito que a integração europeia foi de certo a mutação mais significativa que ocorreu na história contemporânea portuguesa, tendo apenas como paralelo o 25 de Abril.
Os períodos de transição previstos no Tratado de Adesão estão, no entanto, a chegar ao seu termo.
Sem prejuízo de novos quadros de apoio que venham a ser negociados, temos de nos habituar a viver dos recursos próprios e da criatividade e força de trabalho dos Portugueses, em regime de duríssima competitividade na área dos Doze.
É esta uma situação nova.
Todos sabemos que não vai ser fácil, mas não há alternativa.
As índias que hoje temos para descobrir resultarão da nossa capacidade de potenciar os recursos próprios, de valorizar o trabalho, a criação da riqueza e o espírito de criatividade nacional.
A modernização de Portugal - com todas as alterações profundíssimas que implica nas estruturas da sociedade civil e do Estado - é o nosso próximo objetivo, como antes foram a democratização, a descolonização e a plena integração na Comunidade Europeia.
É um objetivo que está ao nosso alcance, como os anteriores estiveram - apesar do que em contrário disseram os velhos do Restelo - mas que implica sacrifícios e gera contradições, desequilíbrios sociais e mesmo conflitos que têm de ser geridos com tato, inteligência, no tempo próprio, com um grande sentido da concertação social e da sempre tão necessária coesão nacional.
A modernização de Portugal é um imperativo nacional, uma vez que, se não ocorresse - ou viesse a dar-se parcialmente e apenas por simples arrastamento, conservando amplos espaços de arcaísmo e subdesenvolvimento na sociedade -, nunca nos conseguiríamos integrar, como um igual, na Europa dos Doze.
O que quer dizer que os Portugueses - e sobretudo os jovens - para poderem aspirar, como é legítimo, a padrões de vida plenamente europeus, têm de ser capazes de criar novas formas de organização do trabalho e de estruturação das próprias vidas, empresas e atividades profissionais, em todos os domínios, com destaque para a produção científica, cultural, técnica e para a própria formulação de ideias novas - em liberdade, autonomia, pluralidade e em regime de pleno intercâmbio europeu mas também de grande competitividade.
Digamos aqui, antecipando, que aquilo que vai acima de tudo contar nessa autêntica revolução pacífica, que é a modernização da sociedade portuguesa, e a libertação da sociedade civil, entendida também como sociedade de cidadãos - livres, conscientes, determinados, participantes - muito mais do que as reformas também igualmente necessárias do Estado, o qual deixará, pela força das coisas, de ser protecionista e em permanência interventor, para necessariamente ser, na Europa em construção, descentralizado, plural, aberto e supletivo, atento sobretudo às políticas de solidariedade, para poder corrigir as assimetrias regionais e as desigualdades sociais que a modernização não deixará de provocar, como um efeito perverso.
Nesse sentido, devemos estar muito atentos à erradicação das manchas de pobreza que subsistem - e aos novos pobres, marginalizados pelo progresso - e às condições inaceitáveis em que vivem, em autênticos ghettos sociais, os africanos imigrantes que trabalham em Portugal.
Os anos que aí vêm são, assim, de progresso, de grande mutação e de criatividade mas obrigam-nos, necessariamente, a grandes reajustamentos internos, de que muitos portugueses não terão ainda perfeita consciência.
Para além do termo dos períodos de transição, com tudo o que para nós representa de concorrência acrescida, havemos de nos preparar, a partir de Janeiro de 1993, para as exigências do mercado único europeu, com a crescente liberdade de circulação no nosso território, de pessoas, serviços, mercadorias e capitais, da área dos Doze; teremos de nos preocupar com a segunda fase da união económica e monetária, que está em gestação e que implica uma obrigatória partilha de soberania; ter em conta a inevitabilidade da entrada do escudo no sistema monetário europeu; e, sobretudo, teremos de ser capazes de produzir ideias claras para a construção da união política europeia, que, quer se queira quer não, entrou na ordem das preocupações comunitárias uma vez verificada, com a guerra do Golfo e a crise do mundo comunista, a necessidade de uma coordenação efetiva das políticas externas e de defesa dos Doze, sem o que a Europa deixará de ter voz audível e peso no concerto internacional.
Se a isso acrescentarmos que, a partir de julho deste ano, passaremos a fazer parte da troca comunitária e que, em janeiro de 1992 - num período decisivo para a Europa e para o mundo - assumiremos, pela primeira vez, a presidência da Comunidade, com todas as obrigações e responsabilidades internacionais que daí decorrem, havemos de reconhecer que o tempo urge - e não tem paralelo com o passado -, que os desafios que teremos de vencer são novos, enormes e estão calendarizados, tudo aconselhando um grande trabalho coletivo de consciencialização, de esclarecimento e de concertação dos interesses em conflito ou, pelo menos, divergentes.
Refira-se, como anotação à margem, que, a poucos meses de vista, por imperativo constitucional, teremos eleições legislativas, uma vez que se completa, pela primeira vez na história da II República - como o Sr. Presidente assinalou, e releve-se-me o orgulho com que o faço - uma legislatura, a atual, de quatro anos.
Não entro, obviamente, nessa problemática eleitoral que respeita principalmente aos partidos e que o povo português, em plena liberdade, deverá dirimir.
Qualquer que seja, porém, o resultado, aceitá-lo-ei, como obviamente me cumpre, animado tão-só pela preocupação de manter com o futuro governo a melhor cooperação institucional.
Mas não me dispensarei de referir, a esse propósito, que a proximidade de eleições - com a pré-campanha e a campanha que necessariamente as precedem - não deve servir de pretexto para desviar a atenção dos Portugueses dos desafios com que estão confrontados, na própria Pátria, na Europa comunitária e em África.
Pelo contrário, aconselha um amplo - e prévio - debate nacional, sereno, informado e responsável, sobre toda esta problemática, que a meu ver deve iniciar-se quanto antes, e postula, como se compreende, uma estreita cooperação interpartidária - e entre parceiros sociais - na preparação dos dossiers comunitários, que responsabilizam a Nação no seu conjunto, de modo a não haver vazios e para que Portugal esteja bem preparado para enfrentar as dificuldades que aí vêm, seja qual for o resultado das eleições.
Esta insistência na importância do debate político responsável - sem esquecer as dimensões económica, social, cultural e ecológica que hoje também comporta - relaciona-se com a necessidade de reafirmar o pluralismo, em todos os escalões da sociedade e do Estado, pluralismo que representa uma condição sine qua non das sociedades abertas.
O poder político, como qualquer poder, deve ser suscetível de contestação e de crítica, aceitando a controvérsia como um facto natural e mesmo salutar, decorrente da existência de uma opinião pública livre, informada e responsável.
É assim que se estruturam as democracias modernas e essa é mesmo a sua mais efetiva superioridade sobre os regimes fechados e antidemocráticos.
O poder político, como o poder económico, que, em Portugal, sofreram as vicissitudes conhecidas, ao longo do nosso processo democrático, irão ser necessariamente repensados e reestruturados nos próximos anos - as privatizações são apenas um exemplo disso, e que importa acompanhar de perto - à medida que se for aprofundando a nossa integração comunitária.
É inevitável que assim aconteça.
Por isso, quanto mais cedo todos nos dermos conta dessa exigência, melhor.
E aí terá um papel decisivo a desempenhar uma comunicação social verdadeiramente independente, ciosa das suas garantias deontológicas e qualificações profissionais - como lhe cumpre - mas responsável e responsabilizável perante órgãos jurisdicionais, eles também, em absoluto, independentes do poder político e do poder económico.
Numa sociedade democrática ninguém está acima da lei.
Todos os assuntos são suscetíveis de ser discutidos, com sentido da responsabilidade e do interesse nacional, desde que o sejam no respeito pelo direito de cada cidadão ao seu bom nome e dignidade.
Em caso de lesão desses direitos - ou de conflito - é aos tribunais, independentes do poder político e do poder económico, que cumpre aplicar a lei e dirimir os conflitos, presumindo-se a inocência dos arguidos até ao trânsito em julgado das sentenças.
Em Portugal, como exemplos recentes demonstram, as instituições funcionam e a independência dos tribunais é, felizmente, um facto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Os próximos cinco anos serão decerto exaltantes.
Grandes transformações estão em curso no mundo: tudo evolui com excecional rapidez - países, instituições, as próprias conceções, as ideias e as pessoas.
Está em via de se construir, pela força das coisas, uma nova ordem internacional.
Qual ela seja, é a grande questão.
Como a guerra no Golfo veio demonstrar, o precário equilíbrio criado em falta não atua mais, como antes, e novas realidades se impõem.
O mundo deixou de ser bipolar.
Poderemos esperar das Nações Unidas um reforço de prestígio e uma racionalização das regras do seu funcionamento, que as torne mais eficazes?
Assistiremos ao renascer em força da Europa, tendo como centro motor a Comunidade, associada aos países da EFTA e solidária dos países da Europa Central e Oriental, em vias de democratização?
Estaremos, como os otimistas previam, antes da guerra do Golfo, no limiar de uma nova era de paz, com a gradual universalização das regras do pluralismo democrático, a observância dos direitos humanos e o sentimento generalizado de que o mundo é um só, o que nos obrigará, por forma consequente, a retomar o diálogo Norte-Sul, as preocupações ecológicas à escala planetária e a um trabalho sério de erradicação das causas da miséria, da doença e da ignorância que continuam a afligir dois terços da humanidade?
Não me arrisco, obviamente, a entrar em futurologia, nem seria indicado fazê-lo neste momento.
Mas que os problemas referidos estão no centro de todas as preocupações - e não podem, por muito mais tempo, ser iludidos - isso é evidente.
Portugal é um pequeno país, que tem a consciência das suas limitações, mas que sabe igualmente que o seu prestígio internacional e o peso da sua longa história não se medem pela extensão geográfica do seu território nem pela expressão numérica da sua população.
Espero que Portugal possa contribuir, validamente, para esse grande debate universal.
Portugal, país euro-atlântico, fiel às alianças em que se insere, situado numa posição geoestratégica ímpar, na entrada do Mediterrâneo, com uma língua hoje falada por 170 milhões de seres humanos, em todos os continentes, e uma memória histórica que perdura.
Integrado na Comunidade Europeia, em cujo desenvolvimento ativamente participa, ligado intimamente à África Lusófona e ao Brasil, por sólidos laços afetivos, culturais e de interesse, que estão a renovar-se intensamente, o mais próximo vizinho dos Estados Unidos, na Europa, Portugal é hoje uma nação segura de si, que sabe o que quer, com um rumo definido.
A coesão nacional é um facto óbvio para todos os portugueses, que resulta diretamente da larga convergência existente quanto aos grandes objetivos nacionais, e como tal reconhecidos, da comunidade de interesses e da imensa consensualidade que foi possível estabelecer quanto às instituições que nos regem.
Como Presidente da República, e por inerência Comandante Supremo das Forças Armadas, cumpre-me saudar a instituição militar, garante também dessa unidade e da independência nacional, nas pessoas dos seus chefes, aqui presentes.
Devo também saudar o Sr. Cardeal-Patriarca, figura máxima da Igreja Católica portuguesa, cuja presença nesta sessão de investidura dá testemunho das excelentes relações existentes entre o Estado e a Igreja, que representa a religião da maioria do povo português, relações hoje baseadas na separação, no respeito mútuo e na estrita observância pelo Estado da liberdade religiosa.
Quero ainda referir dois outros pontos, especialmente caros a Portugal.
O primeiro respeita a Timor e à solidariedade que nos merece esse martirizado povo, que ainda não logrou ver reconhecido, pela comunidade internacional, o seu direito inalienável à autodeterminação e à independência, se essa for a vontade expressa do povo de Timor-Leste, em consulta totalmente isenta e livre.
Como repetidamente tenho afirmado em todos os areópagos internacionais, Portugal, como potência administrante de jure em relação a Timor-Leste, apenas deseja que a Carta e as resoluções das Nações Unidas sejam respeitadas, os direitos humanos observados, e que o mundo não continue a tolerar, ainda que pelo silêncio, uma invasão manu militari muito semelhante à que sofreu o Kuwait, com igual desrespeito das normas internacionais mas que, ao contrário do que sucedeu no Kuwait, não mereceu ainda, o repúdio generalizado da consciência universal e a rápida e eficaz reposição do direito internacional.
O segundo refere-se às responsabilidades de Portugal, relativamente a Macau, cujo território nos cumpre administrar, nos termos da Declaração Conjunta.
Luso-Chinesa, até dezembro de 1999.
Macau, como tenho dito, representa, para Portugal, um grande desígnio nacional que como tal deve ser assumido pelos Portugueses, na convergência de pontos de vista entre os órgãos de soberania da República e as autoridades da China Popular, quanto à estratégia do desenvolvimento integrado definida para aquele território, na base da Declaração Conjunta e numa perspetiva de futuro que ultrapassa de longe 1999 e se prolongará, pelo menos, até meados do próximo século.
Aproveito este momento solene para saudar carinhosamente a população de Macau, na pessoa dos seus legítimos representantes, aqui presentes - o Presidente da Assembleia Legislativa, uma representação de deputados e o Presidente do Leal Senado - enviando-lhe uma mensagem de confiança no futuro, de tranquilidade e de progresso.
É tempo de terminar.
No segundo mandato, que hoje inicio, continuarei a ser, como fui, reconhecidamente, no primeiro, o Presidente de todos os portugueses, isento, independente, solidário com os outros órgãos de soberania, intransigente na defesa da Constituição e da legalidade - nomeadamente, no que se refere às liberdades e garantias de segurança dos cidadãos - empenhado na defesa do prestígio de Portugal na ordem externa e no bem-estar e progresso dos Portugueses, principalmente os jovens, e os mais pobres e carecidos de solidariedade.
Unidade nacional, solidariedade social e modernização da sociedade, em todos os planos, são as minhas ideias força e as minhas principais preocupações.
Nesse sentido, tudo farei para ajudar e estimular as artes, as letras e as ciências que considero - bem como a educação - das nossas primeiras prioridades, sem o que não haverá modernização nem desenvolvimento.
Estarei atento aos abusos de poder, donde quer que partam, e denunciá-los-ei sem hesitação.
Garantirei a estabilidade político-institucional, que tem sido uma das condições de desenvolvimento, estimulando, ao mesmo tempo, o espírito crítico dos cidadãos, a inovação, em todos os domínios da vida nacional e a criatividade da sociedade civil, tão necessárias.
Serei sempre solidário com o poder local, expressão de desenvolvimento e de democracia, com as Regiões Autónomas, na definição de uma autonomia tranquila, radicada na liberdade e na unidade da Nação, e com todas as formas de associativismo e de descentralização que deem maior vigor à sociedade e maior participação aos cidadãos.
Estes são os meus compromissos solenes.
Os Portugueses sabem que podem contar comigo e que, aconteça o que acontecer, me encontrarão disponível sempre que de mim precisem.
Alguns, considerando que não necessito mais de me submeter ao sufrágio popular, têm-se interrogado, de diferentes e imaginativas formas, sobre as minhas intenções e propósitos neste segundo mandato.
Não há que alimentar dúvidas: são transparentes.
A resposta está no meu passado e na coerência política que me conduziu onde me encontro, por vontade expressa dos meus concidadãos.
Não trairei a confiança que em mim depositaram.
Não deixarei de exercer a magistratura de influência a que habituei os Portugueses.
Há, para além disso - digo-o com modéstia e sem querer usar expressões grandiloquentes - o julgamento da história e o da própria consciência.
Esses são os mais exigentes.
Obrigam-me a um rigor cada vez maior no exercício das minhas funções e a uma absoluta fidelidade a mim próprio.
Os Portugueses poderão continuar tranquilos: de mim não virão surpresas.
O caminho e claro e está bem definido.
Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Presidente da República cessante,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional,
Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados,
Srs. Chefes de Estado e mais Representantes de Estados Amigos de Portugal, Excelências,
Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Eminência,
Srs. Convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Ao fim de 20 anos de democracia e após uma década de integração europeia, Portugal encerrou um ciclo da sua história contemporânea.
O regime democrático está consolidado.
A adesão à Comunidade Europeia provou ser a aposta certa, permitindo ao País condições de desenvolvimento e transformação estrutural de outro modo impossíveis.
Hoje, às novas gerações que atingem a maioridade, essas duas grandes condições para a modernização de Portugal parecem óbvias, quase naturais.
E ainda bem que assim é.
Todavia, para que a liberdade e a democracia estivessem garantidas foi necessário o combate de várias gerações que, pela sua determinação e coragem, garantiram o exemplo do caminho a seguir.
O 25 de Abril, que quero evocar neste momento com emoção, representa o fim de um longo percurso onde muitos pagaram com a liberdade e a vida a sua dedicação à causa da democracia.
Ser eleito Presidente da República representa uma responsabilidade e uma honra incomparáveis na vida de um político.
Mas as circunstâncias ditaram que eu pudesse ter o prazer acrescido de receber a passagem de testemunho dessa figura ímpar da democracia portuguesa que é o Presidente cessante, Dr. Mário Soares.
O Dr. Mário Soares é, nacional e internacionalmente, um símbolo do combate constante pela Liberdade e pela Democracia.
Um combate que não conheceu hesitações nem concessões.
O ciclo político que, coincidentemente, se encerra com o fim do seu mandato presidencial ficará sempre ligado ao seu nome.
Ninguém, nas últimas décadas, mareou, persistentemente, de forma tão profunda, a vida política portuguesa.
Hoje, como Presidente da República, quero testemunhar-lhe, Sr. Dr. Mário Soares, o profundo reconhecimento do País por uma vida inteira dedicada à procura do melhor para Portugal e para os portugueses.
Ao Presidente da República é difícil sintetizar a vida de V. Ex.ª numa palavra, tão diversificados foram os campos onde deixou a sua marca.
Todavia, há uma que se impõe a todos os outros qualificativos.
V. Ex.ª é um homem de Liberdade.
Fiz questão que o primeiro gesto do meu mandato fosse, noutra cerimónia que hoje ocorrerá, a condecoração de V. Ex.ª com o Grande Colar da Ordem da Liberdade.
Sr. Presidente da Assembleia da República, agradeço-lhe sentidamente as palavras de apreço que me quis dirigir na sua eloquente intervenção.
Esta é a sede da representação da vontade soberana do povo português.
Permita-me que diga que conheço bem esta Casa, onde vivi intensos anos de atividade parlamentar.
Creia, Sr. Presidente, que a Assembleia da República pode contar sempre com a cooperação institucional do Presidente da República que acaba de ser empossado.
Quero exprimir a honra que sinto pela presença, neste ato solene de posse, de Chefes de Estado, de Primeiros-Ministros e de altos representantes de países amigos.
Quero a todos saudar calorosamente e agradecer a sua tão ilustre presença nesta cerimónia.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Os próximos anos são decisivos para o futuro de Portugal.
O País tem perante si o desafio de garantir um importante esforço de modernização sem gerar fraturas políticas e sociais que minem a coesão nacional.
A estratégia nacional só pode passar pela firmeza na participação de Portugal na União Europeia, pela concretização de um esforço sustentado de modernização dos sectores produtivos e por uma atenção constante às políticas sociais.
Olho com confiança para o futuro de Portugal.
Somos um País quase milenário.
Temos uma cultura que tem sido capaz de manter a sua diversidade e riqueza, século após século.
Uma língua que os portugueses espalharam "pelas sete partidas do mundo" e que é hoje falada por mais de 200 milhões de pessoas.
Foi a coragem e a determinação de vencer do nosso povo que fez a riqueza da nossa história, cultura e língua.
E ela que me fará sempre ter confiança no futuro.
Fui adquirindo e amadurecendo um conhecimento profundo dos portugueses.
Esse é, sem dúvida, o património que mais valorizo e desejo valorizar de um percurso político que iniciei há tantos anos.
Sei que o povo português será sempre capaz de encontrar as energias e os meios necessários a garantir o futuro de Portugal.
Mas sei, também, que o novo ciclo político corresponde a uma maior exigência dos portugueses no seu relacionamento com o sistema político, sobretudo, à necessidade de uma maior transparência e de uma renovada capacidade de dar respostas concretas às expectativas e ansiedades do quotidiano das pessoas.
Os portugueses conhecem a minha conceção sobre a função presidencial.
Construí-a, tendo presente uma preocupação a que darei a maior atenção.
Num mundo e num tempo cada vez mais submetidos à massificação, a violentas tensões desagregadoras e à perda da memória coletiva, é necessário o reforço dos valores da identidade.
É necessário exercer uma magistratura que defenda, garanta e reforce a coesão nacional.
Sinto que se desenvolveram em Portugal fatores que afetam essa coesão.
Há sinais inequívocos de aumento das desigualdades sociais.
Acumularam-se, e atingiram níveis preocupantes, as profundas assimetrias regionais do desenvolvimento nacional bem como os fenómenos de exclusão e de marginalização de minorias.
A quebra de solidariedade entre gerações aumentou.
O papel da família e mesmo a sua articulação com o sistema educativo carecem de profunda reflexão.
Expressão desta quebra de coesão nacional são os crescentes indicadores de insegurança, o aumento dos fatores de conflitualidade, o acumular de tensões inter-regionais, a intolerância e a intransigência que vejo desenvolverem-se, aqui e acolá.
O reforço da coesão nacional, Excelências, exige reformas profundas, quer para realizar as políticas de descentralização quer para adaptar as políticas educativas e sociais.
Seja para restaurar a confiança dos cidadãos no sistema político seja para garantir a eficácia do papel do Estado.
O reforço da coesão nacional exige dar resposta ao fortalecimento das instituições municipais e locais, assim como às formas organizadas de representação da sociedade.
Na procura dessa solução a unidade do Estado não pode nunca ser posta em causa.
Mas o reforço da coesão nacional passa, também, por encontrar uma solução, consensualmente aceite e institucionalmente estável, para o problema da fórmula de descentralização política e administrativa do Continente.
Este é um problema pendente de resolução há demasiado tempo.
Desejo saudar os órgãos próprios das regiões autónomas e garantir-lhes uma cooperação sempre empenhada.
As autonomias regionais foram decisivas para a transformação da vida das populações dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
O modelo autonômico regional provou a sua validade e todo o nosso esforço tem de ser no sentido de o aperfeiçoar e consolidar.
Mas a coesão nacional depende ainda do modo como se respeitarem os direitos sociais adquiridos, garantindo a segurança mínima das famílias e as suas expectativas de reforma, sobretudo dos mais carenciados, tantas vezes sozinhos e ameaçados por uma modernização feita, passando por cima dos valores da solidariedade.
Como Presidente da República tudo farei para estimular os consensos na sociedade portuguesa.
Só eles podem abrir caminho a uma nova concertação estratégica, capaz de responder às exigências da coesão nacional, num período de mudança acelerada e também de acelerada mobilização nacional.
Excelências, o mandato que recebi dos portugueses tem um sentido claro.
O Presidente da República deve ser um garante da estabilidade política e institucional e exercer uma magistratura por forma a assegurar os equilíbrios institucionais.
Entendo, naturalmente, ser meu dever respeitar e fazer respeitar a vontade democraticamente expressa dos portugueses, tal como respeitarei rigorosamente as esferas de competências próprias dos outros órgãos de soberania.
Empenhar-me-ei na criação das condições necessárias para que o Parlamento e o Governo possam exercer as suas funções e cumprir os seus mandatos.
A lealdade e a cooperação institucional, ao contribuírem para a estabilidade política, serão decisivas também para que os portugueses se revejam nas instituições da República.
O Governo presidido pelo Sr. Engº. António Guterres, saído de eleições onde recolheu um inequívoco sufrágio do povo português, conta, naturalmente, desde hoje, com a minha cooperação institucional.
Exercerei os meus poderes constitucionais com imparcialidade.
Cumpre-me trabalhar com todas as maiorias e com todos os Governos legítimos.
O princípio da cooperação institucional não pode ser sinónimo de unanimidade.
O normal funcionamento das instituições políticas exige que todos - Presidente, Assembleia e Governo - exerçam os seus poderes com exigência e respeitem a manifestação das competências recíprocas.
Serei constante na expressão da minha cooperação institucional com o Governo, tal como serei firme no exercício dos poderes que me estão constitucionalmente conferidos.
Manterei com a Assembleia da República, centro por excelência da vida democrática nacional, uma relação de respeito e de solidariedade e manterei com todos os partidos um diálogo constante.
As oposições sabem que têm em mim um observador atento e sensível à defesa dos seus importantes direitos constitucionais, como forma de manutenção de condições para a livre escolha das alternativas democráticas.
Quero aqui saudar as Forças Armadas portuguesas, garantia da defesa e da segurança nacional e cuja lealdade institucional foi decisiva para consolidar o regime democrático saído do 25 de Abril.
Ao assumir, por inerência, as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas, quero reiterar o meu empenhamento total no sucesso da missão de paz na Bósnia Herzegovina, e de outras missões de paz noutros teatros, da qual depende, quanto à primeira, em parte, a estabilidade da Europa neste final de milénio.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
O essencial do destino de Portugal joga-se na Europa.
Esse é hoje um dado incontornável da inserção internacional do País.
Ele não se compadece com políticas expectantes e defensivas, antes aconselha políticas firmes e coerentes, afirmadas numa determinação clara dos nossos interesses nacionais.
Tanto as dificuldades dos últimos anos como as exigências da nova fase da construção europeia exigem o refortalecimento dos consensos internos adequados a suportar as exigências permanentes da estratégia portuguesa para a Europa.
Essa estratégia não pode mais assentar no secretismo e no facto consumado, fatores que minaram os consensos anteriormente existentes.
Hoje, ela terá de depender sempre de uma política transparente quanto às opções a tomar e suas exigências.
Hoje, ela terá de assentar numa participação alargada das forças políticas e sociais e na consulta aos cidadãos.
Só assim os portugueses poderão compreender que a União Europeia é uma comunidade de Estados soberanos, onde, portanto, não se pode apenas querer colher benefícios, sem nunca ter de partilhar as responsabilidades de agora e do futuro.
Os desafios que a União Europeia tem perante si na viragem do século, como a intensificação da integração económica, num quadro de coesão interna, a expansão de fronteiras, com o alargamento às novas democracias europeias, são também desafios para Portugal.
A resposta a esses desafios não está na hesitação, mas, sim, na identificação de objetivos prioritários no estabelecimento de consensos nacionais e, necessariamente, numa política externa portuguesa firme e determinada.
Uma Europa unida e forte será uma Europa aberta para o exterior e preparada para garantir um quadro de estabilidade regional.
Essa condição é relevante para a continuidade da comunidade transatlântica, designadamente da aliança entre os Estados Unidos e a Europa.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte continua a ser a trave mestra da nossa segurança, embora as circunstâncias atuais exijam o desenvolvimento efetivo do pilar europeu como uma real capacidade dos aliados europeus para assumirem responsabilidades acrescidas na sua defesa coletiva.
As relações com os Estados de língua oficial portuguesa ocupam, naturalmente, um lugar eletivo na nossa política externa.
Essas relações representam um traço de união com a nossa própria história, uma longa história partilhada com os povos de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, da Guiné, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe e, naturalmente, com o povo de Timor-Leste.
A língua, a rica diversidade de culturas expressas nessa mesma língua, a História e uma solidariedade efetiva entre os povos dos sete Estados e do território de Timor tornam necessária a concretização de uma comunidade de Estados e povos de língua oficial portuguesa, projeto a que temos dedicado e a que, naturalmente, dedicarei a maior atenção.
Infelizmente, Timor-Leste ainda não poderá participar nesse projeto como povo livre.
Portugal tem uma responsabilidade histórica inalienável em relação a Timor-Leste e à comunidade timorense.
Como potência administrante do território, Portugal tem um dever claro perante a comunidade internacional: garantir a conclusão do processo de descolonização, com a realização de uma consulta livre, democrática e fiscalizada pelas Nações Unidas, através da qual os timorenses possam exercer, com dignidade, o seu direito à autodeterminação.
Para o cumprimento desse objetivo, os órgãos de soberania com responsabilidade nesta importante questão devem sempre procurar as formas e os meios que melhor se coadunem à evolução das circunstâncias internacionais.
Portugal deverá continuar a lutar pela causa de Timor-Leste em todos os fora internacionais, bem como a apoiar os esforços do Secretário-Geral das Nações Unidas no cumprimento do seu mandato, na procura de uma resolução justa e internacionalmente aceite da questão de Timor-Leste, com a participação de todas as partes interessadas.
O empenhamento nacional, nesta matéria, é, aliás, feito em coerência com um valor essencial de referência na atuação externa do Estado português, ou seja, o da defesa da liberdade dos povos e dos direitos humanos.
O Presidente da República tem especiais responsabilidades em relação a Macau.
Pela minha parte, entendo ser necessária uma estrita consonância com o Governo, tanto para a administração do território como no quadro das relações com a República Popular da China.
A política portuguesa tem um sentido claro: garantir a estabilidade e a prosperidade do território de Macau bem como a defesa dos direitos e interesses dos seus habitantes, nunca esquecendo que Portugal tem uma responsabilidade inalienável na defesa dos direitos de todos os cidadãos portugueses de Macau.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
A moderna evolução das sociedades e dos sistemas políticos implica uma nova conceção das relações entre o cidadão e o poder político.
Uma relação baseada na informação e na proximidade da decisão política, o que implica novas formas de participação democrática dos cidadãos, ampliando os seus direitos.
Sem incorporação no sistema político dessas novas exigências não será possível adaptar a democracia representativa à complexidade das relações sociais e de poder no final deste milénio.
A tendência das sociedades modernas vai no sentido do desenvolvimento de uma cultura de intervenção cívica e de uma saudável intransigência dos cidadãos na defesa dos seus direitos legítimos perante o Estado.
A pressão sobre o sistema político português é já grande, sobretudo porque uma persistente política centralista adiou o desenvolvimento natural de reformas institucionais de desconcentração e descentralização do poder.
Garantir a estabilidade da democracia significa um empenho constante na defesa do prestígio das instituições representativas e da participação política dos cidadãos.
Tenho, e assumo, a obrigação de estimular uma cultura de exigência democrática.
Mas entendo imprescindível assegurar o respeito pelo Estado de Direito e a defesa do prestígio das instituições que o definem e aplicam, como forma de assegurar a confiança dos cidadãos nas instituições da República.
O respeito pelo Estado de Direito é uma base fundamental do regime democrático.
Sobre ela não pode haver quaisquer transigências.
Procurarei ser um Presidente próximo das pessoas.
Farei dessa minha intenção o timbre do meu mandato.
Ouvirei atentamente os portugueses.
Ouvirei todos.
Mas estarei, naturalmente, atento aos excluídos do sistema ou das políticas, remetidos, tantas vezes, a um estatuto de dispensáveis.
Não há portugueses dispensáveis.
Essa é uma ideia intolerável.
Dedicarei aos problemas das famílias portuguesas uma particular atenção.
Estou consciente das múltiplas questões que afetam essas famílias, e não posso deixar de manifestar a minha preocupação sobre todas as formas de violência familiar, de que as mulheres e as crianças são, tantas vezes, as principais vítimas.
No quadro das minhas competências, apoiarei todos os esforços que contribuam para encontrar formas que permutam aos pais investirem cada vez mais na educação dos seus filhos e para que se, concilie a vida profissional dos pais e das mães com a vida familiar, pois tenho bem presente a crescente importância da afetividade na construção da vida de cada um de nós.
A solidariedade deve ser um valor fundamental na sociedade portuguesa.
Deve estar presente na formulação das políticas de modernização, de emprego e de reforma da segurança social.
Essa é a única forma de modernizar o País, mantendo a coesão nacional e o sentido de partilha de um futuro coletivo.
A mais preocupante expressão da quebra do sentimento de solidariedade é o desenvolvimento de fenómenos crescentes de intolerância política, social e até religiosa.
Portugal, que é um País coeso, sem questões étnicas, religiosas, linguísticas ou regionais, tem de saber preservar este bem único, sem o qual, como temos visto em tantos países, tudo seria posto em causa: a paz cívica, o progresso, a solidariedade, o prestígio e a afirmação no Mundo.
Os portugueses têm consciência disto mesmo.
Um patriotismo forte, claramente assente em valores democráticos, culturalmente esclarecido e civicamente assumido, é a melhor defesa contra os nacionalismos agressivos, a xenofobia, o racismo, e é também a mais eficaz resposta à insegurança, ao medo do futuro.
Quero, hoje, aqui, reafirmar perante vós, com emoção, o orgulho que sinto em ser português e o meu amor a Portugal, que quero servir, com todas as minhas capacidades, honrando um mandato que recebi dos portugueses.
A nossa cultura, tão rica e tão variada, nas suas formas populares e eruditas, tão forte nos seus traços caracterizadores; é o testemunho - de um grande povo - aberto aos outros, ao universal, ao novo, ao desconhecido - e de um País que, há cinco séculos, uniu a espécie humana e mundializou a comunicação, sabendo, embora pequeno, transportar-se até aos confins dos mares e da Terra, onde deixou as suas marcas, as maiores das quais são a língua e uma memória que ainda hoje perdura e de que recebemos, constantemente, sinais de reconhecimento.
Procurarei ser um elo de união entre Portugal e as comunidades portuguesas vinculado à valorização da sua identidade e das suas raízes portuguesas, multiplicando os contactos diretos.
É responsabilidade do Presidente da República manter vivos os sentimentos de solidariedade nacional para com essas comunidades portuguesas.
Neste dia, quero incitar os portugueses - sobretudo os mais jovens - a estudarem e a conhecerem melhor a nossa história, a nossa cultura, o nosso património natural e construído, a nossa geografia, as nossas raízes e os fundamentos da nossa identidade.
Temos de assegurar às novas gerações uma formação exigente, capaz de os habilitar para os desafios de um mercado aberto.
Mas temos também de lhes garantir perspetivas de futuro, oportunidades, a capacidade de olhar com esperança para o início da sua vida profissional e familiar.
Sem isso, dificilmente poderemos resolver muitos dos problemas que hoje afetam os jovens portugueses.
É ao reforço da nossa identidade que vamos buscar a energia e a confiança para partirmos desassombradamente para a aventura do futuro, sem medo, com arrojo, na convicção firme de que fomos grandes sempre que deixámos as questões mesquinhas e pequenas que nos dividem e diminuem.
Conseguimos realizar grandes obras e afirmarmo-nos como povo e como Nação sempre que nos soubemos unir e concentrar no essencial, sempre que nos abrimos à modernidade, aos valores da liberdade e do universalismo, praticando uma cultura de tolerância e curiosidade pelo diferente, um modo, que nos é tão próprio, de afetividade e de aproximação humana.
Esta é uma lição para o nosso tempo, que, mais do que nunca, precisa de assumir esses valores.
Este é, por isso mesmo, o contributo original que podemos dar à construção de uma Europa de solidariedade e de cidadania, à edificação de um Mundo de paz e de liberdade.
Quando me candidatei às altas funções de que acabo de ser empossada afirmei de forma inequívoca: não há maiorias presidenciais.
Serei o Presidente de todos os portugueses.
De todos, sem exceção.
Viva Portugal!
Sr. Presidente da Assembleia da República,
Excelências,
Minhas Senhoras e Meus Senhores.
As minhas primeiras palavras dirijo-as aos portugueses, com quem quero partilhar este momento.
Deles recebi legitimidade e confiança; a eles se destina a minha ação.
Peço, neste dia, a todos os portugueses que reafirmemos juntos o amor que temos a Portugal, que reiteremos a vontade de reforçar os vínculos que nos unem e nos tornam uma comunidade nacional viva, solidária e voltada para o futuro.
Dessa comunidade sou símbolo ativo e da sua unidade continuarei a ser o garante.
É na certeza de interpretar o sentimento de toda a comunidade que exprimo o meu profundo pesar pela tragédia de Castelo de Paiva, renovando as minhas sentidas condolências às famílias dos que morreram.
Devemos à memória dos mortos e ao sofrimento dos vivos o apuramento rigoroso da verdade daquilo que aconteceu.
Agradeço-lhe muito, Sr. Presidente da Assembleia da República, a sua saudação.
Moldada como é por uma larga experiência política, por um elevado sentido de serviço à República e por um laço de estima pessoal, recebo-a como estímulo que me honra e responsabiliza.
Nos termos da Constituição, o Presidente da República dirige-se à Assembleia por direito próprio.
Permita-me, contudo, Sr. Presidente, que, em vez desse direito, invoque a praxe parlamentar, por mim tantas vezes aqui usada num passado cuja recordação me é grata, e lhe peça licença para falar a esta Câmara, sede da representação plural da Nação, saudando todos os Srs. Deputados com respeito e apreço.
Quero também manifestar, como é de inteira justiça, reconhecimento a todos os que apresentaram e defenderam as suas candidaturas às eleições presidenciais, num espírito de serviço ao País e à democracia.
Essa expressão de reconhecimento alarga-se àqueles - e tantos foram!
- que deram o seu contributo cívico à campanha eleitoral.
Portuguesas, portugueses:
No momento em que inicio um novo mandato, reitero os meus compromissos essenciais: prosseguirei uma magistratura de moderação e de equilíbrio, no escrupuloso respeito pela separação de poderes e empenhado na cooperação institucional com os restantes órgãos de soberania; defenderei o interesse nacional e darei atenção permanente às questões da presença portuguesa na Europa e no Mundo; terei uma preocupação redobrada com os desafios da modernidade, da cidadania, da justiça, da solidariedade e da coesão nacional, esta tão posta à prova nos dolorosos momentos que vivemos; desenvolverei uma ação próxima dos portugueses, dos seus problemas e das suas expectativas.
Estes são compromissos fundamentais, que decorrem da Constituição e da experiência histórica da função presidencial na Democracia Portuguesa.
A eles tenho emprestado, naturalmente, a minha interpretação, de acordo com a análise que faço da situação do País e com a antecipação, que também me cabe fazer, das questões decisivas para o futuro dos portugueses.
O eleitorado sufragou, de forma inequívoca, o exercício do meu primeiro mandato, nomeadamente o entendimento consistente das funções presidenciais e o método utilizado para lhes dar corpo; sufragou as metas enunciadas e as áreas de intervenção prioritárias; sufragou, finalmente, o meu inabalável propósito de congregar os portugueses e de dinamizar o Estado e a Sociedade.
A renovação da confiança do eleitorado significa, antes de mais, que devo prosseguir o caminho traçado, dando à função presidencial o carácter de vértice estabilizador do sistema político.
Interpretei-a sempre no sentido de prevenir bloqueios artificiais e inúteis, de estimular e apoiar as reformas necessárias.
Assim continuarei a fazer, pois esse é o interesse do País.
A renovação da confiança impõe, igualmente, o exercício de uma magistratura ativa, atenta e vigilante que dê voz às necessidades de mudança, que aponte orientações nacionais de modo a garantir aos portugueses desenvolvimento, justiça, segurança e igualdade de oportunidades.
E que tenha como causa a dignificação permanente da República, entendida tanto nos seus valores éticos de sempre, como nos valores modernos da promoção da liberdade e da tolerância, da integração social e da abertura cultural.
Cidadão escolhido pelos cidadãos para os representar todos, devo ser o cidadão mais atento, mais exigente, mais responsável e também mais solidário.
Que fique claro: o sufrágio universal confere ao Presidente da República capacidade moderadora e magistério de iniciativa.
Intérprete das expectativas dos cidadãos e da vontade coletiva, sem deixar de ser o garante do regular funcionamento das instituições, cabe-lhe exprimir um impulso transformador e reformista, pois só ele permite manter viva a ambição de um Portugal dinâmico, competitivo e solidário.
Esse impulso é hoje indispensável, todos o reconhecem.
Estou atento às preocupações que perpassam na sociedade portuguesa e tenho o dever de ajudar a vencer os desafios nelas contidos.
Quero garantir aos portugueses que mobilizarei as vontades necessárias e estimularei todas as competências e todas as capacidades de que dispomos para lhes dar respostas.
Sendo certo que todos, mas todos, temos responsabilidades, que cada um assuma integralmente as suas, sem transferência nem desculpa!
Os portugueses sabem que eu assumirei as minhas.
Por isso julgo que me reelegeram.
Considero que a primeira dessas responsabilidades é contribuir para que se ganhe consciência clara dos problemas e dos desafios, pois esse é o primeiro passo para os enfrentar, assumir e resolver.
É disso que vos falo, agora.
Um primeiro conjunto de desafios a que temos de fazer face respeita ao crescimento e ao desenvolvimento económico.
Têm-se multiplicado, nos últimos tempos, os avisos sobre a situação económica portuguesa.
Lembrando traumas antigos, algumas realidades, como o défice comercial e a subida das taxas de juro, geraram pessimismo.
A economia portuguesa conheceu, nas últimas décadas, transformações profundas e logrou uma integração europeia bem-sucedida.
Encurtou-se substancialmente a distância entre o nível de vida dos portugueses e a média da União Europeia.
Portugal integrou o pelotão da frente da moeda única e o euro defendeu-nos já de sobressaltos que foram correntes no passado.
Esses factos não devem, todavia, servir para ocultar os problemas que persistem.
No curto prazo, Portugal terá de corrigir alguns fatores que afetam o equilíbrio da sua economia, nomeadamente no que respeita ao rápido crescimento do endividamento externo, à inflação e às subidas de custos superiores à média da zona euro e, por conseguinte, à despesa nacional, com particular destaque para as despesas públicas e para a taxa de poupança das famílias.
Mas é no médio e no longo prazos que se joga o crescimento sustentado.
Aqui, todo o esforço tem de ser dirigido para aumentar a competitividade e a capacidade produtiva da economia nacional.
Uma viragem impõe-se, neste aspeto, de forma absolutamente decisiva.
Há que libertar recursos para os sectores produtivos, privilegiar o investimento em vez do consumo, fomentar o desenvolvimento industrial, difundir as novas tecnologias e melhorar a gestão empresarial, reabilitar - com sentido ecológico - a agricultura, renovar o tecido urbano, corrigir assimetrias regionais.
Embora - e que ninguém o ignore!
- as dificuldades a vencer sejam grandes e precisem de ser assumidas por todos, há que prosseguir e intensificar reformas estruturais em áreas como a da equidade fiscal, a da racionalização das despesas públicas, a do aumento da eficiência dos serviços públicos de saúde, de justiça e outros, a da melhoria da qualidade do ensino e da formação profissional, a da subida da produtividade na maior parte das atividades produtivas, a do desenvolvimento de uma política mais eficaz de defesa da concorrência no mercado interno e a da atracão do investimento estrangeiro produtivo, com as dificuldades que conhecemos.
Os sectores produtivos da nossa economia, a indústria, sobretudo, não desempenham o papel que deviam desempenhar.
O investimento industrial tem de ser ainda mais encorajado, através de uma política seletiva de apoios financeiros e da criação de estímulos à inovação científica e à modernização tecnológica.
É igualmente crucial obter, cada vez mais, uma articulação mais exigente entre os sistemas de ensino, os centros de investigação e as empresas.
A nossa sociedade tem de ser mais aberta à inovação e ao risco, a começar por muitos Srs. Empresários, mais apta a valorizar a qualidade e a aceitar a mudança.
A competitividade da economia portuguesa, em concorrência global, coloca também um inegável desafio à nossa capacidade de reinventar o pacto social.
A renovação do pacto social significa que a sociedade é capaz de se fixar objetivos de médio prazo para criar mais valor acrescentado e gerar emprego de qualidade através de uma relação contratualizada entre os diversos sectores e interesses sociais.
É um imperativo a que patrões e sindicatos dinâmicos não devem furtar-se, pois só ele garante sustentabilidade económica e coesão social.
Outros avisos têm surgido, alertando-nos sobre a possibilidade de crescermos menos do que a média europeia.
Não podemos nem devemos ser precipitados nesta matéria e admito que uma divergência temporária não deva ser tomada como um desfasamento duradouro.
Mas quero expressar a minha profunda convicção de que Portugal e os portugueses não se resignariam se, a prazo, a convergência real em relação à Europa não prosseguisse a ritmo sustentado e significativo.
Se a tendência de crescimento que animou a esperança dos portugueses estiver ameaçada, é necessário, sem demora, tomar as medidas que garantam uma mudança de orientação.
Trata-se de um desafio para o Governo, sem dúvida, mas também para todos os parceiros sociais, para todos os responsáveis políticos, para os técnicos, para o mundo das empresas, para o sistema de ensino e - convém não esquecermos - para os cidadãos em geral.
Esta é uma meta que só pode ser atingida com trabalho, disciplina e rigor, mas também com imaginação, criatividade, visão e ousadia.
A integração europeia e o crescimento económico coincidem num grande desígnio nacional que é precisamente o de atingirmos os padrões da Europa mais desenvolvida.
Em nome desse desígnio demos vigor a um notável esforço coletivo que não pode ser desperdiçado.
A recuperação do atraso tem de continuar, a bom ritmo, em nome de uma solidariedade entre gerações, que é o cimento mais forte de uma comunidade que partilha valores históricos e projeta o seu futuro.
Um segundo desafio que quero assinalar respeita ao lugar de Portugal na Europa depois de Nice.
O alargamento da União Europeia às novas democracias da Europa Central e Oriental é indispensável e justo.
No entanto, é um processo que exige de nós especial atenção, para prevenirmos os riscos e aproveitarmos as oportunidades que contém.
A negociação do Tratado de Nice mostrou que a perspetiva do alargamento da União tende a agravar as tensões entre os interesses próprios de cada Estado-membro e o interesse comum de todos eles.
Ninguém põe em causa, todavia, que o interesse nacional tem de ser hoje concebido também no quadro de um destino comum, do qual a União Europeia é o mais ambicioso intérprete.
Participar nesse projeto implica compromissos, por vezes mesmo sacrifícios, que são a contrapartida da segurança, da prosperidade e da união das democracias europeias, num mundo cada vez mais globalizado.
Feito o balanço, a União Europeia tem sido um insubstituível fator de prestígio, credibilidade e projeção internacional de Portugal e tem representado uma oportunidade única de desenvolvimento, que é nossa obrigação, face às gerações futuras, consolidar e aproveitar plenamente.
Para conseguirmos percorrer este caminho, beneficiámos, até agora, de um amplo acordo nacional sobre o sentido e o alcance da nossa participação na construção europeia.
É indispensável que ele possa ser sempre assumido e invocado.
O Tratado de Nice não pôs em causa os fundamentos desse acordo, mas, reconheçamos, também não os solidificou.
Suscitou mesmo algumas dúvidas e algumas apreensões.
Importa, pois, refletir em conjunto sobre a marcha do projeto europeu, de modo a renovar permanentemente o consenso em torno de uma estratégia nacional que constitua suporte e orientação para a nossa ação política e diplomática no âmbito da União.
Não tenho dúvidas de que esse consenso é do interesse nacional.
Darei o meu empenhado contributo no sentido de o confirmar e consolidar.
Duas questões fundamentais avultam nessa reflexão.
A primeira: como garantir condições para que Portugal continue no caminho da convergência com os países mais desenvolvidos da União?
A segunda: como defender os interesses e a posição do Estado no modelo institucional reformado que a Europa do alargamento adotará?
Temos uma contribuição própria a dar para a definição do futuro comum.
Seja qual for a direção que o debate venha a tomar entre os Estados-membros, é fundamental, desde já, evitar dois riscos: por um lado, a ilusão centenária de que terceiros, melhor do que nós próprios, defenderão os nossos interesses; e, por outro, o engano de que, isolados, estaremos melhor defendidos.
Projeto que assumimos e que queremos aprofundar, a União Europeia não esgota, porém, o âmbito da nossa afirmação internacional.
Assim, a nossa posição na União será sempre valorizada pelo reforço das alianças e da cooperação externa do País com o resto do Mundo.
Devemos também continuar o esforço de projetar melhor, cada vez melhor, a nossa cultura e a nossa língua.
Portugal será tanto mais respeitado na Europa e no Mundo quanto souber cumprir a sua vocação universalista.
Essa afirmação na Europa e no Mundo passa igualmente pela capacidade de contribuirmos para a defesa comum e para a segurança coletiva, para o que precisamos de Forças Armadas modernas e adaptadas às necessidades do nosso tempo.
Também aqui o impulso reformista não pode abrandar.
À democracia compete atualizar os objetivos estratégicos da defesa nacional e os meios para os realizar.
É tarefa urgente que compete ao poder político democrático.
Como Comandante Supremo, quero saudar todos os militares portugueses, estejam onde estiverem, manifestando-lhes o reconhecimento do País pelas missões que têm desempenhado com tanta eficácia e dedicação, prestigiando Portugal e reforçando a sua posição internacional.
Sr. Presidente, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Um terceiro desafio que temos de ter presente é o que resulta da disseminação de fatores de insegurança e risco na nossa sociedade.
Nas sociedades modernas, a segurança tem de ser encarada como uma dimensão da cidadania.
Ao cidadão, o Estado tem de garantir tanto o acesso a patamares de dignidade e bem-estar, como a segurança pessoal e patrimonial.
Sabemos que as causas da insegurança são diversificadas, múltiplas, pouco controláveis e que simplificar os dados do problema não ajuda a resolvê-lo.
A violência que existe nas nossas sociedades é, em parte, resultado de uma sociedade que é desumana, agressiva e em que os fatores de exclusão social se acentuaram, provocando ruturas e antagonismos graves.
Mas reconhecer que a violência tem causas complexas não significa desculpá-la nem impede que o programa de combate seja claro, atuando-se sobre as causas profundas e sobre os efeitos imediatos.
É preciso, nesta matéria, adequar as capacidades do Estado, tornar ainda mais eficazes as ações de prevenção e dissuasão, prestigiar o papel social das forças de segurança, assegurar a cooperação entre o Estado central e as autarquias, obter a colaboração empenhada das organizações de solidariedade social, incluindo o voluntariado.
É, ainda, fundamental ser firme, cada vez mais firme, na repressão das novas e sinistras formas de criminalidade, pois, como também sabemos, o crime está hoje globalizado.
Mas, para além da violência, existem na nossa sociedade novos fatores de risco, ligados a mudanças de tipo civilizacional, que geram também inseguranças de outro tipo.
Alguns deles vêm de trás, como os que resultam das tão conhecidas assimetrias regionais e das dificuldades do mundo rural em modernizar-se.
Outros são consequência dos impactes, por vezes brutais, de uma competição económica e social sem regras, que precariza o emprego, enfraquece as estruturas sociais, a começar pela família, ou ainda do individualismo exacerbado que mina a responsabilidade coletiva.
Por isso, tenho apelado incessantemente - e continuarei a fazê-lo!
- ao reforço da cidadania e da coesão social.
O papel das famílias é essencial para este objetivo da coesão e da integração, não podendo ser transferido.
Deve, por isso, promover-se uma articulação cada mais consistente entre a escola e as famílias, desde o pré-escolar.
A escola não pode ser vista como uma oportunidade de transferir responsabilidades que cabem à família, mas como um assumir dessas responsabilidades num quadro cada vez mais amplo.
O apoio à família implica igualmente políticas novas em domínios como o da fiscalidade, da diversidade de horários de trabalho e da partilha de responsabilidades familiares entre os seus membros.
Por outro lado, o sentimento de insegurança acentua-se ainda porque se rompem equilíbrios ecológicos e biológicos e se utilizam processos e materiais que representam perigos sérios para a vida e para a saúde humana.
As mutações e as inovações surpreendem, abrem novos horizontes, sem dúvida, mas, por vezes, também provocam inquietação e temor.
Precisamos de estar mais atentos a estes temas dos quais depende o nosso futuro.
Portugal tem de dispor de um aparelho técnico-científico sempre muito apto, que proporcione informação, conhecimento rigoroso e pontual em áreas estratégicas, como a agroalimentar, a saúde pública, o ambiente e o clima.
O País não pode prescindir de dispositivos de fiscalização e controlo devidamente creditados dos ecossistemas e das intervenções que neles são operados pelas obras públicas e pela implantação de quaisquer equipamentos sociais.
Essa é uma exigência do nosso tempo.
Se podemos e devemos aceder à investigação europeia e mundial, isso não pode, em caso algum, servir de pretexto para descurarmos os nossos próprios meios materiais, sobretudo as nossas inegáveis qualificações humanas nesses campos.
As nossas universidades e os nossos politécnicos têm aí um contributo fundamental a dar.
Só assim, aliás, se pode cumprir cabalmente a responsabilidade que o Estado e os seus serviços têm perante os cidadãos.
Sabemos que, atualmente, a segurança e a tranquilidade dos portugueses dependem muito da credibilidade do Estado e da eficácia da Administração Pública.
Só com o rigor e a transparência asseguraremos essa credibilidade; só com qualificação, modernização, racionalização de meios, garantiremos essa eficácia.
Esta, Minhas Senhoras e Meus Senhores, é uma batalha que não podemos perder.
Por isso, o quarto desafio que importa referir diz precisamente respeito à reforma do Estado.
Como tenho repetidamente afirmado, há, em muitos domínios, uma descrença nas capacidades do Estado em servir os portugueses.
Essa desconfiança é, aliás, crónica entre nós, e diria mesmo que é quase secular.
De facto, é frequente apontar-se situações em que o Estado falhou por inoperância ou por falta de meios aptos.
Mas ainda há casos em que cedeu a grupos de pressão ou assumiu ele próprio uma lógica corporativa, onde devia ter assumido uma ética de serviço público.
Quando age assim, o Estado torna-se parte, e parte do problema, em vez de árbitro e, portanto, parte da solução.
Este é um tema fundamental de cidadania.
Penso que não deve ser aprisionado - e sublinho penso que não deve ser aprisionado - na luta político-partidária.
É um imperativo da democracia, pois a democracia exige um Estado democrático forte, justo, eficaz, imparcial e prestigiado.
Para isso, precisamos de restaurar a confiança na relação entre o Estado e os cidadãos.
Precisamos de uma nova atitude, que vença suspeitas e rotinas que se vêm arrastando.
Necessitamos de um Estado democrático moderno e reformista.
Como tenho dito, precisamos de serviços públicos que sejam verdadeiramente o que são: serviços e públicos.
Serviços, porque estão ao serviço dos cidadãos; públicos, porque não estão ao serviço de interesses ou conveniências privadas, em detrimento do interesse geral e do bem comum.
Necessitamos - estes dias tão dolorosamente o demonstram!
- de maior igualdade regional na oferta e na utilização dos serviços e dos recursos.
Necessitamos de assegurar o acesso e a utilização efetiva dos serviços, e serviços descentralizados, por parte das pessoas a quem se destinam.
Só assim garantiremos eficazmente a educação, a saúde, a justiça a que os portugueses têm direito.
Só assim o Estado será um instrumento de progresso e de desenvolvimento da sociedade e da economia - e não um peso, uma inércia, um fator de asfixia e de opacidade das decisões.
Refiro, por fim, Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores, como quinto desafio, que se prende com este, o da reforma do sistema político.
É hoje patente, no comportamento dos cidadãos face à política - e ninguém pode atirar a primeira pedra!
- aquilo que vários observadores vinham diagnosticando: o risco de um divórcio entre os cidadãos e a política.
De facto, sinto desencanto e, por vezes, até desinteresse dos meus concidadãos pela vida política.
Há sinais de desmotivação e de despolitização que me preocupam, que preocupam todos os que querem uma democracia viva e dinâmica, uma República moderna e solidária.
Não esqueçamos que a liberdade e a democracia nunca estão adquiridas definitivamente.
Temos de cultivar os seus valores, o seu espírito, os seus ideais, os seus princípios: a autoridade democrática, a igualdade dos cidadãos perante a lei, o pluralismo, a participação, a tolerância e, digo mesmo, a fraternidade.
Temos de fortalecer as associações cívicas e políticas, a começar pelos partidos políticos, tornando-os mais abertos e mobilizadores.
Temos de prestigiar todas as instituições representativas que devem demonstrar mais eficácia e prestar contas da sua ação em defesa do interesse público.
Temos de impor uma ética da responsabilidade na vida democrática e na ação política, subordinando os interesses pessoais ao interesse coletivo.
A vida, tantas vezes, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece correr à margem do sistema político.
Por isso, temos também de fortalecer todas as formas de associativismo social, o voluntariado, as organizações dinâmicas da comunidade.
Uma das causas do afastamento dos cidadãos está provavelmente na convicção de que o poder político está longe dos problemas e é pouco eficaz na sua solução.
Esta questão põe às instituições da vida democrática, designadamente aos partidos, os mais sérios reptos.
Temos de criar organizações menos fechadas e mais abertas à cidadania.
Esta é a razão por que, em democracia, não é adequado falar-se em classe política.
Os políticos não podem nem devem constituir uma classe assente numa qualquer solidariedade corporativa de interesses ou privilégios.
O exercício de funções políticas, sempre transitório, é um serviço prestado à comunidade, de quem se recebe legitimidade e a quem se tem de prestar contas.
Temos de ser capazes de quebrar o ciclo vicioso que leva os cidadãos a distanciarem-se da política porque a acham pouco influente, contribuindo, com esse mesmo afastamento, para a perda de influência da política.
Quebrar o ciclo vicioso implica garantir que o cidadão tem a palavra, que o seu voto conta, que a sua participação é querida e respeitada.
Temos também de aperfeiçoar o recenseamento eleitoral, realizando com determinação uma mudança profunda no atual sistema.
Durante o meu primeiro mandato, chamei a atenção do País e dos responsáveis políticos para a necessidade de uma reforma do modo de fazer política.
Num mundo que mudou tanto, só a política parece ter mudado tão pouco, ficando agarrada a formas de intervenção pouco motivadoras.
Algumas alterações foram, no entanto, experimentadas.
A campanha eleitoral das presidenciais decorreu já sob uma nova lei de financiamento das campanhas eleitorais que contém inegáveis aspetos positivos.
Com a experiência entretanto adquirida, julgo estar em condições, e ser, aliás, meu dever, de sobre ela me pronunciar, o que farei proximamente em mensagem a esta Assembleia.
A desconfiança que, por vezes, se manifesta em relação à política e aos políticos tem de ser contrariada, não apenas com palavras, mas com atos, com rigor nos comportamentos e com exemplos de dedicação à causa pública.
Falo à vontade, pois penso, e tenho-o dito, que os portugueses devem muito aos eleitos que os representam e servem nas mais diversas instâncias - tantos deles ignorados!
- desde as juntas de freguesia e câmaras municipais até às Regiões Autónomas e à Assembleia da República.
Esse reconhecimento é devido e não será regateado, se mostrarmos capacidade de vivificar o poder local, de aprofundar as autonomias, de aproximar os representantes dos representados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Os desafios que enumerei decorrem, como disse, de preocupações que sinto presentes na sociedade portuguesa.
Decorrem também das ambições e expectativas dos portugueses.
Ambições e expectativas naturais.
A sociedade portuguesa é hoje menos resignada, mais crítica e mais complexa.
Ainda bem que o é.
Não podemos, por isso, ficar surdos perante as críticas, quando justas, e inertes perante as exigências, quando legítimas.
Pior do que uma resposta, mesmo incompleta, é a indiferença, o deixa andar.
Os portugueses sabem que não terei nunca contemplação com a desatenção, com a falta de empenhamento na solução dos problemas, com o arrastamento das decisões.
A minha única ambição é Portugal - e quero que Portugal seja digno da ambição dos portugueses.
Os desafios de que vos falei devem ser tomados como metas.
A meta do crescimento económico, da convergência real com os padrões europeus e da competitividade da economia nacional.
A meta de um Portugal forte numa União Europeia alargada e num Mundo globalizado.
A meta de um Portugal seguro, coeso e solidário.
A meta de um Estado responsável e responsabilizado.
A meta de uma República moderna e participada.
Pela minha parte, quero transmitir ao Estado e à sociedade os impulsos transformadores e modernizadores que, no âmbito da minha magistratura - e sublinho no âmbito da minha magistratura -, considero prioritários: na formação, no ensino, na cultura e na ciência; na vida empresarial; na justiça; na saúde; nas Forças Armadas e de segurança pública; na vida política.
Trabalharei, como é meu timbre, com todos os órgãos, instituições e partidos, no apreço e respeito pela diversidade plural de opiniões de que se faz a democracia.
Agora, como no mandato anterior, serei fiel aos princípios que regem o exercício da função em que fui investido: a isenção, a imparcialidade, a cooperação institucional.
Sei que há capacidades e vontades que se podem congregar, mobilizando os portugueses residentes no Continente e nas Regiões Autónomas, e em ligação com os portugueses que se encontram emigrados em vários países do Mundo.
A todos saúdo afetuosamente neste dia.
Saúdo também os imigrantes que vivem entre nós, acatando as nossas leis e contribuindo com o seu trabalho para o nosso desenvolvimento.
Dirijo-lhes uma palavra de solidariedade nas suas dificuldades de integração.
Considero meu primeiro dever impulsionar e unir os portugueses para mudarmos o que está mal, consolidarmos e ampliarmos o muitíssimo que conseguimos, prosseguirmos a modernização e o desenvolvimento do País.
Não podemos, porém, realizar este objetivo sem uma clara visão global, com desprezo absoluto por aquilo que é profundamente paroquialista e sem interesse.
Os problemas que temos de enfrentar têm uma natureza e uma dinâmica que não é estritamente nacional.
O mesmo se pode dizer das respostas a esses problemas.
Chegámos ao século XXI com alguns problemas velhos, mas tendo como fundo um Mundo que é novo.
Nele, os velhos problemas mudam a sua dimensão e a esses juntam-se novos problemas.
Não há mais lugar para receitas gastas ou soluções de facilidade.
A chave que nos abriu a porta do novo milénio não é a chave das certezas, é a das interrogações.
A história ensina-nos, contudo, que se estas são épocas de riscos, são também de exaltante invenção de novas possibilidades de viver e de construir um Mundo melhor.
Nos tempos de grandes mudanças, apareceram algumas das obras mais admiráveis criadas pelo génio humano.
A obra de Camões, por exemplo, é de um tempo de mudança, de incerteza e de globalização.
É disso que, afinal, nos fala.
Portuguesas e portugueses, não devemos, pois, ficar paralisados pelo medo ou pela descrença.
Nem assustados pela grandeza da obra a fazer.
Ousemos, norteados por valores que, sobretudo nas épocas de crise, nos devem dar ânimo.
Esses valores traduzem-se na responsabilidade de sermos mais humanos e na convicção profunda de que só a liberdade é criadora e apenas a justiça funda o que é duradouro.
Foi em nome dessa responsabilidade e dessa convicção que, desde a Universidade, me empenhei no combate político.
Continuo fiel a esse mandamento interior.
Diferentemente de alguns, a quem a passagem dos anos ou a vida desiludiu, afundando-os num ceticismo cínico ou resignado, a que às vezes chamam pragmatismo, mantenho intacto e atualizado o sonho da minha juventude.
Ao contrário deles, a experiência dos homens e das situações confirmou-me no essencial das minhas convicções.
Minhas senhoras e meus senhores, acredito com a mesma força de então que é possível, necessário e urgente lutar por um Mundo de maior dignidade para todos os seres humanos, por um Portugal mais solidário e mais equânime, com menos discriminações entre homens e mulheres, entre filhos de ricos e filhos de pobres, entre habitantes do interior e habitantes do litoral, entre jovens e mais velhos.
A possibilidade de concretização desse sonho de um país livre e justo abriu-se para nós em 25 de Abril de 1974.
Quero evocar com emoção essa data fundadora do novo Portugal democrático.
Lembro todos os que, durante décadas de coragem e de dádiva pessoal, lutaram pela liberdade.
Presto homenagem aos capitães de Abril que, nesse dia em que "a poesia estava na rua", nos fizeram reencontrar o futuro.
Para sermos fiéis ao inicial, grande e generoso impulso transformador do 25 de Abril, temos o dever de estar à altura da esperança dos portugueses.
É chegada a hora de vencermos a desconfiança secular por nós próprios, de sacudirmos o pessimismo, a resignação, "o meu remorso de todos nós", de que falava, com tanta inteligência crítica, Alexandre O'Neill.
É chegada a hora de ultrapassarmos aquela atitude mental que nos faz apontar os males, arranjando logo alibis, desculpas e explicações para a sua continuação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o meu apelo é este: sejamos exigentes connosco, sejamos ambiciosos com Portugal.
Viva a República!
Viva Portugal!
Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Dr. Jorge Sampaio,
Sr. Primeiro-Ministro,
Sras. e Srs. Deputados,
Ilustres Convidados,
Quero, em primeiro lugar, saudar o povo português.
Saúdo todos os portugueses que me honraram com a sua escolha para Presidente da República.
A todos asseguro que darei o melhor de mim mesmo para corresponder à confiança que em mim depositaram, honrando o juramento solene que acabei de pronunciar, quando assumo os poderes e as responsabilidades do cargo de Presidente da República Portuguesa.
Quero ser e serei o Presidente de todos os portugueses.
Aqui afirmo o meu propósito de fortalecer os vínculos que a todos nos unem e de estar atento às preocupações e anseios de todos os meus concidadãos e também daqueles que, não tendo nascido portugueses, escolheram a nossa terra para viver e se realizarem como pessoas.
Ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que, com tão grande dignidade e saber, dirige esta que é a Casa-mãe da democracia portuguesa, agradeço, sentidamente, as palavras de saudação que me dirigiu.
Aos Srs. Deputados, legítimos representantes da pluralidade da Nação portuguesa, manifesto o meu respeito e a minha inteira disponibilidade de leal cooperação, para que a Assembleia da República cumpra com eficácia as elevadas responsabilidades que lhe cabem na construção de um País de mais progresso, justiça e solidariedade.
Aos chefes de Estado e de Governo e aos altos representantes de países amigos, que tanto honram o nosso País com a sua presença nesta cerimónia, agradeço e saúdo calorosamente.
Num momento em que as dificuldades que Portugal atravessa estão suficientemente diagnosticadas e reconhecidas, reafirmo ao Sr. Primeiro-Ministro e ao seu Governo a minha inteira disponibilidade e empenhamento numa cooperação leal e frutuosa.
Quero nesta ocasião prestar a minha sincera homenagem ao Presidente da República cessante, Dr. Jorge Sampaio, pela dignidade, patriotismo e profundo sentido de Estado com que exerceu a sua magistratura.
É para mim uma honra fazer-lhe a entrega do Grande Colar da Ordem da Liberdade, numa outra cerimónia que hoje terá lugar.
Num tempo de sérias dificuldades, como é aquele em que vivemos, são enormes as responsabilidades que impendem sobre os titulares de cargos políticos.
No respeito pelas diferenças e pelo debate de ideias, os portugueses esperam e exigem dos políticos, que democraticamente escolheram, que deixem de lado divisões estéreis, minudências e querelas que pouco ou nada têm a ver com a resolução dos problemas nacionais.
Que não percam tempo e energias em recriminações sobre o passado e pensem no futuro do País, porque é esse que agora interessa.
Os diagnósticos estão feitos.
O que os portugueses esperam dos seus representantes, cada um com a sua própria responsabilidade, é ação, mais ação.
Num momento de muitas preocupações, em que há tanta coisa difícil para fazer, os portugueses gostariam certamente de perceber que a classe política está, até onde em democracia é possível, disposta a juntar esforços para ultrapassar diferenças e fazer obra em comum.
Há seguramente domínios onde podem e devem ser procurados entendimentos alargados entre Governo e oposição e mesmo com organizações da nossa sociedade civil.
É por tudo isto que me atrevo a deixar perante esta Câmara e perante os portugueses cinco grandes desafios que, nas circunstâncias em que o País se encontra, considero cruciais para abrir caminhos consistentes de progresso.
Para eles, os portugueses esperam, com sentido de urgência, uma resposta da parte dos responsáveis políticos.
O primeiro desafio que quero destacar é o da criação de condições para um crescimento mais forte da economia portuguesa e, consequentemente, para o combate ao desemprego e para a recuperação dos atrasos face à União Europeia.
Sem isso, tudo será mais difícil.
Na vida das nações, cada geração tem o dever de legar à geração seguinte uma sociedade social, cultural e economicamente mais desenvolvida.
É isso que os jovens têm o direito de esperar da nossa geração.
Vivemos num mundo que é cada vez mais global, somos membros de uma União Europeia que se alargou para leste e, por isso, a produção nacional está sujeita a uma fortíssima concorrência nos mercados interno e externo.
Esta é uma realidade que se nos impõe.
Para além disso, somos periferia da Europa, estamos geograficamente situados no seu extremo sudoeste.
Aparentemente, olhamos para um mundo que nos é adverso.
Mas, vendo bem, somos o espaço onde a Europa se abre ao Atlântico, o que pode ser uma enorme vantagem.
Acresce que, hoje, a periferia já não é ditada pela geografia.
A periferia é onde mora o atraso competitivo.
É este, e só este, o fator crítico.
O desenvolvimento, a melhoria das condições de vida das populações moram onde moram a inovação, a criatividade, a investigação e o desenvolvimento tecnológico, a excelência no ensino, onde as universidades interagem com as empresas, onde o Estado não é entrave à atividade dos cidadãos mas, sim, uma entidade que regula e fiscaliza o cumprimento das regras de uma concorrência saudável.
Que este caminho está ao nosso alcance demonstram-no muitas das nossas empresas, nos mais variados sectores, que têm elevada produtividade, apostam na qualidade e na inovação e são altamente competitivas nos mercados internacionais.
É este o caminho que tem de ser seguido, porque não há outro.
Não podemos também esquecer que somos um País fortemente dependente e ineficiente em matéria energética e que temos pela frente importantes desafios relacionados com os altos preços do petróleo, com a segurança dos abastecimentos, as alterações climáticas e as exigências do Protocolo de Quioto.
A sustentabilidade do crescimento da nossa economia passa também por uma política energética ajustada às novas realidades.
O segundo desafio refere-se à recuperação dos atrasos em matéria de qualificação dos recursos humanos.
O futuro de Portugal está indissociavelmente ligado ao que formos capazes de fazer no plano da qualidade da educação dos nossos jovens e da formação dos nossos trabalhadores.
Trata-se não só de um elemento central da estratégia de desenvolvimento, mas também de um fator decisivo para a realização de uma efetiva igualdade de oportunidades, princípio fundamental de uma democracia moderna.
O combate ao insucesso e abandono escolar não pode deixar de ser uma prioridade de todos os responsáveis políticos, por forma a que uma percentagem maior dos nossos jovens complete o ensino secundário, para o que é crucial o empenho dos professores e a cooperação ativa dos pais, na certeza de que a melhor herança deixada aos filhos é a educação.
No mundo em que vivemos é preciso que a escola, mais do que ensinar, ensine a aprender.
Mais ainda, é decisivo aprender a empreender.
A empresa de hoje faz apelo a quem seja capaz de empreender, seja ao seu modesto colaborador seja àquele que a gere e organiza.
O empreendorismo chegou tarde às nossas escolas e agora é preciso acelerar o passo.
O terceiro desafio é o da criação de condições para o reforço da credibilidade e eficiência do sistema de justiça.
É hoje indisfarçável que se têm vindo a avolumar entre nós as preocupações acerca do funcionamento do sistema de justiça.
Não se trata apenas de preocupações centradas na morosidade dos processos judiciais, mas também de sintomas de degradação da qualidade e prestígio das instituições.
A justiça constitui um valor superior da ordem jurídica, um fim irrenunciável do Estado e a primeira e última garantia dos direitos e liberdades das pessoas.
Constitui responsabilidade inadiável das forças políticas, ouvindo os operadores judiciários, gerar os consensos indispensáveis para se poder assegurar o funcionamento de um sistema de justiça eficaz, caracterizado pela qualidade, pela certeza e pela responsabilidade das suas decisões.
É uma responsabilidade de todos contribuir ativamente para que, em Portugal, tenhamos uma justiça que inspire a confiança dos cidadãos quanto à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, que reprima as violações da legalidade e não seja obstáculo ao desenvolvimento equitativo do País.
O Presidente da República dará sempre o seu apoio às mudanças que se mostrem necessárias ao fortalecimento da legitimação democrática das instituições judiciárias, à garantia da sua independência, ao prestígio dos seus titulares e à eficácia da imprescindível função que a Constituição lhes atribui.
O quarto desafio diz respeito à sustentabilidade do sistema de segurança social.
Tem vindo a desenvolver-se na sociedade portuguesa, tal como noutros países da União Europeia, um crescente sentimento de ansiedade quanto à capacidade do Estado assegurar no futuro o pagamento das pensões àqueles que completam o seu ciclo de vida ativa.
É uma questão muito séria, que exige dos responsáveis políticos uma atenção especial.
Urge aprofundar os estudos técnicos e promover um amplo debate nacional sobre a sustentabilidade a médio e longo prazo do financiamento do nosso sistema de segurança social.
Seria desejável alcançar um consenso político alargado quanto à estratégia adequada para enfrentar a tendência para o envelhecimento da população portuguesa, a par do declínio da taxa de natalidade.
O quinto desafio que quero referir é o da credibilização do nosso sistema político, um domínio de crescente insatisfação dos cidadãos que importa não ignorar.
Numa sociedade fundada no princípio democrático, a política é uma das mais nobres atividades, porque tem a ver com a realização do bem comum e com a preservação e reforço dos interesses perenes de uma comunidade nacional.
E, precisamente por isso, a democracia não se esgota em eleições e alternância no poder.
Ela é, acima de tudo, um código moral e é daí que advém a sua supremacia em face dos demais regimes políticos.
Os agentes políticos têm de ser exemplo de cultura de honestidade, de transparência, de responsabilidade, de rigor na utilização dos recursos do Estado, de ética de serviço público, de respeito pela dignidade das pessoas, de cumprimento de promessas feitas.
Um Estado ao serviço de todos, como se exige em democracia, deve ser servido pelos melhores e, por isso, a escolha dos altos responsáveis não eleitos não pode senão nortear-se exclusivamente por critérios de mérito, onde as considerações político-partidárias não podem contar.
Um regime que se funda neste conjunto de valores é um regime que tem de ser firme no combate à corrupção, porque, justamente, ela corrói a democracia, porque lhe subverte os valores matriciais, cava injustiças num regime que tem a justiça como princípio essencial e porque prejudica o desenvolvimento.
Exige-se, por isso, em nome da democracia, uma luta permanente e sem tréguas a este seu inimigo: a corrupção.
Exige-se firmeza nas leis, que urge ajustar para melhor combater as formas mais correntes de corrupção, e exige-se firmeza na investigação e na punição.
Um dos princípios fundamentais da ação política é o respeito pela dignidade da pessoa humana, de que resulta como corolário que o desenvolvimento é económico para poder ser social.
Daí que a busca da coesão social, do desenvolvimento justo que a todos aproveite, não possa deixar de constituir uma prioridade para todos os responsáveis políticos.
Devem preocupar-nos, em particular, aqueles que, em virtude da sua especial vulnerabilidade, se encontram mais expostos à adversidade e ao infortúnio.
Refiro-me, especificamente, aos idosos, aos cidadãos portadores de deficiência, aos desempregados e às vítimas de violência, destacando, de entre todas elas, as mais desprotegidas: as crianças.
A melhoria da justiça social, o combate à exclusão, o apoio aos mais desfavorecidos da nossa sociedade é uma razão superior para fazer com que o País volte a abraçar a batalha da criação de riqueza.
O desenvolvimento, para ser justo, tem também de ser sustentável, tendo em devida conta a herança que nos compete transmitir às gerações futuras.
As políticas de defesa da qualidade ambiental e de correção do desordenamento na ocupação do território, quando prosseguidas com bom senso, devem ser encaradas não como limites ao desenvolvimento mas como elementos de inovação e modernização que tornam o País mais competitivo.
Se é verdade que a Pátria não é só a língua portuguesa, não é menos certo que ela constitui o maior símbolo de identidade coletiva de um povo que se caracteriza também pela sua vocação humanista e universalista.
Saúdo, assim, de uma forma particularmente calorosa, os países africanos de expressão oficial portuguesa, o Brasil e Timor.
A todos nos ligam fortíssimos laços que a história teceu, com todos mantemos relações privilegiadas, falamos um idioma comum, formamos a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Podemos de alguma maneira dizer que constituímos uma comunidade de destino.
Não me pouparei a esforços para valorizar esta comunidade que somos, convicto de que, em conjunto, seremos capazes de construir algo que é muito maior que a soma das suas partes.
"Nesga de terra debruada de mar", assim qualificou Miguel Torga o nosso Portugal.
É tempo de prestar ao mar uma nova atenção.
A vasta área marítima sob jurisdição nacional, que nos posiciona como uma grande Nação oceânica, ponte natural entre a Europa, a África e a América, encerra potencialidades económicas e um valor estratégico que não podemos ignorar.
O mar, para além do seu significado histórico, constitui, para Portugal, uma enorme oportunidade.
Portugueses: é uma ilusão pensar que basta a ação do Governo, da Assembleia da República e do Presidente da República, por mais empenhada e certa que ela seja, para que Portugal ultrapasse as atuais dificuldades e vença os desafios que tem à sua frente.
Como tenho dito repetidamente, neste momento que não é fácil, Portugal precisa de todos.
Todos somos responsáveis pelo nosso futuro coletivo.
A situação do País é demasiado complexa para que alguém pense que isto não é consigo, é só com os outros.
É errado pensar que o Estado resolve tudo ou quase tudo.
O Estado não é o legatário de todos os problemas que nos afligem.
Como Presidente da República, empenhar-me-ei para que na sociedade portuguesa, ao lado dos direitos, se afirme uma cultura cívica de responsabilidade, em que cada um compreenda que é seu dever contribuir para o progresso do País, melhorando por essa forma a sua própria situação pessoal.
Ajudem Portugal a vencer as dificuldades, é o apelo que nesta ocasião dirijo a todos.
Portugal precisa de todos os portugueses numa atitude de dedicação ao trabalho, de rigor e persistência, num esforço redobrado para fazer bem e com qualidade o que lhes compete fazer, numa nova atitude de iniciativa criadora e de um otimismo fundado na certeza de que os nossos problemas não são maiores do que a nossa vontade coletiva de os vencer.
Dos trabalhadores e dos seus sindicatos exige-se uma atitude realista, que possibilite a defesa do emprego e do poder de compra dos salários, no quadro internacionalmente exigente em que se insere a nossa economia.
Precisamos de aumentar a produtividade e ser mais competitivos.
Mas não se pense que a produtividade é baixa porque os trabalhadores portugueses trabalham pouco.
Pelo contrário!
O que acontece é que o trabalho é pouco eficiente e, na grande maioria dos casos, não é por culpa dos trabalhadores.
Se os desafios do presente fazem apelo aos trabalhadores, eles exigem muito dos nossos empresários e gestores.
À classe empresarial cabe ser o agente motor da mudança nas empresas, fomentando a modernização tecnológica, a inovação nos produtos e nos processos, promovendo a qualificação dos recursos humanos, incentivando a criatividade e premiando o mérito.
Cabe aos empresários e gestores apostar na especialização em produtos de maior valor acrescentado, na melhoria da qualidade da gestão, na conquista de novos mercados e saber aproveitar as oportunidades que a globalização encerra.
É assim que se produz o sucesso empresarial.
Tentar preservar a competitividade à custa de salários baixos é uma estratégia sem futuro.
Às universidades e politécnicos exige-se também que compreendam o mundo novo em que vivemos.
Exige-se que apostem na excelência a todos os níveis, que se integrem nas redes internacionais, que vão ao encontro das empresas e com elas interajam, por forma a que o conhecimento científico e tecnológico se traduza em reforço da capacidade competitiva do País.
O momento é exigente para os servidores do Estado.
A eles se pede que se empenhem em servir melhor os cidadãos e as empresas e que, com o sentido de responsabilidade que os caracteriza, procurem ser agentes dinamizadores da mudança e não travão da vida económica e social do País.
Estou convencido de que são os primeiros a reconhecer a necessidade de avançar na reforma da Administração Pública, de modo a melhorar a qualidade dos serviços prestados, reduzir a burocracia, aumentar a transparência e reduzir gradualmente o peso da despesa pública.
Às famílias e aos professores relembro a responsabilidade que lhes cabe na formação da juventude.
Aos pais e à escola exige-se um empenho permanente para que os nossos jovens concluam pelo menos o ensino secundário, por forma a que possam singrar na sociedade do conhecimento e no mundo globalizado.
Às autarquias locais que, ao longo das três décadas de democracia que o 25 de Abril tomou possível, têm dado um contributo inestimável para a melhoria das condições de vida das populações, cabe-lhes agora a responsabilidade de ajustarem a sua ação à difícil situação financeira em que se encontra o sector público português e às novas condições de desenvolvimento que o País enfrenta.
A preocupação pela competitividade das empresas e a sua capacidade para criar empregos tem também de ser assumida pelo poder local.
Aos portugueses espalhados pelo mundo, a quem expresso o meu apreço e solidariedade, peço que, na medida em que lhes for possível, lancem um novo olhar sobre as oportunidades de investimento e criação de riqueza no País que é de todos nós.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sras. e Srs. Deputados:
Não é possível pensar a política externa independentemente da realidade interna do País.
A defesa dos interesses de Portugal na cena internacional será tanto mais fácil quanto mais confiantes nos sentirmos nas nossas capacidades.
Um País estável e mobilizado, um País que cresce e progride, um País que cria e inova, um País que é capaz de abraçar as oportunidades que se lhe oferecem, será certamente um ator muito mais credível e respeitado na cena internacional.
Acredito num Portugal forte e digno da sua história.
Um país que traga a esse projeto extraordinário que é a União Europeia uma contribuição própria e uma participação ativa.
A União Europeia alargou-se e outros alargamentos se preparam.
E tal acontece porque a União Europeia é um projeto de sucesso.
Neste período de reflexão sobre o futuro da Europa, é bom que não nos esqueçamos disso.
Mas não nos iludamos: há o risco de que os cidadãos se não revejam nesta União Europeia que vamos construindo, seja porque se sentem demasiado longe dos seus processos de decisão, seja porque nela não encontram resposta para os problemas que os preocupam.
Acredito firmemente no projeto de integração europeia.
A União Europeia constitui um quadro fundamental para a afirmação dos nossos interesses.
Mas é preciso que os nossos parceiros nos vejam como um ator empenhado e participativo, capaz de constituir uma mais-valia.
No segundo semestre do próximo ano, Portugal assumirá, pela terceira vez, a Presidência do Conselho da União Europeia.
Teremos, assim, uma oportunidade única para, repetindo o sucesso que foram as presidências anteriores, reforçarmos a imagem de seriedade e credibilidade que temos sabido consolidar.
A construção de uma relação transatlântica saudável é fundamental para Portugal e para a União Europeia.
Enquanto Estados democráticos abertos ao confronto de ideias estamos todos, de cada um dos lados do Atlântico, particularmente bem posicionados para compreender a naturalidade da divergência de opiniões e até a riqueza que pode advir dessa divergência.
Mas, enquanto Estados responsáveis, tudo devemos fazer para evitar que aquilo que nos une e que é o essencial se veja sacrificado no altar daquilo que circunstancialmente nos divide.
Esta é uma preocupação estratégica de Portugal a que nos conduzem as nossas circunstâncias geográficas, o nosso legado histórico, a presença de grandes comunidades portuguesas na outra margem do Atlântico e, não o esqueçamos, uma comunhão de princípios e de valores.
Durante a campanha eleitoral assumi um conjunto de compromissos políticos que faço questão de reafirmar nesta cerimónia solene.
Os portugueses sabem que sempre considerei a estabilidade o pressuposto essencial do bom funcionamento das instituições e da realização das mudanças necessárias ao desenvolvimento do País.
No entanto, entendo que a estabilidade política não é um valor em si mesmo.
A estabilidade é uma condição, não um resultado.
E para que a estabilidade não se confunda com imobilismo, é necessário imprimir-lhe um sentido dinâmico e reformista.
De acordo com a leitura que faço dos poderes presidenciais inscritos na Constituição, considero que o Presidente da República deve acompanhar com exigência a ação governativa e deve empenhar-se decisivamente na promoção de uma estabilidade dinâmica no sistema político democrático.
Julgo, por outro lado, que os desafios que Portugal enfrenta neste momento histórico exigem uma magistratura presidencial que favoreça consensos alargados em torno dos grandes objetivos nacionais.
É em torno do muito que nos une que o Presidente da República pode exercer uma ação relevante no seu relacionamento com os demais órgãos de soberania, especialmente com o Governo.
Julgo que o País necessita de mais do que a mera cooperação institucional, que os portugueses têm uma ambição maior em relação àquele que, nos termos da Constituição, representa a República e é o primeiro garante do regular funcionamento das instituições democráticas.
Perante os grandes desafios que se colocam a Portugal, entendo que do Presidente da República não se pode esperar uma simples promessa de lealdade institucional em relação aos demais poderes do Estado.
O Presidente da República deve empenhar-se numa autêntica cooperação estratégica, em torno dos grandes objetivos nacionais, com os restantes órgãos de soberania e, em particular, com o Governo legítimo de Portugal.
Os portugueses sabem que, a par da estabilidade política, sempre valorizei o diálogo entre os diversos agentes políticos, económicos e sociais.
Considero, aliás, que existe uma interdependência essencial entre estabilidade e diálogo.
Por um lado, só a estabilidade permite um diálogo autêntico e frutuoso.
Por outro lado, o diálogo é um dos elementos essenciais da estabilidade política e da paz social.
É esse o sentido da cooperação estratégica do Presidente da República com os outros órgãos de soberania.
Trata-se, em palavras simples, de fazer obra em comum, de todos fazermos obra em comum.
Ouvindo os portugueses, escutando o País, o Presidente da República pode ser um interlocutor privilegiado dos anseios e legítimas preocupações da sociedade civil sem se assumir como porta-voz de interesses corporativos e sem interferir na esfera própria de competências de cada órgão de soberania.
Além do respeito pela separação de poderes, assumo igualmente um compromisso político de isenção.
No exercício das funções em que fui investido, tratarei por igual todas as forças políticas e sociais representativas da nossa sociedade.
Serei o Presidente de Portugal inteiro.
No exercício das funções de Comandante Supremo das Forças Armadas, que a Constituição atribui ao Presidente da República, considero da maior relevância o reforço da coesão e do prestígio da instituição militar, objetivo que, em permanência, deve merecer a atenção prioritária de todos os responsáveis políticos.
Importa que a população portuguesa saiba que as nossas Forças Armadas têm demonstrado um profissionalismo exemplar nas missões externas em que têm estado envolvidas, prestigiando o País e contribuindo para o reforço da sua posição no plano internacional.
Acompanharei de perto, em articulação com os demais órgãos de soberania, o processo de reestruturação e modernização das Forças Armadas e estimularei o trabalho conjunto dos ramos, por forma a reforçar a operacionalidade das forças e a promover uma adequada racionalização dos meios.
Saúdo as autonomias regionais dos Açores e da Madeira, realizações frutuosas da nossa democracia, como o testemunha o progresso económico e social registado nessas regiões nas duas últimas décadas.
Como garante da unidade do Estado e como defensor da coesão nacional, procurarei contribuir para um clima de bom relacionamento e diálogo leal e construtivo entre os órgãos de governo regionais e da República e para que as especificidades das regiões sejam devidamente tidas em conta, no quadro da solidariedade entre as diferentes partes do todo nacional.
Faz hoje precisamente 506 anos que partiu a frota de Pedro Álvares Cabral para a sua viagem imortal de aventura e descoberta.
O embarque tinha ocorrido com grande pompa no dia 8 de Março, data fixada para a partida.
Todas as condições pareciam reunidas, mas faltou qualquer coisa.
O vento mudou, e a frota de Cabral teve de aguardar no estuário do Tejo pelo dia seguinte, 9 de Março de 1500.
Foi só então que zarparam todas as naus e caravelas, com as brisas propícias por fim enfunando as suas velas.
E dali a 44 dias arribaram a uma angra do outro lado do oceano.
Porto Seguro, assim a batizou o Capitão-Mor.
Foi aí que desembarcaram em segurança no Novo Mundo.
Quando hoje, tantos séculos volvidos, invocamos a memória coletiva, não pretendemos tão-somente celebrar o nosso passado.
Pelo contrário!
Uma Pátria viva oferece-nos inúmeros episódios exemplares que, sobretudo, servem de inspiração para o presente e nos dão esperança quanto ao futuro.
Desejo que a minha eleição para Presidente da República fique associada a bom tempo para a vida do País, que brisas favoráveis o conduzam no rumo certo, que os portugueses reavivem a esperança e ganhem o ânimo e a crença que permitam conduzir a nau coletiva para além da distância, da incerteza e do desconhecido, até porto seguro.
Não tenho dúvidas de que os tempos são difíceis.
Mas temos à nossa frente um enorme espaço para o otimismo, que é o espaço da vontade, da coragem e do querer.
Tenho orgulho no meu País e na sua história.
Por tudo passámos, como povo.
Momentos altos, e até de glória, e momentos de dificuldade e mesmo de angústia.
Mas estamos aqui.
Quando fez falta - e tantas vezes fez falta - mobilizámos o melhor de nós próprios e conseguimos.
Estou certo de que vamos conseguir mais uma vez.
Hoje, como ontem, vamos provar que somos capazes de vencer a tirania da resignação e o espartilho do pessimismo.
Pela minha parte, estou profundamente convicto de que a nossa determinação é maior do que qualquer melancolia, de que a nossa esperança é mais forte do que qualquer resignação, de que a nossa ambição supera qualquer desânimo.
Sei que os portugueses, tal como eu, não se resignarão a um destino menor.
Na história dos povos nunca é demasiado tarde para realizar o sonho e cumprir a esperança.
Nunca é tarde desde que saibamos ser fortes e unidos, desde que tenhamos orgulho no que somos e desde que saibamos o que queremos ser.
O que os momentos altos da nossa história nos ensinam é que somos um povo marcado pela insatisfação.
Que nos marca a ambição de fazer mais e melhor.
Marca-nos a ideia de que somos agentes da história, senhores do nosso destino.
Somos um povo capaz de superar as dificuldades nas horas de prova.
Os portugueses podem contar comigo.
É para servir os portugueses e servir Portugal que estou aqui.
Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro e Membros do Governo,
Sras. e Srs. Deputados,
Minhas Senhores e Meus Senhores,
Ao iniciar funções como Presidente da República, quero começar o meu mandato saudando o povo português de uma forma muito calorosa.
Saúdo todos os Portugueses, quer os que vivem no nosso País, no Continente e nas Regiões Autónomas, quer os que engrandecem o nome de Portugal nas comunidades da Diáspora.
Saúdo os Portugueses que me ouvem, mas também aqueles que, através da língua gestual, acompanham a palavra fraterna que lhes quero dirigir neste dia.
De todos serei Presidente.
Serei Presidente dos Portugueses que me honraram com o seu voto, mas também daqueles que o não fizeram.
É perante todos, sem exceção, que aqui assumo o compromisso solene de cumprir e fazer cumprir a Lei Fundamental da nossa República!
Ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que desempenha com grande sentido de Estado a exigente missão de presidir à instituição onde a democracia e o pluralismo se realizam todos os dias, agradeço as palavras que me dirigiu.
Assumo perante vós, Srs. Deputados, o firme e sincero propósito de colaborar com a Assembleia da República na certeza de que o momento que o País atravessa exige uma especial cooperação entre as diversas instituições democráticas.
Ao Governo e ao Sr. Primeiro-Ministro reitero o compromisso de cooperação que há cinco anos assumi perante os Portugueses.
Pela minha parte, pode contar o Governo com uma magistratura ativa e firmemente empenhada na salvaguarda dos superiores interesses nacionais.
Enquanto Presidente da República cumprirei escrupulosamente os compromissos que assumi perante os Portugueses no meu manifesto eleitoral.
No quadro de todos os poderes que me são conferidos pela Constituição, serei rigorosamente imparcial no tratamento das diversas forças políticas, mantendo neutralidade e equidistância relativamente ao Governo e à oposição.
Irei cooperar com os demais órgãos de soberania para que Portugal ultrapasse as dificuldades do presente e atuarei como elemento moderador das tensões da vida política e como fator de equilíbrio do nosso sistema democrático.
Agradeço a presença nesta cerimónia dos representantes de países amigos, em particular dos países de língua oficial portuguesa.
Reconheço no vosso gesto um sinal de apreço por uma nação soberana de muitos séculos, orgulhosa do seu passado e confiante no seu futuro.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sras. e Srs. Deputados:
Como sempre tenho afirmado, só um diagnóstico correto e um discurso de verdade sobre a natureza e a dimensão dos problemas económicos e sociais que Portugal enfrenta permitirão uma resposta adequada, quer pelos poderes públicos quer pelos agentes económicos e sociais e pelos cidadãos em geral.
A informação objetiva sobre a situação económica e social do País é um bem público que beneficia a sociedade no seu conjunto, porque estimula comportamentos favoráveis à resolução das dificuldades.
Os indicadores conhecidos são claros:
Portugal vive uma situação de emergência económica e financeira, que é já, também, uma situação de emergência social, como tem sido amplamente reconhecido.
Acredito que conseguiremos ultrapassar os problemas atuais se formos capazes de dar uma resposta verdadeiramente coletiva aos desafios que temos à nossa frente, o que exige transparência e um conhecimento rigoroso e completo da situação em que nos encontramos.
Como em tudo na vida, para delinearmos o melhor caminho para atingirmos o futuro que ambicionamos temos de saber de onde partimos.
Nos últimos 10 anos, a economia portuguesa cresceu a uma taxa média anual de apenas 0,7%, afastando-se da dos nossos parceiros da União Europeia.
Esta divergência foi ainda mais evidente no caso do rendimento nacional bruto, que constitui uma medida aproximada do rendimento efetivamente retido pelos Portugueses.
O rendimento nacional bruto per capita, em termos reais, cresceu apenas 0,1% ao ano, refletindo na prática uma década perdida em termos de ganhos de nível de vida.
De acordo com as últimas estimativas do Banco de Portugal, o crescimento potencial da economia portuguesa, o qual determina a capacidade futura de reembolso do endividamento presente, é atualmente inferior a 1% e, em 2010, o valor real do investimento ficou cerca de 25% abaixo do nível atingido em 2001.
O défice externo de Portugal tem permanecido em valores perto de 9% do produto, contribuindo, por força do pagamento de juros ao exterior, para a deterioração do saldo da balança de rendimentos, cujo deficit anual, de acordo com o Banco de Portugal, se aproxima rapidamente dos 10 000 milhões de euros, privando a nossa economia de recursos fundamentais para o seu desenvolvimento.
Simultaneamente, a taxa de poupança nacional tem vindo a decair, passando de cerca de 20% do produto, em 1999, para menos de 10%, nos últimos dois anos.
Em 2010, o desemprego atingiu mais de 600 000 pessoas, o que contrasta com cerca de 215 000, em 2001.
Nestes 10 anos, a taxa de desemprego subiu de 4% para um valor de 11%.
Os dados publicados pela Comissão Europeia indicam que, em 2008, o número de residentes em Portugal que se encontravam em risco de pobreza ou de exclusão social superava os 2 milhões e 750 mil, o que equivale a cerca de 26% da nossa população.
De acordo com as informações qualitativas disponibilizadas pelas instituições que operam no terreno, esta situação ter-se-á agravado nos últimos dois anos.
A margem de manobra do Estado português para acudir às necessidades de crescimento da economia e para combater os problemas de natureza social encontra-se severamente limitada, como o provam os níveis da despesa pública, da dívida pública e do endividamento do Sector Empresarial do Estado, a que acrescem os encargos futuros com as parcerias público-privadas.
Também a capacidade de os agentes nacionais acederem ao crédito e de financiarem quer as suas necessidades de capital quer o crescimento da economia está cada vez mais dificultada.
O saldo devedor da Posição de Investimento Internacional, que corresponde ao grau de endividamento líquido da economia, é superior a 100% do produto.
Os mercados continuam a limitar fortemente o recurso ao financiamento por parte do sistema bancário nacional, o que se reflete num agravamento das restrições de acesso ao crédito por parte das famílias e das empresas e num aumento das taxas de juro.
Além disso, o financiamento do Estado continua a ser feito a taxas anormalmente elevadas, condicionando o funcionamento do sistema financeiro português e da nossa economia.
É elementar perceber que, como escreve o Banco de Portugal no seu último Boletim Económico (e cito), «o atual contexto de elevados prémios de risco da dívida soberana para Portugal implica um serviço da dívida externa acrescido».
Existe, assim, um risco sério de o pagamento de juros ao exterior travar a indispensável redução do desequilíbrio externo, mesmo no caso de um comportamento positivo das exportações.
Vários outros indicadores podiam ser apresentados para confirmar que Portugal se encontra numa situação particularmente difícil.
Neste contexto, surpreende que possa ter passado despercebido nos meios políticos e económicos o alerta lançado pelo Governador do Banco de Portugal, em Janeiro passado, de que (e cito) «são insustentáveis tanto a trajetória da dívida pública como as trajetórias da dívida externa e da Posição de Investimento Internacional do nosso País».
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sras. e Srs. Deputados:
Portugal está hoje submetido a uma tenaz orçamental e financeira - o orçamento apertando do lado da procura e o crédito apertando do lado da oferta.
Este quadro afetará negativamente o crescimento económico e a qualidade de vida das famílias, a não ser que os responsáveis políticos, económicos e financeiros correspondam, com firmeza e sem ambiguidades, à obrigação que têm de libertar o País desta situação.
Esta é a realidade que não deve ser ignorada e que é minha obrigação deixar bem clara no início do meu segundo mandato, como contributo para que a urgência de atuar seja por todos apreendida.
A resolução dos problemas exige plena consciencialização da situação em que estamos.
É urgente encontrar soluções, retomar o caminho certo e preparar o futuro.
Esta é uma tarefa que exigirá um esforço coletivo, para o qual todos somos chamados a contribuir.
Ao Estado cabe definir com clareza as linhas estratégicas de orientação, as prioridades e os principais desígnios para o todo nacional.
Estas serão referências essenciais não apenas para o sector público mas também para a iniciativa privada.
Além disso, é imperativo melhorar a qualidade das políticas públicas.
Em particular, é fundamental que todas as decisões do Estado sejam, devida e atempadamente, avaliadas em termos da sua eficiência económica e social, do seu impacto nas empresas e na competitividade da economia, e das suas consequências financeiras presentes e futuras.
Não podemos correr o risco de prosseguir políticas públicas baseadas no instinto ou em mero voluntarismo.
Só com políticas públicas objetivas, consistentes com uma estratégia orçamental sustentável e com princípios favoráveis ao florescimento da iniciativa privada, poderemos atrair investimento para a economia portuguesa e ambicionar um crescimento compatível com as nossas necessidades.
Sem crescimento económico, os custos sociais da consolidação orçamental serão insuportáveis.
Neste contexto difícil, impõe-se ao Presidente da República que contribua para a definição de linhas de orientação e de rumos para a economia nacional que permitam responder às dificuldades do presente e encarar com esperança os desafios do futuro.
Em coerência com o que tenho defendido e com o que está inscrito no meu manifesto eleitoral, entendo que há princípios muito claros de orientação estratégica que Portugal deve assumir.
Face à situação em que o País se encontra, há que atuar simultaneamente no domínio estrutural, visando a resolução dos desequilíbrios que têm afetado a economia portuguesa, e no domínio conjuntural, visando mitigar o impacto negativo da atual crise sobre o emprego, sobre as empresas e sobre os Portugueses mais carenciados.
A nível estrutural, e como há muito venho a insistir, temos de apostar de forma inequívoca nos sectores de bens e serviços transacionáveis.
Só com um aumento da afetação de recursos para a produção competitiva conseguiremos iniciar um novo ciclo de desenvolvimento.
Este é um desafio que responsabiliza, em primeiro lugar, o Estado e o sistema financeiro.
De resto, é fundamental que os Portugueses assimilem de forma convicta a necessidade de produzir mais bens que concorram com a produção estrangeira.
Um défice externo elevado e permanente é, por definição, insustentável!
Ainda no âmbito da afetação de recursos, é necessário estimular a poupança interna e travar a concessão indiscriminada de crédito, em especial para fins não-produtivos e para sustentar gastos públicos.
É imperioso reafectar o crédito disponível para as pequenas e médias empresas criadoras de valor económico e de emprego e para as exportações.
Em paralelo, é essencial traçar um caminho que permita o reforço da nossa competitividade e o aumento da produtividade do trabalho e do capital.
A perda de competitividade da economia portuguesa é talvez o sintoma mais grave das nossas fragilidades.
Neste contexto, é crucial a realização de reformas estruturais destinadas a diminuir o peso da despesa pública, a reduzir a presença excessiva do Estado na economia e a melhorar o desempenho e a eficácia da nossa Administração Pública.
Só com uma gestão rigorosa, determinada e transparente das contas públicas será possível um crescimento económico duradouro, a criação de novos e melhores empregos e a consolidação da credibilidade externa.
A sustentabilidade das finanças públicas portuguesas é uma questão iniludível para a confiança dos investidores internacionais.
Quando a taxa de juro da dívida pública é superior à taxa de crescimento nominal da economia aumenta a exigência em relação ao saldo primário das contas públicas.
É preciso valorizar a iniciativa empresarial e o conceito de empresa como espaço de diálogo e cooperação entre gestores e trabalhadores, captar e manter investimento de qualidade e aproveitar as vantagens comparativas de que Portugal dispõe.
É crucial aprofundar o potencial competitivo de sectores como a floresta, o mar, a cultura e o lazer, as indústrias criativas, o turismo e a agricultura, onde detemos vantagens naturais diferenciadoras.
A redução do défice alimentar é um objetivo que se impõe levar muito a sério, tal como a remoção dos entraves burocráticos ao acesso da iniciativa privada à exploração económica do mar.
O futuro da economia portuguesa depende bastante da capacidade de acrescentar valor, de inovar e de incorporar mais conteúdo tecnológico nos nossos produtos.
A interligação entre as empresas e os estabelecimentos de ensino superior e centros de investigação é da maior relevância!
Ainda no plano estrutural, é necessário garantir uma fiscalidade mais simples, transparente e previsível, melhorar a qualidade do investimento em formação e qualificação dos recursos humanos, assim como assegurar mais eficiência, credibilidade e rapidez no funcionamento do sistema de justiça.
A justiça desempenha um papel crucial no desenvolvimento económico, como fonte de segurança e de previsibilidade, e funciona como referência para a captação de investimento internacional.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sras. e Srs. Deputados:
Na atual situação de emergência impõem-se, também, medidas de alcance conjuntural, que permitam minorar os efeitos imediatos da crise e criar o suporte económico e social necessário às transformações estruturais.
Exige-se, em particular, um esforço determinado no sentido de combater o flagelo do desemprego!
A expectativa legítima dos Portugueses é a de que todas as políticas públicas e decisões de investimento tenham em conta o seu impacto no mercado laboral, privilegiando iniciativas que criem emprego ou que permitam a defesa dos postos de trabalho.
Por outro lado, é essencial valorizar o papel das empresas e do empreendedorismo da mesma forma que se celebra, por exemplo, o sucesso dos nossos atletas na obtenção de títulos internacionais!
É importante reconhecer as empresas e o valor por elas criado, em vez de as perseguir com uma retórica ameaçadora ou com políticas que desincentivam a iniciativa e o risco!
No atual contexto, são elas que podem criar novos empregos e dar esperança a uma geração com formação ampla e diversificada e que não consegue entrar no mercado de trabalho.
São as empresas que podem dinamizar as exportações e contribuir para a contenção do endividamento externo!
Não podemos assistir de braços cruzados à saída de empresas do nosso País.
Pelo contrário, temos de pensar seriamente no que é que podemos fazer para atrair mais empresas!
O essencial do investimento rentável e virado para os sectores transacionáveis vem das empresas privadas!
Precisamos de valorizar, em particular, quem tem vontade e coragem de inovar e de investir sem precisar dos apoios do Estado.
É especialmente decisivo atrair os jovens para a iniciativa empresarial!
O empreendedorismo jovem é hoje uma realidade em desenvolvimento no nosso País que deve ser apoiada para que surjam muitos mais casos de sucesso.
Portugal precisa de uma nova vaga de empreendedores!
Empreendedores com autonomia do poder político, que não esperem qualquer tipo de proteção ou de favores, cidadãos empenhados na qualidade e na inovação, dispostos a assumir riscos e a competir no mercado global!
Os nossos autarcas, que saúdo nesta ocasião solene, já compreenderam que o poder local adquiriu um novo perfil, a que correspondem novas exigências.
As autarquias podem assumir um papel fulcral na valorização da iniciativa empresarial, na criação de emprego e, genericamente, na resposta às dificuldades económicas e sociais das respetivas regiões!
Para além do contributo em iniciativas de apoio aos mais carenciados, tenho constatado que existe um número crescente de autarcas que estão a reorientar as suas prioridades para o tecido produtivo e para a valorização económica das suas regiões e dos seus recursos.
Este é um caminho de futuro e também aquele que poderá ter um impacto mais rápido na economia nacional!
As iniciativas locais de emprego e os investimentos de proximidade são aqueles que podem produzir resultados de forma mais imediata e que melhor podem ser avaliados, reformulados e reproduzidos.
Urge remover os obstáculos à reabilitação urbana, cujas potencialidades de criação de emprego e de promoção turística, embora há muito reconhecidas, permanecem em larga medida desaproveitadas.
Não podemos privilegiar grandes investimentos que não temos condições de financiar, que não contribuem para o crescimento da produtividade e que têm um efeito temporário e residual na criação de emprego!
Não se trata de abandonar os nossos sonhos e ambições, trata-se de sermos realistas!
As políticas ativas de emprego desempenham também um papel importante no combate ao desemprego.
A concertação social tem uma responsabilidade particular na definição de políticas de rápido efeito, avaliando resultados, corrigindo erros e servindo a criação efetiva de emprego.
A inovação e a incorporação de conteúdo tecnológico nos bens que produzimos são essenciais.
Contudo, não podemos deixar de ver o potencial e a importância dos chamados sectores tradicionais.
As vantagens competitivas adquiridas e aprofundadas por estes sectores, bem como a experiência que já têm do mercado internacional, não podem ser desaproveitadas nem vítimas de preconceitos.
Estão em causa sectores tipicamente criadores de emprego, contribuintes positivos para a nossa balança externa e que são, além disso, elementos essenciais de coesão social e territorial!
Aumentar a eficiência e a transparência do Estado e reduzir o peso da despesa pública são prioridades não apenas de natureza estrutural, mas também conjuntural!
Realismo, avaliação rigorosa das decisões, justiça na distribuição dos sacrifícios e melhoria do clima de confiança são exigências impostas pelo presente, mas que devemos também às gerações futuras!
O caminho é possível, mas não será fácil nem rápido.
Reitero a minha convicção de que está em causa um esforço coletivo.
É importante, por isso, que Governo, Assembleia da República e demais responsáveis políticos assumam uma atitude inclusiva e cooperante, que seja também fator de confiança e de motivação para os nossos cidadãos.
A estabilidade política é uma condição que deve ser aproveitada para a resolução efetiva dos problemas do País.
Seria desejável que o caminho a seguir fosse consubstanciado num programa estratégico de médio prazo, objeto de um alargado consenso político e social.
Espero que todos os agentes políticos e poderes do Estado e os agentes económicos e financeiros estejam à altura das dificuldades do momento e deem sentido de futuro aos sacrifícios exigidos aos Portugueses.
Da União Europeia devemos esperar não apenas que assegure a estabilidade e a sustentabilidade da zona euro, mas também que desenvolva uma estratégia comum e solidária que promova o crescimento, o emprego e a coesão.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Senhoras e Senhores:
A nossa sociedade não pode continuar adormecida perante os desafios que o futuro lhe coloca!
É necessário que um sobressalto cívico faça despertar os Portugueses para a necessidade de uma sociedade civil forte, dinâmica e, sobretudo, mais autónoma perante os poderes públicos!
O País terá muito a ganhar se os Portugueses, associados das mais diversas formas, participarem mais ativamente na vida coletiva, afirmando os seus direitos e deveres de cidadania e fazendo chegar a sua voz aos decisores políticos.
Este novo civismo da exigência deve construir-se, acima de tudo, como um civismo de independência face ao Estado!
Em vários sectores da vida nacional, com destaque para o mundo das empresas, emergiram nos últimos anos sinais de uma cultura altamente nociva, assente na criação de laços pouco transparentes de dependência com os poderes públicos, fruto em parte das formas de influência e de domínio que o crescimento desmesurado do peso do Estado propicia.
É uma cultura que tem de acabar!
Deve ser clara a separação entre a esfera pública das decisões coletivas e a esfera privada dos interesses particulares!
O Sr. Presidente da República:
- Os cidadãos devem ter a consciência de que é preciso mudar, pondo termo à cultura dominante nas mais diversas áreas.
Eles próprios têm de mudar a sua atitude, assumindo de forma ativa e determinada um compromisso de futuro que traga de novo a esperança às gerações mais novas!
É altura de os Portugueses despertarem da letargia em que têm vivido e perceberem claramente que só uma grande mobilização da sociedade civil permitirá garantir um rumo de futuro para a legítima ambição de nos aproximarmos do nível de desenvolvimento dos países mais avançados da União Europeia!
Esta é uma tarefa de todos, cada um tem de assumir as suas próprias responsabilidades.
É essencial que exista uma união de esforços, em que cada português se sinta parte de um todo mais vasto e realize o quinhão que lhe cabe!
Necessitamos de recentrar a nossa agenda de prioridades, colocando de novo as pessoas no fulcro das preocupações coletivas.
Muitos dos nossos agentes políticos não conhecem o país real, só conhecem um país virtual e mediático!
Precisamos de uma política humana, orientada para as pessoas concretas, para famílias inteiras que enfrentam privações absolutamente inadmissíveis num país europeu do século XXI!
Precisamos de um combate firme às desigualdades e à pobreza que corroem a nossa unidade como povo!
Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos!
A pessoa humana tem de estar no centro da ação política!
Os Portugueses não são uma estatística abstrata, os Portugueses são pessoas que querem trabalhar, que aspiram a uma vida melhor para si e para os seus filhos!
Numa República social e inclusiva, há que dar voz aos que não têm voz!
No momento que atravessamos, em que à crise económica e social se associa uma profunda crise de valores, há que salientar o papel absolutamente nuclear da família!
A família é um espaço essencial de realização da pessoa humana e, em tempos difíceis, constitui o último refúgio e amparo com que muitos cidadãos podem contar.
A família é o elemento agregador fundamental da sociedade portuguesa e, como tal, deve existir uma política ativa de família que apoie a natalidade, que proteja as crianças e garanta o seu desenvolvimento, que combata a discriminação dos idosos, que aprofunde os elos entre gerações!
O exercício de funções públicas deve ser prestigiado pelos melhores, o que exige que as nomeações para os cargos dirigentes da Administração sejam pautadas exclusivamente por critérios de mérito e não pela filiação partidária dos nomeados ou pelas suas simpatias políticas!
A coesão entre as gerações representa um importante ativo de que Portugal ainda dispõe.
Os jovens não podem ver o seu futuro adiado devido a opções erradas tomadas no presente!
É nosso dever impedir que aos jovens seja deixada uma pesada herança, feita de dívidas, de encargos futuros, de desemprego ou de investimento improdutivo!
O exemplo que temos de dar às gerações mais novas é o exemplo de uma cultura onde o mérito, a competência, o trabalho e a ética de serviço público sejam valorizados.
Entre as novas gerações, Portugal dispõe de recursos humanos altamente qualificados.
Se nada fizermos, os nossos melhores jovens irão fixar-se no estrangeiro, processo que, aliás, já começa a tornar-se visível.
É fundamental que a sociedade portuguesa seja despertada para a necessidade de um novo modo de ação política que consiga atrair os jovens e os cidadãos mais qualificados.
O afastamento dos jovens em relação à atividade política não significa desinteresse pelos destinos do País; o que acontece, isso sim, é que muitos jovens não se reveem na atual forma de fazer política nem confiam que, a manter-se o atual estado de coisas, Portugal seja um espaço capaz de realizar as suas legítimas ambições.
Precisamos de gestos fortes que permitam recuperar a confiança dos jovens nos governantes e nas instituições!
Seria extremamente positivo que os jovens se assumissem como protagonistas da mudança, participando de forma construtiva, e que as instituições da nossa democracia manifestassem abertura para receber o seu contributo.
A geração mais jovem deve ser vista como parte da solução dos nossos problemas!
Numa sociedade que valorize o mérito, a educação é o elemento-chave da mobilidade social.
Aqueles que dispõem de menores recursos, mas que revelem méritos e capacidades, têm de ser apoiados, para que não se aprofundem situações intoleráveis de desigualdade entre os Portugueses.
Temos de despertar toda a sociedade para a importância do investimento na excelência da nossa educação!
Todos os estabelecimentos de ensino que se destaquem pelos seus resultados têm de merecer o reconhecimento da sociedade e do Estado!
Só assim se cumprirá o ideal de premiar o mérito que norteou a nossa República centenária.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sras. e Srs. Deputados:
Ao tomar posse como Presidente da República, estou firmemente convicto de que existem razões de esperança para o nosso País.
Ao longo da sua História, Portugal viveu dificuldades e, com coragem, determinação e vontade de vencer, foi capaz de ultrapassá-las.
Logo a seguir à revolução do 25 de Abril, a sociedade civil deu uma prova excecional da sua vitalidade na forma como acolheu, sem convulsões, quase um milhão de Portugueses que regressaram de África, em condições extremamente difíceis.
Graças ao apoio das famílias e de diversas instituições, a sua integração no País processou-se sem sobressaltos de maior, apoiada naquela que é uma das melhores qualidades do nosso povo: a capacidade que revela para, nas horas difíceis, dar provas de um espírito de solidariedade e de entreajuda que é absolutamente extraordinário.
Esse espírito é nosso, é único, é o espírito de Portugal!
Todos os dias, encontramos esse espírito solidário nas diversas campanhas de apoio aos mais desfavorecidos.
Os jovens participam nessas campanhas como voluntários, aos milhares, sem nada pedirem em troca, sem pensarem em cargos ou proveitos para si próprios!
Aos jovens, que nos dão tantas lições de vida, quero deixar aqui, neste dia, o testemunho da minha admiração mais profunda.
Temos jovens talentosos que ombreiam com os melhores do mundo em inovação empresarial, em qualidade académica e científica, em criatividade artística e cultural.
Há uma nova geração que ganha sucessivos prémios nas mais diversas áreas da investigação, que assume papéis de liderança nos mais variados projetos, que participa com grande entusiasmo e admirável generosidade em ações de voluntariado social e nas campanhas de defesa do ambiente!
Os nossos jovens movem-se hoje à escala planetária com uma facilidade que nos surpreende.
Cidadãos do mundo, familiarizados com as novas tecnologias e a sociedade em rede, dispõem de um capital de conhecimento e de uma vontade de inovação que são admiráveis!
Muitos dos académicos, investigadores, profissionais de sucesso e jovens empresários que trabalham no estrangeiro aspiram a regressar ao seu país, desde que possuam condições para aqui fazerem florescer as suas capacidades.
Temos de aproveitar o enorme potencial desta nova geração, é nela que deposito a esperança de um Portugal melhor!
Foi especialmente a pensar nos jovens que decidi recandidatar-me à Presidência da República.
A eles dediquei a vitória que os Portugueses me deram.
Agora, no momento em que tomo posse como Presidente da República, faço um vibrante apelo aos jovens de Portugal: ajudem o vosso País!
Façam ouvir a vossa voz, este é o vosso tempo!
Mostrem a todos que é possível viver num País mais justo e mais desenvolvido, com uma cultura cívica e política mais sadia, mais limpa, mais digna!
Mostrem às outras gerações que não se acomodam nem se resignam!
Sonhem mais alto, acreditem na esperança de um tempo melhor!
Acreditem em Portugal, porque esta é a vossa terra.
É aqui que temos de construir um País à altura das nossas ambições!
Estou certo de que, todos juntos, iremos vencer!
Obrigado.
Sr. Presidente da Assembleia da República.
Sr. Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva.
Primeiro-Ministro e Membros do Governo.
Ilustres Altos Dignatários Estrangeiros aqui presentes.
Srs. Presidentes do Supremos Tribunais.
Srs. Antigos Presidentes da República e da Assembleia da República.
Sras. e Srs. Deputados.
Sras. e Srs. Convidados.
Portugueses.
Portugal é a razão de ser do compromisso solene que acabo de assumir.
Aqui nasci, aqui aprendi com meus Pais a falar a língua que nos une e une a centenas de milhões por todo o mundo.
Aqui eduquei os meus filhos e espero ver crescer os meus netos.
Aqui se criaram e sempre viverão comigo aqueles sentimentos que não sabemos definir, mas que nos ligam a todos os Portugueses.
Amor à terra, saudade, doçura no falar, comunhão no vibrar, generosidade na inclusão, crença em milagres de Ourique, heroísmo nos instantes decisivos.
É para Portugal, para cada Portuguesa e para cada Português que vai o meu primeiro e decisivo pensamento.
Feito de memória, lealdade, afeto, fidelidade a um destino comum.
Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhor Dr. Eduardo Ferro Rodrigues,
Na pessoa de Vossa Excelência, saúdo a representação legítima e plural da vontade popular expressa na Assembleia da República.
E garanto a solidariedade institucional indefetível entre os dois únicos órgãos de soberania fundados no voto universal e direto de todo o Povo que somos.
Senhor Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva,
Ao percorrer, num imperativo exercício de memória, a longa e singular carreira de serviço à Pátria de Vossa Excelência - com uma década na chefia do Governo e uma década na chefia do Estado, que, largamente, definiram o Portugal que temos - entendo ser estrito dever de justiça - independentemente dos juízos que toda a vivência política suscita - dirigir a Vossa Excelência uma palavra de gratidão pelo empenho que sempre colocou na defesa do interesse nacional - da ótica que se lhe afigurava correta, é certo - mas sacrificando vida pessoal, académica e profissional em indesmentível dedicação ao bem comum.
Senhor General António Ramalho Eanes e Senhor Dr. Jorge Sampaio,
A presença de Vossas Excelências é símbolo da continuidade e da riqueza da nossa Democracia, linhagem na qual também se insere o Senhor Dr. Mário Soares.
Democracia que se enobrece com a presença de três ilustres convidados estrangeiros que nos honram, ao aceitarem os convites pessoais que formulei, correspondentes a coordenadas essenciais da nossa política externa.
Da origem nacional, convertida em exemplares vizinhança, irmandade e cumplicidade europeias, na pessoa de Sua Majestade o Rei Felipe VI.
Da vontade de construir um novo futuro assente numa eloquente e calorosa fraternidade, e comunidade de destino, na pessoa de Sua Excelência o Presidente Filipe Nyusi.
Da constante afirmação do nosso empenho numa Europa unida e solidária, na pessoa de Sua Excelência o Presidente Jean-Claude Juncker.
Acresce a esta dimensão de Estado uma outra, pessoal, em que se juntam respeito, laços antigos e grata amizade.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Escreveu um Herói Português do Sec.XIX que «este Reino é obra de soldados».
Assim foi, na verdade, desde a fundação de Portugal, atestada em Zamora e reconhecida urbi et orbi pela Bula «Manifestis Probatum est».
Nas batalhas da expansão continental ou da defesa e restauração da independência, como nas epopeias marítimas ou, nos nossos dias, nas missões de paz, ou humanitárias, dentro e fora da Europa.
Com as nossas Forças Armadas sempre fiéis a Portugal.
Assim foi, também, em 25 de Abril de 1974, com os jovens capitães, resgatando a liberdade, anunciando a Democracia, permitindo converter o Império Colonial em Comunidade de Povos e Estados independentes, prometendo a paz, o desenvolvimento e a justiça para todos.
A quantos - militares e civis - fizeram o Portugal de sempre, como, de modo particular, a quantos - civis e militares - construíram a República Democrática devemos aqui estar, eleitos pelo Povo, em cumprimento da Constituição.
Digo bem, a Constituição.
Neste mesmo hemiciclo, discutida e aprovada no meio de uma Revolução.
E promulgada há quase quarenta anos, no dia 2 de abril de 1976.
Recordo, com emoção, esses tempos inesquecíveis, em que, jovem constituinte, juntei a minha voz e o meu voto a tantos mais, vindos de quadrantes tão diversos, tendo percorrido caminhos tão variados, havendo somado anos ou mesmo décadas de luta ao combate do momento.
Para que pudesse nascer a Constituição que nos rege, e que foi sendo revista e afeiçoada a novas eras.
Por isso, a Lei Fundamental continua a ser o nosso denominador comum.
Todos, nalgum instante, contribuíram para, ao menos, uma parte do seu conteúdo.
Defendê-la, cumpri-la e fazê-la cumprir é dever do Presidente da República.
E sê-lo-ia sempre, mesmo que o tê-la votado, o ter acompanhado algumas das suas principais revisões e o tê-la ensinado ao longo de quarenta anos, não responsabilizassem acrescidamente quem acaba de assumir perante vós as funções presidenciais.
O Presidente da República será, pois, um guardião permanente e escrupuloso da Constituição e dos seus valores, que, ao fim e ao cabo, são os valores da Nação que nos orgulhamos de ser.
O valor do respeito da dignidade da pessoa humana, antes do mais.
De pessoas de carne e osso.
Que têm direito a serem livres, mas que têm igual direito a uma sociedade em que não haja, de modo dramaticamente persistente, dois milhões de pobres, mais de meio milhão em risco de pobreza, e, ainda, chocantes diferenças entre grupos, regiões e classes sociais.
Salvaguardar a vida, a integridade física e espiritual, a liberdade de pensamento, de crença e de expressão e o pluralismo de opinião e de organização é um dever de todos nós.
Como é lutar por mais justiça social, que supõe efetiva criação de riqueza, mas não se satisfaz com a contemplação dos números, quer chegar às pessoas e aos seus direitos e deveres.
Valores matriciais da Constituição são, de igual modo, os da identidade nacional, feita de raízes na nossa terra e no nosso mar, mas de vocação universal - plataforma que constituímos entre continentes e, sobretudo, entre culturas e civilizações.
Raízes nesta terra e neste mar, que formam um verdadeiro arquipélago com três vértices - Continente, Açores e Madeira -, e abarca o Oceano que nos fez e faz grandes.
Daí o podermos e devermos continuar a assumir o Mar como prioridade nacional.
Prioridade nascida de uma geoestratégica e, sobretudo, de uma vocação universal - como escrevia António Lobo Antunes:
«se a minha terra é pequena, eu quero morrer no mar».
Vocação universal, de Nação repartida pelos cinco continentes, em que mais de metade de nós, entre nacionais e descendentes, vive a criar Portugais fora do nosso território físico, mas dentro do nosso território espiritual.
Vocação universal, no abraço que nos liga aos povos irmãos, que partilham a nossa língua, numa comunidade aberta e inclusiva.
Vocação universal, em que a História se junta à Geografia, e em que o sermos europeus no ponto de partida e na firme vontade de participarmos na unidade europeia se enriquece com o sermos transatlânticos e, mais do que isso, podermos aproximar gentes e falas e economias e sociedades as mais distintas, sem xenofobias, intolerâncias, complexos de falsa superioridade ou de incompreensível inferioridade.
Em suma, identidade nacional feita de solo e sangue, e aposta na Língua, na Educação, na Ciência, na Cultura, na capacidade de saber conjugar futuro com passado, sem medo de enfrentar o presente.
Uma identidade vivida em Estado de Direito Democrático, representativo, mas também participativo e referendário.
Plural e fraterno.
Respeitador da soberania popular, da separação e conjugação de poderes, da independência da Justiça, da autonomia político-legislativa dos Açores e da Madeira e da autonomia administrativa do Poder Local.
Zeloso na proteção das liberdades pessoais e políticas, mas apostado na afirmação dos direitos económicos, sociais e culturais.
E, por isso, Estado Social de Direito.
Em que a criatividade da iniciativa privada se conjuga com o relevante Setor Social, e tem sempre presente que o poder económico se deve subordinar ao poder político e não este servir de instrumento daquele.
Dito de outra forma, o poder político democrático não deve impedir, nos seus excessos dirigistas, o dinamismo e o pluralismo de uma sociedade civil - tradicionalmente tão débil entre nós -, mas não pode demitir-se do seu papel definidor de regras, corretor de injustiças, penhor de níveis equitativos de bem-estar económico e social, em particular, para aqueles que a mão invisível apagou, subalternizou ou marginalizou.
É no quadro desta Constituição - que, como toda a obra humana, não é intocável, mas que exige para reponderação consensos alargados, que unam em vez de dividir - que temos, pela frente, tempos e desafios difíceis a superar.
Temos de saber compaginar luta, no plano universal, pelos mesmos valores que nos regem - dignidade da pessoa, paz, justiça, liberdade, desenvolvimento, equidade intergeracional ou valorização do ambiente - com a defesa da reforma de instituições que se tornem notoriamente desajustadas ou insuficientes.
Temos de ser fiéis aos compromissos a que soberanamente nos vinculámos - em especial, aos que correspondem a coordenadas permanentes da nossa política externa, como a União Europeia, a CPLP e a Aliança Atlântica -, nunca perdendo a perceção de que, também quanto a elas, há sinais de apelo a reflexões de substância, de forma, ou de espírito solidário, num contexto muito diverso daqueles que testemunharam as suas mais apreciáveis mudanças.
Os desafios dos refugiados na Europa, da não discriminação económica e financeira na CPLP e das fronteiras da Aliança Atlântica, são apenas três exemplos, de entre muitos, de questões prementes relevantes, mesmo se incómodas.
Temos de sair do clima de crise, em que quase sempre vivemos desde o começo do século, afirmando o nosso amor-próprio, as nossas sabedoria, resistência, experiência, noção do fundamental.
Temos de ir mais longe, com realismo mas visão de futuro, na capacidade e na qualidade das nossas Educação e Ciência, mas também da Saúde, da Segurança Social, da Justiça e da Administração Pública e do próprio sistema político e sua moralização e credibilização constantes, nomeadamente pelo combate à corrupção, ao clientelismo, ao nepotismo.
Temos, para tanto, de não esquecer, entre nós como na Europa a que pertencemos, que, sem rigor e transparência financeira, o risco de regresso ou de perpetuação das crises é dolorosamente maior, mas, por igual, que finanças sãs desacompanhadas de crescimento e emprego podem significar empobrecimento e agravadas injustiças e conflitos sociais.
Temos de cicatrizar feridas destes tão longos anos de sacrifícios, no fragilizar do tecido social, na perda de consensos de regime, na divisão entre hemisférios políticos.
Tudo indesejável, precisamente em anos em que urge recriar convergências, redescobrir diálogos, refazer entendimentos, reconstruir razões para mais esperança.
Temos de reforçar o sentido de pertença a uma Pátria, que é a mesma para todos e perante a qual só há - ou deve haver - Portugueses de igual dignidade e estatuto.
São difíceis, complexos, envoltos em incógnitas os reptos evocados?
Obrigam a trabalhos reforçados perante um mundo incerto, uma Europa a braços com tensões novas em solidariedades internas e externas, finanças públicas a não comportarem temeridades, sistema financeiro que previna em vez de remediar e não crie ostracismos ou dependências contrárias ao interesse nacional, política a ensaiar fórmulas novas, exigência de respostas mais claras, mais rápidas e mais equitativas?
Sem dúvida.
Depois da transição da revolução para o constitucionalismo, da estabilização da democracia partidária, da adesão europeia e da adoção do euro, das expectativas elevadas da viragem do século e das frustrações, entretanto, vividas, bem como da resposta abnegada dos Portugueses, esperam-nos cinco anos de busca de unidade, de pacificação, de reforçada coesão nacional, de encontro complexo entre democracia e internacionalização estratégica, dentro e fora de fronteiras e entre crescimento, emprego e justiça social de um lado, e viabilidade financeira do outro, de criação de consonâncias nos sistemas sociais e políticos, de incessante construção de uma comunidade convivial e solidária.
Nunca perdendo a Fé em Portugal e na nossa secular capacidade para vencer as crises.
Nunca descrendo da Democracia.
Nunca deixando morrer a esperança.
Nunca esquecendo que o que nos une é muito mais importante e duradouro do que aquilo que nos divide.
Persistindo quando a tentação seja desistir.
Convertendo incompreensões em ânimo redobrado.
Preferindo os pequenos gestos que aproximam às grandes proclamações que afastam.
Com honestidade.
Com paciência.
Com perseverança.
Com temperança.
Com coragem.
Com humildade.
É, arrimado a estes valores e animado destes propósitos, que inicia o seu mandato o quinto Presidente da República livremente eleito em Democracia.
E, porque, livremente eleito pelo voto popular, Presidente de todos sem exceção.
Um Presidente que não é nem a favor nem contra ninguém.
Assim será politicamente, do princípio ao fim do seu mandato.
Mas, socialmente, a favor do jovem que quer exercitar as suas qualificações e, debalde, procura emprego.
Da mulher que espera ver mais reconhecido o seu papel num mundo ainda tão desigual.
Do pensionista ou reformado que sonhou, há trinta ou quarenta anos, com um 25 de Abril que não corresponde ao seu atual horizonte de vida.
Do cientista à procura de incentivos sempre adiados.
Do agricultor, do comerciante, do industrial, que, dia a dia, sobrevive ao mundo de obstáculos que o rodeiam.
Do trabalhador por conta de outrem ou independente, que paga os impostos que vão sustentando muito dos sistemas que legitimamente protegem os que mais sofrem no nosso Estado Social.
Do novo e ousado talento que vai mudando a nossa sociedade e a nossa economia.
Da IPSS, da Misericórdia, da instituição mais próxima das pessoas - nas Regiões Autónomas e nas Autarquias -, que cuida de muitos, de quem ninguém mais pode cuidar melhor.
Do que, no interior ainda distante, nas Ilhas, às vezes esquecidas, nas Comunidades que povoam o mundo, é permanente retrato da nossa tenacidade como Nação.
De todos estes e de muitos mais.
O Presidente da República é o Presidente de todos.
Sem promessas fáceis, ou programas que se sabe não pode cumprir, mas com determinação constante.
Assumindo, em plenitude, os seus poderes e deveres.
Sem querer ser mais do que a Constituição permite.
Sem aceitar ser menos do que a Constituição impõe.
Um servidor da causa pública.
Que o mesmo é dizer, um servidor desta Pátria de quase nove séculos.
Pátria que nos interpela a cada passo.
Exigindo muito mais e muito melhor.
Mas a resposta vem de um dos nossos maiores, Miguel Torga.
Que escreveu em 1987, vai para trinta anos:
«O difícil para cada português não é sê-lo; é compreender-se.
Nunca soubemos olhar-nos a frio no espelho da vida.
A paixão tolda-nos a vista.
Daí a espécie de obscura inocência com que atuamos na História.
A poder e a valer, nem sempre temos consciência do que podemos e valemos.
Hipertrofiamos provincianamente as capacidades alheias e minimizamos maceradamente as nossas, sem nos lembrarmos sequer que uma criatura só não presta quando deixou de ser inquieta.
E nós somos a própria inquietação encarnada.
Foi ela que nos fez transpor todos os limites espaciais e conhecer todas as longitudes humanas?
?
Não somos um povo morto, nem sequer esgotado.
Temos ainda um grande papel a desempenhar no seio das nações, como a mais ecuménica de todas.
O mundo não precisa hoje da nossa insuficiente técnica, nem da nossa precária indústria, nem das nossas escassas matérias-primas.
Necessita da nossa cultura e da nossa vocação para o abraçar cordialmente, como se ele fosse o património natural de todos os homens.
».
Pode soar a muito distante este retrato, quando se multiplicam, na ciência, na técnica, na criação da riqueza, tantos exemplos da inventiva portuguesa, entre nós ou nos confins do universo.
E, no entanto, Torga viu o essencial.
O essencial, é que continuamos a minimizar o que valemos.
E, no entanto, valemos muito mais do que pensamos ou dizemos.
O essencial, é que o nosso génio - o que nos distingue dos demais - é a indomável inquietação criadora que preside à nossa vocação ecuménica.
Abraçando o mundo todo.
Ela nos fez como somos.
Grandes no passado.
Grandes no futuro.
Por isso, aqui estamos.
Por isso, aqui estou.
Pelo Portugal de sempre!
Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal Constitucional, Supremo.
Tribunal Administrativo, Tribunal de Contas.
Senhores Presidentes António Ramalho Eanes e Aníbal Cavaco Silva,
Senhora Dra. Manuela Ramalho Eanes,
Senhores Ministros de Estado,
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa,
Senhor Núncio Apostólico em representação do Corpo Diplomático,
Senhor Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa,
Senhora Procuradora-Geral da República,
Senhor Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas,
Senhora Provedora de Justiça,
Senhor Chefe do Estado-Maior dos três Ramos das Forças Armadas,
Senhor Presidente do CDS,
Senhora e Senhores candidatos presidenciais,
Senhoras e Senhores Deputados,
Portugueses,
Hoje, como há cinco anos, Portugal é a única razão de ser do compromisso solene que acabo de assumir.
E dizer Portugal, é dizer os Portugueses.
Porque uma Pátria é muito mais do que o lugar onde nascemos, renascemos, a memória do que fazemos, desfazemos e refazemos, os usos que recebemos e passamos aos nossos filhos e netos, as instituições que nos moldam e ajudamos a moldar.
Uma Pátria são, acima de tudo, as pessoas.
E, nela, cada pessoa conta.
Diversa, diferente, irrepetível.
Portugal são os Portugueses.
São, pois, os Portugueses, todos eles, a única razão de ser do compromisso solene que acabei de assumir.
A começar nos que mais necessitam.
Os sem-abrigo.
Os com teto, mas sem habitação condigna.
Os da minha idade, ou mais, que vivem em lares ou em casa, em solidão ou velados por cuidadores formais ou informais.
Os reformados e pensionistas pobres.
Os desempregados e em lay-off.
Os trabalhadores e os empresários precários.
As crianças, os jovens, as famílias, os professores, os não docentes atropelados em dois anos letivos.
Os que salvam vida e saúde, os que os ajudam a salvar, os que perdem vida e saúde, os que perdem entes queridos sem uma despedida na doença e na morte.
Os que nos deixam, desejando regressar.
Os que a nós se acolhem e ficam.
E mais os que - e são todos - perto ou muito longe, na Diáspora, nos Açores, na Madeira, no Continente - nunca desistem de Portugal.
Portugueses,
No dia 9 de março de 2016, Portugal vivia já a saída de uma dura crise financeira, económica e social, mas a divisão entre os que haviam arcado com o governo em crise e os que se lhe tinham oposto era total.
Em ideias, em políticas, em legitimidade para se ser poder, em emoções.
A Europa, liberta da sombra da crise bancária, prometia crescimento e emprego, e esperava que Portugal não mudasse de rumo no reequilíbrio do Orçamento.
O mundo, empolgado pelos ideais da ação climática, da mudança energética, da liberdade de comércio e do multilateralismo, acreditava que era tempo de ultrapassar fronteiras, olhar de frente para migrações e refugiados, promover direitos humanos, paz e desenvolvimento sustentável.
Mais sonhos e menos medos.
O que se passou depois, sabemo-lo todos.
O mundo foi outro, diverso do então esperado: com crescimento económico, mas com menos ação climática, menos multilateralismo, menos tolerância em migrações e refugiados, mais guerra comercial, mais xenofobias.
Mais medos, menos sonhos.
A Europa, abalada pela saída do Reino Unido, foi, ainda assim, resistindo e reinventando-se, às vezes só, nela própria irrompendo, aqui e ali, mais medos e definhando, de quando em vez, mais sonhos.
Portugal continuou o caminho das contas públicas equilibradas.
Fê-lo, acelerando compensações sociais e reforçando o sector público, o que, sendo o programa dos novos governantes, se opunha ao rumo dos seus antecessores.
Sairia do processo de défice excessivo em 16 de junho de 2017.
Depois de, em 2016 e 2017, ter enfrentado situações críticas na banca e, na véspera de viver a primeira das duas vagas de tragédia dos incêndios florestais.
Daria passos importantes no equilíbrio orçamental, na internacionalização, no digital, nas exportações, no turismo, na inovação e nalguma mudança agrícola, sabendo, em vários domínios, aproveitar caminhos antes desbravados.
Atenuaria, suavemente, pobreza e algumas desigualdades sociais.
Reforçaria o prestígio e o protagonismo externo - nas Nações Unidas, no Eurogrupo, na Organização Internacional para as Migrações.
Nas Forças Nacionais Destacadas.
Nas missões solidárias, como em Moçambique, na Cultura, na Ciência, no Desporto.
Iria, porém, adiando investimentos ou transformações mais profundas em competitividade empresarial, infraestruturas, Administração Pública, Serviço Nacional de Saúde, e, em parte, na Justiça.
À entrada de 2020, mundo e Europa esperavam por outros ciclos, dependentes das suas lideranças, definidas ou assumidas no ano que terminou.
Portugal, com excedente orçamental, e, de novo, convergência económica com a Europa, esperava encarar anos de crescimento duradouro.
Num ambiente político, todavia, muito diverso daquele de 2016.
Mais fragmentado e mais complexo.
Conhecendo a chegada ao sistema de novas forças políticas e sociais, anunciadas desde a Primavera de 2018.
Onde a economia deixava antever tempos mais propícios, a política sugeria tempos menos previsíveis.
Foi então que, há um ano, entre nós, começou a pandemia, que não mais deixaria de fustigar tudo e todos.
Um ano demolidor para a vida e a saúde, o emprego e os rendimentos, os planos e as realizações, as comunidades, as famílias, as pessoas, cada um de nós.
À pandemia na vida e na saúde, juntou-se a pandemia na economia e na sociedade.
O heroísmo deixou de ser coisa de um instante.
Passou a ser de um ano.
Quase interminável.
Mais difícil, mais estoico, mais valioso.
Por isso é justa a indignação dos sacrificados pelas duas pandemias.
Mas, também por isso, é parcialmente injusta a recriminação feita a tudo o que não se antecipou, não se evitou, não se resolveu.
Nuns casos era possível, noutros não seria.
Os trucidados pelas pandemias têm o direito a ver o poder existente, ao mesmo tempo, como tábua de salvação e como muro das suas legítimas lamentações.
Os responsáveis durante as pandemias só podem assumir tudo - o possível e o impossível -, sabendo que nada nem ninguém pode dar, a quem perdeu o irreparável, o que não tem preço nem tem retorno.
Portugueses,
Nenhum dos que aqui estivemos no dia 9 de março de 2016 terá antevisto o que é, hoje, o dia 9 de março de 2021.
Nem o confinamento lá fora, nem o distanciamento cá dentro, nem a esperança - apesar de tudo - renovada e imbatível num futuro melhor.
Pela primeira vez, em democracia, um Presidente da República toma posse em estado de emergência, perante uma Assembleia da República que nunca deixou de funcionar, ao serviço dos Portugueses.
E, por essa determinação, agradeço a Vossa Excelência Senhor Presidente, a V. Exas. Senhoras e Senhores Deputados o exemplo de dedicação à Democracia.
Nunca aceitando calá-la, nunca aceitando suspendê-la, nunca aceitando fazê-la refém.
Que seja esta a primeira lição do dia de hoje.
Vivemos em Democracia, queremos continuar a viver em Democracia, e em Democracia combater as mais graves pandemias, preferimos a liberdade à opressão, o diálogo ao monólogo, o pluralismo à censura.
E demonstrámo-lo realizando duas eleições em pandemia, de uma das quais resultou a subida da oposição ao Governo.
Isto é democracia.
Mas queremos também melhor Democracia.
Onde a liberdade não seja esvaziada pela pobreza, pela ignorância, pela dependência ou pela corrupção.
Onde a inclusão, a tolerância, o respeito por todos os Portugueses - para além do género, do credo, da cor da pele, das convicções pessoais, políticas e sociais - não sejam sacrificados ao mito do português puro, da casta iluminada, dos antigos e novos privilegiados.
Queremos uma Democracia que seja ética republicana na limitação dos mandatos, convergência no regime e alternativa clara na governação, estabilidade sem pântano, justiça com segurança, renovação que evite rutura, antecipação que impeça decadência, proximidade que impossibilite deslumbramento, arrogância, abuso do poder.
Assegurá-lo é a primeira prioridade do Presidente da República para estes cinco anos.
A segunda lição desta posse em estado de emergência é ainda mais evidente do que a primeira: vivemos em pandemia sanitária.
E quanto a essa pandemia que mudou radicalmente a nossa vida, sabemos todos o que queremos.
Queremos encurtá-la e não alongá-la.
Estancar o número dos nossos mortos.
Baixar a contaminação.
Ampliar a vacinação, a testagem e o rastreio.
Evitar nova exaustão das estruturas de Saúde e dos seus heróis.
Queremos desconfinar com sensatez e sucesso, reduzir o temor, reforçar a confiança, recuperar os adiamentos nos doentes não COVID, estabilizar o Serviço Nacional de Saúde, permitir, de forma duradoura, a reconstrução da vida das pessoas.
Esta é a segunda prioridade - e a mais imediata - do Presidente da República.
Porque para os próximos meses.
Em espírito da mais ampla unidade possível, num tempo de inevitáveis cansaço e ansiedade.
A terceira missão prioritária do Presidente da República cobre não apenas 2021, mas também os anos que se seguem.
Durante esse tempo, inevitavelmente mais longo, teremos de reconstruir a vida das pessoas.
Que é tudo ou quase tudo - emprego, rendimentos, empresas, mas também saúde mental, laços sociais, vivências e sonhos.
É mais, muito mais do que recuperar, ou seja, regressar a 2019, ou a fevereiro de 2020.
E essa é a terceira lição deste ano.
Para isso, queremos manter e aperfeiçoar as medidas para a sobrevivência imediata do tecido social e do tecido económico e sua mais rápida reconstrução.
Como queremos usar os Fundos europeus com clareza estratégica, boa gestão, transparência e eficácia, na resiliência social, na qualificação, na transição energética, no digital, mas nunca esquecendo o que a pandemia desvendou de problemas de fundo - de competitividade económica, de saúde, de solidariedade social de sua articulação -, ou convidou a revisitar - reforma administrativa, Justiça e luta contra a corrupção, papel das Forças Armadas, Forças de Segurança, proteção civil, bombeiros, descentralização - toda aquela que os portugueses quiserem -, instituições de solidariedade social, movimentos associativos, formas de trabalho.
Só haverá, porém, verdadeira reconstrução se a pobreza se reduzir, os focos de carência alimentar extrema desaparecerem, as desigualdades se esbaterem, a exclusão diminuir, a clivagem entre gerações e entre territórios for superada.
A coesão social é a quarta missão prioritária do Presidente da República.
A pandemia fez ressaltar a existência de vários Portugais, cada vez mais distantes entre si, todos eles dentro do mesmo Portugal: urge reconstruir um só Portugal.
Queremos mais crescimento, e, para isso, investimento, exportações e mercado interno.
Mas queremos, no entanto, mais do que isso: políticas que corrijam o que a liberdade, a concorrência e o mercado, de per si, não permitem corrigir e que se agravou, drasticamente, com a pandemia.
Reconstruir a vida das pessoas sem economia a crescer é impossível.
Mas reconstruí-la só com a economia, sem corrigir as desigualdades existentes, é reconstruir menos para todos, porque sobretudo para alguns privilegiados.
Uma última lição dos meses que atravessamos é a de que não há ilhas no universo.
E nós, Portugal, somos tudo menos uma ilha.
Fraternidade lusófona, integração europeia, relacionamento transatlântico, estreitamento euro-africano e ibero-americano, aberturas a Oriente, mais solidariedade, multilateralismo, valorização das organizações internacionais, aposta continuada nas chamadas novas fronteiras - e os Oceanos são-no, desde sempre, para nós -, eis o apelo do futuro, contra o medo do diferente, do diverso, do complementar.
A quinta missão do Presidente da República é aprofundar a nossa vocação para plataforma entre culturas, civilizações, oceanos e continentes - simbolizada pela eleição e pela desejável reeleição de António Guterres e pela abertura a todos os azimutes da Presidência Portuguesa no Conselho da União Europeia -, afirmar a unidade nacional com a salutar especificidade das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, acalentar a participação da nossa Diáspora, construtora de Portugais fora do território físico mas dentro do território espiritual que é o nosso, valorizar as nossas políticas externa e de defesa.
E as nossas Forças Armadas.
É, no fundo, afirmar um sempre renovado patriotismo.
Um patriotismo das pessoas.
E não apenas do lugar, da memória, dos usos, das instituições.
Um patriotismo do futuro.
Que os mais jovens assumem como ninguém.
Contra ventos e marés.
Contra pandemias, na vida e saúde, na economia e na sociedade.
E, por isso mesmo, eles, jovens têm pressa.
Pressa de ver Portugal mais justo, mais competitivo, mais intergeracional.
Não se satisfazem com as cinco missões nacionais e presidenciais para os próximos cinco anos.
Nem apenas com as promessas de resposta, às suas angústias na educação, no emprego, na habitação, no projeto de vida.
Esperam mais e mais depressa.
Para eles e para todos os Portugueses.
E desde já, num Portugal desigual e envelhecido, esperam mais e melhor Serviço Nacional de Saúde, peça-chave da nossa Democracia Social.
Num Portugal pouco competitivo, esperam mais e melhores condições às empresas para usarem, em pleno, os Fundos europeus, atraírem investimento e enfrentarem, com sucesso, a competição externa, cá dentro e lá fora.
Num mundo em aceleração, esperam ainda mais e melhor liderança portuguesa na luta pela ação climática.
Três causas concretas que independentemente de rótulos são todas elas nacionais e urgentes.
Portugueses,
Resta lembrar o óbvio.
Sou o mesmo de há cinco anos.
Sou o mesmo de ontem.
Nos mesmos exatos termos, eleito e reeleito, para ser Presidente de todos Vós.
Com independência, espírito de compromisso e estabilidade, proximidade, afeto, preferência pelos excluídos, honestidade, convergência no essencial, alternativa entre duas áreas fortes, sustentadas e credíveis, rejeição de messianismos presidenciais - no exercício de poder ou na antecipada nostalgia do termo desse exercício - no respeito pela diferença e pelo pluralismo, na construção da Justiça Social, no orgulho de ser Portugal e de ser Português.
Foi assim, assim será.
Com qualquer maioria parlamentar.
Com qualquer Governo.
Antes e depois das eleições autárquicas.
Antes e depois das eleições parlamentares.
Antes e depois das eleições europeias.
Antes e depois dos cinquenta anos do 25 de Abril, em 2024.
Que os próximos cinco anos possam ser mais razão de esperança do que de desilusão é o nosso sonho.
E é o nosso propósito.
Um ano decorrido sobre tanto luto, tanto sacrifício, tanta solidão.
Temos de acreditar.
Vamos acreditar.
Como escrevia Sophia de Mello Breyner: "Apesar das ruínas e da morte, / Onde sempre acabou cada ilusão, / A força dos meus sonhos é tão forte, / Que de tudo renasce a exaltação / E nunca as minhas mãos ficam vazias.
".
Nunca as nossas mãos ficarão vazias!
Concidadãos -- O povo, o exército e a armada nacional, em perfeita comunhão de sentimentos com os nossos concidadãos residentes nas províncias, acabam de decretar a deposição da dinastia imperial e conseqüentemente a extinção do sistema monárquico representativo.
Como resultado imediato desta revolução nacional, de caráter essencialmente patriótico, acaba de ser instituído um governo provisório, cuja principal missão é garantir, com a ordem pública, a liberdade e os direitos dos cidadãos.
Para comporem esse governo, enquanto a nação soberana, pelos seus órgãos competentes, não proceder à escolha do governo definitivo, foram nomeados pelo chefe do poder executivo da nação os cidadãos abaixo assinados.
Concidadãos -- O governo provisório, simples agente temporário da soberania nacional, é o governo da paz, da liberdade, da fraternidade e da ordem.
No uso das atribuições e faculdades extraordinárias de que se acha investido para a defesa da integridade da pátria e da ordem pública, o governo provisório, por todos os meios a seu alcance, permite e garante a todos os habitantes do Brasil, nacionais e estrangeiros, a segurança da vida e da propriedade, o respeito aos direitos individuais e políticos, salvas, quanto a estes, as limitações exigidas pelo bem da pátria e pela legitima defesa do governo proclamado pelo povo, pelo exército, pela armada nacional.
Concidadãos -- As funções da justiça ordinária, bem como as funções da administração civil e militar, continuarão a ser exercidas pelos órgãos até aqui existentes, com relação aos ato na plenitude dos seus efeitos; com relação às pessoas, respeitadas as vantagens e os direitos adquiridos por cada funcionário.
Fica, porém, abolida, desde já, a vitaliciedade do senado e bem assim abolido o conselho de estado.
Fica dissolvida a câmara dos deputados.
Concidadãos -- O governo provisório reconhece e acata todos os compromissos nacionais contraídos durante o regime anterior, os tratados subsistentes com as potências estrangeiras, a dívida pública externa e interna, os contratos vigentes e mais obrigações legalmente estatuídas.
Tendo assumido o governo do Estado nos termos da Constituição e por convite do generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca, que espontaneamente resignou o poder na manhã de 23 deste mês, cumpre-me expor ao País o pensamento geral que me ha de inspirar na administração pública.
São conhecidos os fatos que se realizaram nesta cidade e no seu porto durante a noite de 22 e na manhã do dia seguinte, precedidos de levantamento do heróico estado do Rio Grande do Sul, e atitude francamente hostil do estado do Pará.
A armada, grande parte do exercito e cidadãos de diversas classes promoveram pelas armas o restabelecimento da Constituição e das leis suspensas pelo decreto de 3 deste mês, que dissolveu o Congresso Nacional.
A historia registrará esse feito cívico das classes armadas do País em prol da lei, que não pode ser substituída pela força; mas ela registrará igualmente o ato de abnegação e patriotismo do generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca resignando o poder afim de poupar a luta entre irmãos, o derramamento do sangue de brasileiros, o choque entre os seus companheiros de armas, fatores gloriosos do imortal movimento de 15 de novembro, destinados a defender, unidos, a honra nacional e a integridade da pátria contra o estrangeiro e a defender e garantir a ordem e as instituições republicanas no interior do País.
Esses acontecimentos que não têm muitos modelos nos anais da humanidade e dos quais podemos nos gloriar, como justamente nos gloriamos das duas revoluções pacificas que operaram pela República a transformação de todo nosso direito político e pela abolição do elemento servil, a transformação do trabalho nacional atestarão aos vindouros o amor do povo, da marinha e do exército pelas liberdades constitucionais, que formam e enobrecem a vida das nações modernas.
O pensamento da revolução de 23 do corrente, que determinou a renúncia do generalíssimo Deodoro da Fonseca, foi o restabelecimento da Lei.
Manter a inviolabilidade da Lei, que é ainda mais necessária nas sociedades democráticas, como um freio às paixões, do que mesmo nos governos absolutos pelas tradições de obediência pessoal, que os constituem, será para mim e meu governo sacratíssimo empenho, como sê-lo-á respeitar a vontade nacional e a dos Estados em suas livres manifestações sob o regime federal.
Em respeito, pois, à lei fundamental e concretizando o pensamento da revolução triunfante, cumpro o dever de considerar nulo o ato de 3 deste mês, pelo qual foi dissolvido o Congresso Nacional, levantar o estado de sítio nesta capital e em Niterói e restabelecer todos os direitos e garantias constitucionais.
A administração da fazenda pública com a mais severa economia e a maior fiscalização no emprego da renda do Estado será uma das minhas preocupações.
Povos novos e onerados de dívidas nunca foram povos felizes, e nada aumenta mais as dívidas dos estados do que as despesas sem proporção com os recursos econômicos da nação, com as forças vivas do trabalho, das indústrias e do comércio, o que produz o desequilíbrio dos orçamentos, o mal-estar social, a miséria.
Espero que, fiscalizada e economizada a fazenda pública, mantida a ordem no País, a paz com as nações estrangeiras sem quebra da nossa honra e dos nossos direitos, animado o trabalho agrícola e industrial e reorganizado o regime bancário, os abundantes recursos do nosso solo vaporizarão progressivamente o nosso meio circulante, depreciado para as permutas internacionais, e fortificarão o nosso crédito no interior e no exterior.
No governo do Estado, que foi-me conferido pela Constituição, confio da retidão de sua consciência para promover o bem da pátria.
Da confiança do povo, do exercito e da marinha espero não desmerecer.
Das forças de terra e mar conheço o valor realçado pela disciplina e pelo respeito aos direitos da sociedade civil.
Admirei e admiro os meus bons companheiros na guerra e na paz.
A coragem e a constância que mostraram nos combates se transformaram nos anos de paz, que temos fruído, no amor da Liberdade e da República, que com o povo fundaram e com ele querem manter e consolidar.
O povo que sabe e quer ser livre, deve igualmente respeitar a ordem, primeira condição da Liberdade e da riqueza.
Na grandiosa oficina em que se trabalha no progresso da pátria não há vencidos nem vencedores, grandes ou pequenos.
São todos operários de uma obra comum.
A essa obra dedicarei todo o meu esforço, para esse trabalho peço e espero o concurso de todos os brasileiros.
São estes os intuitos que me dominam, e que julguei dever expor ao País.
Assumindo hoje a Presidência da República, obedeço à resolução da soberania nacional, solenemente enunciada pelo escrutínio de Io de Março.
Aceitando este elevado cargo, que não pretendi por julgá-lo muito superior às minhas forças, especialmente na atual situação, submeto-me a imperioso dever patriótico, e não pouparei esforços nem sacrifícios para corresponder à extraordinária prova de confiança de meus concidadãos, manifestada de modo inequívoco no pleito eleitoral mais notável da vida nacional.
Cumpre-me, neste momento, manifestar à nações quais os princípios e normas que me guiarão no desempenho da honrosa, mas difícil missão que me foi imposta.
O lustro de existência, que hoje completa a República brasileira, tem sido de lutas quase permanentes com adversários de toda a espécie, que têm tentado destruí-la, empregando para isso todos os meios.
Como expressão concreta desse período de funestas dissensões e lutas, rememoro com amargura a revolta de 6 de Setembro do ano próximo passado.
Essa revolta, que foi o mais violento abalo de que se podia ressentir o regime proclamado a 15 de Novembro de 1889, iniciada sob o pretexto de defender a Constituição da República e de libertar a Pátria do jugo de uma suposta ditadura militar, reuniu, sob a sua bandeira, todos os elementos adversos à ordem e à paz pública, concluindo por caracterizar-se em um movimento formidável de ataque às instituições nacionais, arvorando o estandarte da restauração monárquica.
Mas, por isso mesmo que essa luta tremenda foi travada pela coligação de todos os inimigos, a vitória da República foi decisiva para provar a estabilidade das novas instituições, que tiveram para defendê-las a coragem, a pertinácia e a dedicação do benemérito Chefe de Estado, auxiliado eficazmente pelas forças militares de terra e mar, -- fiéis à Constituição a 6 de Setembro de 1893 -- como a 23 de Novembro de 1891 ,-- pelo concluso entusiasma da mocidade das escolas --, da guarda nacional, dos batalhões patrióticos e da polícia, e pela solidariedade unânime dos Estados da União, cujo apoio foi de extraordinário valor.
Essa revolta que, durante tantos meses, --.
substituindo a paz e o trabalho por lutas fratricidas, -- perturbou a vida nacional e causou enormes males, danificando a fortuna publica e particular, produziu entretanto o grande beneficio de convencer ainda aos mais incrédulos de que a forma republicana, tal como está consagrada na Constituição de 24 de Fevereiro, é indubitavelmente a que tem de reger para sempre os destinos do Brasil, porque é no seu admirável mecanismo que está a mais segura garantia da harmonia permanente entre a unidade nacional e a vitalidade e expansão da forças locais.
A República está, pois, firmada na consciência nacional; -- lançou raízes tão fundas que jamais será daí arrancada.
Ao passo que a monarquia caiu sem a menor resistência, não obstante haver dominado o país durante setenta anos com o seu regime centralizador, -- a Republica, apesar de sua curta e perturbada existência, defendeu-se heroicamente e venceu a poderosa revolta restauradora, porque tinha a seu lado a opinião nacional, manifestada pelo consenso unânime dos Estados, que, havendo experimentado a influencia benéfica da autonomia, que lhes deu o novo regime, não se sujeitarão jamais à retrogradar á condição de províncias sem recursos, manietadas em seu desenvolvimento pelas peias atrofiantes da centralização.
Os adversários das novas instituições devem estar desiludidos: segura pela poderosíssima ancora da federação, a República resistirá a todas as tempestades que contra ela se desencadeiem, por mais fortes e violentas que sejam.
As constantes agitações que, no primeiro qüinqüênio, perturbaram a vida da República não causaram surpresa; eram previstas corno conseqüências da revolução de 15 de Novembro.
Não se realizam revoluções radicais, substituindo a forma de governo de uma nação, sem que nos primeiros tempos as novas instituições encontrem a resistência e os atritos, motivados pelos interesses feridos pela revolução, que embaraçam o funcionamento regular do novo regime.
Foi o que aconteceu ao Brasil.
Felizmente, graças a altitude patriótica, pertinaz e enérgica do marechal Floriano Peixoto, secundado pela grande maioria da nação, -- parece estar encerrado em nossa pátria o período das agitações, dos pronunciamentos e das revoltas, que lhe causaram danos inestimáveis, sendo muitos deles irreparáveis.
Nesta situação, exige o patriotismo que todos os brasileiros, especialmente os depositários do poder publico, contribuam com seus esforços dedicados e perseverantes para conseguirem que a República seja o que deve ser -- um regime de paz e de ordem, de liberdade e de progresso, sob o império da justiça e da lei.
Essa é a ardente aspiração nacional, manifestada no escrutínio de I.o de Março, porque só assim será possível a reparação, ainda que lenta, dos danos sofridos pelo país.
Na esfera de minhas atribuições esforçar-me-ei pela realização desse desideratum, observando estas normas e princípios.
-- Execução fiel do regime livre e democrático adotado pela constituição de 24 de Fevereiro, firmando e mantendo escrupulosamente a autonomia dos Estados harmônica com a soberania da União e a independência e o mutuo respeito dos poderes instituídos como órgãos d'essa soberania;
-- Respeito ao exercício de todas as liberdades e garantias constitucionais, mantendo concorrente e energicamente a obediência à lei e o prestígio da autoridade, condições indispensáveis para assegurar a ordem e o progresso;
-- Administração da Fazenda Pública com a máxima fiscalização na arrecadação e no emprego da renda e com a mais severa e perseverante economia, reduzindo a despesa de modo a equilibrá-la com a receita, extinguindo assim o déficit do orçamento, convertido este em realidade;
-- Pontualidade na satisfação dos compromissos sucessivos, que desde passado remoto tem-se acumulado em ônus pesadíssimos a transmitirem-se de geração a geração; e resgate gradual da moeda fiduciária para elevar o seu valor depreciado;
-- Animação à iniciativa particular para a exploração e desenvolvimento da agricultura e das indústrias, e introdução de imigrantes que, povoando o nosso vasto território, fecundem com o trabalho as suas riquezas inesgotáveis;
-- Garantia eficaz à plena liberdade do sufrágio, base fundamental da democracia representativa;
-- Manutenção da ordem e da tranqüilidade no interior e da paz com as nações estrangeiras, sem sacrifício de nossa dignidade e de nossos direitos, cultivando e desenvolvendo as relações com as nações amigas.
Obedecendo a este programa, espero poder contribuir para o bem-estar e para a felicidade de nossa Pátria.
Conheço e avalio bem os grandes embaraços e dificuldades de toda a ordem com que terei de lutar no desempenho de minha árdua missão; -- desanimaria, se não me sentisse apoiado pela nação e se não contasse com a cooperação patriótica de cidadãos dos mais ilustrados e competentes.
Como era fácil prever, os tristes acontecimentos a que aludi, tendo abalado e perturbado profundamente a vida nacional durante muitos meses, -- agravaram bastante a nossa má situação política e financeira.
Os germens da insubordinação e da anarquia expandiram-se e os compromissos do Tesouro foram grandemente aumentados com as despesas extraordinárias, que se tornaram indispensáveis.
Mas, restabelecida a paz em condições de estabilidade, mantida a ordem no país -- pelo respeito à lei e pelo prestígio da autoridade, restaurada a confiança do capital e do trabalho para promoverem a expansão da agricultura, das indústrias e do comércio, fiscalizada e severamente economizada a fazenda pública, -- os inexauríveis recursos do nosso riquíssimo solo aliviarão progressivamente o Tesouro da opressão dos encargos atuais, valorizando correspondentemente o nosso meio circulante e erguendo no interior e no exterior o nosso crédito.
É esse o caminho que nos levará com segurança à situação de prosperidade e grandeza a que está destinada a nossa Pátria.
O governo, que ora inicia a penosa jornada por esse caminho, fortalecido pelo apoio nacional, não se desviará dele, tendo por seus únicos e seguros roteiros -- a justiça e a lei e por seu único alvo -- a felicidade da Pátria.
Ao assumir o governo da República, cheio de confiança nos poderosos elementos de vitalidade nacional e seguro da dedicação patriótica dos meus concidadãos, cumpre-me expor à Nação, com sinceridade e clareza, todo o meu pensamento na direção dos seus altos destinos.
Em presença das urnas, quando o eleitorado brasileiro precisava conhecer para escolher, falei a linguagem franca e leal, que me ditava a consciência e me aconselhava o patriotismo.
Investido do poder, venho trazer ao país, sob o império dos mesmos sentimentos, a ratificação solene de todos os meus compromissos.
Elevado a este posto de honrosa confiança e de incomensurável responsabilidade, apraz-me acreditar que, o que pretendeu o voto popular, nos comícios de 1o de março, foi colocar no governo da República o espírito republicano, na sua acentuada significação.
E esse intuito é naturalmente presumível, dada a índole do nosso regime, que, com a responsabilidade unipessoal, preferiu eliminar a política de uma coletividade para concentrá-la na pessoa da suprema autoridade, em quem reside constitucionalmente o critério que dirige, delibera e aplica.
Mas se os meus antecedentes, em que se caracteriza a firmeza republicana, puderam dar semelhante sentido ao sufrágio da Nação, eles mesmos responderão, como seguro penhor, pela correção da minha conduta no desempenho do mandato.
Com efeito, tendo tomado a minha parte de responsabilidade, primeiro na preparação do sentimento republicano e depois na fundação do organismo institucional da República, não perdi jamais de vista o dever, imposto pela honra política e estimulado pelo próprio patriotismo, de consagrar, na sua conservação, todas as energias e toda a perseverança de uma crença inabalável.
Temos, felizmente, chegado ao momento em que a existência da República Brasileira não é, não pode mais ser objeto de apreensões nem sobressaltos para o espírito nacional.
Coube-me a fortuna de vê-la acolhida com as mais penhorantes mostras de afetuosa simpatia por povos e governos estrangeiros, cujos sentimentos, traduzidos por atos reiterados de delicada cortesia são todos pela prosperidade da nossa pátria, com a qual eles se acham estreitamente relacionados por laços de ordem moral e econômica, que se formaram na reciprocidade de consideráveis e legítimos interesses.
Firmou-se, portanto, dentro e fora do país, a crença indestrutível de haver a República aqui fundado o seu "domicílio perpetuo".
É minha convicção por vezes revelada, que as violentas comoções por que tem passado o país e que têm sido, para todos os povos, o invariável legado das grandes transformações políticas ou sociais, têm todavia deixado através dos seus efeitos perniciosos a prova irrecusável de que a forma Republicana, tal como a concebeu a Constituição de 24 de Fevereiro, é positivamente a que tem de reger para sempre os destinos da Nação Brasileira, pois que é no seu admirável organismo que reside a mais sólida garantia de perpétuo acordo entre a unidade nacional e a vitalidade das forças locais.
Não há, pois, desse lado, perigos a debelar.
As forças sociais -- as únicas que asseguram as vitórias fecundas e garantem a perpetuidade das conquistas morais -- estão definitivamente arregimentadas ao lado da República.
A revolução a proclamou, a perseverança republicana a consolidou e agora responde por ela a vigilante solicitude do sentimento nacional.
Temos, enfim, chegado ao momento em que as estreitezas do exclusivismo, que a situação geral do país não comporta, devem ceder o lugar aos largos horizontes de uma política nacional, de tolerância e concórdia, que abra caminho à convergência de todos os esforços para o bem da Pátria, generoso e nobre ideal, em torno do qual pode-se concertar a solidariedade de todos, sem todavia melindrar a dignidade de um só.
Não é que eu pense que os partidos não devam subsistir.
Ao contrário, no regime democrático, que se caracteriza pelo contraste das opiniões, como precioso fruto da livre manifestação do pensamento, eles são necessários para assegurar o equilíbrio político, garantindo o progresso nacional pela sucessão dos princípios no governo, uma vez que saibam exercer uma ação prudente, tolerante e disciplinada ao serviço de intuitos patrióticos.
O que deve ser proscrito, porque é um mal social e um grave embaraço às soluções do presente, é o espírito partidário com as suas paixões e violências, ora perturbando a evolução benéfica das idéias, ora contrapondo-se ao desdobramento tranqüilo da atividade governamental.
É indispensável, é forçosamente preciso que, pesando cada um conscienciosamente a sua responsabilidade e medindo a extensão dos males que os acontecimentos têm acarretado à República, façamos apelo às energias do nosso próprio patriotismo para dar como definitivamente encerrada a fase angustiosa das perturbações esterilizadoras e, ao mesmo tempo, aberto o fecundo período das grandes reparações.
Urge também que, ao influxo de iguais sentimentos, elevemos as nossas vistas além dos estreitos limites que encerram os interesses locais, para que o espírito público não mais se agite senão em torno das grandes e pesadas necessidades que oprimem a União, abatendo o nosso valor moral.
Como quer que seja, afirmarei desde já que é assim que compreendo a minha alta missão e é sob o influxo destes princípios que estou firmemente resolvido a agir no desempenho das minhas funções constitucionais.
O homem chamado ao papel de árbitro -- ouvi este elevado conceito a um grande espírito, também num posto de alta responsabilidade -- deve fazer calar as suas preferências e elevar-se acima da sua própria fé.
Isento das paixões do espírito de partido, a autoridade que vou exercer será posta ao serviço exclusivo da Nação.
Entretanto, não basta o esforço isolado do Executivo para o bom governo da República.
Na coexistência de outros órgãos de soberania, segundo a estrutura constitucional, a coesão indispensável ao equilíbrio das forças governativas depende essencialmente da ação combinada e harmônica dos três poderes, guardadas entre si as relações de mútuo respeito e de recíproco apoio.
Desde que, sob a influência de funestas tendências e dominado por mal entendida aspiração de supremacia, algum dos poderes tentar levar a sua ação além das fronteiras demarcadas, em manifesto detrimento das prerrogativas de outro, estará nesse momento substancialmente transformada e invertida a ordem constitucional e aberto o mais perigoso conflito, do qual poderá surgir uma crise cujos perniciosos efeitos venham afetar o próprio organismo nacional.
Este perigo é mais para temer-se nas urbanizações novas, sobretudo nas fases que precedem às experiências definitivas, quando ainda não se tem alcançado, por um longo processo de aplicação, estabelecer no próprio terreno, isto é, praticamente, as linhas que separam as respectivas esferas de competência.
Isto indica bem o cuidado, o zelo patriótico, a sincera solicitude, a isenção de ânimo e o sentimento de justiça que, em cada um dos órgãos da soberania nacional, devem presidir o exame e assinalamento das funções respectivas.
Não ceder nem usurpar.
Fora daí, em vez de poderes coordenados, não teremos senão forças rivais, em perpétua hostilidade, produzindo a perturbação, a desordem e a anarquia nas próprias regiões em que paira o poder público para vigiar pela tranqüilidade e pela segurança da comunhão nacional e garantir a eficácia de todos os direitos.
Defendendo intransigentemente e com o mais apurado zelo as prerrogativas conferidas ao poder que vou exercer em nome do sufrágio direto da Nação, afirmo aqui, desde já, o meu mais profundo respeito ante a conduta dos demais poderes, na órbita de sua soberania.
Esta atitude, que será rigorosamente observada, dará forças ao depositário do Executivo para, de seu lado, opor obstinada resistência a todas as tentativas invasoras.
O papel do Judiciário no jogo das funções constitucionais torna mais remotas as suas relações com os outros poderes.
É um poder que não luta; não ataca; não se defende: julga.
Sem a iniciativa que aos outros cabe, a sua ação não se manifesta senão quando provocada.
Fora desta região de paz e pureza, a única em que reina a justiça, o seu prestígio moral desfaz-se ao sopro das paixões.
São mais diretas e mais freqüentes as relações entre o Executivo e o Legislativo.
Estes são os poderes que colaboram em estreita aliança na dupla esfera do governo e da administração; a eles, pois, compete manter, no desdobramento de sua comum atividade, uma contínua e harmônica convergência de esforços a bem da República.
É indiscutível -- pois que é da natureza do regime -- que ao Executivo cabe a iniciativa das medidas legislativas, de caráter administrativo.
É claro, porém, que de nada serviria essa iniciativa, cujo fim é preparar e facilitar a ação conjunta dos demais poderes, se o Legislativo recusasse o seu acordo, tomando orientação diversa ou contrária.
O atual momento assinala-se pela imprescindível necessidade de franca e resoluta cooperação do Legislativo para que seja adotada e posta em execução uma política financeira, rigorosamente adequada às urgentes exigências do Tesouro.
Aí está o ponto culminante da administração.
Espero muito do patriotismo do Congresso Federal e da austeridade do caráter brasileiro para tornar efetivas as providências reclamadas pela nossa situação.
Em um documento, que veio a ter larga publicidade, empenhei a responsabilidade do meu governo na fiel execução do acordo financeiro celebrado em Londres.
Mais do que a minha responsabilidade, está nisso empenhada a própria honra nacional.
A nossa situação reclama soluções definitivas.
Não podemos deliberar uma só despesa, nem tolerar as que sejam adiáveis, antes de termos posto ordem nos nossos negócios e regulado as nossas contas.
Repito: trata-se de cumprir um dever de honra e não há sacrifícios que devam fazer-nos esmorecer.
Nunca se tornou mais necessária a cooperação do Legislativo.
Os negócios da União a reclamam.
De resto, não se perca jamais de vista que os membros do Congresso Federal não são advogados de interesses localizados em determinadas circunscrições.
Eles representam antes de tudo e acima de tudo a Nação, cujos grandes destinos foram confiados à sua solicitude patriótica.
Cumpre proscrever, em definitiva, a política particularista que, podendo até certo limite ter sido justificada pela centralização opressora do regime decaído, não se ajusta absolutamente aos amplos moldes do sistema federativo.
A missão do representante do Estado, hoje, diversifica consideravelmente na sua natureza e nos seus intuitos, daquela que incumbia ao representante da província, outrora.
Vai de uma à outra a enorme distancia que medeia entre a centralização e a federação.
Na avarenta partilha organizada pelo regime centralista da monarquia, a província, espoliada de todos os recursos, era forçada a bater freqüentemente à porta do Tesouro do Império, conduzida à mão, como mísera mendiga, pêlos seus mais solícitos representantes.
Hoje, porém, que o Estado se acha generosamente dotado dos opulentos recursos que lhe faculta o art. 9° da Constituição da República, gozando ao mesmo tempo das amplitudes da mais vasta autonomia, dentro da qual pode garantir a máxima intensidade às suas forças produtoras, o que convém e o que é reconhecidamente necessário é aliviar-se a União, na medida constitucional, dos encargos administrativos que por sua natureza devam passar à responsabilidade dos poderes estaduais.
É este o critério único que deve dirigir a conduta do representante no seio do Congresso Federal.
Outro é o papel dos Estados.
Valiosa colaboração está-lhes reservada na obra de reparação que preocupa os poderes da União.
A restauração financeira, supremo objetivo do momento, para que seja sólida e duradoura, depende essencialmente de uma profunda reconstituição das forças econômicas, de tal sorte que os agentes da riqueza nacional possam atingir à sua maior capacidade produtora, servindo de base a todas as vantagens que possam ser alcançadas nas relações do comércio internacional.
O estado monetário de um país, segundo opinião autorizada e apoiada na observação de um valiosíssimo exemplo, depende menos da sua legislação do que da sua situação econômica.
Ela é preparada e mantida antes pela agricultura, pelo comércio e pela indústria do país, do que pelas leis que o regem.
É preciso produzir.
O problema da produção, nos países novos, está intimamente ligado ao problema do povoamento.
Mas a constituição transferiu aos Estados as terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios.
Quer isto dizer que os dois problemas se acham constitucionalmente afetos à competência do poder estadual, na sua parte essencial.
Aí desenha-se, portanto, na sua maior nitidez, o vasto campo em que pode desenvolver-se a atividade administrativa dos Estados, na mais fecunda colaboração pela prosperidade da República.
Desde que a indústria indígena, acrescenta a autoridade já referida, chega a alimentar o consumo interno e oferece sobras para a exportação, ela consegue não só impedir que o capital nacional vá ser despendido no estrangeiro, como ainda atrair a imigração do capital estrangeiro.
É então que se estabelece a melhor situação monetária, qualquer que seja a legislação.
Nos vastos domínios da competência estadual há, pois, espaço bastante para o desenvolvimento desta política prática e fecundante, simultaneamente favorável ao progresso da riqueza sdos Estados e à consolidação das finanças da União.
Serão outros tantos interesses a fortificar os vínculos da unidade nacional, sob a influência vivificante do regime federativo.
À comunidade de raça, de tradições históricas, de língua e de religião, gerando a coesão do sentimento nacional, é preciso acrescentar a comunidade econômica e financeira, fortalecendo os vínculos de solidariedade entre a União e os Estados.
Faço, portanto, consistir na nossa constituição econômica a base de nossa regeneração financeira.
Evidentemente muito resta ainda a fazer para constituir a riqueza nacional na medida dos vastos recursos naturais que o país possui.
A posição do café nos mercados de consumo, quando esse é o principal produto de exportação, denuncia claramente um considerável decrescimento do nosso poder econômico.
Sendo, como é, da maior gravidade este fato, todavia é ele de natureza, antes a provocar a atenção previdente dos brasileiros, do que a produzir-lhes desalentos.
O que cumpre, em semelhante emergência, é não fechar os olhos à evidencia, nem procurar lutar em vão por meios artificiais, contra a natureza das coisas, mas sim, encarar o problema com coragem e energia, obedecendo às leis naturais.
Mas, o que sobretudo agrava as preocupações do poder público neste difícil momento, pelo seu caráter extremamente urgente, é a intensidade da crise financeira.
ela resulta de erros gravíssimos, que vêm de longe, acumulando progressivamente os encargos dos seus pesados efeitos, que cumpre reparar quanto antes pelos meios mais adequados e pelos processos mais prontos, começando por assinalar as suas causas preponderantes, que são entre outras: O protecionismo inoportuno e por vezes absurdo em favor de indústrias artificiais, à custa dos maiores sacrifícios para o contribuinte e para o tesouro; -- a emissão de grandes massas de papel inconvertível, causando profunda depressão no valor do meio circulante ; -- os déficits orçamentários criados pelo funcionalismo exagerado, pelas despesas de serviços de caráter puramente local, pelo aumento contínuo da classe dos inativos; -- as despesas extra-orçamentárias provenientes dos créditos extraordinários abertos pelo Executivo e das leis espaciais votadas pelo Congresso ; -- as indenizações por sentenças judiciais, que sobem todos os anos a somas avultadas ; -- as despesas determinadas por comoções intestinas; -- os compromissos resultantes dos montepios e dos depósitos, dada a prática de considerar como rendas ordinárias os valores que procedem dessas instituições; -- o aumento constante da divida flutuante, que se origina dos próprios déficits, e conseqüente aumento da divida consolidada; -- a má arrecadação das rendas publicas; -- o efeito moral da má política financeira, acarretando o descrédito; -- o conseqüente retraimento da confiança dos capitais no país e no estrangeiro; --a especulação que neste meio se desenvolve como as parasitas em organismo em decadência; -- finalmente, a baixa da taxa cambial, síntese e expressão de todos os erros.
A resumida indicação das múltiplas causas que perturbam a situação financeira e econômica do país e que aí fica, denuncia também a necessidade das medidas complexas, que urgentemente devem ser adotadas para uma solução definitiva.
Agir com prontidão, energia e perseverança sobre todos os elementos que acabo de apontar como agentes de nossa decadência econômica e financeira, abandonando a política dos expedientes e dos adiamentos para tomar francamente a política das soluções, é em suas linhas gerais o programa do meu governo.
Não vejo outro caminho, seguro e honesto, que possa conduzir ao restabelecimento das relações normais com os credores da República, suprema aspiração que o brio e a honra nos impõem.
Mas, a política financeira, tal como a temos adotado, para que possa tomar o seu natural desenvolvimento e atingir aos seus elevados intuitos, reclama desde logo e imprescindivelmente, como condição fundamental, a ordem interna.
Não se governa nem se administra de modo conveniente aos interesses dos povos, desde que a autoridade é forçada a desviar de contínuo a sua atenção para os perigos que ameaçam a tranqüilidade pública.
Felizmente a índole paccífica e ordeira do povo brasileiro tem-se assinalado, no decurso da vida nacional, por largos períodos de perfeita calma, em épocas diversas; e já agora não há quem não veja, na angustiosa experiência trazida pelos sucessos mais recentes, que urge retomar a marcha interrompida e buscar nos inestimáveis benefícios do sossego e da paz o ponto de partida para as soluções que o país aspira ardentemente.
Esta manifestação do sentimento patriótico e do bom senso nacional desperta as mais sólidas esperanças e dissipa, ao mesmo tampo, as apreensões que acaso possam preocupar o poder público.
O governo, por sua vez, acha-se firmemente deliberado a agir, na esfera de sua elevada missão, com a máxima solicitude e com o mais esforçado empenho no sentido de acrisolar e desenvolver este nobre sentimento de ordem, que assim se revela por louvável espontaneidade, assegurando a todos os indivíduos e a todas as classes o valioso conjunto de garantias com que a lei protege a livre expansão de todas as forças sociais.
Bem compenetrado deste dever e na emergência de uma necessidade, declaro que não terei fraquezas nem hesitações na ação repressiva, que as circunstâncias possam reclamar, contra os elementos perturbadores.
Tenho ilimitada confiança na disciplina, na lealdade e no patriotismo das classes armadas, nobres sentimentos esses postos a duras provas, com admirável correção e inexcedível valor, todas as vezes que o serviço da pátria ha reclamado, dentro ou fora das fronteiras.
Com elementos tão seguros, não hesito em prever o êxito do meu programa de ordem e de paz.
No que respeita às relações internacionais, estou certo de corresponder ao sentimento nacional, adotando uma política, cujo mais vivo empenho consista em manter e fortificar os laços de amizade, que felizmente existem entre o Brasil e as demais potências.
Para a realização destes intuitos nem um esforço será poupado, convencido, como estou, de que não há missão mais nobre, nem tarefa mais grata aos que governam, do que a de assegurar a paz.
Na guarda e defesa dos elevados interesses que me estão confiados, jamais perderei de vista que só um programa de confraternidade internacional pode garantir à nação brasileira o lugar de honra a que tem incontestável direito no convívio dos povos cultos.
Num país de imigração, como o nosso, que solicita do estrangeiro o trabalho e o capital, cumpre antes de tudo guardar absoluta fidelidade e rigorosa justiça na execução das leis, pois que é aí que reside a suprema garantia às pessoas e aos interesses estrangeiros.
Grande soma de atritos e reclamações diplomáticas recentes tiraram a sua origem dos desvios da ordem legal, infelizmente motivados por paixões que se desencadearam no meio das agitações intestinas.
Cabe à nossa lealdade reconhecer o fato para corrigi-lo com a inflexibilidade da nossa justiça.
É oportuno fazer solene apelo aos governos dos Estados e às justiças locais a bem da garantia e da eficácia de todos os direitos.
É nisso que repousa a confiança das potências amigas e disso depende também o sucesso de uma política exterior capaz de alargar, no terreno político e comercial, as fronteiras de nossa influência.
Na fase de expansão em que deve entrar o país, como um corolário lógico da obra de regeneração econômica e financeira, a política exterior não pode obedecer à lei de inércia e há de manter intransigência absoluta, altiva e digna, em tudo quanto possa afetar a soberania nacional ou a integridade territorial.
Em relação à outra ordem de interesses, a diplomacia brasileira, isenta de infundados preconceitos, agirá ativamente no empenho de secundar o desenvolvimento de nossa riqueza, favorecendo a abertura de mercados aos nossos produtos de exportação e concorrendo para a maior expansão do nosso comércio internacional.
Esta é hoje a missão mais profícua da diplomacia moderna.
Cabe-me finalmente, registrar, congratulando-me com a Nação, o modo altamente significativo por que recebo das mãos do meu ilustre antecessor o governo da República.
Vê-se bem nessa cordialidade e fina cortesia, que presidem à passagem do governo, sobressair, como sintoma auspicioso e característico da normalidade de nossa existência política, a afirmação da continuidade governativa, tal como a reclamam os interesses permanentes da pública administração e a própria essência do sistema.
Está definitivamente encetada a prática das boas normas, que favorecem a serenidade da sucessão nas regiões do poder, assinalado serviço é esse, que certamente muito contribuirá para elevar o prestígio das instituições democráticas que nos regem.
Quero ver também na nobre conduta do eminente cidadão, por uma feliz identificação com os altos interesses nacionais, o suave reflexo da fraternal convivência de outrora.
Havíamos passado, juntos, a nossa prolongada e trabalhosa vida de combatentes: e hoje, ao impulso dos acontecimentos, encontramo-nos à porta do poder, que, todavia, continua a ser ainda um posto de combate.
Descendo agora do governo, ele vai seguro de poder pedir à paz da própria consciência a única recompensa verdadeira, que em vida alcançam os devotados e bons servidores da Pátria.
Quanto a mim, ao subir as escadas que levam o homem público ao mais alto posto de responsabilidade, não me resta senão pedir às energias da minha própria fé o valor e a fortaleza de ânimo de que careço para este novo combate, certamente o mais temeroso de todos, pela grandeza e pela prosperidade da República.
Assumindo hoje o cargo de Presidente da.
República, para o qual tive a honra de ser eleito em 1o de março do corrente ano, cumpre o dever de afirmar ainda uma vez à Nação o propósito de empenhar toda a minha atividade para corresponder àquela prova elevadíssima de confiança política.
Não ousaria aceitar as grandes responsabilidades inerentes à mais alta magistratura do país, se não me fosse lícito contar com o franco auxílio, a leal cooperação e o incessante patriotismo de todas as classes sociais, a cujos esforços hei de resolutamente aliar os meus, com o pensamento inalterável de promover o bem geral da República.
Inspirando-me nas invariáveis normas da justiça, respeitando e fazendo respeitar todos os direitos, prometo aos meus concidadãos manter no governo o mais largo espírito de tolerância, sem ódios, sem preferências injustas ou odiosas exclusão.
Foi esse o pensamento que tornei público em 23 de outubro do ano passado, expondo com desassombro e firmeza, em documento que teve ampla circulação, as idéias com que me apresentava ante o eleitorado da República, na esperança de seus sufrágios.
Nada me cumpre acrescentar, no momento em que começo a sentir o peso daquelas responsabilidades, ao que tive ocasião de afirmar nesse documento, com relação ao modo de encarar as grandes questões de ordem política e administrativa, que mais interessam à marcha dos negócios púbicos.
A Nação confiou em minha lealdade, consagrando na mais diginficadora manifestação de apreço a sinceridade do meu devotamento ao regime republicano.
Não poderia ambicionar honra mais subida.
O receio que me perturba o espírito é o de não poder tornar bastante intenso o meu esforço para corresponder a tão generosos intuitos.
Não me seduzem os programas aparatosos e sou, por índole, avesso a promessas exageradas.Na ordem dos serviços que provocam naturalmente a atenção dos governos há, entretanto, alguns que considero dignos da maior ponderação e hão de constituir objeto de minha especial solicitude.
A larga discussão que há provocado o importantíssimo trabalho do Código Civil, no seio da representação nacional, tem despertado o máximo interesse em todas as classes ilustradas do país, e foi pelo governo reputada justamente necessária a convocação de uma sessão extraordinária do Congresso Legislativo para o estudo e solução do momentoso assunto.
A velha promessa, consagrada outrora em valioso documento político, da organização de um código de leis civis, converteu-se cm reclamo nacional e deve ser cumprida.
Confiado à sabedoria e competência dos nossos legisladores, é licito esperar que não mais será interrompido esse trabalho, até que se complete, como pedem os interesses da República.
Auxiliarei com o mais vivo empenho todos os esforços que tiverem por fim dotar o país com essa grande obra, que a opinião aguarda com a maior ansiedade.
Dedicando a minha atividade ao desenvolvimento moral e material do país, penso que não mais deverá ser colocada em plano inferior a necessidade do uma boa e sã organização eleitoral, que se funde na verdade do alistamento e na regularidade do processo das eleições.
"Bem assegurada a verdade do alistamento eleitoral, que é a base de uma legítima representação e garantida a liberdade do voto a todas as opiniões, disse a 23 de outubro, o regime republicano há de demonstrar a sua superioridade, impondo silêncio a murmurações e impaciências.
Esse há de ser, sem cessar, em toda parte, bom regime de civismo de liberdade.
".
Clama-se, há bastante tempo, contra o modo por que se operam no país os repetidos pleitos eleitorais, criando-se contra o nosso regime político uma corrente injusta de antipatias, que é preciso combater com vigor.
Os poderes da República, que procedem do voto popular, devem ser indiscutivelmente fortalecidos pela confiança na pureza de sua origem, e nutro sinceramente a convicção de que uma boa lei eleitoral, garantindo o exercício de todos os direitos e dando acesso às urnas a todas as opiniões, nos tranqüilizará com essa segurança.
A questão financeira, o mais difícil problema que teve de ser enfrentado -- e o foi com êxito -- pela fecunda atividade do meu honesto antecessor, entrou em fase de solução pelo restabelecimento dos pagamentos em espécie, havendo cessado a situação excepcional criada pelo funding loan.
Hão de constituir sempre matéria de constantes cogitações para quem governa as condições financeiras de um país de moeda defeituosa, que cumpre valorizar, não podendo o homem de estado esquecer um só momento que as finanças dos povos não se consertam definitivamente sem orçamentos equilibrados com verdade, nem tal regime se poderá firmar sem a prática constante da mais rigorosa economia no dispêndio dos dinheiros públicos.
Finanças perturbadas demandam sempre a continuidade dos esforços que houverem sido aplicados com proveito para a sua completa reparação.
O terreno conquistado, uma vez perdido, constituirá elemento pernicioso para a agravação do mal, que se pretende combater.
Continuarei, portanto, a considerar a situação financeira como um grave problema de governo, empenhando-me quanto possível por melhorá-la.
O desenvolvimento da produção, que é a base da riqueza do país, concorrerá eficazmente para esse desideratum; mas, infelizmente, o nosso estado econômico não apresenta condições de prosperidade, exigindo dos poderes públicos cuidados atentos e vigilantes.
A baixa dos preços dos nossos principais produtos gera quase o desânimo do produtor, que encontra apenas mínima compensação ao seu trabalho.
É lisonjeiro acentuar que as classes interessadas na economia do país se congregam para estudar as suas necessidades e os remédios que possam diminuí-las, assim como trabalham os Estados na decretação de medidas que tendam a remover as causas mais pronunciadas da crise.
Não será indiferente aos poderes públicos um esforço que tão utilmente se aparelha para debelar males que tanto nos afligem.
E os reclamos das classes produtoras -- da lavoura, que ainda há pouco, reunida em congresso nesta Capital, formulou, em síntese clara e com louvável elevação de intuito, as providências que pareciam oportunas em benefício de sua classe -- do comércio, a classe honrada que com tanto sacrifício tem sabido arcar com as mais graves e penosas dificuldades, ambas dedicadas em extremo ao apelo dos governos em auxílio de seus encargos -- hão de repercutir com proveito nos domínios da administração, profundamente interessada em atenuar os efeitos da precária situação em que se acham.
Todos as povos se batem atualmente pela causa de sua produção e de suas indústrias, agitando- se intensamente em favor do produtor e na conquista do melhores mercados.
Os países novos, sem riquezas acumuladas, sem braços abundantes para a cultura de suas terras, sem instituições de crédito que amparem e estimulem o trabalho ou lutando ainda com todos os vícios do uma moeda má, não podem dispensar o apoio tutelar, mas cauteloso, dos poderes públicos e a sua ação benfazeja para animá-los nas fecundas iniciativas em prol do desenvolvimento de sua riqueza.
Não se há de descuidar o governo destes grandes interesses.
Aparelhados por bons elementos naturais, como efetivamente o somos, não conseguiremos, todavia, o nosso fortalecimento econômico sem o concurso do braço e do capital, cuja introdução no país convém promover, afastando com pertinaz diligência todas as causas que puderem embaraçá-la.
Com a devolução das terras para o patrimônio dos Estados, ficou-lhes pertencendo a parte mais importante no trabalho do povoamento do solo e da colonização.
As grandes conveniências da produção e da riqueza prendem-se a esses importantíssimos serviços, aos quais é mister adicionar o que se refere aos instrumentos de transporte para a circulação fácil dos produtos do comércio e da indústria.
Confio grandemente na ação do trabalhador estrangeiro que nos tem trazido a energia de sua atividade e em várias zonas da República é conhecida e louvada a influência do seu concurso fecundo para o desenvolvimento de nossas variadas produções.
Cumprindo animar a corrente já bem estabelecida de braços válidos para nossas terras, apraz-me assinalar que os poderes da República, os da União como os dos Estados, alimentam o mais sincero empenho de convencer o trabalhador, seja qual for a sua procedência, que encontra em nosso país todas as garantias e seguranças.
Aos interesses da imigração, dos quais depende em máxima parte o nosso desenvolvimento econômico, prende-se a necessidade do saneamento desta Capital, trabalho sem dúvida difícil, porque se filia a um conjunto de providências, a maior parte das quais de execução dispendiosa e demorada.
É preciso que os poderes da República, a quem incumbe tão importante serviço, façam dele a sua mais séria o constante preocupação, aproveitando-se de todos os elementos da que puderem dispor para que se inicie e caminhe.
A Capital da República não pode continuar a ser apontada como sede de vida difícil, quando tem fartos elementos para constituir o mais notável centro de atração de braços, de atividades e de capitais nesta parte do mundo.
Os serviços de melhoramento do porto desta cidade devem ser considerados como elementos da maior ponderação para esse empreendimento grandioso.
Quando se consumarem, poder-se-á dizer que a Capital da República libertou-se da maior dificuldade para o sou completo saneamento e o operário bendirá o trabalho que lhe for proporcionado para fim de tanta utilidade.
Não permitem as nossas condições financeiras grandes promessas, que não poderiam aliás ser satisfeitas.
Espero, todavia, poder dedicar especial atenção aos interesses das classes armadas, de terra e mar, procurando acudir às suas mais urgentes necessidades e promovendo os melhoramentos que forem compatíveis com os nossos recursos.
Com os Estados cultivarei sempre as mais francas relações de harmonia, procurando apertar os laços de solidariedade entre todos para que se fortaleça cada vez mais o grande princípio da unidade nacional.
Uma exata subordinação às normas cardeais do nosso estatuto fundamental, para que os poderes da União sejam sem cessar prestigiados e o maior cuidado na decretação de medidas legislativas dos Estados, a fim de que não surjam entre eles desinteligências, que degenerem em represálias ou perigosas hostilidades -- são condições para que estabilidade perfeita do regime federativo, no qual repousam as melhores esperanças para a prosperidade geral da Nação.
Adstrito aos encargos que lhe incumbe e bem disposto a não abrir mão dos direitos e atribuições que lhe são assegurados pela Constituição de 24 de fevereiro, o Governo há de respeitar como lhe cumpre, a esfera da ação em que tiverem a girar os demais poderes da República.
Nas relações internacionais o meu empenho será invariavelmente no sentido de mantê- las e estreitá-las com as nações amigas, sem outro pensamento senão o da paz e da confraternidade.
A ação do Governo, estou certo, não há de ser embaraçada por tendências perturbadoras de qualquer natureza.
O período das agitações passou.
Todos se acham convencidos de que a ordem e a tranqüilidade geral são indispensáveis para a marcha normal dos negócios públicos e para o aproveitamento regular dos grandes recursos do país.
Esperando ser um Governo justo, confio na disciplina dos espíritos, no espírito de ordem dos meus concidadãos, na ação legal das forças armadas e no seu nunca desmentido patriotismo.
Ao assumir o governo, referiu-se o meu honrado antecessor em termos elevados e dignos, à serenidade com que se operava a sua sucessão no governo da República, no meio de demonstrações da mais franca cordialidade.
Dou à Nação testemunho igual, tantas têm sido as provas de alta distinção, de amizade e cortesia com que tenho sido honrado pelo preclaro brasileiro que hoje deixou o poder.
Dirigindo aos meus concidadãos, neste dia memorável, cordiais saudações com as mais fundadas esperanças no futuro da pátria e cheio de confiança no patriotismo dos brasileiros, afirmo perante Deus que farei tudo quanto de mim depender para a firmeza as instituições e para a grandeza da República.
À NAÇÃO.
Ao Assumir a Suprema Magistratura da República, no período presidencial que hoje começa, cumpro o grato dever de significar aos meus concidadãos o meu reconhecimento pela subida honra que me conferiram e à qual procurarei corresponder empregando todas as energias de que sou capaz, na promoção do bem estar e da prosperidade do povo brasileiro.
Não desconheço a grande responsabilidade que assumo e, seguro do apoio de todos os patriotas, espero em Deus poder desempenhar meus árduos deveres sem desmentir a confiança em mim depositada.
Não devo passar em silêncio as expressivas e desvanecedoras demonstrações de apreço que recebi por toda a parte, na rápida visita que fiz a quase todos os Estados da República, a cujos governos e população reitero aqui a afirmação de profunda gratidão.
Trouxe dessa viagem a mais confortadora impressão: do que vi, observei, li e ouvi, mais se confirmou em meu espírito a segurança de que a nossa querida Pátria caminha com firmeza para os seus grandes destinos.
Certo, não corresponde o terreno conquistado aos anelos do nosso patriotismo e natural ânsia de progresso rápido, mas temos caminhado bastante, e um tal ou qual desalento que porventura se verifique em algumas regiões do território nacional, explicam-no condições desfavoráveis, felizmente transitórias e removíveis.
A ebulição da economia que presenciamos em nosso país e fora dele é indicio seguro de que entramos em uma era nova, promissora de fecundos resultados para a felicidade geral.
Obedecer a tal movimento, que avassalou já o mundo moderno, é uma necessidade fatal a que nenhum povo se pode esquivar sem comprometer seriamente o seu futuro.
É esta convicção que vai, em boa hora, conquistando todos os espíritos entre nós e animando os governos dos Estados brasileiros.
Para corresponder a este auspicioso movimento e estimulá-lo, indiquei nas linhas gerais do meu programa o rumo que terei de seguir no Governo.
A observação pessoal, embora perfunctória, da situação da lavoura, comércio e indústria dos Estados por mim visitados, fortaleceu-me no propósito de imprimir vigoroso impulso à política econômica que então esbocei, única apta a satisfazer às aspirações e reclamos do povo brasileiro.
As incessantes e veementes queixas de grande parte da lavoura, de não compensar o preço dos produtos o trabalho empregado, sendo insuficiente, às vezes, para rescindir o custo da produção, têm preocupado vivamente a opinião nacional, nos últimos tempos.
É esta, com efeito, matéria de suma ponderação e que entende, intimamente, com a felicidade e o progresso da Nação.
Fatos bem característicos fundamentam esse clamor.
Segundo a estatística do nosso comércio de exportação, no ano de 1905, o valor ouro do café, borracha, algodão, açúcar, fumo, erva-mate, e outros artigos nacionais, foi de £ 6000 que, reduzidas a moeda nacional, ao câmbio de 15 59/64,produziram 6456:000$0 No ano de 1904, o valor ouro da exportação dos mesmos produtos, foi de £ 4000, que, convertidas em moeda nacional, ao câmbio de 12 1/32, produziram 7543:000$0 Isto quer dizer que a exportação de 1905, maior que a anterior, trouxe ao produtor menos 087:000$ que esta, enquanto que, si fosse reduzida ao mesmo câmbio deste ano, teria produzido 8000:000$, isto é, 208:000$ mais.
Uma diferença tão assinalada no curto espaço de um ano, não podia deixar de trazer grande transtorno à economia nacional, colocando os produtores em situação muito crítica e perigosa.
É o produto do trabalho de grandes e pequenos lavradores, de milhões de operários espalhados no vasto território nacional, desvalorizando de modo assombroso, trazendo a perda de soma elevadíssima e levando o sofrimento à casa de todos.
Tais fatos não podem ser indiferentes aos poderes públicos, sem que falhem eles à sua alta missão de cuidar e promover o bem estar e felicidade do povo que os constituiu.
É tarefa de alto patriotismo remediar as situações aflitivas em que nos encontramos, procurando solução para tão grave problema.
A origem do mal, todos o reconhecem, está na má qualidade da moeda de que dispomos, sujeita a constantes oscilações no seu valor.
Devemos procurar obter, quanto possível, a estabilidade indispensável à segurança dos cálculos dos que trabalham.
É certo que só a convertibilidade de notas em circulação por moeda ouro poderá assegurar cabal e efetivamente esse resultado, mas, o exemplo de outros povos que experimentamos o mal resultante do papel-moeda, poderá nos guiar na adoção de medidas apropriadas e diminuí-lo paulatinamente, até que possamos entrar no regime da moeda sã.
A depreciação da moeda nacional durante longos anos criou uma situação difícil à qual se ajustaram os interesses econômicos do país, e uma mudança brusca, em qualquer sentido, trará inevitavelmente novos e grandes prejuízos.
Assim, a rápida ascensão do câmbio, a partir de 1905, determinou a grande depressão do preço dos produtos nacionais a que me referi, desorganizando quaisquer cálculos dos produtores baseados no custo de produção.
É fácil aconselhar aos produtores que, acompanhando a elevação do valor da moeda, indicada pela alta do câmbio, diminuam proporcionalmente as despesas de produção.
É sabido que um dos principais fatores desta é o salário e ninguém crerá que se pode reduzir os salários dos operários agrícolas e industriais, sem causar fundo sofrimento e provocar justas queixas e reclamações.
Ora, conservando-se assim, no mesmo pé, os salários, carretos, fretes e mais despesas, torna-se impossível salvar, sequer a importância delas, e muito menos obter uma remuneração justa e razoável do trabalho e do capital empregados na produção.
Releva ponderar ainda que, apesar de montar a valorização da moeda a mais de 25%, o custo dos objetos que importamos do estrangeiro está bem longe de ter baixado na mesma proporção, de sorte que a alta do câmbio tem aproveitado, não aos consumidores, mas, aos intermediários que assim conseguem ver os seus lucros acrescidos de 20 a 25%.
Não quer isto dizer que se deva optar como objetivo câmbio baixo para valorizar produtos nacionais: a lavoura e a indústria precisam é de câmbio estável, afim de que os preços de seus produtos estejam de acordo com as condições da produção.
É mister, pois, agir de modo que a elevação do valor da moeda nacional se opere lenta e progressivamente, dando tempo a que todos os negócios se adaptem e se ajustem ao movimento, sem ocasionar danos e prejuízos.
Por esse motivo, ensinam os mais abalizados financistas que a reorganização do sistema monetário deve ser efetuada de modo que não determine o menor abalo , nem acarrete modificação artificial, por menor que seja, no estado de coisas existentes, visto constituir esse sistema a base sobre a qual repousam todas as avaliações e todos os interesses da propriedade e do trabalho.
Convém não perder de vista que são sempre de consequências ruinosas as alternativas bruscas de câmbio, quer sejam para a alta, quer para baixa.
Para evitar esta, a sábia lei de 1899 consigna medidas que cabem na esfera de ação do Governo e consistem na retirada de papel -- moeda, cuja diminuição atuará como meio eficaz de valorização.
É política de lento mas seguro resultado, que entendo não dever abandonar, tomando, para completá-la, precauções contra os inconvenientes de uma rápida valorização, qual vimos no último ano.
Nesses complicados e obscuros problemas da moeda, no conceito de eminente autoridade, devem- se ter em vista fatos bem reais e positivos, deixando de lado o que não for atestado pela experiência e observação, cumprindo ponderar os fenômenos adversos como os favoráveis.
As disputas e controvérsias originam-se, quase sempre, de incompleto estudo da questão, sendo encarados os fenômenos por uma só de suas faces.
Assim se explicam as divergências entre os homens de grande competência e profundo saber, animados todos dos mais elevados intuitos.
As providências a adotar só poderão ter caráter definitivo quando se resolver de vez o problema monetário, decretando-se a imediata conversibilidade do papel-moeda corrente.
Para esse desideratum vamos, felizmente, caminhando.
As estatísticas que possuímos, infelizmente muito deficientes e incompletas, mal permitem ajuizar do desenvolvimento de nossas indústrias, esparsas na vastidão do território nacional.
Entretanto, embora nascentes e não obstante a crise aflitiva sofrida nos últimos anos, parecem-se encaminhar para uma situação mais animadora e próspera.
Durante a excursão que empreendi pelos Estados, tive a grande satisfação de verificar que por toda a parte surgem fábricas perfeitamente aparelhadas para a produção de artigos reclamados para consumo de um povo civilizado.
Há nelas trabalhando dezenas de operários, e empregados capitais que ascendem a centenas de mil contos, momentosos interesses que reclamam a atenção do poder público.
No que respeita a ação deste, já deixei no meu programa de 12 de outubro do ano passado claramente expresso o meu pensamento:
"Se quisermos ter indústrias prosperas é preciso proporciona-lhes o apoio moderado, mas seguro e constante, de que carecem para que se mantenham e desenvolvam.
Digo -- moderado -- porque não se deve procurar criar indústrias artificiais, nem tão pouco perder de vista os interesses legítimos dos consumidores e os reclamos do tesouro, que tira das alfândegas a melhor parte das suas rendas."
Uma justa proteção aduaneira, sem chegar ao excesso, sempre perigoso, de tarifas agressivas, tal a norma que nos cumpre adotar.
É preciso igualmente facilitar, tanto quanto possível, a circulação dos produtos e a tal respeito deixei também assinalado no meu o vivo interesse que merecerão do meu Governo o desenvolvimento da rede ferroviária e o aparelhamento dos portos.
Quanto aos embaraços de ordem fiscal, oriundos de uma mal entendida política interna de alguns Estados da República, que mantinham no seu sistema tributário taxas pesadas que obstavam a circulação de mercadorias nacionais, vexando o comércio afastou-se sabiamente a lei de 11 de julho de 19.
É digno de imitação o exemplo do México cujo progresso econômico é atribuído por autoridades competentes à abolição de semelhantes impostos.
É intuitivo que a lavoura e a indústria, longe de confiarem simplesmente nessas medidas protetoras, devem-se aparelhar para acompanhar o progresso industrial e agrícola, com adoção de máquinas e instrumentos aperfeiçoados que poupem o emprego do esforço humano, aumentando-lhe a produtividade.
Aí reside o segredo da superioridade de algumas nações, grandes fornecedoras de artigos de agricultura e indústria ao mundo civilizado.
O problema do crédito agrícola desde longos anos preocupa a atenção dos estadistas brasileiros, sem que tenha ainda logrado solução satisfatória.
À proporção que o regime da propriedade se transforma lentamente entre nós, evoluindo de acordo com as exigências da sociedade, é natural que os aparelhos de credito obedeçam a esta nova situação.
A exemplo do que se vê praticando em outros países, devemos prestar apurada atenção aos sindicatos, cooperativas e outras associações agrícolas e industriais, prestantes intermediárias para distribuição do créditos nas regiões afastadas dos grandes centros, e cuja fundação vai fazer entrar em cena no Brasil forças novas, capazes de estimularem energicamente o nosso poder produtivo.
A criação e multiplicação de institutos de ensino técnico e profissional muito podem contribuir também para o progresso das indústrias, proporcionando-lhes mestres e operários instruídos e hábeis.
As escolas de comércio, que começam a ser instituídas em diversas cidades comerciais, vêm satisfazer a uma grande necessidade do país, e convém que sejam auxiliadas e animadas.
Sem comércio ativo e próspero, só lentamente poderemos conseguir a acumulação de capitais indispensáveis ao incremento dos diversos ramos da atividade econômica.
É preciso, pois, proporcionar à nossa mocidade meios de se aparelhar para exercer com inteligência e proveito a nobre profissão que tão profícua influencia tem no mundo moderno.
A poderosa questão social do operariado está longe de apresentar entre nós mesmo caráter grave e complicado que assume em outros países, onde originariamente legítima, porque suscita para reivindicação de direitos, tem degenerado, pelo excesso e má compreensão, em movimentos sediciosos, gravemente perniciosos ao desenvolvimento industrial.
Não existe, felizmente, em nosso meio conflito entre o capital e o trabalho tamanho é a escassez de braços que experimentam as indústrias, a começar pela principal delas -- a lavoura.
Nestas condições, sendo fácil a todos encontrar emprego para a sua atividade, chegando, não raro, simples operários à posição de chefes de indústria e proprietários de estabelecimentos agrícolas, falta a tais movimentos o seu fermento -- a inatividade, imposta pela superabundância de braços, fonte de miséria que exarceba tão rudemente os ânimos determinando crises temerosa.
Entretanto, ao invés de repousarmos apaticamente na segurança de hoje, cumpre-nos prover às deficiências da nossa legislação, pondo-a de par com o progresso verificando em outros povos, no tocante a associações de mutualidade, cooperativas operárias e instituições congêneres, que tão assinalados beneficiados prestam ao operariado, nos centros populosos, sobretudo.
Os poderes públicos da União , como do Estados e dos Municípios, devem ser solicitados em assistir e prover a iniciativa individual que, de institutos destinados a proporcionar o bem estar e garantir o futuro felizmente, vai despertando entre nós, oferecendo já não poucas companhias industriais exemplos -- dignos de aplausos e de animação -- dos operários e de suas famílias.
O povoamento do nosso território por imigrantes de origem européia constitui um dos mais seguros elementos para acelerar o progresso e a grandeza da nossa pátria.
Os sacrifícios que fizermos para esse fim serão largamente compensados e retribuídos, como bem o prova o estado florescente de muitas das colônias fundadas há longo anos e que hoje constituem núcleos agrícolas e indústrias de primeira ordem.
É preciso, entretanto, cuidar de fixar o imigrante ao solo, facilitando-lhe a aquisição da propriedade, em vez de auxiliar simplesmente a introdução de trabalhadores que, constituído um pequeno pecúlio, tornem às respectivas pátrias, privando-nos do seu concurso e deslocando capitais preciosos a um país novo como o nosso.
É objeto que depende da ação conjunta da União e dos Estados a ao qual prestarei a atenção merecida.
Devendo proceder-se nos termos da Constituição Federal, em dezembro de 1910, ao próximo futuro recenseamento geral da União, caberá ao meu governo preparar a execução de tão importante operação.
Espero obter do Congresso os elementos necessários para a organização desse relevante serviço, vazando-a em moldes simples e já experimentados em outros países, na parte que for de proveitosa aplicação.
Entretanto, para que possamos conseguir.
resultado satisfatório e, quanto possível, aproximado da realidade dos fatos, se faz mister à ação da União, o concurso desvelado e inteligente dos Estados e das Municipalidades.
Não duvido um instante desta cooperação patriótica, crendo ocioso encarecer o grande alcance de uma estatística bem feita para o bom governo dos povos.
Do conjunto dos problemas que reclamam mais prontamente os cuidados do poder público no Brasil, destaca-se evidentemente o da instrução, nos seus variados ramos.
Nas democracias, em que o povo é responsável pelos seus destinos, o esclarecimento e educação do espírito dos cidadãos constituem condição elementar para o funcionamento normal das instituições.
A reunião, na Capital da República, de um Congresso de Instrução, em que ilustres e competentes cidadãos têm discutido as questões mais elevadas e praticas do ensino, é fato animador e que demonstra quanto a opinião se preocupa com este interessante objeto.
A manifestação de opiniões autorizadas na indicação de reformas proveitosas é de inestimável valor para guiar o poder público.
Neste assunto, a nenhum espírito escapará a necessidade premente de modificações sérias e delas cuidarei com a máxima atenção, procurando pôr cobro à confusão e incerteza que reinam no meio de decisões e normas contraditórias e obscuras, de consequências deploráveis em tão melindrosa matéria.
As obras destinadas ao saneamento e embelezamento da Capital da República, que tanto cuidado mereceram da operosidade do Governo findo, devem prosseguir, sendo completadas com farto abastecimento d'água.
Sem este elemento em abundância, a comodidade dos habitantes é insuficiente e serão sempre precárias as condições higiênicas da cidade.
Estas obras não têm, como pode parecer a espíritos menos refletidos, um caráter de utilidade puramente local, podendo-se afirmar ao contrário que aproveitam a todo o país, cujos créditos de salubridade, civilização e progresso são de ordinário aferidos pelos estrangeiros que nos visitam pelas condições de suas Capital.
A boa ou má impressão que recebem nesta ecoa no estrangeiro como referente a todo o Brasil, e tanto basta para imprimir aos seus melhoramentos o cunho de interesse nacional.
A reunião da Conferência Internacional Americana no Rio de Janeiro, e a visita com que o eminente estadista, Mr. Elihu Root, Secretário de Estado do Estados Unidos da América, distinguiu o nosso e outros países da América do Sul, são fatos de extraordinários alcance político, marcando uma nova era nas relações dos povos do Novo Mundo.
Basear estas relações em uma política larga de mútua confiança, promover o desenvolvimento do comércio pela permuta de produtos peculiares a cada região, abandonar prevenções e preconceitos inteiramente injustificáveis, é o dever rigoroso de todos os governos americanos e a norma de conduta do Brasil nas suas relações internacionais.
No período de formação de nossa existência política, os estadistas brasileiros compreenderam o alto alcance de estreitar relação com a jovem e já florescente República dos Estados Unidos da América que, primeira dentre as colônias do Novo Mundo proclamou a sua independência.
Essa política tradicional tem recebido nos últimos tempos grande impulso e continuará, estou convencido, a merecer solicita atenção de ambos os povos.
Entre a República Brasileira e suas irmãs americanas não existem questões que não possam ser solvidas cordialmente e sem receio de conflitos sérios.
No abençoado continente americano, é lícito afirmá-lo afoitamente, a emulação só se pode dar no terreno da prosperidade econômica, do progresso moral e material, e no campo das conquistas da civilização procurando cada povo tirar maior proveito dos dons de uma natureza magnificente, de modo a engrandecer-se e oferecer mais copiosa soma de utilidade à humanidade.
Faltam aqui, felizmente, elementos que expliquem o sistema da paz armada, flagelo que conduz à ruína os povos que se veem compelidos a adotá-lo.
Por nossa parte, temos mantido tradicionalmente uma política de paz e de concórdia, conseguindo dirimir, na calma dos gabinetes ou dos tribunais, questões herdadas dos tempos coloniais.
A conservação do mesmo quadro das forças de mar e terra, durante longos anos, apesar do grande aumento da nossa população e do incremento que tem tido o nosso comércio interno e externo, dá testemunho eloquentes dos intuitos pacíficos que nos animam.
Não quer isto dizer, entretanto, que devemos descurar de colocar as nossas forças militares, de tradições tão ricas de bravura e patriotismo, em condições de bem desempenharem a sua nobre e elevada missão de defensoras da honra nacional e guardas vigilantes da Constituição e das leis.
A perda de valiosas unidades de combate sofrida pela nossa marinha, de anos a esta parte, justifica de sobejo o ato do Governo brasileiro procurando substituí-las de acordo com as exigências dos modernos ensinamentos da arte naval.
Da mesma forma, melhorar a organização militar e renovar o material de guerra, dentro dos limites impostos pela situação financeira, é dever comezinho do nosso como de todo Governo cônscio de suas responsabilidades, sem que se possa atribuir ao seu cumprimento propósito de ameaça ou intuito de agressão a povo algum, pois que a nossa preocupação foi e sempre será angariar e estreitar relações com todas as nações.
No regime presidencial, mais que em outro qualquer, o Poder Executivo deve dar exemplo de respeito e cordialidade em suas relações com os outros Poderes que a Constituição criou, independentes e harmônicos.
Assim praticarei, convencido da sabedoria desta norma consagrada em todas as legislações e que se impõe de modo iniludível a qualquer espírito atento à história política dos povos cultos.
A Justiça Federal, pairando na esfera serena e garantidora dos direitos e guarda da Constituição, vai firmando em sábios arestos alguns pontos duvidosos desta, mal compreendidos no início de sua execução.
É a prova mais eloquente de que não é prudente promover reformas antes de pedir à experiência e à aplicação leal da Constituição indicações seguras sobre o alcance dos dispositivos, que se afiguram imperfeitos ou deficientes.
A alta cultura jurídica dos nossos juízes deve inspirar a mais completa segurança de que o Supremo Tribunal, colocando na cúpula da organização judiciária, pode desempenhar com lustre o brilhante papel representado na União Americana pelo Instituto que serviu de modelo ao nosso legislador constituinte.
Assim deixo, rápida e singelamente, expresso o meu pensamento sobre alguns pontos que mais vivamente interessam à Nação, assinalando com lealdade a conduta que me imporei.
Ratifico o meu programa lançado a 12 de outubro do ano passado, confiante em que receberei forças para cumpri-lo do meu patriotismo e da minha confiança inabalável na poderosa vitalidade da nossa pátria.
Somos já um povo forte e que dispõe de elementos de ação capazes de lhe assegurarem assinalado progresso e grandeza.
Aproveitar esses elementos por um trabalho enérgico contínuo, perseverante e confiante, e o nosso principal dever.
No século atual -- na previsão de notável estadista americano -- vai caber-nos posição saliente entre os povos que mais progridem e essa expectativa alentadora não deve e não pode falhar se empregarmos -- todos os brasileiros -- a nossa atividade e o nosso esforço pelo bem da Pátria.
Governar dentro da Constituição e das leis, respeitar os direitos e legítimos interesses de todos, praticar a justiça, enfim, são normas que procurei observar sempre que me coube a tarefa de exercer qualquer parcela de poder publico, e das quais me afastarei no alto posto em que me colocou a confiança dos meus compatriotas.
À Nação.
Em mais de vinte anos de regime.
republicano, ainda ninguém ascendeu à suprema magistratura nacional em circunstâncias tão especiais e com maiores responsabilidades do que aquele que, pelo voto da grande maioria dos brasileiros, sobe hoje a curul presidencial.
Venho de uma luta eleitoral extremadíssima em que, pela primeira vez, o espírito cívico do país despertou em pacífico prélio que é a afirmação a mais brilhante de que a nação entrou na posse de si mesma, com a plena consciência dos seus direitos, como de seus deveres e responsabilidades.
Até aqui os chefes do Estado têm sido eleitos sem luta; não, talvez, porque a nação estivesse, numa unanimidade manifesta, em harmonia com as soluções políticas que essas candidaturas representavam, mas, porque, desinteressada dos pleitos eleitorais, deslembradas dos seus deveres cívicos, preferia assistir indiferente à sagração dos nomes que os interesses partidários do momento apontavam ao supremo posto.
Assim eleitos, esses dignos magistrados assumiam o poder, sem os ressentimentos, sem as desconfianças e sem os maus prognósticos que uma campanha apaixonada e violenta devia deixar no ânimo de muitos dos nossos compatriotas, alguns ainda feridos pelo resultado da eleição, outros entre duvidosos e prevenidos com um governo que nasce da mais vigorosa campanha eleitoral que a República já viu.
Por isso, se excepcionais são as circunstâncias em que vou ao poder, maiores e mais graves são as responsabilidades que sobre mim pesam ao assumir a chefia do governo nacional.
Mas o povo brasileiro pode estar tranquilo: serei digno do voto com que a nação me honrou, cumprindo com lealdade e firmeza os encargos que me impõe o alto posto que me é confiado.
Não farei um governo de paixão, levando para a Presidência da República as mágoas e os ressentimentos que uma contenda áspera e, por vezes, injusta, poderia ter deixado no meu espírito, não; subo ao poder com ânimo sereno, disposto a cumprir o dever que a Constituição e as leis me assinalam, sem jamais sair do caminho da legalidade e da justiça, respeitando todos os direitos e todas as liberdades.
Farei um governo republicano, isto é, o governo da lei: dela jamais me afastarei, mas, dentro dela serei inflexível, pois, como bem disse grande escritor da antiguidade, "não há república onde as leis não imperam".
Serei, na frase expressiva de Quintino Bocayuva, "o primeiro súdito da lei" e, "superior a paixões e aos interesses de classe, de corporações ou de indivíduos, serei o mandatário fiel da nação e o servidor abnegado e solicito do povo brasileiro".
A minha qualidade de soldado, assim como não influiu para que os elementos civis do país me julgassem digno de presidir aos destinos da República, também, afirmo-o sob a fé de todo o meu passado, não será causa para que me divorcie, levando por estreito sentimento de classe, dos verdadeiros princípios republicanos e dos reais interesse da nação.
Comigo não surgirá o sol do cesarismo; mas, sob a égide de um soldado, o país há de ver firmar-se de vez a mais civil das repúblicas, pela abrogação das práticas e dos hábitos contrários ao regime e de tudo que tem servido para deturpar o espírito e a inteligência da Constituição de 24 de Fevereiro.
De acordo com as ideias expendidas no meu manifesto eleitoral de 26 de dezembro de 1909, cujos dizeres ratifico, empregarei todo o meu esforço na satisfação dos múltiplos serviços de que depende o bem geral do país, no ponto de vista moral e material.
Dentre todos esses serviços sobrelevam, na ordem moral e política, os que dizem respeito à justiça e à difusão do ensino.
Uma das maiores preocupações dos países policiados deve ser a boa e pronta distribuição da justiça; e, se este é um dever primordial nos velhos países de formação completa, mais imperioso ele se apresenta em nações novas como a nossa, sobre as quais paira incessantemente a desconfiada vigilância dos países de imigração, isto é, daqueles donde importamos o ouro e os braços de que carecemos para tirar do seio do nosso ubérrimo território as imensas riquezas que á jazem inexploradas ou imperfeitamente exploradas.
Mas, base essencial desse desideratum é a existência do Código Civil, prometido ao país desde a Constituição Imperial de 1824 até hoje não satisfeito, constituindo uma das maiores aspirações do povo brasileiro que, em pleno século XX, vê os seus direitos civis ainda regidos pelas velhas Ordenações do Reino que o próprio Portugal há muitos anos, desde 1867, relegou por incompatíveis comas atuais necessidades sociais.
Sujeito ao estudo do Senado da República existe, já aprovado pela Câmara do Deputados, um projeto de Código Civil que, tendo recebido a colaboração eficaz de todas corporações jurídicas do país e dos seus mais doutos jurisconsultos, bem deve satisfazer às justas aspirações nacionais, ainda que não atinja a suprema perfeição, mesmo porque, como escreveram os eminentes redatores do Código de Napoleão, é "absurdo entregar-se alguém a ideias absolutas de perfeição em coisas que só são susceptíveis de bondade relativa".
E o que sucede em relação ao direito civil quase se reproduz quanto ao direito comercial, cujas relações são regidas pelo Código de 1850 que, além de revogado em capítulos inteiros, já não está à altura das modernas necessidades sociais, que estão a exigir um Código que atenda não só às relações decorrentes da circulação dos produtos, como da própria produção.
Mas, não basta a codificação do direito substantivo, é necessário: elevar cada vez mais o nível intelectual e moral da magistratura, melhorando não só as condições de independência dos juízes, como o critério para a sua investidura e promoção, do qual resulte o preenchimento efetivo dos requisitos de competência moral e profissional; facilitar a justiça colocando-a mais ao alcance dos jurisdicionados, sobretudo pela diminuição dos ônus que lhes são impostos; torná-la mais rápida, principalmente, nos julgamentos definitivos das causas; dar-lhe, no Distrito Federal, instalação condigna em edifício que satisfaça às mais rigorosas exigências e onde funcionem todos os serviços subordinados aos tribunais; dispor sobre a uniformização da jurisprudência, para que a igualdade perante a lei atinja ao seu fim, segundo a essência do princípio constitucional que se não restringe à inadmissibilidade de privilégios pessoais, mas, é extensivo ao reconhecimento igual do direito sempre que for idêntico o fenômeno jurídico sujeito à decisão judiciária.
Como da justiça, urge cuidar seriamente.
da instrução, tornando-a instrumento profícuo do nosso desenvolvimento moral e material.
Para isso, é necessário reorganizar o ensino, principalmente no sentido de: dar autonomia ao ensino secundário, libertando-o da condição subalterna de mero preparatório de ensino superior; organizá-lo de maneira a fazê-lo eminentemente prático, a fim de formar homens capazes para todas as exigências da vida social, ao mesmo tempo que aptos, caso queiram, para seguir os cursos especiais e superiores; criar programas que desenvolvam a inteligência da juventude e não que a aniquilem por uma sobrecarga de estudos exageradamente inútil e, por isso, antes nociva do que proveitosa; estabelecer a plena liberdade do ensino no sentido de qualquer indivíduo ou associação pode fundar escolas com os mesmos direitos e regalias das oficiais; e, assim autônomo o ensino secundário, exigir o exame de admissão para o ingresso aos cursos superiores; dar às escolas de ensino superior completa liberdade na organização dos programas dos respectivos cursos, nas condições de matrícula, no regime dos exames e disciplina escolar e na administração dos patrimônios que tiverem; formar professores bons e convencidos da sua eminente função, para o que é preciso interessá-lo no ensino, de maneira que não sirvam, como até aqui do título de professor para mero reclamo e melhor exploração de profissões especiais; instituir, enfim, em matéria de ensino a maior liberdade sob conveniente fiscalização: esses são, parece, os pontos capitais sobre que deva assentar uma boa e liberal organização do ensino, capaz de produzir resultados proveitosos.
Enquanto, porém, o Poder Legislativo não decretar a reforma do ensino secundário e do superior, o meu governo fará cumprir rigorosamente o atual Código sem vacilações e sem condescendências de qualquer espécie.
Particular atenção dedicarei ao ensino técnico profissional, artístico, industrial e agrícola que, ao par da parte propriamente prática e imediatamente utilitária, proporcione também instrução de ordem ou cultura secundária, capaz de formar o espírito e o coração daqueles que amanhã serão homens e cidadãos.
Não escaparão ao meu vigilante esforço os múltiplos problemas referentes à assistência nas suas variadas modalidades, especialmente a que diz respeito aos que enlouquecem, para os quais é de grande vantagem a criação de colônias agrícolas onde, aliando ao trabalho ao máximo de liberdade, se alcançam resultados surpreendentes quanto ao restabelecimento dos enfermos, e com muito menor sacrifício dos dinheiros públicos.
Na ordem material, as questões econômica e financeira têm a primazia sobre todas as outras.
O problema econômico vai tendo o seu natural desenvolvimento, apesar das crises que, por vezes, tem afligido a produção nacional, crises que, constituindo fenômenos naturais a todos os países, mais se faziam sentir entre nós, devido não só à monocultura a que estávamos entregues, como à deficiência de meios de transportes para as mercadorias produzidas no país.
Hoje, felizmente, esta situação se modifica: vamos saindo, graças á dura lição, da quase monocultura em que vivíamos e as vias de comunicação se multiplicam no país.
Ainda, é certo, a exportação limita-se quase que a dois principais artigos -- o café e a borracha -- , mas, a lavoura desenvolvendo-se, por outro lado, com a cultura intensiva de outros produtos, vai aliviando a corrente de importação pelo oferecimento nos mercados nacionais de consumo de muitos e importantes gêneros que ainda importávamos em grande escala.
A situação, entretanto, não é de desafogo e indispensável é que se persevere na propaganda eficaz dos produtos de exportação para assegurar-lhes novos mercados e mais aumentar-lhes o consumo, a fim de que as crises, por que têm passado, desapareçam ou se tornem de natureza a não perturbar a vida econômica da Republica.
A questão das vias de comunicação, ponto de essencial importância para o desenvolvimento econômico do país, tem, felizmente, recebido, nestes últimos tempos, um grande impulso, e pode dizer-se, em parte, o problema está resolvido.
De fato, as grandes linhas de penetração estão executadas ou em via de pronta execução, e, agora o que cumpre fazer, mesmo para não avançarmos muito no caminho das responsabilidades financeiras, é estudar e construir as pequenas linhas ou ramais de ligação, de forma a levar aquela linhas uma forte massa de produtos das regiões servidas pelas estradas tributárias e assim chegar-se, pelo volume de transporte, a uma tarifa equitativa, capaz de aliviar os produtos que já exportamos e cooperar de modo eficiente para a produção de variadíssimos gêneros que não podem sofrer pesados fretes.
Como todo país novo, não podemos fugir à necessidade de conceder relativa proteção aos produtos nacionais; mas, proteção racional, equitativa, que só compreenda aqueles produtos que tem origem primária na terra brasileira.
Não quer isto dizer que mais devamos atribular o consumidor com direitos protetores; antes significa que é necessário, mantido nacional regime de proteção, rever as tarifas no sentido de expurgá-las de impostos que, não consultando os interesses da verdadeira e real indústria nacional, constituem exagerados e inúteis sacrifícios para o consumidor.
Em matéria financeira, -- eu já o disse no manifesto de 26 de dezembro --, julgo perigosas quaisquer inovações precipitadas.
É fato que o país anseia por chegar ao regime metálico; mas, essa aspiração só será alcançada, se formos grandemente prudentes, servindo-nos dos aparelhos que a lei de 1899 sabiamente criou e usando de severo rigor na arrecadação das rendas e nas despesas públicas, de forma a conseguir orçamentos sempre equilibrados.
Não chegaremos jamais àquele desideratum por meios artificiais ou planos de aventura a que o país não mais pode estar sujeito: a linha a seguir em tal assunto está claramente traçada na política financeira que os meus honrados antecessores adotaram depois de 18.
Os fundos de resgate e de garantia, constituídos como atualmente ou fortalecidos por outros recursos; a retirada da circulação do papel moeda, de acordo com a lei de 1899 e a redução das despesas públicas ao estrito necessário: eis os únicos elementos com que devemos contar para, assegurada a estabilidade cambial pela Caixa de Conversão, chegar , ao regime definitivo da moeda conversível.
Resolvidas como se acham todas as questões de limites, fácil será a missão do governo nos assuntos que se referem às relações exteriores, cumprindo-os, tão somente, continuar a tradicional política do Brasil de boa harmonia e perfeita amizade com todos os povos, de nenhum dos quais nos afastam interesses antagônicos ou rivais.
Mas, o fato de haver sido sempre de paz e.
de fraternidade a política internacional do Brasil e o propósito formal de prosseguir em tão sabia política, não significam, nem impõem que nos descuremos dos legítimos meios de defesa do país.
Na medida dos recursos financeiros da República, cumpre persistir no aparelhamento da nossa marinha, não só pela inteira execução do plano adotado, como pelo preparo intensivo do pessoal incumbido, para isto, as escolas técnicas de eletricidade, maquinistas e marujos.
Não basta, porém, a aquisição de navios de guerra, que largos sacrifícios custam à nação, é necessário, para que se conservem em condições de desempenhar o papel a que podem ser chamados um dia, que a esquadra, apesar das despesas que isso acarreta, esteja em constante movimento, pois, é no incessante labutar em alto mar, no permanente funcionamento das máquinas e nos exercícios de toda a espécie que os oficiais e tripulação se habilitarão para o perfeito desempenho de suas funções.
No que diz respeito às forças de terra, estou ainda convencido de que, executado integralmente o plano de organização delineado na última reforma, poderemos preparar, em pouco tempo, um exército em condições de enfrentar com o mais forte e mais disciplinado adversário.
A lei do sorteio, com a criação das linhas de tiro, que muito se tem desenvolvido, preparará, dentro em pouco, numerosa e excelente reserva para o Exército.
Estou certo de que, no limite das dotações orçamentárias, estabelecendo-se verbas parceladas e convenientes, poderemos, em poucos anos, pelo desenvolvimento paulatino de arsenais e fábricas, aquisição de armamentos e material bélico, constituídas as unidades táticas que pela reforma foram criadas, formar uma nação militarmente forte, sem que haja necessidade de se manterem os nosso quartéis repletos de soldados, pois que, pelos processos adotados, cada um dos nossos patrícios se transformará em cidadão-soldado.
Não sou dos que pensam que a administração deva divorcia-se da política; entendo, porém que esta não deve preterir aquela, nem entorpecer ou desviar a marcha dos altos interessantes do Estado.
O presidente no nosso regime,
especialmente nas circunstâncias em que se encontra o país, não se deve arvorar em diretor da política nacional: é a nação e não ele quem faz política.
Mas, como nenhum governo pode fugir à necessidade de apoiar-se em forças políticas organizadas, governarei com o partido que amparou a minha candidatura e que com as minhas ideias de administração se identificou; com ele desenvolverei as teses anunciadas no meu manifesto eleitoral e com ele procurarei corresponder à expectativa de quantos, não filiados ao partido, confiaram no meu patriotismo.
O propósito de seguir a divisa de Gambeta "governar com o seu partido para o seu país" não exclui, absolutamente, o dever que tenho de fazer justiça a todos e de pautar os meus atos pela diretriz severa do bem público.
E ser-me-á fácil a tarefa porque, soldado, só tenho uma aspiração -- o cumprimento inflexível da lei; cidadão, só tenho um ideal -- a estabilidade do regime e a felicidade da pátria.
Não fraquearei diante da crítica injusta ou interessada, mas, serei dócil às injunções legítimas e justificadas.
E, esforçando-me por promover o bem da pátria, terei cumprido o meu dever e tranquila a consciência.
À Nação.
Assumindo hoje as funções do alto cargo para o qual o eleitorado brasileiro me elegeu, a 1° de março deste ano, só tenho que ratificar os compromissos assumidos perante mim mesmo e perante a Nação; compromissos que minha consciência ditou e que minha vontade realizará, tanto quanto couber dentro de minhas forças e dos recursos do País.
No meu discurso-programa, lido a 14 de dezembro do ano findo, disse:
"Ao patriotismo dos homens de responsabilidade do Brasil se impõe, ineludivelmente, uma grande obra de construção e restauração.
Construção política e econômica e restauração financeira"".
Está bem claro que esta dupla obra exige uma mesma base: intransigente moralidade administrativa, absoluto respeito às leis, imparcial aplicação destas, paz, ordem, enfim, em todas as suas modalidades, ordem material, jurídica e moral.
É evidente que, para o completo êxito daquele cometimento, se torna preciso o concurso de todos os poderes e de todas as classes, consorciados neste pensamento e na ação tendente a realizá-lo.
Faço justiça em acreditar que nenhum brasileiro se furtará ao cumprimento deste dever.
Por mim, declaro-o com a mais segura confiança em minha vontade e em minhas convicções, não hesitarei um instante em dedicar a essa obra benemérita o melhor de meus esforços.
Assumo perante o país o compromisso formal de me não desviar da diretriz que vou traçar, quaisquer que sejam as dificuldades a vencer.
-- Construção política:
Sempre pensei, e só tenho motivos para continuar a pensar, que o homem político, que for elevado ao posto supremo de primeiro magistrado da República, deve sua solidariedade ao partido que o elegeu, mas paira superior ao partido, por isso mesmo que se torna o chefe da Nação.
Assim se algum dia se chocarem os interesses nacionais com os do partido, o Presidente da República não poderá vacilar em dar preferência àqueles.
Não compreendo esse posto senão como a mais vigorosa garantia aos habitantes do Brasil, de modo que, em se tratando de direitos ou de verdadeiros interesses nacionais, o chefe do Estado deve ser surdo aos reclamos partidários, para ficar exclusivamente adstrito ao cumprimento da Constituição e das leis, na defesa integral desses direitos e interesses.
Esta é a função primária do Estado.
-- Matéria eleitoral.
Creio firmemente que sobre este assunto.
precisamos mais de uma reforma de costumes do que de novas leis.
Não quero dizer com isto que não sejam necessárias umas tantas medidas garantidoras da verdade do alistamento e do voto, da apuração deste e do reconhecimento de poderes.
Se estou convencido de que a lei não tem o poder mágico de transformar a sociedade, nem por isso descreio de sua influência benéfica, quando vazada em moldes salutares e praticada com lealdade.
Desejo, apenas, afirmar que qualquer disposição legislativa, à altura da atualidade, fielmente executada, produzirá melhores resultados do que outra, ainda que mais perfeita, desde que esta seja deturpada pelos abusos do poder ou pela fraude.
O que é preciso, acima de tudo, é que o eleitor tenha a compreensão superior dos seus direitos e dos seus deveres, pronto em satisfazer a estes e enérgico na defesa daqueles; o cumprimento exato da lei por parte de autoridade pública; a elevação moral, a energia patriótica dos poderes constitucionais em realizar a sua missão, concorrendo inequivocamente para a pureza do regime eleitoral em todas as suas fases.
Sobre este assunto, que é transcendental para a República, agirei desassombradamente perante os funcionários públicos e procurarei interessar os chefes políticos para os seguintes fins:
a)Seriedade no alistamento;.
b) Plena liberdade das urnas;.
c) Reconhecimento de poderes dos legitimamente eleitos;.
d) Sincera, leal, positiva garantia para a efetiva representação das minorias.
Já é tempo de passarmos à realização.
prática desse programa tantas vezes apregoado, tanto no tempo do Império como na República, quantas vezes esquecido.
Teremos, assim, conquistado o prestígio das funções legislativas, tão necessário ao jogo regular das instituições.
Pela minha parte me comprometo a, mantendo as relações constitucionais com os outros poderes, não concorrer para a diminuição de qualquer deles, salvas, está entendido, as prerrogativas do Poder Executivo.
Assegurado o respeito mútuo entre os poderes públicos e agindo todos eles livre e desapaixonadamente dentro da órbita constitucional, levaremos definitivamente ao espírito popular a convicção da eficácia do regime em que vivemos.
O que se deve querer, e eu quero, é um Poder Executivo súdito da lei; um Poder Legislativo desassombrado fiscalizador do Executivo; e um Poder Judiciário verdadeira garantia de todos os direitos: poderes harmônicos e independentes, sem concessões nem usurpações.
Entretanto, não basta, disse o inesquecível estadista Dr. Campos Salles, o esforço isolado do Executivo para o bom governo da República.
Na coexistência de outros órgãos da soberania, segundo a estrutura constitucional, a coesão indispensável ao equilíbrio das forças governamentais depende essencialmente da ação combinada e harmônica dos três poderes, guardadas entre si as relações de mútuo respeito e de recíproco apoio.
Desde que, sob a influência de funestas tendências e dominado por mal-entendida aspiração de supremacia, algum dos poderes tentar levar a sua ação além das fronteiras demarcadas, em manifesto detrimento das prerrogativas de outro, estará nesse momento substancialmente transformada e invertida a ordem constitucional e aberto o mais perigoso conflito, do qual poderá surgir uma crise, cujos perniciosos efeitos venham afetar o próprio organismo nacional.
Não ceder nem usurpar.
Fora daí, em vez de poderes coordenados não temos senão forças rivais, em perpétua hostilidade, que produzem a perturbação, a desordem e a anarquia nas próprias regiões em que paira o poder público para vigiar pela tranquilidade e pela segurança da comunhão nacional e garantir a eficácia de todos os direitos.
A meu ver, há mais um sério compromisso a assumir: é evitar que as leis estaduais permitam que a sucessão presidencial dos Estados se possa fazer de pai a filho, de irmão a irmão, etc.
Compreendo que para esse fim o chefe da Nação só poderá ter uma intervenção suasória, procurando interessar todos os chefes políticos nessa obra de patriotismo, que levantara os créditos do regime e prestará ao País grande benefício.
Estou absolutamente convencido de que uma política federal sã influirá poderosamente para esse "desideratum".
Não intervirei senão nos termos constitucionais, mas também recusarei inflexivelmente qualquer solidariedade aos governos que abusarem de suas funções.
-- Relações exteriores:
A ação dos nossos governos, em perfeita correspondência com os sentimentos do povo brasileiro, tem sido e será uniformemente no sentido de estreitar cada vez mais os laços de velha amizade, que temos com todas as Nações.
A liquidação amigável de nossas questões de limites e a assinatura de 31 tratados ou convenções de arbitramento, entre o Brasil e outras potências, demonstram praticamente a sinceridade de nossos sentimentos e de nossas afirmações de paz.
-- Construção econômica:
Muito de indústria ligo o problema econômico ao da instrução e ao da educação.
Tenho para mim que é a escola um dos mais poderosos fatores de uma boa situação econômica; mas é preciso que o ensino seja calcado sob moldes deferentes e atuais, que estão em discordância com as necessidades da vida moderna.
Quem quer que estude com olhos de observador os nossos grandes males -- o desenvolvimento da criminalidade, a vagabundagem, o alcoolismo, a deserção dos campos -- reconhecerá que eles resultam, em grande parte, da falta de escolas que preparem a mocidade para as lutas da existência -- que são cada vez mais intensas e mais ásperas.
Eduque-se a mocidade convenientemente, em institutos onde, de par com a formação de um físico vigoroso e de um caráter enérgico e independente, lhe seja ministrado preparo sólido e prático, tornando-a capaz de lutar, com elementos de sucesso, despertando aptidões, iniciativas e personalidade, e teremos concorrido poderosamente para um surto econômico admirável!
O campo se despovoa, porque a terra, sendo ingrata aos processos rotineiros, produz pouco e caro; fundem-se, portanto, mais escolas práticas de agricultura, anexe-se ao programa das escolas primárias o ensino agrícola, propaguem-se as vantagens da lavoura mecânica, difundam-se pela palavra falada e escrita, por práticos ambulantes competentes e por todas as formas possíveis, os ensinamentos e a experiência dos povos mais adiantados que o nosso.
Procuremos ao mesmo tempo completar as providências lembradas com outras também necessárias --quer as que se referem ao exagero dos impostos e dos fretes que a lavoura paga, quer as que dizem respeito ao braço a aos capitais de que ela precisa.
A criminalidade aumenta; a vagabundagem campeia; o alcoolismo ceifa, cada vez mais, maior número de infelizes, porque, em regra, não tendo as pobres vítimas um caráter bem formado e nem preparo para superar as dificuldades da existência, tornam-se vencidos em plena mocidade e se atiram à embriaguez e ao crime.
Dê-se, porém, outra feição às escolas primárias e às secundarias, tendo-se em vista que a escola não é somente um centro de instrução, mas também a educação, e para esse fim o trabalho manual é a mais segura base; instalem-se escolas industriais, de eletricidade, de mecânica, de química industrial, escolas de comércio, -- que os cursos se povoarão de alunos e uma outra era de abrirá para o nosso País.
Se não tivermos pessoal habilitado para essas escolas, o que não é de se admirar, país novo que somos, contratemos no estrangeiro a missão industrial.
Conseguiremos, assim, remediar em parte os males do presente e lançaremos bases para um futuro melhor, bem como alcançaremos desviar a corrente impetuosa e exagerada que atualmente existe para a empregomania e para o bacharelismo.
Vem de molde assinalar aqui que, na América do Norte, devido aos seus métodos de ensino, não há fascinação pelo brilho das profissões burocratas ou liberais.
Não é de hoje que estou convencido destas verdades.
Ao assumir o Governo do Estado de Minas Gerais, em 1909, disse:
29 Ao País, depois de desaparecido o temor da febre amarela, chegam quase quotidianamente levas de estrangeiros, muitos com recursos e quase todos melhor aparelhados do que os nossos lavradores para o arroteamento das terras (e para as indústrias, acrescento agora)
É certamente motivo de jubilo para nós a verificação deste fato, mas também é razão a mais para orientar a educação da mocidade brasileira por melhores caminhos".
É preciso que não se justifique a profecia.
de um pessimista que dizia que -- dentro em breve os brasileiros seriam colonos em sua própria terra.
Fora de dúvida é que não basta dar à criança conhecimentos literários, mas é necessário que ela saia da escola com hábitos de trabalho, habilitada a seguir a profissão que melhor lhe convenha.
A questão da instrução e educação assume, portanto, uma importância capital.
Quero para o meu País os métodos americanos sem cópia servil, que nos libertem da educação puramente livresca.
Apreender agindo; apreender trabalhando no laboratório, nas oficinas, no campo: eis a solução do problema.
Forma-se o caráter no trabalho, na iniciativa, na perseverança contra as dificuldades, dando-se-lhe independência e personalidade.
Avigora-se o físico pela ação e pela proscrição quase completa dos incríveis esforços da memória, que tão grandes prejuízos têm causado à nossa mocidade.
Apreende-se melhor e o ensino fica.
Funde a União pelo menos um Instituto que se constitua um viveiro de professores para as novas escolas a que me referi.
O que acabo de dizer sobre o ensino primário, secundário, profissional e industrial, aplica- se, com as devidas modificações, às nossas escolas superiores.
A prática também ali deve ser, tanto quanto possível, inseparável da teoria.
A este capítulo, acrescentarei ainda uma ponderação.
Segundo afirma umas das maiores mentalidades belgas, percebe-se claramente, na época atual, a veemente aspiração da população operária para um maior bem estar, para uma dignidade e uma independência mais completa.
Esta aspiração concorda com a orientação dos dirigentes de todos os países cultos, cujas vistas estão voltadas para a grande obra da solidariedade humana.
Entre as medidas a se tomarem, a fim de que se realize aquela aspiração, tão nobre quanto justa, nenhuma mais valiosa, nenhuma mais conducente ao fim almejado do que a instrução e a educação dos operários pelos moldes já descritos.
É por isso que na América do Norte a situação dos operários é incontestavelmente muito melhor do que nos outros países, onde a orientação sobre o assunto é diferente.
Quaisquer que tenham sido os nossos.
erros, por mais grave que seja a nossa situação financeira, não sou um pessimista.
A riqueza do nosso país é tão grande, o nosso progresso econômico, não obstante, o que vai dito, é tão patente, que não há lugar para pessimismo.
Para que se não me acoime de otimismo, consigno aqui os dados estatísticos mais recentes sobre o valor total da nossa exportação e importação:
1908, 2002:247$, papel, ou 79,646,690 libras.
1909, 6466:197$, papel, ou 100,863,794 libras.
1910, 6276:592$, papel, ou 110,962,521 libras.
1911, 7641:182$, papel, ou 119,669,503 libras.
1912, 0106:738$, papel, ou 138,073,780 libras.
Contribuiu a exportação:
1908, 7709:611$, papel, ou 14,155,280 libras.
1909, 0590:270$, papel, ou 63,724,440 libras.
1910, 9413:449$, papel , ou 63,091,547 libras.
1911, 0924:736$, papel, 66,838,792 libras.
1912, 1737:180$, papel, ou 74,649,143 libras.
Os algarismos referentes a este ano são, porém, de ordem que fazem prever uma solução de continuidade, que nos força a refletir sobre os perigos de uma situação baseada principalmente sobre os preços variáveis de dois produtos e sobre a necessidade de tomarmos providências acertadas e eficientes.
Cumpre-nos, portanto, provocar e facilitar o desenvolvimento de outras culturas perfeitamente viáveis em nosso país e melhorar a nossa produção atual.
Os nossos principais produtos de exportação -- o café e a borracha -- estão ameaçados de séria concorrência estranha.
Quanto ao primeiro, o governo de S. Paulo, sempre previdente está empenhado em estudar a realidade e a extensão do perigo que ameaça a lavoura paulista.
Quanto ao segundo, devem ser examinados com a maior solicitude os resultados das medidas adotadas pelo eminente brasileiro que ora dirige os destinos da República, para o efeito de desenvolvê-las ou modificá-las, tão certo é que o Governo Federal não pode cruzar os braços ante uma perspectiva tão sombria.
O problema da seca exige também a mesma atenção e os mesmos cuidados.
Zonas riquíssimas como as do Norte do país têm uma produção limitada e perturbada, porque só de pouco tempo a esta parte estão sendo tomadas providências eficazes contra esse flagelo periódico.
Sobre a riqueza mineral há soluções que desafiam a atenção dos estadistas brasileiros.
Sem querer referir-me a todas, não me posso furtar ao dever de salientar dentre elas a da eletro-metalurgia do ferro.
Cientistas e industriais de quase todo o mundo culto se empenham pela solução industrial desse problema, que assume para nós uma importância colossal, país que é o nosso das grandes quedas d'água e das cadeias de montanhas de ferro e de manganês!
Para bem se aquilatar do assunto, basta que se diga que, resolvido o problema, o progresso do Brasil dará um salto assombroso! Deve ser isso, portanto, matéria de maior relevância para a administração.
País de vasta extensão territorial pouco povoada, de terras ferocíssimas, carece o Brasil de braços validos e de capitais.
Para que, porém, a imigração de faça com segurança de êxito e se estabeleça uma corrente espontânea de bons colonos, é preciso, não nos iludamos, é absolutamente preciso que estes tenham a certeza de encontrar aqui justiça garantidora de seus direitos, e transporte fácil e barato para a exportação de seus produtos.
Temos, é certo, tomado providências legislativas tendentes a assegurar o pagamento dos salários dos colonos e impulsionar o desenvolvimento de nossa viação férrea; há, porém, muito que realizar ainda.
Ao Governo da União se impõe, como obra patriótica, fazer uma segura investigação sobre a eficácia daquelas medidas, bem como agir no sentido e uma ampla revisão de nossos fretes ferroviários e marítimos, a fim de que seja vantajosamente praticável a permuta de produtos entre os centros de produção e os de consumo, internos e externos.
Já é profundamente deprimente para nós que produtos de um Estado não possam ser exportados para outros Estados pela extravagância de fretes proibitivos!
É tempo de reconhecermos que esse problema se prende também ao estreitamento dos laços da Federação.
Cumpre-se acentuar a necessidade de velar pela sorte de nossos patrícios, trabalhadores rurais, que já reclamam, com razão, contra a sua situação de párias na sua própria terra!
É de mister que se atenda às suas queixas, fundando-se colônias para nacionais, onde, senhores de um lote de terras, munidos de máquinas agrícolas e orientados por competentes, possam trabalhar e produzir.
-- Restauração financeira:
Esta será a preocupação capital de minha administração, si for eleito.
A aplicação rigorosa das medidas votadas pelo Congresso, sob a sábia inspiração do benemérito governo Campos Salles, trouxe como consequência a melhoria de nossa situação financeira.
Liquidaram-se com saldo os exercícios de 1902, 1903, 1905, 1906 e 19.
Paralisados todos os serviços públicos, até mesmo os mais urgentes, no período de 1898 e 1902, era natural que, vencida a gravidade da crise, se retomasse o regime de melhoramentos materiais, de avigoramento das fontes de riqueza pública.
Os governos que sucederam ao saudosíssimo estadista Campos Salles iniciaram e desenvolveram esses serviços.
O brasileiro, que fizer o balanço dos esforços empregados e dos resultados obtidos, há de forçosamente reconhecer com ufania quanto de benefícios reais auferiu o Brasil nesse breve espaço de tempo.
Basta que assinalemos aqui o saneamento e aformoseamento da Capital Federal, a extinção da febre amarela, a construção do porto do Rio de Janeiro, o extraordinário desenvolvimento da viação férrea, da colonização, etc.
Qualquer destes serviços bastaria para legítimo orgulho de um estadista, e todos eles constituem, por certo, uma glória para a nossa geração.
É bem certo que obras de tal vulto exigiriam, como exigiram, enormes despesas; mas também o que é que, reprodutivas como são, não poderiam ter sido causa única da grave situação financeira atual.
Concomitante e posteriormente, medidas de menos valia, perfeitamente adiáveis para melhores tempos, despesas suntuárias, leis pessoais, filhas da benevolência ou de interesses partidários; pensões a granel, acarretaram déficits sobre déficits, e estes -- empréstimos sobre empréstimos e, afinal, -- o abalo que sofreu o crédito brasileiro.
O exercício financeiro de 1908 encerrou- se com déficit superior a 69 mil contos; o de 1909, com mais de 65 mil contos; o de 1910, com cerca de 100 mil contos; o de 1911, com 312 mil contos -- segundo o parecer do ilustre relator do orçamento da receita, Dr. Homero Baptista.
O mais elementar patriotismo nos impõe providências enérgicas e decisivas, aliás, da maior simplicidade.
Compenetrado do meu dever, cumpri-lo-ei sem hesitar.
São estas as principais medidas necessárias:
Cortes impiedosos nas despesas inúteis e nas adiáveis, para o efeito de se restringir o orçamento na despesa ao limite dos recursos da receita;.
A maior economia dentro das verbas votadas;.
Abolição das autorizações legislativas na cauda do orçamento;.
Negar-se o governo a cumpri-las, si forem votadas;.
Se tanto for preciso, entrar o governo em acordo com os contratantes para que se diminua o peso das responsabilidades imediatas da União.
Restabeleçamos ao mesmo tempo a política financeira salvadora, mantenhamos a Caixa de Conversão, preparemos seguros elementos de defesa para crises de momento, tão frequentes em países novos de organização financeira semelhante à nossa, e teremos firmado a situação em bases sólidas e consolidada assim o nosso crédito, agora abalado.
Urge, além disso, que se converta em lei o projeto do Código de Contabilidade Pública e que se faça a revisão das nossas tarifas aduaneiras, que devem ser vazadas em moldes que se afastem de extremos inconvenientes, atendendo-se aos interesses respeitáveis das indústrias existentes (que forem dignas de proteção) e às necessidades do consumidor e do Tesouro.
É preciso que se extirpe de nossos costumes a prática inconvenientíssima de modificar tarifas aduaneiras dentro dos orçamentos, modificações feitas de afogadilho, sem estudo da matéria, constituindo-se, além disso, motivo de apreensões e de graves prejuízos para as indústrias e para o comércio.
Não terminarei sem fazer uma referência especial a um dos mais sérios problemas no nosso país.
Refiro-me às nossas forças armadas, quer de terra, quer de mar, de tradições tão cheias de bravura e de patriotismo no desempenho da incumbência constitucional da defesa da Pátria no exterior e da manutenção das leis no interior.
"Se for eleito, dedicarei a esse assunto o melhor dos meus esforços, iniciando desde logo um estudo minucioso de suas condições e de suas necessidades, para poder agir com segurança de êxito".
A este programa de Governo, meditado e sincero, acrescentarei apenas algumas ponderações.
Já sofríamos cruelmente os efeitos de uma profunda crise nacional.
Parecia-nos mesmo impossível que o País pudesse suportar a sua mais leve agravação; infelizmente, porém, a crise se foi tornando cada vez mais aguda até o extremo resultante do flagelo da conflagração europeia.
As principiais consequências dessa situação não se fizeram esperar:
1 Exportação e importação perturbadas, desvalorizada aquela:
2 Forte diminuição das rendas aduaneiras, que desde logo baixaram de 50%, sofrendo pouco depois maior queda (arrecadaram-se em outubro último apenas 40% do arrecadamento em outubro do ano passado);.
3 Enormes déficits mensais;.
4 Moratória;.
5 Emissão de 250 mil contos papel; 6 Baixa do câmbio;.
7 Novo funding.
Antes da conflagração europeia, já não tínhamos o direito de nos furtar ao cumprimento de um dever imperioso.
Hoje, muito menos.
Seria um crime inominável!
Chegamos a um desses períodos excepcionais, sem par na nossa história, que exigem resoluções extremas, urgentes e eficazes.
Não creio que possa haver brasileiro digno desse nome, um habitante do Brasil, que se interesse pela nossa Pátria, que recuse seu apoio e concurso para uma obra de salvação pública.
O Congresso, estou profundamente convencido, cumprirá o seu dever cortando rigorosamente nas despesas públicas e tomando outras medidas garantidoras do necessário equilíbrio financeiro.
Consciente de meus compromissos e disposto a realizá-los, quaisquer que sejam os meus sacrifícios, faço, nesta hora amarga, para o Brasil e para o mundo, um solene apelo ao patriotismo de todos os brasileiros, concitando-os a me prestarem seu franco apoio e poderoso concurso para a normalização da vida nacional.
O patriotismo do Povo Brasileiro, de todos os Poderes públicos e de todas as classes vai ser aferido, neste transe por que estamos passando, pela elevação de vistas e de ação, pela energia moral e cívica em tomar providencias eficientes e suportar as consequências decorrentes do regime de restrição de despesas, que se impõe.
Cumprirei meu dever.
Confio em que todos cumpram o seu.
Srs. membros da Câmara dos Deputados.
A abertura dos trabalhos legislativos a 3 de Maio oferece ensejo ao Presidente da República, que assume o cargo no primeiro dia do quadriênio, de dizer ao Congresso Nacional numa longa mensagem, as suas ideias a respeito das questões principais em que ambos têm de colaborar.
Determinaram, porém, certas circunstâncias que essa oportunidade me falhasse.
A morte do meu benemérito antecessor, tão deplorada pela Nação inteira, e a minha ausência do país, por motivo de serviço público, acarretaram a necessidade de uma eleição presidencial, que teve de ser apurada nos primeiros dias da legislatura, e retardaram a minha posse de quase três meses, depois do início das vossas sessões.
Não desejo que decorra mais tempo, sem vir dizer-vos algumas palavras, que traduzam o meu modo de compreender certos assuntos, mais urgentes, em torno dos quais nosso bom entendimento só pode ser profícuo ao interesse nacional.
As mensagens que vos são dirigidas pelo Poder Executivo podem ser um dos meios de comunicação entre o Presidente e o povo.
Dizendo-vos toda a verdade acerca das questões que mais de perto tocam o país, o Chefe do Estado dirige-se realmente ao povo, cuja representação tanto lhe foi confiada a ele, como a vós.
Devo antes de tudo declarar que considero um dever de honra para mim consagrar-me inteiramente aos interesses da Nação, pondo ao seu serviço todas as forças da minha inteligência e da minha vontade, disposto a resistir a tudo quanto se oponha ao seu bem- estar, assim como a guiar e aceitar tudo quanto possa concorrer para melhorar as condições de sua vida.
Eleito, embora pela maioria, o Chefe do Estado torna-se desde logo o representante de toda a Nação, e aqueles que o escolheram só devem ter o empenho de ajudá-lo a mostrar praticamente ao povo que tal escolha foi inspirada no interesse superior do bem público.
A ausência de partidos com programas definidos, devido em grande parte à falta de liberdade eleitoral observada desde o alistamento até às votações, fez com que a vida pública no Brasil perdesse o estímulo do entusiasmo, a inspiração das novas ideias, que são a força motriz da opinião.
O exercício do poder ao abrigo das vicissitudes do julgamento eleitoral, foi diminuindo a sensibilidade dos homens políticos às imprevisões de certas correntes de opinião, às vezes sutis pela delicadeza de sua origem, tornando-os, em vez disso, muito expostos à influência de certos instrumentos de violência intelectual.
O meio de combater esse estado de coisas é praticarmos todos uma política de justiça, não só na União, mas também nos Estados.
Em matéria eleitoral, sobretudo, os Estados têm uma liberdade que enfraquece a União.
Já comecei a mostrar por fatos, em circunstâncias iniludíveis, que não darei mão forte a ninguém para obstar nas urnas a manifestação da vontade popular.
Mas casos há em que a neutralidade das autoridades federais se converte num reforço à parcialidade dos agentes do Estado.
Se numa eleição o Presidente da República proíbe os chefes de serviço federais de influírem de qualquer modo contra o partido de um Governador, mas, de outro lado, o Governador emprega a favor desse mesmo partido todos os recursos de seu poder, o Presidente da República, embora cumprindo o seu dever tem concorrido a contragosto para encorajar a intervenção indébita, que pelos meios ao seu alcance procurava combater.
Isso mostra que se não nos decidirmos todos a praticar uma política de justiça, isto é, de respeito ao direito dos contrários, teremos concorrido para desmoralizar a Federação e torná-la, em vez de um instrumento de liberdade local, uma forma opressiva da opinião, que pode esmagar a própria maioria, na qual o nosso regime constitucional procurou basear-se.
Chamo de propósito a vossa atenção para essas questões, porque o exame de fatos concretos pode sugerir-vos medidas, capazes de corrigir certos abusos dessa natureza.
Sem de modo algum ferir a autonomia dos Estados, os poderes da União devem ter ao seu alcance meios de defender as liberdades, que eles procurem acaso criar.
Ninguém mais do que eu propugna a autonomia que lhes foi deferida: ela, porém, não deve, ser senão um meio de desenvolvimento de todas as forças políticas, econômicas e financeiras do Estado, dentro da União, sem enfraquecimento da União, e subordinada ao principio moral de que todas as entidades que a compõem devem empenhar-se pela soma de seus esforços, em tornar a vida nacional mais intensa, mais vigorosa, sob uma inspiração comum de justiça.
Essa minha preocupação acerca da vida dos Estados vem da convicção em que estou de que muito do quanto possamos aqui fazer há de perder-se lá, se não cair em terreno apropriado.
Não há necessidade de demonstrar que a polícia, a justiça e os impostos dos Estados podem enfraquecer ou inutilizar muitos cometimentos da União.
Precisamos de uma colaboração mais viva, afim de que alguns deles não desperdicem os seus recursos, suficientes para os seus serviços, ou então reduzam estes aos limites extremos, para não exigirem da União sacrifícios que nem sempre ela está em condições de suportar.
Ao demais, a vida nacional é julgada pelo conceito em que é tida a União.
Se além das suas crises a União tiver de solver as crises dos Estados, ainda maiores tornar-se-ão as suas dificuldades.
É sabido que alguns deles recorreram demasiadamente aos empréstimos, e hoje encontram-se em situação muito embaraçosa.
Esses embaraços refletem-se sobre o crédito da União, que até hoje não foi restabelecido nas bases da confiança, a qual, sem dependência de garantias reais, é a única forma de crédito para um Estado soberano.
Todos os brasileiros devem fazer do bom nome do Brasil uma questão de honra nacional.
As nações que, para manter ou aumentar despesas, a que não correspondem os recursos das suas rendas, se empenham em compromissos que não podem satisfazer, preparam um futuro de apreensões e de dúvidas, prenhe de perigos sobre o seu destino.
Os dispêndios excessivos a que nos entregamos em exercícios seguidos, a princípio por causa das graves perturbações da ordem pública que se seguiram à implantação da República e depois por não querermos parar numa série de concessões onerosas e de criações consecutivas de serviços novos, com aumento colossal do funcionalismo, levaram-nos duas vezes a suspender os pagamentos, em moeda, dos juros e amortizações da dívida pública externa, que tiveram que ser substituídos por emissões de títulos gravados com a garantia da renda das nossas alfândegas.
Esses títulos, quase todos em mãos do estrangeiro, ainda não foram resgatados; e em vez de economizarmos pra livrar a Nação de empenho tão grave, temos continuado a manter o desequilíbrio dos orçamentos, sem medida nem freio.
Os últimos cinco exercícios, de 1914 a 1918, liquidaram-se com o "déficit" de mais de um milhão de contos de réis (0442:103$417), algarismo que ainda pode crescer na liquidação final do último ano, cujas contas não estão todas apuradas.
Esta enorme soma foi saldada com empréstimos externos e internos e emissões de papel- moeda que agravaram a nossa situação financeira e perturbaram a nossa vida econômica, concorrendo para aumentar ainda mais o custo de vida pela elevação do preço de todas as cousas, onde essa massa inesperada de papel-moeda de curso forçado vai procurando o seu emprego nocivo, ao mesmo tempo que se vai depreciando.
A guerra reduziu a muito pouco a nossa fonte principal de receita, proveniente dos impostos alfandegários.
Diante de tamanha calamidade os princípios cederam lugar a uma contingência irremovível na sua maior parte.
Tudo nos aconselhava, porém, a reduzir ao menos possível os nossos gastos, cortando e jamais agravando despesas, sobretudo, as que não eram destinadas a concorrer para aumento da receita.
Entretanto, as despesas dessa espécie cresceram com o desenvolvimento cada vez maior dos quadros do pessoal dos diversos Ministérios, que ainda há dois meses foram aumentados de modo considerável.
Vem daí a sobra dos funcionários adidos, dos inativos de todas as classes, dos contribuintes do montepio, constituindo no orçamento um peso morto de 651:988$0.
Pelo que me incumbe já comecei a observar rigorosamente a obrigação de prover os lugares vagos com empregados adidos, e assim continuarei em todos os casos onde tais lugares correspondam à situação deles.
Mas peço particularmente a vossa atenção para a organização autonômica do montepio, o qual todos os dias vai crescendo e envolvendo o Estado numa responsabilidade, que lhe poderia ser poupada com vantagem para todos.
Há instituições congêneres, até em nosso país, que poderiam servir de modelo a essa reforma.
Esse alargamento sem medida dos quadros do pessoal faz com que cerca de quatro quintos da receita sejam consumidos nas respectivas despesas e nos encargos da dívida pública, sobrando apenas 20% aproximadamente para compra de todo o material de que o país necessita, desde o papel e a tinta das repartições, até os armamentos do Exército e da Marinha, os trilhos e as locomotivas das Estradas de Ferro.
Não há Nação que possa continuar por esse caminho sem cair em embaraços de que não sei como possa sair.
Estamos neste momento numa situação que nos adverte de semelhante perigo.
Por não ter reduzido as suas despesas de pessoal ao estritamente necessário para o serviço do Estado, e por haver convertido grande parte do orçamento numa distribuição de lugares sem utilidade pública e em mero benefício de um pequeno número de pessoas, comparado com a massa geral da Nação, vê-se hoje o país na dificuldade de atender aos que clamam contra a exiguidade dos seus vencimentos insuficientes para prover às necessidades da vida nesta época calamitosa, criada pela guerra europeia.
Os mesmos que pleitearam instantemente a criação de empregos públicos, a ampliação dos quadros, a elevação dos vencimentos, sofrem agora as consequências dessa política imprevidente de dissipação para a qual não é remédio persistir no caminho errado, por onde se chegou a tão dolorosos resultados.
O milhão de contos de réis, apurado em cinco exercícios como déficit dos orçamentos, terá, como vos disse, de aumentar com os algarismos, ainda por conhecer, das operações do ano próximo passado.
Nesses cinco exercícios a insuficiência da renda devorou todos os recursos de crédito de que pudemos dispor -- o produto do arrendamento à França dos navios tomados aos alemães, na importância de 19633 francos, e 2773:566$000 de emissões de papel-moeda.
Eu pergunto a todos os brasileiros, que amam a sua Pátria, se é admissível persistir nessa política de paliativos, nessa política de ópio e de mofina, para ter daqui a pouco de esbarrar diante de uma realidade insuperável, o submetermo-nos ninguém sabe a que exigências dos nossos credores, com os quais, dentro de dezesseis anos, já fomos forçados a fazer dois contratos de funding-loan, hipotecando a renda das nossas Alfândegas.
Não é possível viver toda a vida a lançar mão de expedientes tais.
Se a situação presente já nos coloca em tamanhas dificuldades, é fácil adivinhar o que virá a acontecer se ainda agravarmos além das nossas possibilidades de resistência financeira.
O déficit maior do último quinquênio foi o de 1914, na importância de 3988 contos, e o do ano passado, ainda não completo, já monta a 1070 contos.
O exercício corrente não se apresenta sob aspecto mais lisonjeiro.
Sem falar numa emissão de trinta mil contos de réis e de outra de letras do Tesouro, por antecipação de receita e de igual importância, com juros a vencer somando 800 contos, o Tribunal de Contas já registrou créditos extra orçamentários no valor de 1615:292$8 E depois de autorizado gastos tamanhos, ainda vos foram dirigidos, também para o ano corrente, pedidos de créditos especiais e extraordinários, que sobem a 501:260$074 papel e a 1?492:447$5422, ouro; de créditos suplementares que montam a 545:642$181 papel e 800 contos, ouro; de créditos para execução de sentenças judiciárias que somam 739:302$893, papel.
Temos ainda a vencer quatro meses do ano e a perspectiva é de exigências idênticas.
Só de quatro Ministérios já tenho noticia que haverá necessidade de pedir-vos novos créditos suplementares no valor de 219:772$3 Quer dizer que em despesas fora do orçamento o exercício corrente tem de ser acrescido de, fora ouro 2621:270$2 Peço-vos encarecidamente que examineis com o maior cuidado todos esses pedidos, já em vossas mãos, dos quais alguns certamente poderão aguardar dias melhores.
Entretanto, apesar de tudo isso, há projetos já apresentados no Senado, que elevariam a despesa pública de 034:730$0 Só o do aumento dos vencimentos dos telegrafistas monta a 452:125$0 Dos projetos submetidos à Câmara dos Deputados, as cifras são muito mais consideráveis, pois já sobem a 653:309$950, sendo conveniente lembrar que, além desses, outros há nas duas casas do Congresso, acarretando despesas avultadas que entretanto não podem desde já ser avaliadas com precisão.
Dos que têm os algarismos claros citarei os mais importantes, como o relativo aos diaristas da Estrada de Ferro Central, com 000 contos de réis; o referente aos Correios, com 850 contos; o das fábricas de cartuchos e pólvora, com 578 contos; o dos agentes do Corpo de Segurança, com 420 contos; que aproveita aos diaristas da Imprensa Nacional com 471 contos; o que beneficia as praças da Brigada Policial, com 800 contos; o atinente aos carteiros desta Capital, com 016 contos; o que toca profilaxia na Saúde Pública, com 380 contos; o que dispõe sobre os operários das oficinas militares, com 710 contos; e o que aumenta os vencimentos militares, na importância de 513:000$0 Além disso a ampliação dos quadros da oficialidade do Exército , decretada nos últimos dias da passada administração, acarretará ao futuro um aumento superior a 000 contos de réis, e importa desde já num acréscimo de 500 contos.
Considero um dever de patriotismo expor [tais]3 fatos ao Congresso e à Nação, na esperança de que facilitam ao Governo o empenho de tirar o país desta situação lamentável.
As nações novas como a nossa, têm meios de sair dessas crises terríveis, quando se dispõem corajosamente a auxiliar os governos que querem entrar nos bons princípios a fim de restaurar o crédito público.
Logo que este melhora, todos participam, dentro em pouco tempo, dos benefícios decorrentes.
A nossa geração já viu o exemplo de um desses milagres, em dias bem próximos de nós.
Os sacrificados são sempre os que tomam sobre os ombros a dura, mas patriótica tarefa.
Ela não me apavora, pois colaborei na que hoje é celebrada como um exemplo de política Republicana.
Entretanto, não poderei levar avante sem o apoio do Congresso Nacional, da Nação inteira, de todas as classes que são os seus órgãos principiais de trabalho e de ordem.
Consagrarei a essa tarefa tudo quanto estiver nas minhas forças; mas temos de consumá-la todos juntos, mostrando ao povo que o momento é do sacrifício e de cumprimento estrito do dever.
O povo tem o instinto da justiça e não perdoa aos que não provam querer servi-lo com dignidade.
Ele saberá distinguir entre as críticas justas e os ataques infundados.
Ponhamo-nos ao abrigo das injustiças, que são sempre transitórias, quando não assentam num fundo forte de verdade.
Devemos fugir de agravar os nossos compromissos com despesas que não sejam reclamadas pela necessidade de assegurar a integridade da Nação, e desenvolver as suas fontes de riqueza, como sejam o aparelhamento da nossa defesa militar, o saneamento do interior e a extinção das secas do norte.
A estas despesas devemos acudir ainda com sacrifício, porque umas são a garantia da nossa própria existência e as outras importam o pagamento de uma dívida de honra para com a população pobre do interior, a quem quase tudo tem faltado, e a revalidação de uma das nossas regiões mais susceptíveis de produzir, onde a riqueza pública irá crescer de recursos imensos.
Não me cabe indicar-vos os meios com que podeis ajudar o Governo em matéria de impostos, os quais são vossa exclusiva competência.
Vosso patriotismo, porém, aconselhar-vos-á a agravar o que recai sobre as bebidas alcoólicas e sobre outras fontes de vícios, da maneira a mais funda, com o intuito de pôr o povo ao abrigo desse terrível envenenamento.
Os Estados acabam de reformar a Constituição para chegar a esse resultado.
Há gêneros de consumo, beneficiados por altas extraordinárias, e que têm escapado ao tributo sofrido por outros, em condições menos favoráveis.
O Governo estará sempre ao vosso dispor com as suas informações e a sua experiência nesta matéria.
Já que me refiro a recursos novos para o Tesouro, peço-vos com especial empenho que me auxilieis a promover melhor arrecadação das rendas públicas.
São constantes os apelos ao Governo a esse respeito sobretudo pelos órgãos da imprensa.
Uma das brechas por onde se escoa boa parte delas é a isenção de direitos de alfândega, hoje concedida com uma facilidade de assombrar.
Essa isenção, em principio é nociva aos interesses do Estado, por causa dos abusos de toda a sorte a que se presta; entretanto, além das concessões feitas nesse sentido, em virtude de contrato, outras têm sido dadas a indivíduos, a sociedades e até a classes inteiras.
Tais concessões, como outras quaisquer que beneficiam em particular pessoas ou instituições, constituem privilégios odiosos, desigualdades injustificáveis, contra as quais a comunhão tem o direito de protestar.
Não desespero da situação do país; antes confio nas suas melhoras, se não me faltar o auxílio que de vos espero.
Não valeria a pena exigir recursos novos do povo para continuar gastando nas mesmas proporções e aumentando sem medida os encargos na Nação.
Mais dia menos dias a crise se renovaria e eu não dissimulo há muito as minhas apreensões a respeito do futuro exercício cujo "déficit" será ainda importantíssimo, como já foi declarado pelo ilustre relator da receita na Câmara, que o avalia em mais de 000 contos de réis.
Ninguém sente mais do que eu a situação penosa de tantas classes de servidores do Estado, nesse momento tão difícil para todos.
Essas classes nunca deveriam ter sido ampliadas nas proporções colossais em que figura no orçamento consumido em todas as despesas que acarretam, cerca de 60% da receita papel.
Os que assim procederam além de fazer mal à Nação, sobrecarregando-a com tamanho peso, fizeram mal também aos próprios a quem quiseram favorecer, os quais estão verificando agora como será difícil senão impossível melhorar de uma só vez a sorte de todos, por esse meio de aumentar e aumentar sem cessar a despesa pública.
Além disso, a distribuição de vencimentos civis e militares nem sempre tem sido feita com um critério de justiça e tem dado causa a desgostos e alegações procedentes, que conviria não perder de vista.
Com a prática de alterar os quadros e elevar vencimentos à última hora, na lei do orçamento, certos funcionários de pequenos lugares ficaram muito mais bem aquinhoados do que outros da mesma categoria, e até do que alguns servidores do Estado de funções muito mais importantes e de encargos muito mais pesados.
No interesse de sua autoridade moral os poderes públicos têm a maior conveniência em evitar fatos dessa natureza.
Quer parecer-me que alguns destes devem e podem ser corrigidos, quando representem alteração das boas práticas, sobretudo no serviço militar.
Está nestas condições a criação da classe de sargentos amanuenses do Exército, muito mais remunerados que os seus companheiros da tropa e percebendo vencimentos superiores mesmo aos dos oficiais do menor posto.
Não há necessidade de conservar no Exército essa classe, meio-militar, meio- civil.
Como até bem pouco tempo acontecia, os amanuenses podem ser tirados da própria fileira, dentre os sargentos mais aptos, desde que permaneça nos corpos o número de inferiores necessário ao serviço, e essa designação deverá até constituir, em certas condições, uma preferência agradável aos que receberem.
Seria injustiça dizer que a Nação não tem feito novos sacrifícios para atender as reclamações de seus servidores.
Não há dois meses ainda reformas se realizaram, visando alargamento de quadros, e portanto dando ensejo e muitas vantagens de promoções e maiores esperanças de carreira.
Não há um ano ainda, o Tesouro foi privado de um imposto importantíssimo, no valor de 000:000$000 para dar satisfação às queixas de civis e militares, cujos vencimentos foram dessa forma melhorados.
Estudei com a mais viva simpatia todas as novas pretensões de melhora de vencimentos; mas a preliminar desse estudo, que é o conhecimento da situação do Tesouro, para saber se ele está em condições de fazer frente ainda a tantos e tão vultosos encargos, mostrou-me desde logo a impossibilidade de chegar, ainda em condições modestas, a um resultado favorável a todos os reclamantes.
O meu desejo pessoal seria que a Nação pudesse contentar a todos.
Nada pode ser mais conveniente e agradável a um Governo do que viver numa atmosfera de simpatia e satisfação de todas as classes.
Bem se compreende, pois, que só um alto dever de consciência me fará deixar de colaborar convosco em medidas destinadas a criar uma situação dessa natureza, mais útil a mim próprio do que a quem quer que seja.
Tenho, pois, o direito de esperar que todos os meus concidadãos, a quem este assunto atinge, compreendam o sacrifício que acaso eu tenha de fazer sobre os meus sentimentos, para não faltar ao dever imposto pelas grandes responsabilidades do meu cargo.
A questão não é só de querer, é também de poder, e eu não creio que haja um só coração de brasileiro, capaz de pôr o seu interesse próprio acima do interesse vital da nossa Pátria.
O Congresso que apenas inicia o estudo da receita geral, examinará essas reclamações, o seu número, a extensão dos compromissos que elas criam para o Tesouro, a situação particular de cada classe ou dos seus membros e verá se é possível atendermos, e até que ponto, a interesses tão dignos de respeito, sem prejuízo das conveniências supremas do crédito público em que envolve a honra da Nação.
Senhores,
Agradeço os cumprimentos que Sua Excelência o Senhor Núncio Apostólico me dirige em nome dos Embaixadores Especiais, do Corpo Diplomático aqui acreditado e assim também os votos que formula pelo êxito do meu Governo e pela minha felicidade pessoal e da minha família, e igualmente de quantos vão colaborar comigo na administração do país.
O Brasil honra sempre na devida conta e é muito sensível a essas provas de simpatia e amizade que as outras Nações frequentemente lhe testemunham, e às quais, por seu lado, retribui com sincera efusão e desvanecimento.
Procuramos honrar lealmente esse conceito, trabalhando com afinco em favor da paz, que é a melhor garantia do progresso de todos os povos.
Podeis assegurar aos vossos Augustos Soberanos e Governos, que, entre minhas preocupações de Chefe de Estado, nenhuma será mais constante do que essa.
Os vínculos de solidariedade internacional, que cada vez nos prendem mais, e, através de todas as vicissitudes, vão, felizmente estabelecendo para a humanidade a segurança de um futuro melhor, criaram, ao mesmo tempo, em relação a diversos países, grandes deveres recíprocos para os quais os respectivos dirigentes necessitam olhar com a maior solicitude, no objetivo de aumentar e fortalecer, entre todos eles, o sentimento de cordialidade.
No meio dessas delicadas obrigações, que tornam hoje tão difícil a tarefa de governar, como muito bem acentuou o vosso digno Decano, uma existe que sobreleva bastante às outras, e vem a ser a de garantir o edifício social atual nos seus fundamentos jurídicos próprios.
A estrutura política vigente, para ser melhorada, não carece aderir a ideias subversivas, que importam na destruição total da lei.
A obra da civilização só se acelera com eficácia dentro da ordem.
Fora daí, tudo é incerteza e predomínio das paixões violentas, contra as quais o mundo inteiro precisa estar em guarda, para salvar, com liberdade, a Justiça e o Direito, isto é a porção mais valiosa do patrimônio destes vinte séculos da cultura da humanidade.
As nações da América, em razão de sua própria juventude, estão ainda um pouco indenes do mal, ou não sentiram, por enquanto, em toda a sua tremenda extensão o perigo das propagandas malsãs, mas nem por isso compreendemos menos a necessidade de colaborar ativamente naquela "união-perfeita" que, como disse o vosso ilustre intérprete, "liga todos os países e todos os corações por um só laço de fraternidade cristã".
Com o pensamento assim invariavelmente voltado para os interesses reais e permanentes da paz, da civilização e da humanidade, e sempre numa estreita comunhão de espírito com todos os povos amigos do Brasil, ainda uma vez agradeço a grande honra do vosso comparecimento á minha posse, e significo, por vosso alto intermédio, a Sua Santidade o Papa Pio XI e aos Augustos Soberanos e Governos aqui tão dignamente representados, os votos ardentes que faço pela felicidade pessoal de cada um deles e pela prosperidade de suas respectivas Nações.
O movimento revolucionário, iniciado, vitoriosamente, a 3 de outubro, no Sul, Centro e Norte do País, e triunfante a 24, nesta Capital, foi a afirmação mais positiva que, até hoje, tivemos da nossa existência como nacionalidade.
Em toda a nossa história política, não há, sob esse aspecto, acontecimento semelhante.
Ele é, efetivamente, a expressão viva e palpitante da vontade do povo brasileiro, afinal senhor de seus destinos e supremo árbitro de suas finalidades coletivas.
No fundo e na forma, a Revolução escapou, por isso mesmo, ao exclusivismo de determinadas classes.
Nem os elementos civis venceram as classes armadas, nem estas impuseram àqueles o fato consumado.
Todas as categorias sociais, de alto a baixo, sem diferença de idade ou de sexo, comungaram em um idêntico pensamento fraterno e dominador: -- a construção de uma Pátria nova, igualmente acolhedora para grandes e pequenos, aberta à colaboração de todos os seus filhos.
O Rio Grande do Sul, ao transpor as suas fronteiras, rumo a Itararé, já trazia consigo mais da metade do nosso glorioso Exército.
Por toda parte, como, mais tarde, na Capital da República, a alma popular confraternizava com os representantes das classes armadas, em admirável unidade de sentimentos e aspirações.
Realizamos, pois, um movimento eminentemente nacional.
Essa, a nossa maior satisfação, a nossa maior glória e a base invulnerável sobre que assenta a confiança de que estamos possuídos para a efetivação dos superiores objetivos da Revolução brasileira.
Quando, nesta cidade, as forças armadas e o povo depuseram o Governo Federal, o movimento regenerador já estava, virtualmente, triunfante em todo o País.
A Nação, em armas, acorria de todos os pontos do território pátrio.
No prazo de duas ou três semanas, as legiões do Norte, do Centro e do Sul bateriam às portas da Capital da República.
Não seria difícil prever o desfecho dessa marcha inevitável.
À aproximação das forças libertadoras, o povo do Rio de Janeiro, de cujos sentimentos revolucionários ninguém poderia duvidar, se levantaria em massa, para bater, no seu último reduto, a prepotência inativa e vacilante.
Mas, era bem possível que o Governo, já em agonia, apegado às posições e teimando em manter uma autoridade inexistente de fato, tentasse sacrificar, nas chamas da luta fratricida, seus escassos e derradeiros amigos.
Compreendestes, senhores da Junta Governativa, a delicadeza da situação e, com os vossos valorosos auxiliares, desfechastes, patrioticamente, sobre o simulacro daquela autoridade claudicante o golpe de graça.
Os resultados benéficos dessa atitude constituem legítima credencial dos vossos sentimentos cívicos: integrastes definitivamente o restante das classes armadas na causa da Revolução; poupastes à Pátria sacrifícios maiores de vidas e recursos materiais, e resguardastes esta maravilhosa Capital de danos incalculáveis.
Justo é proclamar, entretanto, senhores da Junta Governativa, que não foram somente esses os motivos que assim vos levaram a proceder.
Preponderava sobre eles o impulso superior do vosso pensamento, já irmanado ao da Revolução.
Era vossa também a convicção de que só pelas armas seria possível restituir a liberdade ao povo brasileiro, sanear o ambiente moral da Pátria, livrando-a da camarilha que a explorava, arrancar a máscara de legalidade com que se rotulavam os maiores atentados à lei e à justiça -- abater a hipocrisia, a farsa e o embuste.
E, finalmente, era vossa também a convicção de que urgia substituir o regime de ficção democrática, em que vivíamos, por outro, de realidade e confiança.
Passado, agora, o momento das legítimas expansões pela vitória alcançada, precisamos refletir maduramente sobre a obra de reconstrução que nos cumpre realizar.
Para não defraudarmos a expectativa alentadora do povo brasileiro; para que este continue a nos dar seu apoio e colaboração, devemos estar à altura da missão que nos foi por ele confiada.
Ela é de iniludível responsabilidade.
Tenhamos a coragem de levá-la a seu termo definitivo, sem violências desnecessárias, mas sem contemplações de qualquer espécie.
O trabalho de reconstrução, que nos espera, não admite medidas contemporizadoras.
Implica o reajustamento social e econômico de todos os rumos até aqui seguidos.
Não tenhamos medo à verdade.
Precisamos, por atos e não por palavras, cimentar a confiança da opinião pública no regime que se inicia.
Comecemos por desmontar a máquina do filhotismo parasitário, com toda a sua descendência espúria.
Para o exercício das funções públicas, não deve mais prevalecer o critério puramente político.
Confiemo-las aos homens capazes e de reconhecida idoneidade moral.
A vocação burocrática e a caça ao emprego público, em um país de imensas possibilidades -- verdadeiro campo aberto a todas as iniciativas do trabalho -- não se justificam.
Esse, com o caciquismo eleitoral, são males que têm de ser combatidos tenazmente.
No terreno financeiro e econômico há toda uma ordem de providências essenciais a executar, desde a restauração do crédito público ao fortalecimento das fontes produtoras, abandonadas às suas dificuldades e asfixiadas sob o peso de tributações de exclusiva finalidade fiscal.
Resumindo as ideias centrais do nosso programa de reconstrução nacional, podemos destacar, como mais oportunas e de imediata utilidade:
1) concessão de anistia;.
2) saneamento moral e físico, extirpando ou inutilizando os agentes de corrupção, por todos os meios adequados a uma campanha sistemática de defesa social e educação sanitária;.
3) difusão intensiva do ensino público, principalmente técnico-profissional, estabelecendo, para isso, um sistema de estímulo e colaboração direta com os Estados.
Para ambas as finalidades, justificar- se-ia a criação de um Ministério de Instrução e Saúde Pública, sem aumento de despesas;.
4) instituição de um Conselho Consultivo, composto de individualidades eminentes, sinceramente integradas na corrente das ideias novas;.
5) nomeação de comissões de sindicâncias, para apurarem a responsabilidade dos governos depostos e de seus agentes, relativamente ao emprego dos dinheiros públicos;.
6) remodelação do Exército e da Armada, de acordo com as necessidades da defesa nacional;.
7) reforma do sistema eleitoral, tendo em vista, precipuamente, a garantia do voto;.
8) reorganização do aparelho judiciário, no sentido de tornar uma realidade a independência moral e material da magistratura, que terá competência para conhecer do processo eleitoral em todas as suas fases;.
9) feita a reforma eleitoral, consultar a Nação sobre a escolha de seus representantes, com poderes amplos de constituintes, a fim de procederem à revisão do Estatuto Federal, melhor amparando as liberdades públicas e individuais e garantindo a autonomia dos Estados contra as violações do Governo central;.
10) consolidação das normas administrativas, com o intuito de simplificar a confusa e complicada legislação vigorante, bem como de refundir os quadros do funcionalismo, que deverá ser reduzido ao indispensável, suprimindo-se os adidos e excedentes;.
11) manter uma administração de rigorosa economia, cortando todas as despesas improdutivas e suntuárias -- único meio eficiente de restaurar as nossas finanças e conseguir saldos orçamentários reais;.
12) reorganização do Ministério da Agricultura, aparelho, atualmente, rígido e inoperante, para adaptá-lo às necessidades do problema agrícola brasileiro;.
13) intensificar a produção pela policultura e adotar uma política internacional de aproximação econômica, facilitando o escoamento das nossas sobras exportáveis;.
14) rever o sistema tributário, de modo a amparar a produção nacional, abandonando o protecionismo dispensado às indústrias artificiais, que não utilizam matéria-prima do País e mais contribuem para encarecer a vida e fomentar o contrabando;.
15) instituir o Ministério do Trabalho, destinado a superintender a questão social, o amparo e a defesa do operariado urbano e rural;.
16) promover, sem violência, a extinção progressiva do latifúndio, protegendo a organização da pequena propriedade, mediante a transferência direta de lotes de terras de cultura ao trabalhador agrícola, preferentemente ao nacional, estimulando-o a construir com as próprias mãos, em terra própria, o edifício de sua prosperidade;.
17) organizar um plano geral, ferroviário e rodoviário, para todo o País, a fim de ser executado gradualmente, segundo as necessidades públicas e não ao sabor de interesses de ocasião.
Como vedes, temos vasto campo de ação, cujo perímetro pode, ainda, alargar-se em mais de um sentido, se nos for permitido desenvolver o máximo de nossas atividades.
Mas, para que tal aconteça, para que tudo isso se realize, torna-se indispensável, antes de mais nada, trabalhar com fé, ânimo decidido e dedicação.
Quanto aos motivos que atiraram o povo brasileiro à Revolução, supérfluo seria analisá-los, depois de, tão exata e brilhantemente, tê-lo feito, em nome da Junta Governativa, o Sr. General Tasso Fragoso, homem de pensamento e de ação e que, a par de sua cultura e superioridade moral, pode invocar o honroso título de discípulo do grande Benjamin Constant.
Através da palavra do ilustre militar, apreende-se a mesma impressão panorâmica dos acontecimentos, que vos desenhei, já, a largos traços: a Revolução foi a marcha incoercível e complexa da nacionalidade, a torrente impetuosa da vontade popular, quebrando todas as resistências, arrastando todos os obstáculos, à procura de um rumo novo, na encruzilhada dos erros do passado.
Senhores da Junta Governativa:
Assumo, provisoriamente, o Governo da República, como delegado da Revolução, em nome do Exército, da Marinha e do povo brasileiro, e agradeço os inesquecíveis serviços que prestastes à Nação, com a vossa nobre e corajosa atitude, correspondendo, assim, aos altos destinos da Pátria.
À NAÇÃO.
O homem de Estado, quando as circunstâncias impõem.
uma decisão excepcional, de amplas repercussões e profundos efeitos na vida do País, acima das deliberações ordinárias da atividade governamental, não pode fugir ao dever de tomá-la, assumindo, perante a sua consciência e a consciência dos seus concidadãos, as responsabilidades inerentes à alta função que lhe foi delegada pela confiança Nacional.
A investidura na suprema direção dos negócios públicos não envolve, apenas, a obrigação de cuidar e prover as necessidades imediatas e comuns da administração.
As exigências do momento histórico e as solicitações do interesse coletivo reclamam, por vezes, imperiosamente, a adoção de medidas que afetam os pressupostos e convenções do regime, os próprios quadros institucionais, os processos e métodos de governo.
Por certo, essa situação especialíssima só se caracteriza sob aspectos graves e decisivos nos períodos de profunda perturbação política, econômica e social.
A contingência de tal ordem chegamos, infelizmente, como resultante de acontecimentos conhecidos, estranhos à ação governamental, que não os provocou nem dispunha de meios adequados para evitá-los ou remover-lhes as funestas consequências.
Oriundo de um movimento revolucionário de amplitude nacional e mantido pelo poder constituinte da Nação, o Governo continuou, no período legal, a tarefa encetada de restauração econômica e financeira e, fiel às convenções do regime, procurou criar, pelo alheamento às competições partidárias, uma atmosfera de serenidade e confiança, propícia ao desenvolvimento das instituições democráticas.
Enquanto assim procedia, na esfera estritamente política, aperfeiçoava a obra de justiça social a que se votara desde o seu advento, pondo em prática um programa isento de perturbações e capaz de atender às justas reivindicações das classes trabalhadoras, de preferência as concernentes às garantias elementares de estabilidade e segurança econômica, sem as quais não pode o indivíduo tornar-se útil à coletividade e compartilhar dos benefícios da civilização.
Contrastando com as diretrizes governamentais, inspiradas sempre no sentido construtivo e propulsor das atividades gerais, os quadros políticos permaneciam adstritos aos simples processos de aliciamento eleitoral.
Tanto os velhos partidos como os novos, em que os velhos se transformaram sob novos rótulos, nada exprimiam ideologicamente, mantendo-se à sombra de ambições pessoais ou de predomínios localistas, a serviço de grupos empenhados na partilha dos despojos e nas combinações oportunistas em torno de objetivos subalternos.
A verdadeira função dos partidos políticos, que consiste em dar expressão e reduzir a princípios de governo as aspirações e necessidades coletivas, orientando e disciplinando as correntes de opinião, essa, de há muito, não a exercem os nossos agrupamentos partidários tradicionais.
O fato é sobremodo sintomático se lembrarmos que da sua atividade depende o bom funcionamento de todo sistema baseado na livre concorrência de opiniões e interesses.
Para comprovar a pobreza e desorganização da nossa vida política, nos moldes em que se vem processando, aí está o problema da sucessão presidencial, transformado em irrisória competição de grupos, obrigados a operar pelo suborno e pelas promessas demagógicas, diante do completo desinteresse e total indiferença das forças vivas da Nação.
Chefes de governos locais, capitaneando desassossegos e oportunismo, transformaram-se, de um dia para outro, à revelia da vontade popular, em centros de decisão política, cada qual decretando uma candidatura, como se a vida do País, na sua significação coletiva, fosse simples convencionalismo, destinado a legitimar as ambições do caudilhismo provinciano.
Nos períodos de crise, como o que atravessamos, a democracia de partidos, em lugar de oferecer segura oportunidade de crescimento e de progresso, dentro das garantias essenciais à vida e à condição humana, subverte a hierarquia, ameaça a unidade pátria e põe em perigo a existência da Nação, extremando as competições e acendendo o facho da discórdia civil.
Acresce, ainda, notar que, alarmados pela atoarda dos agitadores profissionais e diante da complexidade da luta política, os homens que não vivem dela mas do seu trabalho deixam os partidos entregues aos que vivem deles, abstendo-se de participar de vida pública, que só poderia beneficiar-se com a intervenção dos elementos de ordem e de ação construtora.
O sufrágio universal passa, sim, a ser instrumento dos mais audazes e máscara que mal dissimula o conluio dos apetites pessoais e de corrilhos.
Resulta daí não ser a economia nacional organizada que influi ou prepondera nas decisões governamentais, mas as forças econômicas de caráter privado, insinuadas no poder e dele se servindo em prejuízo dos legítimos interesses da comunidade.
Quando os partidos tinham objetivos de caráter meramente político, com a extensão de franquias constitucionais e reivindicações semelhantes, as suas agitações ainda podiam processar-se à superfície da vida social, sem perturbar as atividades do trabalho e da produção.
Hoje, porém, quando a influência e o controle do Estado sobre a economia tendem a crescer, a competição política tem por objetivo o domínio das forças econômicas, e a perspectiva da luta civil, que espia, a todo o momento, os regimes dependentes das flutuações partidárias, é substituída pela perspectiva incomparavelmente mais sombria da luta de classes.
Em tais circunstâncias, a capacidade de resistência do regime desaparece e a disputa pacífica das urnas é transportada para o campo da turbulência agressiva e dos choques armados.
É dessa situação perigosa que nos vamos aproximando.
A inércia do quadro político tradicional e a degenerescência dos partidos em clãs facciosos são fatores que levam, necessariamente, a armar o problema político, não em termos democráticos, mas em termos de violência e de guerra social.
Os preparativos eleitorais foram substituídos, em alguns Estados, pelos preparativos militares, agravando os prejuízos que já vinha sofrendo a Nação, em consequência da incerteza e instabilidade criadas pela agitação facciosa.
O caudilhismo regional, dissimulado sob aparências de organização partidária, armava-se para impor à Nação as suas decisões, constituindo-se, assim, em ameaça ostensiva à unidade nacional.
Por outro lado, as novas formações partidárias surgidas em todo o mundo, por sua própria natureza refratárias aos processos democráticos, oferecem perigo imediato para as instituições, exigindo, de maneira urgente e proporcional à virulência dos antagonismos, o reforço do poder central.
Isso mesmo já se evidenciou por ocasião do golpe extremista de 1935, quando o Poder Legislativo foi compelido a emendar a Constituição e a instituir o estado de guerra, que, depois de vigorar mais de um ano, teve de ser restabelecido por solicitação das forças armadas, em virtude do recrudescimento do surto comunista, favorecido pelo ambiente turvo dos comícios e da caça ao eleitorado.
A consciência das nossas responsabilidades indicava, imperativamente, o dever de restaurar a autoridade nacional, pondo termo a essa condição anômala da nossa existência política, que poderá conduzir-nos à desintegração, como resultado final dos choques de tendências inconciliáveis e do predomínio dos particularismos de ordem local.
Colocada entre as ameaças caudilhescas e o perigo das formações partidárias sistematicamente agressivas, a Nação, embora tenha por si o patriotismo da maioria absoluta dos brasileiros e o amparo decisivo e vigilante das forças armadas, não dispõe de meios defensivos eficazes dentro dos quadros legais, vendo-se obrigada a lançar mão, de modo normal, das medidas excepcionais que caracterizam o estado de risco iminente da soberania nacional e da agressão externa.
Essa é a verdade, que precisa ser proclamada, acima de temores e subterfúgios.
A organização constitucional de 1934, vazada nos moldes clássicos do liberalismo e do sistema representativo, evidenciara falhas lamentáveis, sob esse e outros aspectos.
A Constituição estava, evidentemente, antedatada em relação ao espírito do tempo.
Destinava-se a uma realidade que deixara de existir.
Conformada em princípios cuja validade não resistira ao abalo da crise mundial, expunha as instituições por ela mesma criadas à investida dos seus inimigos, com a agravante de enfraquecer e anemizar o poder público.
O aparelhamento governamental instituído não se ajustava às exigências da vida nacional; antes, dificultava-lhe a expansão e inibia-lhe os movimentos.
Na distribuição das atribuições legais, não se colocara, como se devera fazer, em primeiro plano, o interesse geral; aluíram-se as responsabilidades entre os diversos poderes, de tal sorte que o rendimento do aparelho do Estado ficou reduzido ao mínimo e a sua eficiência sofreu danos irreparáveis, continuamente expostos à influência dos interesses personalistas e das composições políticas eventuais.
Não obstante o esforço feito para evitar os inconvenientes das assembleias exclusivamente políticas, o Poder Legislativo, no regime da Constituição de 1934, mostrou- se, irremediavelmente, inoperante.
Transformada a Assembleia Nacional Constituinte em Câmara de Deputados, para elaborar, nos precisos termos do dispositivo constitucional, as leis complementares constantes da mensagem do Chefe do Governo Provisório de 10 de abril de 1934, não se conseguira, até agora, que qualquer delas fosse ultimada, malgrado o funcionamento quase ininterrupto das respectivas sessões.
Nas suas pastas e comissões se encontram, aguardando deliberação, numerosas iniciativas de inadiável necessidade nacional, como sejam: o Código do Ar, o Código das Águas, o Código de Minas, o Código Penal, o Código do Processo, os projetos da Justiça do Trabalho, da criação dos Institutos do Mate e do Trigo, etc., etc.
Não deixaram, entretanto, de ter andamento e aprovação as medidas destinadas a favorecer interesses particulares, algumas, evidentemente, contrárias aos interesses nacionais e que, por isso mesmo, receberam veto do Poder Executivo.
Por seu turno, o Senado Federal permanecia no período de definição das suas atribuições, que constituíam motivo de controvérsia e de contestação entre as duas Casas legislativas.
A fase parlamentar da obra governamental se processava antes como um obstáculo do que como uma colaboração digna de ser conservada nos termos em que a estabelecera a Constituição de 19.
Função elementar e, ao mesmo tempo, fundamental, a própria elaboração orçamentária nunca se ultimou nos prazos regimentais, com o cuidado que era de se exigir.
Todos os esforços realizados pelo Governo no sentido de estabelecer o equilíbrio orçamentário se tornavam inúteis, desde que os representantes da Nação agravavam sempre o montante das despesas, muitas vezes, em benefício de iniciativas ou de interesses que nada tinham a ver com o interesse público.
Constitui ato de estrita justiça consignar que em ambas as casas do Poder Legislativo existiam homens cultos, devotados e patriotas, capazes de prestar esclarecido concurso às mais delicadas funções públicas, tendo, entretanto, os seus esforços invalidados pelos próprios defeitos de estrutura do órgão a que não conseguiam emprestar as suas altas qualidades pessoais.
A manutenção desse aparelho inadequado e dispendioso era de todo desaconselhável.
Conservá-lo seria, evidentemente, obra de espírito acomodatício e displicente, mais interessado pelas acomodações da clientela política do que pelo sentimento das responsabilidades assumidas.
Outros, por certo, prefeririam transferir aos ombros do Legislativo os ônus e dificuldades que o Executivo terá de enfrentar para resolver diversos problemas de grande relevância e de graves repercussões, visto afetarem poderosos interesses organizados, interna e externamente.
Compreende-se, desde logo, que me refiro, entre outros, aos da produção cafeeira e regularização da nossa dívida externa.
O Governo atual herdou os erros acumulados em cerca de vinte anos de artificialismo econômico, que produziram o efeito catastrófico de reter stocks e valorizar o café, dando em resultado o surto da produção noutros países, apesar dos esforços empreendidos para equilibrar, por meio de quotas, a produção e o consumo mundial da nossa mercadoria básica.
Procurando neutralizar a situação calamitosa encontrada em 1930, iniciamos uma política de descongestionamento, salvando da ruína a lavoura cafeeira e encaminhando os negócios de modo que fosse possível restituir, sem abalos, o mercado do café às suas condições normais.
Para atingir esse objetivo, cumpria aliviar a mercadoria dos pesados ônus que a encareciam, o que será feito sem perda de tempo, resolvendo-se o problema da concorrência no mercado mundial e marchando decisivamente para a liberdade de comércio do produto.
No concernente à dívida externa, o serviço de amortização e juros constitui questão vital para a nossa economia.
Enquanto foi possível o sacrifício da exportação de ouro, a fim de satisfazer as prestações estabelecidas, o Brasil não se recusou a fazê-lo.
É claro, porém, que os pagamentos, no exterior, só podem ser realizados com o saldo da balança comercial.
Sob a aparência de moeda, que vela e disfarça a natureza do fenômeno de base nas relações econômicas, o que existe, em última análise, é a permuta de produtos.
A transferência de valores destinados a atender a esses compromissos pressupõe, naturalmente, um movimento de mercadorias do País devedor para os seus clientes no exterior, em volume suficiente para cobrir as responsabilidades contraídas.
Nas circunstâncias atuais, dados os fatores que tendem a criar restrições à livre circulação das riquezas no mercado mundial, a aplicação de recursos em condições de compensar a diferença entre as nossas disponibilidades e as nossas obrigações só pode ser feita mediante o endividamento crescente do País e a debilitação da sua economia interna.
Não é demais repetir que os sistemas de quotas, contingenciamentos e compensações, limitando, dia a dia o movimento e volume das trocas internacionais, têm exigido, mesmo nos países de maior rendimento agrícola e industrial, a revisão das obrigações externas.
A situação impõe, no momento, a suspensão do pagamento de juros e amortizações, até que seja possível reajustar os compromissos sem dessangrar e empobrecer o nosso organismo econômico.
Não podemos por mais tempo continuar a solver dívidas antigas pelo processo ruinoso de contrair outras mais vultosas, o que nos levaria, dentro de pouco, à dura contingência de adotar solução mais radical.
Para fazer face às responsabilidades decorrentes dos nossos compromissos externos, lançamos sobre a produção nacional o pesado tributo que consiste no confisco cambial, expresso na cobrança de uma taxa oficial de 35%, redundando, em última análise, em reduzir de igual percentagem os preços, já tão aviltados, das mercadorias de exportação.
É imperioso pôr um termo a esse confisco, restituindo o comércio de câmbio às suas condições normais.
As nossas disponibilidades no estrangeiro, absorvidas, na sua totalidade, pelo serviço da dívida e não bastando, ainda assim, às suas exigências, dão em resultado nada nos sobrar para a renovação do aparelhamento econômico, do qual depende todo o progresso nacional.
Precisamos equipar as vias férreas do País, de modo a oferecerem transporte econômico aos produtos das diversas regiões, bem como construir novos traçados e abrir rodovias, prosseguindo na execução do nosso plano de comunicações, particularmente no que se refere à penetração do Hinterland e articulação dos centros de consumo interno com os escoadouros de exportação.
Por outro lado, essas realizações exigem que se instale a grande siderurgia, aproveitando a abundância de minério, num vasto plano de colaboração do Governo com os capitais estrangeiros que pretendam emprego remunerativo, e fundando, de maneira definitiva, as nossas indústrias de base, em cuja dependência se acha o magno problema da defesa nacional.
É necessidade inadiável, também, dotar as forças armadas de aparelhamento eficiente, que as habilite a assegurar a integridade e a independência do País, permitindo-lhe cooperar com as demais nações do Continente na obra de preservação da paz.
Para reajustar o organismo político às necessidades econômicas do País e garantir as medidas apontadas, não se oferecia outra alternativa além da que foi tomada, instaurando- se um regime forte, de paz, de justiça e de trabalho.
Quando os meios de governo não correspondem mais às condições de existência de um povo, não há outra solução senão mudá-los, estabelecendo outros moldes de ação.
A Constituição hoje promulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar o que se considera substancial nos sistemas de opinião: manteve a forma democrática, o processo representativo e a autonomia dos Estados, dentro das linhas tradicionais da federação orgânica.
Circunstâncias de diversas naturezas apressaram o desfecho desse movimento, que constitui manifestação de vitalidade das energias nacionais extrapartidárias.
O povo o estimulou e acolheu com inequívocas demonstrações de regozijo, impacientado e saturado pelos lances entristecedores da política profissional; o Exército e a Marinha o reclamaram como imperativo da ordem e da segurança nacional.
Ainda ontem, culminando nos propósitos demagógicos, um dos candidatos presidenciais mandava ler da tribuna da Câmara dos Deputados documento francamente sedicioso e o fazia distribuir nos quartéis das corporações militares, que, num movimento de saudável reação às incursões facciosas, souberam repelir tão aleivosa exploração, discernindo, com admirável clareza, de que lado estavam, no momento, os legítimos reclamos da consciência brasileira.
Tenho suficiente experiência das asperezas do poder para deixar-me seduzir pelas suas exterioridades e satisfações de caráter pessoal.
Jamais concordaria, por isso, em permanecer à frente dos negócios públicos se tivesse de ceder quotidianamente às mesquinhas injunções da acomodação política, sem a certeza de poder trabalhar, com real proveito, pelo maior bem da coletividade.
Prestigiado pela confiança das forças armadas e correspondendo aos generalizados apelos dos meus concidadãos, só acedi em sacrificar o justo repouso a que tinha direito, ocupando a posição em que me encontro, com o firme propósito de continuar servindo à Nação.
As decepções que o regime derrogado trouxe ao País não se limitaram ao campo moral e político.
A economia nacional, que pretendera participar das responsabilidades do Governo, foi também frustrada nas suas justas aspirações.
Cumpre restabelecer, por meio adequado, a eficácia da sua intervenção e colaboração na vida do Estado.
Ao invés de pertencer a uma assembleia política, em que, é óbvio, não se encontram os elementos essenciais às suas atividades, a representação profissional deve constituir um órgão de cooperação na esfera do poder público, em condições de influir na propulsão das forças econômicas e de resolver o problema do equilíbrio entre o capital e o trabalho.
Considerando de frente e acima dos formalismos jurídicos a lição dos acontecimentos, chega-se a uma conclusão iniludível, a respeito da gênese política das nossas instituições: elas não corresponderam, desde 1889, aos fins para que se destinavam.
Um regime que, dentro dos ciclos prefixados de quatro anos, quando se apresentava o problema sucessório presidencial, sofria tremendos abalos, verdadeiros traumatismos mortais, dada a inexistência de partidos nacionais e de princípios doutrinários que exprimissem as aspirações coletivas, certamente não valia o que representava e operava, apenas, em sentido negativo.
Numa atmosfera privada de espírito público, como essa em que temos vivido, onde as instituições se reduziam às aparências e aos formalismos, não era possível realizar reformas radicais sem a preparação prévia dos diversos fatores da vida social.
Torna-se impossível estabelecer normas sérias e sistematização eficiente à educação, à defesa e aos próprios empreendimentos de ordem material, se o espírito que rege a política geral não estiver conformado em princípios que se ajustem às realidades nacionais.
Se queremos reformar, façamos, desde logo, a reforma política.
Todas as outras serão consectárias desta, e sem ela não passarão de inconsistentes documentos de teoria política.
Passando do Governo propriamente dito ao processo da sua constituição, verificava-se, ainda, que os meios não correspondiam aos fins.
A fase culminante do processo político sempre foi a da escolha de candidato à Presidência da República.
Não existia mecanismo constitucional prescrito a esse processo.
Como a função de escolher pertencia aos partidos e como estes se achavam reduzidos a uma expressão puramente nominal, encontrávamo-nos em face de uma solução impossível, por falta de instrumento adequado.
Daí, as crises periódicas do regime, pondo, quadrienalmente, em perigo a segurança das instituições.
Era indispensável preencher a lacuna, incluindo na própria Constituição o processo de escolha dos candidatos à suprema investidura, de maneira a não se reproduzir o espetáculo de um corpo político desorganizado e perplexo, que não sabe, sequer, por onde começar o ato em virtude do qual se define e afirma o fato mesmo da sua existência.
A campanha presidencial, de que tivemos, apenas, um tímido ensaio, não podia, assim, encontrar, como efetivamente não encontrou, repercussão no País.
Pelo seu silêncio, a sua indiferença, o seu desinteresse, a Nação pronunciou julgamento irrecorrível sobre os artifícios e as manobras a que se habituou a assistir periodicamente, sem qualquer modificação no quadro governamental que se seguia às contendas eleitorais.
Todos sentem, de maneira profunda, que o problema de organização do Governo deve processar-se em plano diferente e que a sua solução transcende os mesquinhos quadros partidários, improvisados nas vésperas dos pleitos, com o único fim de servir de bandeira a interesses transitoriamente agrupados para a conquista do poder.
A gravidade da situação que acabo de escrever em rápidos traços está na consciência de todos os brasileiros.
Era necessário e urgente optar pela continuação desse estado de coisas ou pela continuação do Brasil.
Entre a existência nacional e a situação de caos, de irresponsabilidade e desordem em que nos encontrávamos, não podia haver meio termo ou contemporização.
Quando as competições políticas ameaçam degenerar em guerra civil, é sinal de que o regime constitucional perdeu o seu valor prático, subsistindo, apenas, como abstração.
A tanto havia chegado o País.
A complicada máquina de que dispunha para governar-se não funcionava.
Não existiam órgãos apropriados através dos quais pudesse exprimir os pronunciamentos da sua inteligência e os decretos da sua vontade.
Restauremos a Nação na sua autoridade e liberdade de ação: na sua autoridade, dando-lhe os instrumentos de poder real e efetivo com que possa sobrepor-se às influências desagregadoras, internas ou externas; na sua liberdade, abrindo o plenário do julgamento nacional sobre os meios e os fins do Governo e deixando-a construir livremente a sua história e o seu destino.
Senhor Ministro José Linhares:
Eleito e proclamado Presidente da República para o período que hoje se inicia, é com verdadeira emoção cívica que recebo das mãos de V. Exa o alto cargo que vem exercendo desde 29 de outubro último.
É mister assinalar que a Nação assistiu, durante esse lapso de tempo, ao esforço do Governo por bem conduzi-la com os seus anseios e necessidades.
Embora, justamente tocado no mais profundo dos meus sentimentos de cidadão pela alta honra que me conferiu o povo brasileiro, através da grande maioria de seus sufrágios, recebo a investidura sem vaidades, que nunca tive no serviço da Pátria, antes com a plena consciência das graves responsabilidades que a escolha impõe ao meu patriotismo e com o sincero desejo de concorrer para a paz da família brasileira, para a melhoria das condições de vida de todos os meus concidadãos e o crescente prestígio do nosso País no concerto das Nações civilizadas.
Imensamente agradecido às forças políticas e populares que contribuíram para a vitória de minha candidatura e convicto de sua indispensável solidariedade e apoio para a grandiosa tarefa que a todos nos incumbe desempenhar, não aspiro a ser, no exercício de meu mandato, senão o Presidente de todos os brasileiros, em tudo quanto se refira ao interesse nacional, ao deferimento da justiça, ao tratamento imparcial de meus compatriotas pelo reconhecimento de seus direitos e garantias.
Estou certo de que os novos legisladores constituintes, saindo como eu das urnas inatacáveis pela lisura e liberdade dos comícios de 2 de dezembro, saberão corresponder às necessidades coletivas, elaborando um Estatuto fundamental, em que se assegurem os direitos da pessoa humana e se estabeleçam as regras indispensáveis à paz social e às prementes exigências de nosso poder econômico, que deve ser fortalecido, para que não se agravem as condições de existência de todos nós, sobretudo das classes trabalhadoras, que clamam não apenas pelo reconhecimento legal de suas reivindicações, senão também pela elevação do nível de vida em que se encontram.
No plano da recuperação econômica, deve merecer proeminência o amparo às forças produtoras, pela certeza que só por meio de criação de riqueza chegaremos à estabilidade social, com a melhoria do padrão de vida comum.
Preocupado em corresponder à expectativa dos meus compatriotas, comprometo-me a manter, em tudo quanto a mim depender, o sistema democrático que resultar das deliberações da Assembléia Nacional, sem o menor cerceamento das liberdades públicas, inseparáveis de um regime de opinião.
Afirmo o propósito de receber com simpatia as sugestões que venham de qualquer setor, decidido a concorrer para uma obra de estreita e proveitosa cooperação entre o povo e o Governo, num clima de ordem moral e material, indispensável ao trabalho fecundo.
Proclamando o empenho em que estou de contar com a colaboração construtiva de nossas elites culturais, que tanto podem fazer na orientação de nossos trabalhos e no esforço pelo processo e aperfeiçoamento da educação nacional.
Tendo desde a adolescência consagrado minha modesta existência aos árduos deveres militares, em cujo espírito de abnegação e disciplina se aprimora o culto da Pátria, espero concorrer para o engrandecimento das classes armadas, sobre cujos ombros repousa a segurança interna e externa do Brasil.
Nada tenho a inovar nas grandes linhas de nossa política internacional, que se tem afirmado numa perfeita continuidade histórica.
Ministro referendário da declaração de guerra aos Países do Eixo, que ensanguuyentaram o mundo movidos por um espírito criminoso de agressão e de conquista, prosseguirá o Governo na mais estreita cooperação e solidariedade com as Nações Unidas, sobretudo com os Estados Unidos e as Repúblicas deste hemisfério, sem perder de vista que os nossos esforços e sacrifícios, pela vitória comum, devem assegurar ao Brasil uma posição digna de respeito e reconhecimento de nossos nobres aliados.
Pode o povo brasileiro confiar em meus leais propósitos de proporcionar, nas próximas eleições estaduais, o máximo de garantias para um livre pronunciamento de todos os cidadãos, de todos os Partidos.
Esta é apenas uma singela mensagem de reconhecimento dos meus compatriotas, pela honra que me conferiram, escolhendo-me para dirigir os seus destinos nos anos difíceis que nos esperam e que reclamam de governantes e governados uma soma de sacrifícios e renúncias, a fim de vencermos as dificuldades que nos defrontam, agravadas ainda pelas condições de um período de reconstrução universal.
Soldado, subindo ao poder como simples cidadão, espero em Deus as forças necessárias para fazer um governo civil, honesto e útil, ao meu País, um governo que possa corresponder às exigências de tão grave conjuntura, atento sempre aos imperativos da opinião nacional.
Com estes sentimentos é que recebo o Governo da República, Sr. Ministro José Linhares, disposto, como acentuei, a trabalhar na obra de continuidade que venha fortalecer a grandeza do País, correspondendo às aspirações reais da comunidade brasileira.
Brasileiros!
Ao deixar o recinto do Congresso Nacional, onde ao lado do ilustre Vice-Presidente da República, Sr. Café Filho, meu companheiro de chapa e de Governo, prestei o compromisso legal de servir ao Brasil, às suas instituições livres e aos seus interesses supremos, o meu primeiro desejo foi dirigir-me ao Povo para participar do seu contentamento e comungar das suas esperanças.
Eleito a 3 de outubro como o candidato do Povo, aspiro e espero governar como o Presidente do Povo.
Ordenastes e eu obedeci.
Deus é testemunha das minhas relutâncias íntimas em participar de uma campanha que pudesse agravar os vossos sofrimentos e fomentar discórdias e animosidades entre os brasileiros.
Não temia os riscos, os ônus e as vicissitudes de luta política, nem me enfraqueciam o ânimo, as ameaças e as provocações diretas ou veladas.
Mesmo assim não me decidi a disputar o pleito sem antes esgotar todos os recursos de conciliação e harmonia das forças políticas.
O insucesso dos meus esforços e o malogro das minhas esperanças não abriram outro horizonte que não fosse o da luta que procuramos manter em termos de isenção e elevação.
Os profetas de calamidades, como aves agoureiras, andaram anunciando a aproximação das horas de cataclismo.
Outros, como falsos pastores, pretendiam assumir uma espécie de curatela da opinião popular porque ainda não estávamos amadurecidos e preparados para os prélios cívicos e os embates ideológicos que fortalecem e vivificam o exercício e a prática da democracia.
Os seus prognósticos lúgubres e as suas previsões funestas não se confirmaram.
A eleição de 3 de outubro desmentiu os seus presságios e também os argumentos engendrados que apenas escondiam os receios duma competição livre que permitisse ao povo exprimir a escolha e a preferência.
A ordem não foi perturbada.
Os poderes públicos permaneceram nos limites constitucionais e não precisaram extravasar para os recursos das medidas de exceção.
A Nação não interrompeu o ritmo dos seus trabalhos e atividades.
O Governo Federal, os órgãos da magistratura e as Forças Armadas merecem louvores pela sua contribuição para a lisura, a liberdade e a tranquilidade da propaganda e do pleito.
Os profissionais da desordem, os conspiradores impenitentes e os inimigos da paz social não encontraram ambiente propício para a aventura, o terror, a violência ou a demagogia.
O povo brasileiro ofereceu um exemplo vivo de maturidade política, cultura cívica e aprimoramento coletivo.
Não reagiu às provocações nem se deixou emaranhar nas ciladas da traição.
Não se deixou vencer pelo engodo das promessas ou pelas tentações da corrupção.
Não perdeu por um só momento a calma, a confiança, as virtudes da fé e a convicção serena de que o voto depositado nas urnas seria contado e respeitado.
Não valeriam contra a sua vontade nem prevaleceriam contra a sua decisão os sofismas, as maquinações, as intrujices, as chicanas e as rabulices jurídicas dos que andaram tentando fraudar e perverter a limpidez e a legitimidade dos mandatos oriundos de uma eleição reconhecida e proclamada como a mais livre e honesta da nossa história republicana.
Aos partidos, aliados ou adversários, e aos ilustres candidatos, que disputaram comigo os sufrágios e as preferências do povo, quero deixar registrado o testemunho da minha admiração e respeito pela elevação, dignidade e cortesia com que se conduziram, honrando os padrões e as conquistas da nossa civilização política.
A eleição de 3 de outubro não representa para mim apenas a designação da estima pública ou o coroamento duma carreira devotada aos interesses, às aspirações e ao serviço da comunidade nacional e das populações ignoradas e esquecidas.
Eu a recolhi como um julgamento e com a força dum veredito irrecorrível.
Ao deixar o Governo, o apodo, as invectivas e a calúnia fizeram de mim o objeto e a vítima do ódio e da injustiça.
Malsinaram atos, intenções e propósitos e desfiguraram a verdade ao sabor das suas prevenções e malignidades.
Nunca ditei uma palavra de amargor e sufoquei sempre as penas e as mágoas que me causavam a fúria e a impiedade das suas setas envenenadas.
As mensagens de solidariedade, as palavras de conforto, as numerosas provas de gratidão e bondade, partidas da gente anônima e obscura e que chegaram diariamente ao meu retiro, tiveram o efeito dum bálsamo consolador e ao mesmo tempo reavivaram a crença nas virtudes do povo brasileiro e no dever que me competia de continuar pugnando pelos seus direitos e pelas suas causas.
A minha candidatura não nasceu, por isso, das injunções da política ou das combinações dos Partidos.
Ela veio diretamente do povo, dos seus apelos e dos seus clamores.
Por isso vos escolhi, intrépido e valoroso povo carioca, para serdes o intérprete da minha imensa gratidão.
Serei fiel ao mandato, às responsabilidades e aos deveres que me impusestes numa alentadora renovação de apoio e confiança.
Não venho semear ilusões, nem deveis esperar de mim os prodígios e os milagres de um messianismo retardatário Não vos aceno com a idade da plenitude e da abundância como um fabricante de sortilégios.
Não vos quero enganar com projetos ambiciosos e programas grandiosos, imaginativos e irrealizáveis.
Tendes direito a uma vida melhor e a uma participação gradual e equitativa nos produtos do trabalho, na comunhão da riqueza e nos frutos e benefícios do progresso, do conforto e as amenidades da existência.
A todos sem exceções odiosas e discriminações irritantes devem ser assegurados a igualdade das oportunidades, o acesso das facilidades educacionais, a participação efetiva nos conselhos da administração pública, a remuneração compensadora do trabalho, os cuidados e os desvelos do Estado nas horas do infortúnio, a segurança econômica, o bem-estar coletivo e a justiça social.
A economia popular, fruto do trabalho, será defendida e protegida.
É ao próprio povo, em primeiro lugar, que cabe a vigilância do mais sagrado dos direitos, que é o direito da necessidade.
Os especuladores dos lucros ilícitos, os exploradores da pobreza, os mercadores da miséria alheia ficam advertidos de que a lei não os cerca de imunidades nem a justiça popular reconhece os seus foros de impunidade.
O Governo não é uma entidade abstrata, um instrumento de coerção ou uma força extrínseca da comunidade nacional.
Não é um agente de partidos, grupos, classes ou interesses.
É a própria imagem refletida da pátria na soma das suas aspirações e no conjunto das suas afinidades.
É a emanação do povo e como tal servo da sua vontade, provador de suas necessidades, a força humanizada e sensível que preside às relações e ao desenvolvimento da sua vida social no sentido da cooperação e da harmonia das classes e dos interesses.
Brasileiros!
A jornada eleitoral foi encerrada e podeis estar orgulhosos da página de glória com que enriquecestes os anais da nossa vida política.
Precisamos agora amortecer as paixões, esquecer os dissabores, aplacar os espíritos e apagar as cicatrizes da batalha.
Temos diante de nós uma imensa tarefa de recuperação e consolidação a realizar e para ela, sem exclusões partidárias, convoco a boa vontade, a inteligência e o patriotismo dos brasileiros.
Estou certo de vossa ajuda e conto com a vossa cooperação porque assim estaremos servindo não ao efêmero dum Governo, mas à perenidade, à perpetuidade e à grandeza da Nação brasileira.
Recebendo das mãos de Vossa Excelência, Senhor Ministro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, os diplomas de Presidente e Vice-Presidente da República, experimentamos uma sensação ao mesmo tempo de júbilo e de terrível responsabilidade.
O júbilo vem de ter tido desenvolvimento pacífico e legal a crise brasileira; quanto à temerosa responsabilidade, estão na consciência de todos os inúmeros problemas que tem de enfrentar quem vai governar este País.
Jubilosos estamos, Senhor Ministro Presidente, porque de agora em diante sabemos melhor, por uma extraordinária experiência vivida, o quanto é difícil desrespeitar a lei; aprendemos todos nós como é poderosa a força da justiça, a que todos devemos submeter, desde os mais graduados aos mais humildes.
Sentimo-nos confortados e tranquilos com a nossa consciência, Senhor Ministro Presidente e Srs. Ministros, não por nos vermos alçados agora à posição de Chefe de Governo, mas por termos sido, em toda a campanha -- cujo epílogo é a proclamação e diplomação a que este egrégio Tribunal acaba de proceder --, simplesmente mas sem desfalecimentos, defensores da lei, homens que não deixaram de confiar uma só instante nas leis de seu País.
Não duvidamos, mesmo nas horas mais difíceis, que o nosso País já estivesse amadurecido suficientemente para que as regras e fundamentos da moral e do direito resistissem a toda sorte de desregramentos da paixão.
O ato de hoje, neste Tribunal, fortalece o princípio de que não vinga mais entre nós o arbítrio e de que a lei é forte.
Só se podem incluir, aliás, no número dos países civilizados aqueles em que as regras do jogo político são invioláveis, depois de aceitas.
Só se podem considerar de fato constituídos em nação os povos para os quais a lei é objeto de acatamento, de limitação de sentimentos bruscos de desgoverno.
Não é apenas a nós, Senhor Presidente e Srs. Membros desta alta corte, a quem consagram Vossas Excelências supremos magistrados da República brasileira; o que se consagra aqui, também e muito mais, é a vontade popular, fonte de toda a autoridade nas democracias.
O que proclama este Tribunal é a submissão à vontade do povo; o que defende o ato de hoje é a confiança e a esperança popular na lei.
Nesta hora solene, queremos reafirmar que pretendemos construir toda a nossa autoridade na obediência à lei e a nada mais aspiramos.
Da lei não nos afastaremos um só momento, sob qualquer pretexto.
Toda nossa segurança virá sempre da lei.
Agradeço, em meu nome e em nome do eminente companheiro Doutor João Goulart, a Vossas Excelências, Srs. Ministros, o exemplo de isenção, de imparcialidade, de rigorosa austeridade dado ao País.
O segredo do equilíbrio e do prestígio deste Tribunal, a que a civilização brasileira deve mais um grande serviço, reside em duas virtudes fundamentais -- a prudência e a altivez, que caracterizam os magistrados brasileiros.
São Vossas Excelências prudentes, cautelosos, invariavelmente atentos na defesa da justiça -- e do direito.
Não nos cabe agradecer o ato desta hora.
O que devemos fazer é felicitar o Brasil por ter a serviço da vontade de seu povo homens como os que compõem o Tribunal Superior Eleitoral: homens do valor, das qualidades morais e da dedicação à causa pública de Vossas Excelências.
E usando desta oportunidade, que é o marco final de uma caminhada áspera e terrível, queremos mais uma vez reafirmar o nosso desejo de reunir, numa obra afirmativa da força e do poder criador da nacionalidade brasileira, todos os homens de boa vontade, todos aqueles que colocam alto o interesse da Pátria, tão necessitada, nesta hora, de desvelo, de cuidado e de trabalho, sentimo-nos mais do que nunca animados do ardente desejo de trabalhar incansavelmente pela paz da família brasileira.
Pedimos a Deus que nos inspire e nos dê o sentimento da grandeza de nossa missão.
Senhor Presidente,
Srs. Ministros,
Muitos são os caminhos para a conquista do Poder.
Viciosos, porém, se me afiguram todos aqueles que se apartam do voto do povo, deitado nas urnas soberanas.
Percorri a estrada legítima.
E, por isso, a Justiça Eleitoral do meu País, mais uma vez, proclama esta verdade simples: a democracia só se define, só se afirma e consolida através do sufrágio.
É o direito à opção que faz os cidadãos responsáveis e as nações poderosas e permanentes.
De advogado que postulava interesses individuais a administrador dos interesses coletivos se não foi longa a minha jornada, foi ela suficientemente áspera para ensinar-me que a Justiça não é apenas um dos Poderes da República, mas, constitui, isto sim, essência desse mesmo regime.
Não há justiça onde as prerrogativas inalienáveis da condição humana possam ser postergadas por minorias que se afirmem pela força de um poder ocasional, ou pela implantação de uma filosofia de empréstimos.
Nesta hora em que países e povos secularmente dominados se levantam e se libertam da opressão colonialista, minha eleição para a presidência tem um aspecto que merece destaque na História: a oposição chega ao Governo em obediência à vontade popular expressa no pleito.
O sentido dessa vitória é a condenação final e derradeira à política que conduzia ao Poder os candidatos escolhidos pelas cúpulas permanentes instaladas na administração do País.
O povo brasileiro pôs fim a um esquema inadmissível que a fortuna e os privilégios de alguns desejavam se perpetuasse.
Tal era a convicção de que vingariam, para o futuro, as práticas que minavam os alicerces da Nação, que se propagou, como verdade, a legenda de que no Brasil as oposições apenas triunfariam até as vésperas das eleições.
Um dos momentos altos da história política do Brasil se constitui do manifesto radical de 18 Há quase cem anos, vigoroso movimento de opinião, todo ele embebido das ideias liberais que estão no cerne da democracia moderna passava a pugnar pela emancipação do homem, do município, da província.
Se, decorrido um século, estas reivindicações dos espíritos mais arejados do Império vêm coincidir, na sua essência e até na sua forma, com os principais postulados da minha campanha eleitoral, não quer isto dizer que se tenha pouco avançado na nossa formação jurídica e moral.
Ao contrário: a abolição do elemento servil; a.
afirmação do regime representativo; a estrutura federativa; a liberdade de opinião, de culto e de associação; a emancipação do poder judiciário; a relativa autonomia dos Estados e dos Municípios; as leis do trabalho com a sua própria judicatura; o voto secreto e universal; a criação da justiça eleitoral -- eis algumas das decisivas conquistas que dão as verdadeiras e grandiosas dimensões do nosso progresso.
A Justiça Eleitoral teve de passar entre nós pelos estreitos caminhos da evolução e do aprimoramento, a que estão sujeitos todos os órgãos político-sociais.
Contra poderosos fatores adversos, contra interesses mesquinhos e particularistas, pelo próprio viço da sua natureza ética, pela própria armadura moral dos seus componentes, conseguiu finalmente esta instituição atingir aquele grau de isenção e solidez que faz dela, a um tempo, símbolo e sustentáculo das garantias constitucionais vinculadas ao exercício do voto.
O aperfeiçoamento desta Justiça é a nossa grande conquista dos últimos tempos, aquela que mais fundamentalmente responde pela verdade, pela pureza, pela segurança do sufrágio.
Honra-me ser o primeiro Chefe de Estado a receber, nesta nova Capital, o seu diploma, e na pessoa do ínclito Ministro Presidente, rendo as minhas homenagens a todos os dignos juízes que ilustram a Justiça Eleitoral brasileira.
A eles, e só a eles, deve a instituição o elevado e merecido conceito que desfruta.
Meus Senhores!
O preço da liberdade, que o voto dos meus patrícios me outorgou, é a servidão à causa pública.
Dentro da lei e em estrita obediência à lei, serei livre para impor e exigir de todos o exato cumprimento do dever.
Dessa liberdade, faço a minha escravidão.
Sr. Presidente do Congresso Nacional, Srs. Chefes de Missões Diplomáticas acreditadas junto ao governo brasileiro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, eminentes autoridades civis, militares e eclesiásticas, Srs. Congressistas, brasileiros.
Assumo a presidência da República consciente dos graves deveres que me incumbem perante a Nação.
A minha investidura, embora sob a égide de um novo sistema, consagra respeitoso acatamento à ordem constitucional.
Subo ao poder ungido pela vontade popular, que me elegeu duas vezes Vice-Presidente da República, e que, agora, em impressionante manifestação de respeito pela legalidade e pela defesa das liberdades públicas, uniu-se, através de todas as suas forças, para impedir que a sua decisão soberana fosse desrespeitada.
Considero-me guardião dessa unidade nacional e a mim cabe o dever de preservá-la, no patriótico objetivo de orientá-la para a realização dos altos e gloriosos destinos da Pátria brasileira.
Não há razão para ser pessimista, diante de um povo que soube impor a sua vontade, vencendo todas as resistências para que não se maculasse a legalidade democrática.
A nossa grande tarefa é a de não desiludir o povo, e para tanto devemos promover, por todos os meios, a solução de seus problemas, com a mesma dedicação e o mesmo entusiasmo com que ele soube defender a lei, a ordem e a democracia.
Neste magnífico movimento de opinião pública, formou-se, no calor da crise, uma união nacional que haveremos de manter de pé, com a finalidade de dissipar ódios e ressentimentos pessoais, em benefício dos altos interesses da Nação, da intangibilidade de sua soberania e da aceleração de seu desenvolvimento.
Permitam, entretanto, Srs. Congressistas, neste momento, uma reflexão que suponho seguramente tão sua quanto minha.
Souberam V. Exas resguardar, com firmeza e sabedoria, o exercício e a defesa mesma do mandato que a Nação lhes confiou.
Cumpre-nos, agora, mandatários do povo, fiéis ao preceito básico de que todo o poder dele emana, devolver a palavra e a decisão à vontade popular, que nos manda e que nos julga, para que ela própria dê seu referendum supremo às decisões políticas que em seu nome estamos solenemente assumindo neste instante.
Surpreendido quando em missão do meu País no exterior, com a eclosão de uma crise político-militar, não vacilei um só instante quanto ao dever que me cabia cumprir.
Desde logo pude avaliar a extensão e o sentido exato da mobilização de consciências e vontades em que se irmanam os brasileiros, para a defesa das liberdades públicas.
Solidário com as vivas manifestações de nossa consciência democrática, de mim não se afastou, um momento sequer, o pensamento de evitar, enquanto com dignidade pudesse fazê- lo, a luta entre irmãos.
Tudo fiz para não marcar com o sangue generoso do povo brasileiro o caminho que me trouxe a Brasília.
Sabem os partidos políticos, sabem os parlamentares, sabem todos que, inclusive por temperamento, inclino-me mais a unir do que a dividir, prefiro pacificar a acirrar ódios, prefiro harmonizar a estimular ressentimentos.
(Muito bem! Bravos.
)
Promoveremos a paz interna, paz com dignidade, paz que resulte da segurança das instituições, (Bravos) da garantia dos direitos democráticos, do respeito permanente à vontade do povo e à inviolabilidade da soberania nacional.
Srs. Congressistas, reclamamos a união do povo brasileiro e por ela lutaremos com toda a energia, para, sob a inspiração da lei e dos direitos democráticos, mobilizar todo o País para a única luta interna em que nos devemos empenhar, que é a luta pela nossa emancipação econômica contra o pauperismo e o subdesenvolvimento.
Dirijo-me especialmente ao Presidente Pascoal Ranieri Mazzilli, cujas virtudes cívicas desejo proclamar; ao Congresso Nacional, que tive a honra de presidir nestes últimos seis anos, e que agiu, na emergência, na defesa intransigente do regime democrático; à Igreja Católica, que é a minha confissão, e que desde o primeiro instante se manifestou pela legalidade, na voz autorizada de seus prelados; às outras igrejas, que também defenderam a Constituição; aos estudantes, que lutaram intrepidamente pela preservação da ordem democrática; às forças de produção, que se colocaram ao nosso lado, por saberem que somos fator de equilíbrio, harmonia e conciliação no jogo das tensões sociais; à imprensa, ao rádio e à televisão, que, com indomável bravura resistiram às violências e ameaças contra a liberdade de manifestação do pensamento; às Forças Armadas, que permaneceram fiéis ao espírito da democracia e devotaram-se à proteção da ordem jurídica; aos governadores dos Estados, que resistiram na defesa da legalidade; aos trabalhadores do Brasil, que deram uma interessante demonstração de sua unidade, de modo pacífico e ordeiro, numa comovedora solidariedade na manutenção da ordem democrática; a todos, como Presidente da República, dirijo os agradecimentos do País e formulo um apelo para que não nos faltem em nenhum momento com o seu apoio e solidariedade, em nome dos mais sagrados interesses da Pátria comum.
Ao Poder Judiciário, desejo prestar uma homenagem toda especial, ao vê-lo cada vez mais prestigiado pela reafirmação popular de respeito e acatamento às leis.
Sob meu governo, todas as liberdades públicas estarão logo asseguradas, com a suspensão de quaisquer medidas administrativas impostas contra as garantias estabelecidas na Constituição da República.
Srs. Congressistas, o destino, numa advertência significativa, conduziu-me à presidência da República na data da independência política do Brasil.
Vejo na coincidência um simbolismo que me há de inspirar e orientar na mais alta magistratura da Nação.
Peço a Deus que me ampare, para que eu possa servir à Pátria com todas as forças, com energia e sem temores, e defender, como nossos maiores souberam fazê-lo, a independência do Brasil, a grandeza nacional e a felicidade do povo brasileiro.
Na singular significação desta solenidade cívica e quando milhões de compatriotas nos animam com a sua confiança e as suas esperanças, desejo assegurar que o juramento agora proferido perante os augustos representantes da Nação encerra muito mais do que a fórmula ritual: contém a reiteração de sentimentos e ideais que nos acompanham e inspiram desde os dias da juventude.
Defenderei e cumprirei com honra e lealdade a Constituição do Brasil.
Cumprirei e defenderei com determinação, pois serei escravo das leis do País e permanecerei em vigília para que todos as observem com exação e zelo.
Meu Governo será o das leis, das tradições e princípios morais e políticos que refletem a alma brasileira, o que vale dizer que será um Governo firmemente voltado para o futuro, tanto é certo que um constante sentimento progresso e aperfeiçoamento constitui a marca e, também, o sentido da nossa história política e social.
Nem exagero ao dizer que nessa caminhada para o futuro, deveremos nos empenhar com paixão de uma cruzada, para a qual é preciso convocar todos brasileiros.
De uma jornada para a qual, com energia e sobretudo com o meu próprio exemplo, espero a adesão de todos os concidadãos a esse propósito, que será a garantia suprema de todos os homens e mulheres deste País.
Meu procedimento será o de um chefe de Estado sem tergiversações, no processo para a eleição de um brasileiro a quem entregarei o cargo a 31 de janeiro de 19 Sustentarei, com todas as forças, a união, a integridade e a independência desta Pátria, dentro e fora dos seus limites territoriais.
Não, apenas, a herança admirável da unidade nacional, mas a concórdia de todos os brasileiros.
Serei o Presidente de todos eles e não o chefe de uma facção.
A independência do Brasil constituirá o postulado básico da nossa política internacional.
Todas as nações amigas contarão com a lealdade dos brasileiros, que honrarão os tratados e pactos celebrados.
Todas as nações democráticas e livres serão os nossos aliados, assim como os povos que quiserem ser livres pela democracia representativa contarão com o apoio do Brasil para a sua autodeterminação.
As históricas alianças que nos ligam às nações livres das Américas serão preservadas e fortalecidas.
Respeitaremos a independência dos países de todo o mundo nos seus negócios internos e exigiremos igual respeito nos nossos negócios, que não admitem a mínima interferência, por discreta e sutil que venha a manifestar-se.
Farei o quanto em minhas mãos estiver para que se.
consolidem os ideais do movimento cívico da Nação brasileira nestes dias memoráveis de abril, quando se levantou unida, esplêndida de coragem e decisão, para restaurar a democracia e libertá-la de quantas fraudes e distorções que a tornavam irreconhecível.
Não através de um golpe de Estado, mas como uma Revolução que, nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas instituições e, decisivamente, apoiada nas Forças Armadas, traduziu a firmeza das nossas convicções e profundidade das nossas concepções de vida, convicções e concepções que nos vêm do passado e que deveremos transmitir, aprimoradas, às gerações futuras.
Foi uma Revolução a assegurar o progresso, sem renegar o passado.
Vimos, assim, a Nação, de pé, a reivindicar a sua liberdade e a sua vontade que, afinal, e nos termos previstos pela Constituição, se afirmou através do Congresso, legítimo representante dos ideais e aspirações do nosso povo.
Nossa vocação é a da liberdade democrática -- Governo da maioria com a colaboração e o respeito das minorias.
Os cidadãos, dentre eles, também em expressiva atitude, as mulheres brasileiras, todos, civis e soldados, ergueram-se num dos mais belos e unânimes impulsos da nossa História contra a desvirtuação do regime.
Promoverei, sem desânimo, sem fadiga, o bem-estar geral do Brasil.
Não medirei sacrifícios para que esse bem- estar se eleve, tão depressa quanto racionalmente possível, a todos os brasileiros, particularmente, àqueles que mourejam e sofrem nas regiões, menos desenvolvidas do País.
A arrancada para o desenvolvimento econômico, pela elevação moral, educacional, material e política, há de ser o centro das preocupações do Governo.
Com esse objetivo, o Estado não será estorvo à iniciativa privada, sem prejuízo, porém, do imperativo da justiça social devida ao trabalhador, fator indispensável à nossa prosperidade.
Até porque, estou entre os que acreditam nos benefícios de uma constante evolução capaz de integrar, em melhores condições de vida, o número, cada vez maior, de brasileiros, muitos deles infelizmente ainda afastados das conquistas da civilização.
Caminharemos para a frente com a segurança de que o remédio para os malefícios da extrema-esquerda não será o nascimento de uma direita reacionária, mas o das reformas que se fizerem necessárias.
Creio, firmemente, na compatibilidade do desenvolvimento com os processos democráticos, mas não creio em desenvolvimento à sombra da orgia inflacionária, ilusão e flagelo dos menos favorecidos pela fortuna.
E ninguém pode esperar destruí-los sem dar a sua parte no trabalho e no sacrifício, fonte única donde poderá fluir o bem-estar e a prosperidade de todos.
Portanto, que cada um faça a sua parte e carregue a sua pedra nesta tarefa de soerguimento nacional.
Cada operário e cada homem de empresa, estes principalmente, pois a eles lembrarei esta sentença de Rui Barbosa: "É nas classes mais cultas e abastadas que devem ter seu ponto de partida as agitações regeneradoras.
Demos ao povo o exemplo e ele nos seguirá".
Cumpram, pois, os brasileiros mais felizes ou mais dotados o seu dever para com a Nação e verão que o Brasil os imitará para a perenidade, glória e concórdia desta pátria privilegiada.
Os votos dos representantes da Nação, na escolha para governar em hora difícil, valem por certo pela maior honra que o cidadão poderia receber.
A mim, entretanto, proporciona também nítida idéia da grandeza da tarefa a que estarei obrigado para corresponder às esperanças da nacionalidade.
Direi mesmo que a minha humildade de toda uma vida cresce neste instante: nunca um só homem precisou tanto da compreensão, do apoio e da ajuda de todos os seus concidadãos.
Venham a mim os brasileiros e eu irei com eles para, com o auxílio de Deus e com a serena confiança, buscar os melhores dias nos horizontes do futuro.
Elegendo-me Presidente da República para o próximo quadriênio, em nome do povo brasileiro, de quem sois legítimos representantes, acabais de conferir-me o mandato mais honroso a que um brasileiro pode aspirar.
A vossa decisão envolve o ato de suprema confiança que podereis depositar num concidadão.
Eu o acolho com grave emoção, a emoção da ingente responsabilidade que, eleito, assumo, desde já, comigo mesmo perante a Nação.
Cabe-me o dever de exprimir ao Congresso Nacional o meu profundo reconhecimento.
Mas a honra que ele me concede, tenho-a, sobretudo, por uma convocação para servir ao Brasil em hora de apreensões, incertezas e dificuldades.
Bem compreendo, Senhores Membros do Congresso Nacional, que o vosso intuito não foi premiar em mim os serviços prestados à Pátria através de longos anos de vida pública.
O prêmio desses serviços está no privilégio de poder prestá-los.
Tivemos de promover uma Revolução, e o fizemos conscientes de que não havia outro meio de evitar que o País mergulhasse no caos.
A tanto equivaleu a tentativa de impor ao povo sistema de vida e estilos de comportamento incompatíveis com a linha do seu passado, os interesses do seu presente, a vocação do seu futuro.
Quando pregamos a continuidade da Revolução, o que Pretendemos significar é o imperativo de manter-lhe as inspirações e assegurar-lhe os ideais, para que ela não seja mais um episódio perdido no curso da nossa História.
ORIGENS DA REVOLUÇÁO.
A Revolução teve profundas origens populares, num grandioso movimento cívico, que levou às ruas e às praças homens e mulheres, jovens e velhos, dispostos a lutar por Deus e pela Nação, com a solidariedade de todas as classes sociais, de todos os democratas e o apoio unânime e decisivo das Forças Armadas.
Revolução, em verdade, e não golpe de Estado, que visasse tão-somente a substituir um homem por outro ou por outra uma facção política.
Revolução, e não motim militar, pois as Forças Armadas, que também vêm do povo, com o povo se irmanaram em defesa dos mesmos ideais.
O movimento de março de 1964 foi, portanto, um compromisso com a democracia, e a candidatura, que hoje consagrastes, é inegavelmente dotada de atributos democráticos.
O que torna militar uma candidatura não é a pessoa do candidato, mas as origens dessa mesma candidatura.
A solidariedade dos meus Camaradas do Exército, da Armada e da Força Aérea não lhe modificou aqueles atributos: apenas exprimiu a sua aspiração unânime de continuidade do processo revolucionário e da sua defesa.
A democracia tem de armar-se para defender-se daqueles que se valem das suas franquias para destruí-la.
Eis porque assumi com a Revolução um sagrado compromisso e, assim como fui um dos seus chefes, dela serei, no Governo, representante e delegado.
Meus intuitos democráticos e minha preocupação com a ordem constitucional não podem ser postos em dúvida.
Se, como lhe competia por dever para com o País, a Revolução adotou, por vezes, severas restrições, nem por isso modificou a nossa organização institucional, pois conservou em pleno funcionamento esta Casa egrégia, a que atribuiu o poder de eleger o Presidente da República, e o Poder Judiciário, cujas decisões têm sido invariavelmente respeitadas.
LIMITOU OS SEUS PODERES.
Além disso, o Comando Supremo da Revolução cuidou, logo à primeira hora, de limitar os seus poderes e a sua duração, e restabeleceu a vigência da Constituição de 1946, com o mínimo imprescindível de alterações.
De outra parte, a Revolução foi e continua a ser um processo de saneamento e renovação, e não um movimento ditado por objetivos mesquinhos, pelo ódio, pela vingança ou por ambições pessoais.
Se teve de aplicar medidas punitivas e restritivas, dessa forma procedeu com o intuito de defender a democracia.
Foi por isso, e só por isso, que os postulados constitucionais continuaram de pé.
Há, todavia, quem fale em ditadura, como se nós não a tivéssemos conhecido jamais.
O desmentido está no fato mesmo de ser possível formular e divulgar a crítica injusta, que se manifesta, sem obstáculo, na imprensa, na tribuna pública, nos movimentos políticos.
E o desmentido mais flagrante está precisamente nesta hora em que o Congresso Nacional, como representante autêntico do povo brasileiro, elege um Presidente da República.
Numa ditadura, o ditador não se deixa substituir.
Entre nós, o escrúpulo republicano foi de tal monta, que o mesmo Presidente Castello Branco, num gesto altamente democrático, estabeleceu, em ato institucional, o preceito proibitivo da sua reeleição.
Não cometo a injustiça de considerar todos os que divergem do Governo da Revolução como sequazes de ideologias fanáticas, fundadas no ódio entre as classes, na deificação do estado totalitário, no imperialismo agressor da soberania dos povos.
CONJUGAÇAO DE ESFORÇOS.
Tenho fé, portanto, na consciência democrática e.
cívica de todos os brasileiros e confio em que colaborem comigo no cumprimento da minha tarefa de Governo.
Estou seguro de que, animados de espírito público, terão permanentemente no coração o princípio segundo o qual a democracia não confere apenas direitos, mas também deveres -- estes sempre maiores e mais numerosos do que aqueles.
Não prescindirei dessa colaboração sem preço, nem pago.
O vulto das dificuldades por enfrentar e vencer assume proporções imensas e requer íntima conjunção de esforços de caráter, de inteligência, de cultura e de espírito de sacrifício.
As nações não se constróem sem essa constelação de virtudes e predicados.
Somente ela tem o poder de colocar ao alcance dos povos, em termos de real eficácia, os instrumentos físicos da ação criadora.
Em meio ao conjunto das dificuldades do nosso contexto nacional, o que avulta mais impressivamente são as necessidades imediatas do homem: -- as condições muitas vezes sub-humanas da sua vida, a escassez alimentar, a debilidade dos meios para a defesa da sua saúde, a falta de tônus vital da educação a ele oferecida, notadamente a do grau primário, que é o ensino comum de que ninguém pode prescindir.
É imposição fundamental que os grandes postulados humanos e democráticos da nossa Constituição continuem a adquirir densidade, a corporificar-se e deixem, assim, de ser apenas estéril fulguração verbal.
O mais valioso trabalho da Revolução, no governo do insigne estadista Presidente Castello Branco, foi a ruptura de uma crosta impermeável à renovação por uma luz nova tocada do que denominarei humanismo social.
A OBRA SERÁ CONTINUADA.
Essa obra prosseguirá.
A colaboração que espero corresponderá o direito de opinião de todas as classes nos concílios do Governo, por intermédio de órgãos apropriados.
A democracia não é uma transcendência.
É uma vocação humana, e sua raiz mais funda está no instinto de liberdade.
Todo poder político tem origem popular e essa origem é a só razão que pode legitimá-lo.
A Revolução reconhece essas verdades e as tem entre os seus postulados.
Como um dos seus chefes e por ela responsável no Governo, trabalharei intensamente por mantê-las bem alto e defendê-las ardorosamente lado a lado com os demais princípios que constituem a carta de guia da Revolução.
Dizia o Padre Vieira que "para acertar só existe um caminho e são infinitos os caminhos para errar".
Mercê de Deus, o Brasil encontrou o seu caminho, depois de haver pisado tantos descaminhos.
Senhores Membros do Congresso Nacional.
Reitero-vos meu reconhecimento pela honra com que me distinguistes.
Elegendo um dos responsáveis pela Revolução de 31 de Março de 1964, certo quisestes significar que não pode ser perdido o esforço que aquele movimento simboliza no curso da História.
Mas também distinguistes um cidadão de profundas convicções democráticas, que, só por inspiração dessas convicções assumiu, na Revolução, o posto que lhe foi designado.
O voto com que honrastes a mim e meu preclaro companheiro, o Deputado Pedro Aleixo, valorosa expressão cívica e patrimônio moral do Congresso, implica seguramente a certeza da vossa colaboração.
Juntamente com ela espero, desde já, merecer também o apoio do povo brasileiro, e a Deus suplico que me ampare em cada dia do meu governo.
Homens de meu País!
"Neste momento eu sou a oferta e a aceitação.
".
Não sou promessa.
Quero ser verdade e confiança, ser a coragem a humildade, a união.
A oferta de meu compromisso ao povo, perante o Congresso de seus representantes, quero-a um ato de reverdecimento democrático.
A aceitação da faixa presidencial, faço-a um ato de justiça e a confissão de minhas crenças.
Faço a justiça de proclamar o equilíbrio e a serena energia, o patriotismo e a grandeza com que se houveram os três Ministros Militares no exercício temporário da Presidência da República, que a mim transmitem, no símbolo dessa faixa, pelas mãos honradas de Sua Excelência, o Almirante AUGUSTO HAMANN RADEMAKER GRÜNEWALD.
Faço a justiça de dizer, já agora ouvindo a nação, a cuja frente o destino me trouxe, faço a justiça de assinalar a total dedicação do grande Presidente COSTA E SILVA à causa pública, o empenho tanto, que se fez imolação da própria voz.
Venho como sempre fui.
Venho do campo, da fronteira, da família; venho do povo, da caserna; venho minha terra e de meu tempo.
Venho do minuano.
"Este vento faz pensar no campo, meus amigos, este vento vem de longe, vem do pampa e do céu.
".
Valho-me, ainda uma vez, do poeta augusto do Sul, para ver, no vento, o homem do campo do todo o Brasil -- o homem que ninguém vê, sem face e sem história -- aquela humildade mansa, que a vida vai levando na quietação do caminho abraçando a coxilha.
Homem do campo, creio no homem e no campo.
E creio em que o dever desta hora é a integração do homem do interior ao processo de desenvolvimento nacional.
E, por que assim o creio, é que tudo darei de mim para fazer a revolução no campo, revolução na agricultura, no abastecimento, na alimentação.
E sinto que isso não se faz somente dando terra a quem não tem, e quer, e pode ter.
Mas se faz, levando ao campo a escola ao campo adequada; ali plantando a assistência médica e a previdência rural, a mecanização, o crédito e a semente, o fertilizante e o corretivo, a pesquisa genética e a perspectiva de comercialização.
E tenho a diversificação e o aumento da produção agrícola.
A ampliação das áreas cultivadas e a elevação da renda rural como essenciais à expansão de nosso mercado interno, sem o qual jamais chegaremos a ter uma poupança nossa, que nos torne menos dependentes e acione, com o nosso esforço, aliado à ajuda externa, um grande projeto nacional de desenvolvimento.
Homem da fronteira, creio em um mundo sem fronteiras entre os homens.
Sinto por dentro aquele patriotismo aceso dos fronteiriços, que estende pontes aos vizinhos, mas não aceita injúrias nem desdéns, e não se dobra na afirmação do interesse nacional.
Creio em um mundo sem fronteiras entre países e homens ricos e pobres.
E sinto que podemos ter o mundo sem fronteiras ideológicas, onde cada povo respeite a forma dos outros povos viverem.
Creio em um mundo sem fronteiras tecnológicas, onde o avanço científico fique na mão de todo homem, na mão de toda nação, abrindo-se à humanidade a opção de uma sociedade aberta.
Homem da fronteira, conheço o peso específico nosso País e hei de fazê-lo valer em favor do nosso povo.
Fronteiriço, não sei, não vejo, não sinto, não aceito, outra posição do Brasil no mundo que não seja a posição da altivez.
E sinto que esta nossa América, já na idade da razão, realizado o esforço concentrado e pertinaz de formulação de suas posições, há de receber, em breve, a solidariedade da outra América.
E creio que se pode tornar mais intenso o surto de comercialização de nossos produtos e buscar o comprador na extensão roda do mapa do mundo.
E creio na contribuição de nossa gente, para o entendimento, o respeito e a paz entre os povos.
Homem de família, creio no diálogo entre as gerações e as classes, creio na participação.
Creio que a grandeza do Brasil depende muito mais da família que do Estado, pois a consciência nacional é feita da alma de educador que existe em cada lar.
E, por que assim o creio, é que buscarei fortalecer as estruturas de governos municipais e sub-regionais, provendo as comunidades do interior do saneamento básico indispensável à proteção da unidade familiar, pedra angular da sociedade.
Homem do povo, creio no homem e no povo, como nossa potencialidade maior, e sinto que o desenvolvimento é uma atitude coletiva, que requer a mobilização total da opinião pública.
E, por que assim o creio, e por que o sinto amadurecido para a tarefa global, é que buscarei ouvi-lo sempre.
Homem do povo, olho e vejo o trabalhador de todas as categorias e sinto que, normalizada a convivência entre empregados e patrões e consolidada a unificação da previdência social, nosso esforço deve ser feito na formação e no aperfeiçoamento de mão-de-obra especializada e no sentido da formulação de uma política salarial duradoura, que assegure o real aumento do salário e não o reajustamento enganador.
Homem do povo, conheço a sua vocação de liberdade, creio no poder fecundante da liberdade.
Homem da caserna, creio nas virtudes da.
disciplina, da ordem, da unidade de comando.
E creio nas messes do planejamento sistematizado, na convergência de ações, no estabelecimento das prioridades.
E, por que assim o creio, é que tudo farei por coordenar, integrar e totalizar nossos esforços --tantas vezes supérfluos, redundantes, contraditórios, dispersivos -- em uma tarefa global, regida por um grande plano diretor.
Homem da caserna, creio nos milagres da vontade.
E, por que o creio, convoco a vontade coletiva, a participação d todos os que acreditam na compatibilidade da democracia com a luta pelo desenvolvimento, para que ninguém se tenha espectador e todos se sintam agentes do processo.
Homem de minha terra, creio nas potencialidades e na viabilidade econômica e social de meu País.
Creio no desenvolvimento com, fenômeno global, interiorizado primeiro na alma de cada homem, para poder ganhar, então, a alma da terra toda.
Creio na função multiplicadora da empresa, e, por que assim o creio, buscarei fortalecê-la -- sobretudo a empresa nacional -- encontrando formas e processos de baratear-lhe os custos de produção para que se fortifique e mais produza.
E me empenharei no sentido da utilização racional e efetiva do território brasileiro, na vivificação das estruturas municipais, na atenuação dos desequilíbrios regional!
Homem de meu tempo, tenho pressa.
Sei que, no ano 63, antes da Revolução, nosso crescimento era nenhum e que a inflação se aproximava de cem por cento, Sei que hoje nosso crescimento oscila entre 6 e 7% e que a inflação decresce, já agora em nível de alguma estabilidade.
Sei que nos últimos anos avançamos no fortalecimento das instituições econômicas, edificando, não só a estrutura, mas a mentalidade de planejamento, programação e orçamentação.
Homem de meu tempo, sei que essa metodologia e esse ritmo de crescimento, por si sós, já não nos bastam, que urge acelerar o processo; que "o minuano, para enganar a miséria, geme e dança pela rua"; que penso nas vidas que virão; penso nas dores futuras; penso no século que vai nascer.
Homem de meu tempo, creio no surto industrial brasileiro, em bases estáveis, de vivência nossa, de nosso exclusivo interesse, buscando-se a evolução, o mais cedo que se possa, dos tempos de filial para os tempos de matriz.
Homem de meu tempo, creio na mocidade e sinto na alma a responsabilidade perante a História.
E, por que o sinto e o creio, é que darei de mim o que puder pela melhor formulação da política de ciência e tecnologia, que acelere nossa escalada para os altos de uma sociedade tecnológica humanizada.
Homem de meu tempo, tenho fé em que possamos, no prazo médio de meu governo, preparar as bases de lançamento de nossa verdadeira posição nos anos 2000 e assegurar a nossa participação em programas nuclear e espacial, sempre que sirvam para a aceleração do desenvolvimento brasileiro.
Homem da Revolução, eu a tenho incontestável, e creio no ímpeto renovador e inovador de seus ideais.
E, por que a tenho assim, é que a espero mais atuante e progressista.
E, depois de aceito o desafio econômico, eis à nossa frente o desafio tecnológico.
Homem da Revolução, é meu propósito revolucionar a educação, a saúde, a agricultura, para libertar o nosso homem de seus tormentos maiores e integrar multidões ao mundo dos homens válidos.
E, para isso, convoco a Universidade, chamo a Igreja, aceno à empresa, e brado ao povo para que me ajude a ajudar o homem a ajudar-se a si mesmo.
Homem da lei e do regulamento, creio no primado do Direito.
E, por que homem da lei, é que pretendo velar pela ordem jurídica.
E, homem de pés no chão, sinto que, nesta hora, a ordem jurídica se projeta em dois planos.
Vejo O plano institucional, destinado a preservar as conquistas da Revolução, vejo o plano constitucional, que estrutura o Estado e assegura o funcionamento orgânico dos Poderes.
Estou convencido de que é indispensável a coexistência dessas duas ordens jurídicas, expressamente reconhecida pela Constituição, fundada no imperativo da segurança nacional, e coerente enquanto for benéfica à defesa da democracia e à realização do bem comum.
Homem da lei, sinto que a plenitude do regímen democrático é uma aspiração nacional.
E, para isso, creio necessário consolidar e dignificar o sistema representativo, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem.
Creio em que os partidos políticos valem como forças vivas que atuam sobre a vida nacional, quando a dinâmica das idéias prevalece sobre a pequenez dos interesses.
E sinto que urge fortalecer o Partido da Revolução, para que ele seja, não só o sustentáculo deste Governo, mas uma verdadeira escola de política nacional harmonizada com pensamento revolucionário.
E espero da oposição que nos honre com o cumprimento de seu dever, apontando erros, aceitando acertos, indicando caminhos, fiscalizando e fazendo também a sua escola de democracia, dignidade e respeito mútuo.
Homem da lei, creio imperioso dotar o Brasil de novos códigos que reflitam os progressos da ciência jurídica, a atualização dos institutos e as inquietudes de um povo em desenvolvimento.
E, homem de fé, creio nas bênçãos de Deus aos que não têm outros propósitos que não sejam os do trabalho da vida inteira, os da justiça e os da compreensão entre os homens.
E creio nos milagres que os homens fazem com as próprias mãos! E nos milagres da vontade coletiva.
Creio na humanização da vida dos severinos do campo.
E na solidariedade da família brasileira Creio na alma generosa da mocidade.
Creio na minha terra e no meu povo.
Creio na sustentação que me haverão de dar os soldados como eu.
Creio no apressamento do futuro.
E creio em que, passados os dias difíceis dos anos 60, amanhecerá na década de 70, a nossa hora.
E creio na missão de humanidade, de bondade e de amor que Deus confiou à minha gente.
E, por que o creio, e por que o sinto, no arrepio de minha sensibilidade, é que, neste momento, sou oferta e aceitação.
5 E aceito, neste símbolo do Governo da República, a carga imensa de angústias, de preocupações, de vigílias -- a missão histórica que me foi dada.
E a ela me dou, por inteiro, em verdade e confiança, em coragem, humildade e união.
E a ela me dou, com a esperança acesa no coração, que o vento de minha terra e de minha infância, que nunca me mentiu no seu augúrio, está dizendo que Deus não me faltará, está me trazendo o cheiro de minha terra e de minha gente.
E, com a ajuda de Deus e dos homens, haverei de pôr na mão do povo tudo aquilo em que mais creio.
Ao receber das mãos dignas de V. Exa. esta simbólica faixa presidencial.
Sinto-me duplamente honrado, não só pela insigne distinção que me é conferida, de exercer a suprema magistratura da Nação, mas ainda por me caber prosseguir a notável obra de governo que V. Exa. com aplauso geral dos brasileiros, vem de realizar nestes últimos quatro anos portentosos.
A Nação ganhou inabalável confiança em si mesma, avançando a largos passos para seu grande destino que nada mais deterá.
A integração territorial, velho sonho intermitente de séculos, afirmou-se definitivamente através de milhares de quilômetros de estradas que rasgaram a interlândia quase deserta e demandaram, afoitas, os confins mais longínquos desta pátria imensa.
Laços mais fortes de integração social, objetivando aplainar desníveis regionais e injustas disparidades entre grupos sociais diversos, reforçam cada dia mais a solidariedade nacional, das cidades aos campos, desde o Amapá ao Chuí e das barreiras atlânticas ao vasto arco fronteiriço do interior distante.
Um projeto nacional de grandeza para a Pátria, alicerçado no binômio indissolúvel do desenvolvimento e da segurança, empolga, em todos os quadrantes, a alma popular e estimula a realizações cada vez mais admiráveis, mesmo que à custa de sacrifícios maiores que se façam acaso mister.
Um sopro de modernização e dinamismo anima arrebatador o povo brasileiro, certo este de que superará, por seu esforço próprio, incansável, por seu patriotismo muitas vezes comprovado e pelo trabalho dignificante e germinador, os desafios da hora presente, as insatisfações que ainda o assaltam, as frustrações que ainda restam do passado.
E a Nação, fiel sempre a quaisquer compromissos voluntariamente assumidos na esfera internacional, dá-se bem conta de suas responsabilidades acrescidas no contexto mundial -- e nunca as defraudará.
Eis aí o tônus revigorante que trouxe ao país esta Revolução de 64 que breve completará um decênio criador e que não se esvaiu em promessas vãs, antes demonstrou, com realidades e com números, a que veio realmente, através da obra fecunda que ora ostenta aos olhos todos do mundo.
Natural é, portanto, que ela, dramaticamente nascida, como tinha de ser, de um dissenso dilacerador e profundo, enfune agora velas de esperança a um futuro, mais promissor ainda, de generoso consenso nacional em torno do decidido e magnífico propósito da criação de uma grande nação, próspera, soberana e justa -- o Brasil de nossos filhos, o Brasil de nossos netos.
Na direção suprema do país, V. Exa. cuja estatura de governante sereno e firme, em sintonia sempre com os anseios populares, ora se incorpora em traços definitivos singulares à história de nossa Pátria, bem como os beneméritos Presidentes revolucionários que o antecederam -- Castello Branco na sua exemplaridade austera de estadista, Costa e Silva no seu autêntico perfil de líder humano, resoluto e bom -- lançaram as bases sólidas desta grande renovação nacional que é realmente obra, ingente e dignificante, de nosso povo, mas também é, substancialmente, inspiração demiúrgica dos três grandes líderes revolucionários que tão bem souberam encarnar, em sucessão, o ideário todo, mais ou menos indefinido antes, da Revolução de.
Que Deus me dê forças a mim, e clarividência e energia, para levar avante esse legado superior de consciência cívica e de pragmatismo criador, para o bem de nossa Pátria e bem-estar de nosso povo.
Que este, nas reservas genuínas de sua robusta fé patriótica, encontre ânimo cada vez maior para enfrentar os duros embates que nunca, faltarão, nesta luta incansável de todos os dias do erguimento de uma grande nação, tal a que esperamos legar às gerações futuras.
E que, entre governo e povo, na comunhão sempre renovada de confiança recíproca, construída na verdade e na franqueza, se forje a mais perfeita sintonia do sentir, do pensar e do querer, essencial à plena concretização de nossos alevantados ideais comuns de brasileiros.
Os passos de Vossa Excelência, eu os acompanhei em toda a minha vida.
Para mim, Ernesto Geisel foi exemplo de virtudes militares e cívicas a seguir e emular.
Deus me premiou ao fazer-me receber esta faixa, insígnia da mais alta magistratura de nossa Pátria, das mãos honradas de Vossa Excelência.
O elogio de seu governo, melhor do que eu, toda a Nação o faz.
Toda a Nação aí está para dar testemunho da história real dos cinco anos que hoje se encerram.
Como seu antigo ministro, tudo o que diga será pouco.
Vi Vossa Excelência sofrer com os que sofrem.
Jamais tomar para si os momentos de alegria e de realização.
Examinar as questões e decidir, no interesse exclusivo do bem da Nação e do Povo.
Vi quando mudou convicções amadurecidas, diante de soluções mais adequadas.
Vi quando -- entre tantas propostas conflitantes -- ousou escolher a melhor, ainda que a menos popular.
Vi a serena e patriótica lucidez de Vossa Excelência quando -- a despeito de duras crises, no âmbito nacional e internacional -- soube conduzir o País a um real progresso social e político.
E peço a Deus que, ao sair deste Palácio, daqui a seis anos, tenha eu percorrido o caminho exemplar de Vossa Excelência: caminho que é a própria História da nossa Pátria.
Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente Adalberto Pereira dos Santos:
Dos cargos e funções públicas, poucos serão tão nobilitantes quanto aquele que é o próprio símbolo da continuidade constitucional.
Ser Vice-Presidente da República -- como tão bem demonstrou Vossa Excelência -- é um constante exercício de humildade, modéstia e confiabilidade.
A um passo do Poder, cabe-lhe sobretudo, estar pronto a servir.
Ao deixar a Vice-Presidência, sai Vossa Excelência cercado do respeito dos brasileiros e agasalhado na estima de todos, que tanto o apreciamos.
Excelentíssimo Senhor.
General-de-Exército Alfredo Stroessner, Presidente da República do Paraguai, Excelentíssimo Senhor.
General-de-Divisão David Padilha Arancibia, Presidente da República da Bolívia,
Excelentíssimo Senhor.
Doutor Carlos Alberto da Mota Pinho, Primeiro-Ministro da República Portuguesa,
Excelentíssimo Senhor.
Doutor Henck Alphonsus Arron,
Ministro-Presidente e Ministro para Assuntos Gerais e.
Estrangeiros da República do Suriname,
Excelentíssimas Senhoras e Senhores,
Chefes e Membros das Missões Especiais que aqui vieram para assistir à minha posse:
Honra-me especialmente a presença, nesta cerimônia, dos altos Representantes de um número tão expressivo de nações, com as quais mantém o Brasil as melhores relações de amizade e de cooperação.
A inalterável tradição de convivência harmoniosa, que caracteriza a diplomacia brasileira, inspira-me a reafirmar, neste momento, o roteiro proposto pelo Barão do Rio Branco, no começo do século, para a política externa brasileira.
"O Brasil do futuro", disse ele, "há de continuar invariavelmente a confiar, acima de tudo, na força do Direito e no bom senso e, como hoje, pela sua cordura, desinteresse e amor da justiça, procurar merecer a consideração e o afeto de todos os povos".
Saúdo, com fraterno sentimento, os representantes das Nações de nossa comunidade latino-americana.
Ao expressar o apreço pela presença de Vossas Excelências, ressalto a convicção de que os laços que nos unem serão ainda mais reforçados e enriquecidos.
Vejo com satisfação a presença dos representantes de nações que, como o Brasil, se empenham na luta pela superação do subdesenvolvimento e pela construção de uma sociedade mais justa, nos planos nacional e internacional.
Rogo que levem de volta a seus povos, na América Latina, África e Ásia, a expressão da solidariedade, em tão nobre causa, do Governo e do povo brasileiro.
Recebo com especial contentamento a presença de representantes de nações africanas de recente independência.
Toca-me profundamente o significado histórico de tal fato.
Considero-o marco importante de um relacionamento, cujas perspectivas são tão amplas quanto entrelaçadas nossas raízes étnicas, lingüísticas e culturais.
Aos Senhores representantes de todas as nações irmãs da África, transmito a certeza do continuado apoio do Brasil às aspirações do povo daquele Continente.
Aos países desenvolvidos, da Europa Ocidental,
das Américas e do Pacífico, aos quais nos ligam um precioso acervo de laços históricos e tantas identidades culturais, desejo expressar o constante empenho do Brasil numa aproximação crescente, para ainda maior benefício de nossos povos, e engrandecimento dos valores comuns.
Às Nações com sistemas diferentes do nosso, reitero a disposição de manter um relacionamento profícuo e dinâmico.
Desejamos aproveitar construtivamente todas as oportunidades de cooperação, com resguardo das singularidades sociais e políticas, na esperança de um caminho de paz.
Senhoras e Senhores: de regresso a seus países, a todos peço transmitir a seus governos a afirmação de que o Brasil será sempre um interlocutor amistoso, um parceiro leal.
A mensagem deste Brasil generoso e hospitaleiro -- que peço levar de volta a seus povos -- é de otimismo e confiança em nosso futuro comum.
Os meus votos pessoais são de prosperidade e de paz.
Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente Antônio Aureliano Chaves de Mendonça.
Excelentíssimo Senhor Senador Luiz Vianna Filho, Presidente do Senado.
Excelentíssimo Senhor Deputado Homero Santos, Presidente em Exercício da Câmara dos Deputados.
Excelentíssimo Senhor Ministro Antônio Neder, Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Excelentíssimos Senhores Ministros de Estado do Governo Geisel,
Meus Ministros de Estado, Minhas Senhoras, meus Senhores:
Para o Vice-Presidente Aureliano Chaves e para mim, as palavras do nosso juramento, perante o Congresso Nacional, não são expressões rituais ou protocolares.
São o penhor de dedicarmos ao bem do povo brasileiro todas as nossas forças, todo o nosso caráter.
Nele empenhamos honra e vida.
Reafirmo, portanto, os compromissos da Revolução de 1964, de assegurar uma sociedade livre e democrática.
Por todas as formas a seu alcance, assim fizeram, nas circunstâncias de seu tempo, os presidentes Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel.
Reafirmo: é meu propósito inabalável -- dentro daqueles princípios -- fazer deste País uma democracia.
As reformas do eminente Presidente Ernesto Geisel prosseguirão até que possam expressar-se as muitas facetas da opinião pública brasileira, purificado o processo das influências desfigurantes e comprometedoras de sua representatividade.
Reafirmo: sustentarei a independência dos poderes do Estado e sua harmonia, fortalecendo, para que atinja sua plenitude, a Federação sonhada pelos fundadores desta Pátria.
Reafirmo: não descansarei até estar plenamente assegurado -- sem sobressaltos -- o gozo de todos os direitos do homem e do cidadão, inscritos na Constituição.
Reafirmo o meu gesto: a mão estendida em conciliação.
Para que os brasileiros convivam pacificamente.
Para que as divergências se discutam e resolvam na harmonia e na boa vontade, tão da índole de nossa gente.
Reafirmo a dedicação total, minha e de meu Governo, ao ideal --plenamente atingível em nossos dias -- de propiciar condições dignas de vida a cada cidadão.
Para que melhor se distribuam, entre todos, os frutos do trabalho de todos.
Para que a riqueza nacional não seja meio de ostentação de uns e de opróbio de outros.
Para que não sobre a uns poucos o que a muito falta.
Para que as regiões e os estados se diferenciem uns dos outros pela personalidade e pela tradição cultural.
Não pelo contraste entre a opulência e a privação injusta e inumana.
Reafirmo a prioridade ao desenvolvimento agropecuário.
Como meio de prover rapidamente a elevação dos padrões alimentares do povo.
Como forma de melhorar substancialmente a qualidade de vida nos campos.
Reafirmo: o combate à inflação é condição preliminar do desenvolvimento.
E será mantido com intensidade proporcional aos malefícios da elevação contínua dos preços.
Reafirmo a decisão de promover o equilíbrio de nossas contas internacionais.
Muito do progresso até hoje alcançado só foi possível pelo aporte de recursos de poupança externa.
Penso, porém, dada a dimensão da economia brasileira, que devemos financiar, nós mesmos os custos do nosso desenvolvimento.
Reafirmo o propósito de fazer da cidade um chão e teto habitáveis.
Não a troca da miséria pela promiscuidade.
Não o câmbio de uma forma de pobreza por outra -- tão mais cruel, porque mais próximos os bens da civilização.
Reafirmo a minha determinação de garantir a cada.
trabalhador a remuneração justa em relação ao trabalho produzido, às suas necessidades como chefe de família e à harmonia entre os vários segmentos da sociedade.
Recordando as imortais palavras do Santo Padre Leão XIII: "Do trabalho do operário nasce a grandeza das Nações".
Reafirmo: cada brasileiro tem direito de receber do Estado os cuidados básicos com sua saúde, com a própria educação e a dos filhos; assistência médico-social na enfermidade, no desemprego e na velhice; habitabilidade nas casas; meios de transporte que não sacrifiquem, nas filas e nas conduções, o tempo destinado ao lazer e ao convívio.
Brasileiras e Brasileiros:
Vou entregar-me de corpo e alma às tarefas do Governo, para assegurar uma administração eficiente e proba.
Rápida nas decisões.
Simples nas relações com as pessoas e as entidades.
Preocupada com o bem comum.
Vigilante na preservação da ordem pública e dos direitos das pessoas e da sociedade.
Firme na segurança das instituições.
Prudente e se- rena na utilização dos instrumentos legais existentes para esse fim.
Numa nação jovem, como a nossa, é natural uma certa dose de impaciência na promoção dos anseios populares.
Ai de nós se nos faltasse o entusiasmo da juventude! Reafirmo meu desejo de encontrar os jovens; com eles confraternizar; e com eles avançar democraticamente na construção da Pátria de nossos filhos e netos.
É o que espero fazer, com a ajuda de Deus e dos brasileiros.
Muito obrigado.
Brasileiros,
O presidente de um país democrático precisa compartilhar responsabilidades.
O Brasil mudou.
Respira-se liberdade.
Volta-se a sonhar e a ter confiança, embora permaneçam os efeitos do pior momento de nossa história, um quadro de pessimismo e a paisagem devastadora das injustiças sociais.
Não venho, contudo, perder-me no lamento.
Proponho conjurar a neurose dos índices assustadores da economia e da miséria.
O destino não me trouxe de tão longe para ser síndico da catástrofe.
Exerço e exercerei sempre a presidência! Juramento da república com determinação e coragem.
A omissão e a dúvida não serão a marca do governo.
Por formação e experiência, medito, pondero, analiso, ouço e sou prudente antes de decidir.
Acerto e posso cometer equívocos.
Mas, sensibilizado do erro, nele não permaneço.
A intolerância não faz parte do meu feitio.
Eu, José Sarney, homem simples como todos do povo, não sou infalível.
Sou.
presidente de um país democrático, presidente e Cidadão, responsável pelo governo que tenho de consolidar, pelo exemplo, pelo trabalho, pela correção, pela vontade e pelo dever de acertar, pela obrigação de servir ao Brasil e ao seu grande povo.
Reitero, mais uma vez, o compromisso da Aliança Democrática, agrado nas praças públicas por Tancredo Neves, que é pedra e mármore da História, a quem não faltei na minha lealdade e não faltarei na perenidade de sua pregação.
As mudanças começaram e continuarão.
As reformas serão implantadas.
A tarefa é grande.
Herdei para administrar a maior crise política da história brasileira; a maior dívida externa do mundo; a maior dívida interna e a maior inflação que já tivemos.
A maior dívida social -- a dívida moral.
A efervescência das reivindicações e o desespero diante das soluções impossíveis.
A metade mais pobre da população brasileira, que em 1960 detinha 4% da renda nacional, tem hoje menos de 3%.
Os 10% mais ricos, que possuíam 39% da riqueza nacional, passaram a comandar 51%.
Os pobres, mais pobres; os ricos, mais ricos.
Basta dizer que, no campo, 1% das propriedades representa, hoje, 45% da área rural.
Isto explica o fogo e o caldeirão social.
O desemprego aberto é da ordem de 13 milhões de pessoas.
O déficit potencial das contas públicas é de 110 trilhões de cruzeiros.
Ao assumir o Governo, a perspectiva inflacionária era de 400%.
A Administração pública desacreditada.
Ausência de planejamento, ditadura na economia, marginalização da sociedade, medo e violência, insegurança pessoal e coletiva.
Todos esses fatores, aliados à desordem jurídica, ao inferno burocrático, a avassaladora presença do Estado, à Federação esmagada, impedem o progresso, criam a recessão, favorecem as práticas ilegais e a corrupção.
A ineficiência, pela centralização do poder político e econômico, impede a.
Declaro aberta a primeira reunião do Ministério da Nova República.
Tenho a honra de dar leitura ao pronunciamento de Sua Excelência o Presidente Tancredo Neves:
"Senhores Ministros, Este Ministério terá sobre seus ombros a tarefa de implementar as transformações econômicas, políticas e sociais que constituíram nossa plataforma eleitoral, e que respondem aos mais legítimos anseios da sociedade brasileira.
"Nesta mesa se reflete uma característica essencial da Nova República: A unidade do Governo expressada em pluralidade partidária ampla e ponderável.
"Juntos assumimos hoje, perante a Nação, o solene compromisso com a democracia e a justiça.
Juntos nos comprometemos a pautar-nos pela seriedade na administração da coisa pública, pela devoção no serviço do País, pelo respeito ao cidadão e pela firme determinação de preservar os altos valores da nacionalidade.
"Dignidade e austeridade são regras essenciais, que devem presidir ao exercício da democracia, e que nos conduzirão ao atendimento das reivindicações impostergáveis de um povo que é digno e austero.
"Se não bastasse o imperativo ético, não faltaria uma razão política maior a ditar essa postura.
É que estou convencido de que a austeridade no Governo será fator decisivo para o êxito do grande projeto de transição para o regime constitucional democrático, um dos mais importantes capítulos da carta-compromisso da Aliança Democrática.
"A política econômica a ser implementada será de todo o Governo, de co-responsabilidade de todo o Ministério.
"Não abrirei mão da posição de condutor da política econômica do País e não permitirei que o Ministério se divida em dois: os comprometidos com a austeridade e os comprometidos com os gastos.
Em meu governo todos, absolutamente todos os Ministros e dirigentes de empresas públicas, terão que estar igualmente comprometidos com a geração de recursos e com a parcimônia nas despesas.
"Faltaria ao Governo a verdadeira autoridade, o legítimo poder de persuasão, caso lhe faltasse a disposição de impor a si mesmo o comportamento que espera obter dos vários segmentos da sociedade.
Somente através do exemplo poderemos inspirar confiança renovada na capacidade do Brasil de realizar-se como grande nação.
"Não fomos o candidato das promessas.
Não avançamos com a perspectiva de milagres.
Não seremos o Presidente a promover ilusões, que não foi para isso que o povo pediu "mudanças já" com tanta determinação e esperança.
"O Povo brasileiro terá o Governo que exigiu e que não se teria viabilizado sem o seu apoio inequívoco.
E sabem os seus Ministros que este será um só governo, que o Presidente não admitirá que se divida, que se desuna, que se descoordene e assim reduza a sua capacidade de agir na busca das soluções para os grandes problemas nacionais.
"Como Presidente da República não fugirei a meu dever de estabelecer as diretrizes que presidirão aos esforços da administração pública no cumprimento de sua missão.
"Claro está que essas diretrizes não surgirão apenas das observações e da vontade presidencial, que não se pretende onisciente nem onipotente.
Elas emanarão do estudo, do trabalho dos Ministros e de suas equipes, estimulados todos pelas contribuições da sociedade civil, pela estreita colaboração com o Poder Legislativo e pela crítica da opinião pública.
"Os Ministros serão meus colaboradores na formulação dessas diretrizes e dessas políticas e, uma vez decididas, serão responsáveis por sua implementação, em um esforço para o qual não lhes faltarão jamais o apoio e o respaldo presidencia.
"O Presidente e o Vice-Presidente da República, bem como os Ministros do meu governo, estarão em sintonia com o Congresso Nacional.
Respeitaremos as prerrogativas dos representantes do povo e procuraremos valorizar o relacionamento entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, através do diálogo frequente e construtivo e das contribuições que estaremos sempre oferecendo à tarefa legislativa e fisca1izadora do nosso Parlamento.
"Ao mesmo tempo, não terei qualquer hesitação em esclarecer a opinião pública sobre as dificuldades que teremos para resolver nossos problemas.
O Povo entenderá que há uma diferença considerável entre o que o Presidente quer e o que ele pode fazer, especialmente nesta fase de recursos escassos, de déficits nas contas internas e externas, de limitações de toda espécie.
Não temos receio das responsabilidades.
Não nos faltará coragem para contrariar interesses, sejam eles de grupos, de classe, ou de quaisquer parcelas da sociedade, se isto for necessário para assegurar a defesa do bem-comum, a proteção dos interesses maiores da Nação.
"Para a proteção desses altos interesses, é indispensável manter-se a ordem.
Sem ordem não chegaremos aparte alguma.
Sem ordem não há progresso, não há democracia, não há produção, não há bem-estar social.
Não há segurança para o cidadão, sua família, sua cidade, seu Estado, sem que a ordem presida às transformações, sob o manto do direito e dos valores éticos da sociedade.
"Estou seguro de que, como sociedade nacional integrada que somos, saberemos encontrar, através do respeito mútuo e do diálogo responsável, o grau de consenso necessário à solução dos conflitos de interesses.
Na busca desse grande entendimento nacional teremos tanto mais êxito quanto mais judiciosamente utilizarmos os mecanismos amplos, abertos e equânimes que nos proporciona a convivência democrática.
"Essa forma de convivência interna deverá refletir-se em nosso relacionamento externo.
O Brasil esteve sempre pronto a unir seus esforços aos da comunidade internacional em busca de um mundo melhor.
Seguiremos dispostos a sentar-nos à mesa de negociações, desde que o objetivo visado se enquadre dentro de nossa concepção de um mundo mais justo, em que os interesses de países como o nosso tenham guarida, e os processos decisórios não constituam o monopólio de uns poucos.
"Vamos trabalhar, Senhores Ministros.
Estão sendo criadas hoje comissões especiais que ajudarão a Presidência da República a cumprir alguns dos seus compromissos mais inadiáveis com a Nação.
"Durante nossa campanha para a Presidência, ouvimos vigorosos reclamos por uma reforma tributária.
A questão é complexa e delicada, e tem seu fulcro na evidente desproporção entre o montante dos recursos que se pode arrecadar e as múltiplas atividades -- e consequentemente gastos -- a serem cobertos com os fundos públicos.
Está sendo criada uma comissão de alto nível para tratar da reforma tributária e da descentralização administrativo- financeira.
Entre os aspectos a serem por ela examinados, está o da superposição de tarefas entre os vários níveis da administração pública, redundância que deverá ser eliminada através da melhor repartição dos encargos entre eles, com o fortalecimento da ação dos Estados e Municípios.
A comissão deverá também atentar para a necessidade de tornar o regime tributário mais justo, buscando maior correspondência entre os níveis de contribuição e a capacidade contributiva.
Esse trabalho servirá de base às propostas a serem encaminhadas ao Poder Legislativo, eventualmente, à Assembleia Constituinte.
"Igualmente importante é a questão dos incentivos fiscais concedidos pelo Estado, e direcionados para regiões menos desenvolvidas e setores da economia necessitados de estímulo.
Tratando-se de recursos limitados, devem ser imediatamente concentrados em atividades prioritárias, sobretudo as que criem novos empregos nessas regiões.
Ao mesmo tempo, uma comissão está sendo instituída para fazer uma avaliação do universo dos incentivos fiscais e dos resultados obtidos através de sua aplicação, com vistas a fazer sugestões para seu reordenamento e aperfeiçoamento, conferindo assim maior racionalidade a seu papel no desenvolvimento das regiões-e dos setores da economia mais carentes.
"Notei também, ao longo da campanha, um vivo sentimento de indignação quanto à falta de proteção à poupança popular.
Sucederam-se nos últimos tempos os casos em que milhares de pessoas, cujas economias somadas representam em última análise o louvável esforço da sociedade em investir no futuro, foram lesadas por agentes inescrupulosos que se aproveitaram de lacunas na lei e das deficiências da fiscalização.
É inaceitável que esses recursos, muitas vezes penosamente amealhados e entregues em confiança para serem aplicados, sejam administrados de forma tão criminosa sem que os responsáveis recebam exemplar punição.
Estamos, em consequência, instituindo uma comissão com a finalidade de elaborar um projeto-de- lei que defina a responsabilidade dos administradores e controladores das instituições financeiras, tipifique as ações lesivas à economia popular e comine as penas cabíveis, de forma a restituir a confiança que a sociedade precisa ter nas instituições e nas pessoas que administram seus recursos financeiros.
"Estamos criando também uma comissão, a ser presidida pelo Ministro-Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, para examinar a questão dos benefícios indiretos concedidos pela administração federal direta e indireta.
Trata-se de medida consoante com a austeridade que exigirei em todos os escalões do Governo.
As chamadas "mordomias" constituem um dos símbolos mais execrados do abuso e da prepotência.
É chegada a hora de proceder a um amplo levantamento dessa situação e de propor as medidas cabíveis para reduzir ao mínimo essencial esses benefícios, respeitados a dignidade da função pública e o requisito da eficiência.
"Na mesma linha de pensamento, estamos estabelecendo uma comissão para analisar a questão dos pagamentos em dólar aos funcionários mantidos por diversas empresas estatais no Exterior.
"Estamos também instituindo uma comissão.
encarregada de examinar o problema da multiplicidade de orçamentos, que causa enormes dificuldades à administração das finanças do setor público, e ao qual tenho me referido frequentemente.
A existência de vários orçamentos, apenas um dos quais é submetido ao Congresso Nacional para aprovação, os demais sendo geridos de forma autônoma, não só contraria preceito fundamental do regime democrático, como também dificulta a formulação e condução de uma política governamental integrada, distorce a orientação dos recursos em detrimento de áreas prioritárias e, mais grave ainda, constitui fonte de alimentação do processo inflacionário ao autorizar despesas sem a correspondente receita.
"Quero ainda ressaltar a necessidade de darmos alta prioridade aos estudos orientados para a reforma do sistema educativo do País, inclusive de sua Universidade.
Atendendo aos reclamos que tantas vezes nos foram apresentados durante a campanha, uma comissão de alto nível, cujos nomes indicaremos em conjunto com o Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação, está sendo incumbida de estudar a situação e formular propostas que possam ser imediatamente consideradas.
"O objetivo mais alto de minha Presidência é a reorganização constitucional do País.
É preciso alicerçar a ordem política sobre a legitimidade democrática.
Trata-se de uma profunda aspiração de toda a comunidade nacional.
A nova Carta, que institucionalizará definitivamente a democracia no Brasil, deve adequar-se às nossas condições econômico-sociais, à índole de nosso povo e à linha de nossa evolução jurídica.
Ademais, deve responder a um amplo consenso da generalidade dos setores que compõem a sociedade civil.
Por isto tudo, impõe-se criar canais que facilitem uma ampla consulta e favoreçam um grande debate nacional.
Tendo em vista esse objetivo, estarei criando nos próximos dias uma Comissão Constitucional do mais alto nível que, auscultando a sociedade civil, colhendo sugestões e negociando com as lideranças de todos os setores, elaborará um esboço do anteprojeto de Constituição.
"Para atingirmos o objetivo de uma sociedade próspera e mais justa, a tarefa primordial é compatibilizar a contenção da inflação com a retomada do desenvolvimento.
Tenho alertado para a ameaça que o processo inflacionário representa para as perspectivas de retomada do desenvolvimento, e para nosso desígnio de criar novos empregos, remunerar melhor a força de trabalho e distribuir mais adequadamente a renda nacional.
No combate contra a inflação e pela retomada do crescimento econômico é evidente que teremos que equacionar a dívida interna e a dívida externa, projetadas ambas contra o pano de fundo da nossa dívida maior, que é a dívida social contraída por todos os brasileiros para com os que vivem na linha da pobreza ou abaixo dela.
A luta contra a inflação exige coragem e abnegação.
Exige também a articulação de um pacto social justo, no qual cada um possa vislumbrar, ao final do embate, recompensas ao esforço realizado.
Exige finalmente a moderação de egoísmo de indivíduos ou de grupos, em favor do interesse maior da nação brasileira.
"Para assegurarmos o engajamento de todos na luta contra a inflação, é necessário que a distribuição dos custos da política anti-inflacionária seja compatível com as possibilidades de cada um.
Mas é também indispensável que o Governo faça sua parte, melhorando a produtividade dos gastos públicos.
"Tem existido uma tendência, no início de cada governo, para que as personalidades indicadas para ocupar a chefia dos Ministérios, das autarquias e das empresas estatais anunciem de imediato planos de impacto, programas ambiciosos e obras de grande porte.
A experiência tem ensinado que os planos de impacto têm vida efêmera, criam ilusões que duram pouco e trazem frustrações que marcam todo o Governo.
O anúncio de tais programas e obras, sem uma base sólida que garanta a sua realização, acaba por transformar a expectativa inicial em grande decepção.
O Governo não deve anunciar planos de impacto, novos programas e novas obras antes de fazer, de imediato, um levantamento da situação financeira do setor público.
"É fundamental que cada Ministro, na sua área de atuação, seja nos Órgãos da Administração Direta, seja nas empresas vinculadas ao Ministério, verifique a disponibilidade de fundos, as despesas comprometidas, antes de anunciar a realização de qualquer programa que envolva a aplicação de recursos financeiros.
O Governo não deve anunciar nada que não possa ser executado, nem enganar o povo com promessas que não possam ser cumpridas.
Nestes primeiros três meses os Ministros devem, portanto, efetuar um levantamento da situação financeira de seus ministérios e das empresas a eles vinculadas.
É, uma vez identificadas as disponibilidades financeiras, devem estabelecer, dentro de esquema de trabalho conjunto com a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, as prioridades para a sua aplicação, tendo em vista principalmente os objetivos de um desenvolvimento econômico com criação de empregos e melhor distribuição de renda.
"Enquanto não for realizado esse trabalho e não for.
estabelecida uma prioridade para investimentos de acordo com as diretrizes do meu programa de governo, a ordem é a seguinte: "É proibido gastar.
"O posterior remanejamento das despesas públicas será feito no sentido da satisfação das carências básicas da população.
Reafirmo aqui minha convicção de que retomar o crescimento significa criar empregos, e nessa direção pretendemos orientar a aplicação daquela parcela dos fundos públicos hoje desperdiçada em obras adiáveis, consumo injustificado e programas de baixo ou nenhum rendimento.
"O esforço pela retomada do desenvolvimento e a luta contra a inflação começam, assim, no dia de hoje.
Não pode haver desenvolvimento se não for controlado, de pronto, o processo inflacionário.
A persistência das tendências atuais nos levará a patamares insuportáveis, com consequências nefastas para todos.
Vamos atacar de frente esse processo e vamos reverter sua tendência.
Vamos fazer esta inflação cair.
"O governo da Nova República dá à sociedade uma demonstração de austeridade ao fixar, em sua primeira reunião ministerial, a diretriz de reduzir seus dispêndios.
Neste momento, conclamo o empresariado brasileiro, que tem dado provas de elevado patriotismo, a oferecer também sua colaboração ao combate nacional contra a inflação.
Reconheço no lucro o prêmio da eficiência e o motor da atividade econômica.
Repudio, contudo, o lucro especulativo e o ganho de ocasião.
Desejo ver a classe empresarial aderir a este programa de austeridade, evitando remarcações de preço no presente baseadas em expectativas de inflação futura e unindo-se ao Governo para coibir as práticas contrárias ao interesse público e ao bem-estar de todos.
"Senhores Ministros, "Quero convidá-los a visualizar, num futuro não muito distante, uma nação em que haja sido abolida a insegurança gerada pela miséria, pela ignorância e pelo desemprego; uma nação em que todos os cidadãos possam almejar a melhores condições de vida e alcançá-las através de seu próprio esforço; uma nação em que os menos afortunados e os menos aptos não sejam condenados a permanecer à margem do corpo social, mas dele recebam apoio solidário com vistas a sua integração na coletividade; uma nação que, seja em pequenas e médias cidades, nos campos ou nas grandes metrópoles, tenha orgulho de haver sabido organizar-se de forma a melhor usufruir das riquezas geradas por sua iniciativa e por seu trabalho; uma nação que, tendo podido atender às necessidades básicas de seus cidadãos, bem como a suas aspirações de consumo e lazer, disponha ainda de recursos excedentes para investir na continuada melhoria de seu padrão de vida.
"É indispensável nos conscientizarmos de que isto não é utopia.
A construção dessa nação está ao nosso alcance.
Depende de liberarmos toda a energia e a vontade de nossa gente, num imenso mutirão para o progresso.
"Vamos somar nossas forças, cabendo ao Governo essencialmente o papel de indutor do desenvolvimento.
À iniciativa individual e empresarial caberá ocupar os espaços vazios ainda existentes, tanto em nosso Território quanto em nosso sistema econômico, e abrir novos espaços através da inovação e da disposição para assumir riscos.
Neste contexto, desejo exortar especialmente os pequenos e médios empresários e agricultores a ocupar o lugar estratégico que lhes está reservado na economia, com a segurança de que contarão com todo o apoio que o Governo, dentro de suas possibilidades, puder prestar.
"Convoco o Ministério da Nova República para executarmos a parte que nos cabe desta grandiosa empreitada.
Ao trabalho denodado, acrescentaremos a fé inquebrantável.
Ao exercício do poder, agregaremos o espírito de justiça social.
À intransigente defesa da ordem pública, aliaremos a prática do debate persuasivo.
"E conclamo o povo brasileiro a continuar a prestar-nos seu apoio nessa difícil missão.
Que cada cidadão oriente suas ações no sentido de atingirmos, na paz social e na concórdia, os altos objetivos que juntamente nos fixamos em praça pública, ao longo de nossa memorável campanha cívica pela democracia.
Que cada grupo, cada entidade, cada representação política, ideológica ou profissional busque, a cada passo, aferir sua atitude pública pelos elevados padrões de comportamento político atingidos por nosso povo.
Que cada brasileiro, enfim, dê o melhor de si no exercício da responsabilidade intransferível de, com seu esforço consciente, plasmar para si e para seus filhos o futuro deste País.
".
Excelentíssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional;.
Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República;.
Excelentíssimo Senhores Chefes de Estado e de Governo estrangeiros;.
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados;.
Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal;.
Excelentíssimo Senhores Chefes das Missões Especiais estrangeiras;.
Excelentíssimos Senhores integrantes da Mesa; Excelentíssimos Senhores Senadores; Excelentíssimos Senhores Deputados;.
Altas Autoridades da República;.
Senhoras e Senhores,
Volto a esta Casa, onde vivi período de intenso aprendizado político, para receber o mandato mais honroso e o desafio mais difícil a que um homem público pode aspirar: a presidência do Brasil por delegação do povo.
Venho trazer ao Poder Legislativo, ante o qual, seguindo o preceito da Constituição, acabo de assumir a Presidência da República, meu apreço e minha homenagem.
Creio firmemente, Senhores Senadores, Senhores Deputados, que a dignidade do Governo implica essencialmente um sólido respeito pelos dois outros Poderes da República, o Legislativo e o Judiciário, tradicionais, autônomos e indispensáveis para a harmonia da política e o bem da nação brasileira.
Orgulho-me de ter pertencido à Câmara dos Deputados, onde meu avô, Lindolfo Collor, tivera atuação destacada.
Envaideço-me da memória dos anos fecundos que meu pai, Arnon de Mello, dedicou ao Senado Federal.
Não saberia governar sem a colaboração permanente do Congresso, berço da lei e espelho da opinião, cuja independência é, em toda parte, penhor da liberdade e evidência da democracia.
A transição democrática brasileira, que culminou nas eleições presidenciais do fim do ano passado, teria sido inconcebível sem a vitalidade do Congresso, logo convertido em Assembleia Constituinte, por todos conduzida com vigor cívico, e que, graças ao trabalho diligente do relator, trouxe- nos texto fecundo e inspirador.
Teria sido inconcebível, também, sem a severa vigilância do Judiciário, que através do Tribunal Superior Eleitoral, exemplarmente presidido por um Ministro do Supremo Tribunal Federal, organizou de modo tão correto e transparente o pleito que restituiu ao povo brasileiro o direito de escolher seu governante.
Nem poderia ela, a transição democrática, chegar a termo sem tropeços institucionais se não houvesse firme vontade nacional.
Meu respeito, e minha consideração, a todos os setores organizados da sociedade que souberam lutar e trabalhar pela vitória da democracia.
Meu apreço, e meu louvor, a cada um de meus compatriotas, que, por não terem perdido a esperança, o equilíbrio e o espírito cívico, fizeram com que a transição pudesse ocorrer em paz, sem violência, apesar de grandes dificuldades econômicas ao longo do percurso.
Minha eleição retrata e confirma as liberdades cívicas.
Espero dos partidos, das entidades e dos cidadãos que atuem com o melhor sentido de interesse público.
Para minhas propostas tanto desejo apoio consciente, fundamentado e sincero, quanto preciso da crítica que nasça de uma avaliação objetiva e racional das medidas que proponha.
Tenho certeza de que o apoio e a crítica serão balizados sempre pela determinação patriótica de colaborar na construção coletiva de nosso futuro.
Assim é nas grandes democracias.
Assim há de ser no Brasil.
Que a competição eleitoral não seja uma fábrica de cisões e rancores insuperáveis.
A própria idéia da legitimidade do processo induz não apenas ao acatamento legal do resultado, mas também à apreensão íntima, pelos cidadãos e, em especial, pelas lideranças políticas, de que as eleições não podem terminar com a celebração dos vencedores e o desânimo dos vencidos, mas com a renovação da confiança de todos, irmanados pela vontade de construir um País melhor, mais justo e mais feliz.
Senhores Membros do Congresso Nacional,
É meu dever apresentar-lhes, resumindo minhas propostas de candidato e a profissão de fé de presidente eleito, as diretrizes do meu projeto de reconstrução nacional.
Procurarei cingir-me a tópicos essenciais, para que tenham diante de si, com nitidez, os grandes temas de meu programa, consagrados pelos votos majoritários de novembro e dezembro de 19 São eles: democracia e cidadania; a inflação como inimigo maior; a reforma do Estado e a modernização econômica; a posição do Brasil no mundo contemporâneo.
Meu primeiro compromisso inalterável é com a democracia.
Ao restaurá-la no Brasil, reatamos com o melhor da nossa tradição de direito, liberdade e justiça.
Mas procurando, a partir de agora, não só mantê-la como aprimorá-la, não só honrá-la como enriquecê-la, estaremos colocando o Brasil na vanguarda de um processo histórico de escala inédita.
Pois o que estamos vivendo, neste fim do século XX, é uma era de democratização.
Um a um, vão ruindo os autoritarismos; em toda parte, vão assomando as liberdades.
O Brasil, uma das maiores democracias do mundo, não pode senão figurar à frente desse movimento universal de libertação da humanidade e de generalização da inestimável prática do autogoverno, do estado de direito e da estrita observância dos direitos humanos.
Hoje, mais do nunca, o princípio democrático se acha vivificado pela prática da cidadania.
Assistimos ao triunfo da idéia republicana em pleno ocaso da política de tipo messiânico.
Não se pretende mais salvar o homem pela política, nem alcançar a miragem de paraísos sociais pela hipertrofia voluntarista das funções do Estado.
O socialismo como visão utópica bate em retirada, sabiamente substituído pelo socialismo como preocupação ética e humanitária.
Mas a idéia republicana, o apego ao civismo e à cidadania, esta perdura no coração dos democratas.
Pois a democracia não se enraíza numa sociedade cínica: ela só floresce e frutifica na comunidade cívica, no sentido do bem comum, no respeito ao interesse coletivo, na recusa a confundir o conflito social legítimo inevitável na sociedade moderna, heterogênea e complexa como é com o caos predatório das ambições em grandeza e das pressões ditadas pelo egoísmo.
A cidadania é o direito do indivíduo na convivência republicana, na liberdade como diálogo e na justiça como respeito mútuo entre as pessoas e os grupos.
Por isso me esforçarei por governar sem jamais perder de vista o valor do cidadão.
Entre nós o poder foi quase sempre exercido principalmente para reforçar o Estado.
É hora exercê-lo para fortalecer a nação, como coletivo da cidadania.
Não basta governar para o povo é preciso aproximar o governo do povo, o poder da cidadania, o Estado da nação.
É um compromisso sagrado de minha parte.
Certo é, porém, que a virtude republicana, o espírito de cidadania, pressupõem determinado clima moral.
Requerem determinado capital de confiança e de estabilidade.
Essa confiança, essa estabilidade, inexistem na atmosfera de inflação crônica em que o Brasil vive há anos.
A cultura da inflação se nutre do egoísmo, do individualismo vicioso, do imediatismo descarado.
É uma cultura cínica, impermeável aos valores do civismo.
Estimula a ganância ao mesmo tempo em que desencoraja o investimento e a mentalidade produtiva.
A inflação nos desorganiza e nos desmoraliza.
Ela é, sabidamente, o imposto mais cruel.
É uma agressão permanente aos assalariados, ou seja, à maioria da nossa gente.
Pois são justamente as camadas mais pobres que não conseguem defender-se dela recorrendo a outras moedas.
A inflação é, além disso, um enorme fator de desmoralização.
Desmoralização interna, pelo aviltamento do salário e o despudor da especulação desbragada.
Desmoralização externa, pelo contínuo desgaste da imagem internacional do Brasil.
Um país que admite conviver para sempre com a ciranda inflacionária pode ser respeitado pelo seu tamanho e potencial, nunca por seu desempenho efetivo.
Nada repugna mais ao espírito de cidadania que a corrupção a prevaricação e o empreguismo.
Bem sabem Vossas Excelências que fiz da luta pela moralidade do serviço público um dos estandartes de minha campanha.
E assim fiz porque senti, desde o primeiro momento, quando ainda governador, a profunda, a justa revolta do povo brasileiro, de Norte a Sul, nas cidades e nos campos, em todas as classes sociais, contra aqueles que, ocupantes de cargos públicos, desservem o Estado pelo mandonismo ou absenteísmo, o proveito próprio, o nepotismo, ou simplesmente a ociosidade remunerada, com o dinheiro do contribuinte, por conta de funções supérfluas, fruto da infatigável imaginação fisiológica dos que insistem em conceber o estado como instrumento de ganho pessoal ou familiar.
Farei realizar rigoroso levantamento e racionalização do setor público, como prova do meu respeito e homenagem aos verdadeiros servidores, aos que se dedicam zelosa e meritoriamente às tarefas do Estado, e que não devem jamais ser confundidos com os que se locupletam de cargos miríficos e salários mirabolantes, sem nenhuma contrapartida social.
Conduzirei um governo que fará da austeridade, ao lado da eficiência, a marca constante da atuação do Estado e um motivo de orgulho do funcionalismo federal.
O propósito imediato de meu governo, Senhores, a meta número um de meu primeiro ano de gestão, não é conter a inflação: é liquidá-la.
Concentrarei todas as energias do Executivo, pedirei todo o apoio do Congresso para erradicar definitivamente da economia brasileira a erva daninha da inflação, nossa velha indulgência com a fúria emissionista e o déficit publico.
Minha presidência jogará tudo na vitória contra esse câncer social, esse obstáculo intolerável à retomada decisiva do nosso desenvolvimento econômico e humano.
Farei da estabilização monetária e financeira a prioridade absoluta de todos os primeiros passos deste governo.
Outros já se propuseram lutar contra a inflação, mas fizeram desse combate um objetivo condicional.
Comigo não será assim.
A guerra contra a inflação será uma luta incondicional, porque, justamente, se trata de um combate condicionante de tudo mais: da retomada do investimento, da consolidação do crescimento, da conquista de melhores níveis sociais, do fortalecimento da democracia.
Durante a campanha, no combate da campanha, pude perceber a fundo até que ponto o povo brasileiro deseja eliminar o carnaval dos gastos, das emissões e dos preços.
Sei que, para eliminá-lo, terei de contrair vários interesses poderosos.
Mas não transigirei na perseguição desse fim, que sozinho justificaria, por seu significado histórico e seu sentido social, qualquer governo e qualquer presidência.
Vencerei ou falharei na medida em que esse desafio for enfrentado, sem demora e sem trégua.
Mas tenho certeza de que, com o apoio resoluto do povo e do Congresso, ainda este ano haveremos de ferir de morte, de destruir na fonte, a inflação no Brasil.
Conhecem Vossas Excelências a agenda de medidas básicas com que encetarei nossa estratégia de extermínio da praga inflacionaria.
Não poderemos edificar a estabilização financeira sem sanear, antes de o que supõe reduzir drasticamente os gastos públicos.
Para atingir equilíbrio orçamentário, é preciso adequar o tamanho da máquina estatal à verdade da receita.
Mas isso não basta.
É preciso, sobretudo, acabar com a concessão de benefícios, com a definição de privilégios que, independentemente de seu mérito, são incompatíveis com a receita do Estado.
No momento em que lograrmos esse equilíbrio o que ocorrerá com certeza teremos dado um passo gigantesco na luta contra a inflação, dispensando o frenesi das emissões e controlando o lançamento de títulos da dívida pública.
Tudo isso, Senhores Congressistas, possui como premissa maior uma estratégia global de reforma do Estado.
Para obter seu saneamento financeiro, empreenderei sua tríplice reforma: fiscal, patrimonial e administrativa.
A dura verdade é que, no Brasil dos anos oitenta, o Estado não só comprometeu suas atribuições, mas perdeu também sua utilidade histórica como investidor complementar.
O Estado não apenas perdeu sua capacidade de investir como, o que é ainda mais grave, por seu comportamento errático e perverso, passou a inibir o investimento nacional e estrangeiro.
Essa perversão das funções estatais agravadas por singular recuo na capacidade extrativa do Estado exige que se redefina, com toda a urgência, o papel do aparelho estatal entre nós.
Meu pensamento, neste ponto, é muito simples.
Creio que compete primordialmente à livre iniciativa não ao Estado criar riqueza e dinamizar a economia.
Ao Estado corresponde planejar sem dirigismo o desenvolvimento e assegurar a justiça, no sentido amplo e substantivo do termo.
O Estado deve ser apto, permanentemente apto a garantir o acesso das pessoas de baixa renda a determinados bens vitais.
Deve prover o acesso à moradia, à alimentação, à saúde, à educação e ao transporte coletivo a quantos deles dependam para alcançar ou manter uma existência digna, num contexto de iguais oportunidades, pois outra coisa não é a justiça, entendida como dinâmica social da liberdade de todos e para todos.
Entendo assim o Estado não como produtor, mas como promotor do bem estar coletivo.
Daí a convicção de que a economia de mercado é forma comprovadamente superior de geração de riqueza, de desenvolvimento intensivo e sustentado.
Daí a certeza de que, no plano internacional, são as economias abertas as mais eficientes e competitivas, além de oferecerem bom nível de vida aos seus cidadãos, com melhor distribuição de renda.
Não abrigamos, a propósito, nenhum preconceito colonial ante o capital estrangeiro.
Ao contrário: tornaremos o Brasil, uma vez mais, hospitaleiro em relação a ele, embora, é claro, sem privilegiá-lo.
Não nos anima a idéia de discriminar nem conta nem a favor dos capitais externos, mas esperamos que não falte seu concurso para a diversificação da indústria, a ampliação do emprego e a transferência de tecnologia em proveito do Brasil.
Em síntese, essa proposta de modernização econômica pela privatização e abertura é a esperança de completar a liberdade política, reconquistada com a transição democrática, com a mais ampla e efetiva liberdade econômica.
A privatização deve ser completada por menor regramento das atividades econômica.
Isto incentiva a economia de mercado, gera receita e alivia o déficit governamental, sustentado melhor a luta antiinflacionária.
Isto faz com que a corrupção ceda lugar á competição.
Permanece válido, ainda hoje, o adágio medieval: o Estado é uma entidade que pune todas as injustiças, exceto as que ele mesmo comete...
Na realidade, diviso como um dos limites fundamentais ao livre desenvolvimento das forças produtivas à pujança e expansão do mercado: o imperativo ecológico.
O cuidado com o meio ambiente, o alarme ante o drama ecológico do planeta, não é para nós uma celeuma artificial.
Pertenço à geração que lançou um grito de alerta contra um modelo de crescimento que caminhava às cegas para o extermínio da vida sobre a Terra.
A urgência que meu governo dará a essa questão reflete um sentimento cada vez mais vivo na sociedade, e particularmente na juventude brasileira, que por isso mesmo converti numa das pedras angulares de minha campanha presidencial.
Em recente viagem ao exterior, como presidente eleito, ressaltei que a questão ambiental não pode ser tratada entre governos com tom recriminatório, como se os países se dividissem entre inocentes e culpados nessa grave matéria.
Indiquei que somente o volume dos gastos militares das nações do Norte já seria suficiente para realizar a mais ampla limpeza da terra.
Mas observei que, fora do simplismo de acusações unilaterais, o Brasil estará sempre disposto ao diálogo e à cooperação internacionais sobre o drama ecológico.
Nas Nações Unidas e nos demais foros, passaremos a formar entre os países que melhor sustentam o esforço de encontrar soluções objetivas e inteligentes para harmonizar o desenvolvimento único meio de resgatar nossa gente da pobreza com a preservação do ambiente.
Saberemos conciliar sem complexos a defesa de nossa soberania com uma atitude positiva e conseqüente, não apenas defensiva, frente a um problema cuja dimensão afeta, como sabemos, o destino do gênero humano em seu conjunto.
Marquei a sinceridade de nossos propósitos precisando que, no caso brasileiro, não só a Amazônia, mas também o Pantanal e a Mata Atlântica, nossos rios e bosques, integram um ternário conservacionista, norteado pala deliberação de desenvolver sem depredar.
Finalmente, para vincar a nova importância que o Brasil confere ao problema ecológico, relancei minha proposta de um imposto internacional sobre poluição e convidei pessoalmente os Chefes de Estado e de Governo com que me avistei a comparecerem à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que o Brasil sediará em 19.
Duas considerações qualificam atualmente nosso impulso de retomada irreversível do desenvolvimento.
O cuidado ecológico é uma delas.
A outra, Senhores Congressistas, é o empenho de justiça social, a decisão que incorporei às prioridades absolutas de meu governo de criar condições para o resgate de nossa gritante e vergonhosa dívida social.
Tanto a ética quanto o interesse nacional reclamam uma completa mudança de mentalidade nesse terreno.
Até aqui, nossa atitude básica frente às carências socais brasileiras consistiu essencialmente em manter, por parte do governo e das elites, um comportamento paternalista.
Esse paternalismo, a seu turno, engendrava alternativamente dois tipos de conduta prática frente ao problema.
Ou relegávamos a questão para um plano secundário, na ingênua crença de que a melhoria do padrão de vida das massas deriva automaticamente do crescimento econômico; ou procurávamos enfrentar a pobreza com políticas distributivistas irresponsáveis, porque baseadas num populismo primário, Incapaz de reconhecer que o verdadeiro bem estar coletivo, o progresso social duradouro só ocorrem quando se assegura e se mantém um nível elevado de desempenho econômico e, por conseguinte, de prosperidade geral.
Minha geração não admite mais conviver com um Brasil gigante econômico mais pigmeu social: a décima economia do globo com indicadores sociais registrando tanta penúria, tanta doença e tanta desigualdade.
Não concebemos a modernidade sem sua componente de justiça, nem o progresso sem que todos possam beneficiar-se de seus frutos.
A finalidade maior do meu governo é libertar o Brasil da vergonha da miséria e da injustiça.
Mas como sou um democrata moderno e não um demagogo populista tenho consciência de que, aqui também, impõe-se à estabilização financeira para que o investimento volte a irrigar nosso aparelho produtivo.
Impõe-se também que o Estado recupere sua capacidade de executar políticas públicas.
Só assim geraremos a renda e o emprego que, ao lado de boa política social, arrancarão nossa gente marginalizada das garras da carência e da miséria.
Que esta posição fique clara: não deixarei o problema da pobreza à mercê do automatismo do mercado.
O mercado, excelente e insubstituível como produtor de riqueza, nem sempre é satisfatório como seu distribuidor.
Mas tampouco recairemos na facilidade do social sem amanhã, do alívio efêmero, do redistributivismo inconseqüente em prejuízo do esforço produtivo.
Sabemos que contamos para isso não só com a compreensão, mas com pleno apoio das lideranças sindicais esclarecidas deste país.
Do binômio de Juscelino democracia e desenvolvimento queremos passar ao trinômio do Brasil moderno: democracia, desenvolvimento e justiça social.
Uma das dimensões arcaicas da nossa realidade atual é o descalabro da educação.
Meu governo terá maior empenho não só em combater o analfabetismo, cuja dimensão permanece incompatível com o estágio econômico e tecnológico a que chegamos, mas também em enfrentar com determinação os problemas da educação de base e da qualidade do ensino superior.
Neste terreno, o Brasil precisa de nada menos que uma revolução educacional, que transforme prioridades constantemente reconhecidas numa reorientação concreta e drástica da atuação do poder público.
Não são recursos que têm faltado, mas vontade de aplicá-los melhor, caminhando em marcha batida para a redenção educacional dos mais pobres e para a conquista duradoura de padrões de excelência na educação superior e na pesquisa universitária.
Minha presidência acrescenta a seus compromissos principais essa revolução educacional, componente indispensável de nosso futuro próximo.
Senhores Congressistas, Direi agora algumas palavras sobre a situação do Brasil no mundo contemporâneo.
Antes de tudo, é preciso registrar impressionante mudança no cenário internacional.
O perfil de uma nova Europa Oriental faz ver como encerrada uma fase na história das relações internacionais, dominada pelo confronto ideológico Leste-Oeste.
Fica definitivamente sepultada a guerra fria.
Repensam-se alianças.
Cancelam-se alinhamentos.
Enquanto isso, novas áreas se preparam para adotar as leis da economia de mercado, com democracia, respeito pelos direitos humanos e cultura da liberdade, que são hoje tendências universais.
Em toda parte o poder monolítico, as estruturas dirigentes e os resíduos autoritários estão na defensiva.
Nesse quadro dinâmico, tão diferente daquele de apenas dez anos atrás, propendem a emergir grandes espaços econômicos.
Não se trata necessariamente de blocos fechados, mas de novas configurações econômicas e políticas, às quais terá de ajustar-se o potencial competitivo de cada país.
Diante dessas transformações que aceleram o tempo histórico, é preciso buscar fórmulas novas de inserção do País no mundo.
A riqueza e a complexidade do momento não são motivo para timidez e recuo; ao contrário, requerem sensibilidade nova, propostas de ação que sejam claras, que tomem a política externa sintonizada com os objetivos de reconstrução nacional.
Como exige a democracia, a política externa há de responder ao momento de afirmação da vontade popular, que quer e com urgência a modernização do Brasil.
As opções que teremos que fazer pedem muito mais do que a elaboração de pautas diplomáticas bem formuladas.
Pedem, na realidade, o concurso da vontade nacional, constituída com orientação segura.
Uma das tônicas do Brasil moderno há de ser a participação ativa nas grandes decisões internacionais.
Não por pretensão de hegemonia ou por vontade de poder, que a tradição brasileira repele.
Mas porque, hoje, a interdependência exige que todo ato de governo seja uma permanente combinação de variáveis internas e externas.
Para um país de nossas dimensões, com nossa determinação de desenvolvimento, não há opção melhor que a de ter parte ativa nas decisões internacionais.
São essas as premissas sobre as quais definirei a política externa brasileira.
Levarei em conta que vivemos um momento raro na história da humanidade, em que se prenuncia a efetiva construção da paz e da segurança.
A paz parece estar ao alcance de nossas mãos, embora falte ainda muito para que desapareçam definitivamente as causas de conflito.
Com base em suas tradições, o Brasil tem um papel a desempenhar.
Insistirei na ideia de que não se construirá a paz permanente senão sobre regras sólidas de boa convivência, como o respeito à soberania, a não-intervenção, a autodeterminação, a solução pacífica de conflitos, o cumprimento fiel dos tratados, o respeito integral dos direito humanos.
Insistirei também em que os alicerces deste mundo de paz só serão sólidos se apoiados na justiça, no esforço comum para reduzir desigualdades no Planeta.
De fato, o dinamismo das novas configurações econômicas convive ainda com a miséria e a estagnação, raízes de tensão e conflito.
Se caminhos trilhados decepcionaram, não há que desistir de caminhar.
Os anseios de justiça, no plano nacional, devem ter contrapartida na ação da política externa.
Não podem ser abandonados porque alguns proclamam que já não condizem com o momento histórico.
Os anseios de justiça são permanentes e, de certa forma, retratam a própria história.
O Brasil estará aberto ao mundo.
Queremos integração, crescente e competitiva.
A diplomacia atuará, de forma intensa, no plano bilateral e coletivo, buscando a cada momento formas novas de cooperação, seja no campo da economia, seja em ciência e tecnologia, seja no diálogo político.
O momento é único na história do País e do mundo, e o papel da ação diplomática é estratégico para aproximar a nação dos tempos novos em que vivemos.
A impressionante dinâmica das mudanças ora em curso no cenário internacional toma mais grave o risco de cairmos numa situação de confinamento e marginalização.
A esse espectro devemos contrapor a clareza de nosso projeto e de nosso desempenho.
É imperioso abdicar do discurso estéril e irrealista, do pseudonacionalismo que induz ao isolamento, da desconfiança, da ilusão míope de auto- suficiência.
Temos, ao contrário, que demonstrar com fatos o potencial e a pujança do Brasil.
É preciso que o mundo se convença da necessidade de abrir as portas ao Brasil, e que possamos acreditar na conveniência de nos abrirmos ao mundo.
Essa disposição de abertura, associada ao combate eficaz à inflação e à superação da crise econômica no País, virá acompanhada de regras claras, que garantam a quantos desejem investir no Brasil um padrão de estabilidade e confiança.
A política externa de meu governo há de incorporar as melhores vocações diplomáticas brasileiras.
A contribuição para a paz e a justiça será permanente.
A luta pelo desenvolvimento orientará a todo tempo a ação externa da República.
Assinalo, a propósito, minha satisfação pessoal, como governante e como homem atento às transformações da ordem internacional, por ter prestado, em escala modesta, quando de recente viagem ao exterior, alguma contribuição ao bom diálogo entre os Estados Unidos e a União Soviética.
A distensão é um dos processos maiores da nova ordem internacional e a orientação permanente de meu governo será no sentido de trabalhar para que cheguemos a um estágio irreversível na construção da paz.
Para o Brasil, o grande espaço imediato é a América Latina, com seu epicentro econômico no Cone Sul.
A tradição de amizade, de esforço pela paz regional, de cooperação e diálogo serão reforçadas.
Daí a crescente importância do processo de integração latino-americana, que pretendo aprofundar sistematicamente em meu governo.
Penso que a integração é passo obrigatório para a modernização de nossas economias e, portanto, condição para que a América Latina possa juntar-se aos protagonistas deste momento de mudança do cenário mundial.
A integração latino-americana vai deixando de ser um sonho para se tornar realidade tão concreta quanto fecunda.
O desenvolvimento econômico e social de toda a região há de aproximar ainda mais nossos povos irmãos, fortalecendo o regime democrático por eles escolhido.
Pretendo exercer, no relacionamento bilateral com.
os Estados Unidos, a melhor disposição para o diálogo e o entendimento.
Na convivência entre duas democracias, deve prevalecer o reconhecimento das suas características próprias, o respeito por opiniões distintas ou mesmo construtiva, para benefício mútuo.
O Brasil deseja sincera e fortemente que as relações com os Estados Unidos tenham sentido positivo.
Entre parceiros de tão longa data, com afinidades passadas e presentes, são as coincidências e não as discrepâncias que devem dar o tom do diálogo.
Continuarei exortando as lideranças dos países da Europa a reconhecerem na América Latina aquela parte do mundo em desenvolvimento onde as próprias raízes são também européias.
Confio em que a unificação comunitária prevista para 1992 não tenha um perfil excludente.
De nossa parte, como disse a vários governantes europeus em meu périplo de presidente eleito, trataremos de explorar todas as potencialidades que a nova dinâmica da Comunidade possa trazer em termos de comércio, capitais e tecnologia.
Senti essa disposição de arrojo e abertura por parte do Brasil muito bem acolhida na Alemanha, França, Inglaterra e Itália.
Na Europa, Portugal será necessariamente o interlocutor mais próximo do Brasil.
Esse é um fato que dispensa explicações.
Afinal, da ação histórica dos irmãos portugueses deriva nossa própria existência como nação e como Estado.
A Espanha, por sua vez, não deixará de ser vista pelo Brasil, tal como por nossos vizinhos, como parceiro bilateral e ator destacado no diálogo entre a América Latina e a Europa.
Espero de ambos os governos o apoio para o necessário fortalecimento dos laços do Brasil com a Comunidade Européia.
O Japão ocupará posição de especial realce na política externa do Novo Brasil.
Nossas realizações comuns já constituem uma história de êxitos.
Temos bases suficientemente sólida para nos lançarmos a uma nova e mais ambiciosa etapa da cooperação brasileiro-japonesa no plano de investimentos, da tecnologia, do comércio e do diálogo político.
A súbita, inesperada e positiva evolução do Leste Europeu, que aplaudimos com toda sinceridade de democratas, representa um fator a mais para que nos capacitemos da absoluta necessidade de uma integração competitiva do Brasil na economia mundial.
País de posse de um parque industrial já completo e integrado, pode o Brasil marchar tranqüilo para a experiência da abertura de sua economia.
Meu governo acompanhará com atenção redobrada o curso da transformação do Leste Europeu: o Itamaraty terá instruções específicas para dar prioridade ao exame e interpretação dos temas daquela área.
Essa diretriz justifica-se não só pelo fato de se estar abrindo uma nova era na universalização da democracia, mas também porque se trata de um processo que terá grandes conseqüências nas relações internacionais.
Meu desejo é que as mudanças ocorram em paz e na forma a que aspiram os povos europeus.
Darei ênfase especial á modernização do relacionamento com a União Soviética, tanto no plano do diálogo político como no do intercâmbio econômico, científico, tecnológico e cultural.
Com os países da África, deveremos trabalhar para restituir dinamismo ao nosso relacionamento, muito afetado nos últimos anos pelas dificuldades que se abateram, de modo geral, sobre os países em desenvolvimento.
É imprescindível a identificação de possibilidades concretas de cooperação que dêem, o quanto antes, impulso a esse esforço.
Acentuaremos nossas identidades, aprofundando uma noção de comunidade cultural e histórica, e condenado o racismo, particularmente o regime de apartheid na África do Sul, que esperamos esteja em sua etapa terminal.
O Brasil buscará aproveitar ao máximo o potencial de diálogo e colaboração existente no seio da comunidade de expressão portuguesa, à qual estamos ligados por estreitos laços, cujas origens remontam a quase cinco séculos.
No período seguinte ao processo de descolonização dos anos setenta, o Brasil e seus irmãos de além-mar souberam demonstrar que, longe de se limitarem à fraternidade retórica, são capazes de ajudar-se mutuamente na construção do progresso e do bem estar.
Aos países do Oriente Médio, o Brasil está ligado por antigos laços de amizade e por importantes interesses comuns, decorrentes de um intercâmbio rico e dinâmico.
Aproximados pela presença de milhões de brasileiros como origens naquela parte do mundo, sofremos ao assistir ao espetáculo diário da guerra e da violência.
Desejamos que se chegue à paz firme e duradoura naquela região.
Sustentados que naquela área do globo é urgente e clara a necessidade de que se observem estritamente os princípios essenciais do convívio internacional: o direito dos povos à autodeterminação; a negação da conquista pela força; a observância do direito internacional, particularmente os elementos incorporados nas resoluções do Conselho de Segurança.
A moldura das decisões das Nações Unidas é a melhor base para a resolução do problema, que exige diálogo amplo, sem discriminações, entre os povos evolvidos.
Não há caminho para a paz se não houver aceitação mútua dos direitos legitimamente definidos pela comunidade internacional.
Com a República Popular da China e com a Índia, dois grandes atores do cenário internacional, o Brasil tratará de ampliar e multiplicar as vias de entendimento e cooperação.
Temos consciência plena do peso desses Estados, de suas semelhanças conosco em termos de dimensão, estágio de desenvolvimento e potencial e, sobretudo, da necessidade de que tais semelhanças sirvam de base ao maior benefício de nossos povos.
O mesmo ânimo valerá também para os demais países em desenvolvimento da Ásia e do Pacífico, que se encontram agora inseridos num dos espaços de maior dinamismo econômico do planeta.
O Brasil não deixará de enriquecer-se com o exemplo dessas experiências e cuidará de abrir com essas nações novas frentes de cooperação.
Considero decisiva a ação dos organismos multilaterais, políticos e econômicos.
Cabe a eles, de fato, através do diálogo e da cooperação, permitir que as transformações extraordinárias que vivemos sejam retratadas em instituições e regras estáveis.
Por isto, darei atenção especial ao novo papel das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, como instrumentos de paz e segurança, e também aos organismos econômicos, como o GATT e a ALADI, que procuram estabelecer formas novas de convivência entre as nações.
Com os países credores, tratarei de reequacionar o problema da dívida externa.
Nossa proposta de renegociação da dívida tem um parâmetro fundamental: não se trata, para nós, de saber quanto poderemos crescer depois de servir à dívida, mas sim de quanto poderemos pagar depois de garantido nosso crescimento econômico em níveis consentâneos com sua taxa histórica e com projeto de desenvolvimento e justiça que norteará nosso futuro.
Ao longo de todo um século, até a década de oitenta, o Brasil foi, na opinião de historiadores econômicos abalizados, o país que mais cresceu.
Os terríveis anos oitenta trouxeram trágica interrupção a esse processo de crescimento que, apesar de vigoroso, era, como sabemos, eivado de distorções e fragilidades.
Temos que lutar para que os anos noventa restaurem e acentuem a trajetória de crescimento, fazendo as opções necessárias e muitas serão extremamente penosas em curto prazo para desentravar as energias econômicas do nosso País.
Um dos maiores obstáculos a isso é sem dúvida o serviço da dívida, nos níveis em que se encontra.
No marco do parâmetro que defini, estarei aberto a uma negociação franca e leal com os credores.
Não quero confrontação.
Não quero impor fórmulas.
Mas não aceitarei contratos de adesão que determinem unilateralmente caminhos e soluções.
Negociar significa aceitar a diversidade de interesses e, ao mesmo tempo, admitir que existe um interesse maior: a chegada ao ponto de encontro que sirva a todas as partes.
As perspectivas de aproximação são claras e tenho a certeza de que, ao esforço brasileiro de sanear as finanças públicas, de modernizar a economia, corresponderá necessariamente uma atitude positiva da comunidade financeira internacional.
A palavra de ordem do meu governo, no plano internacional, é só uma: o Brasil não aceita ficar a reboque do processo de transformação mundial.
O único caminho apontado pelo interesse nacional é a integração gradual, mas constante e segura, à plenitude do processo econômico.
Essa é a realidade dos países mais desenvolvidos do planeta.
Essa é a real vocação do Brasil.
Senhores Congressistas,
Filho e neto de políticos, trago no sangue o sentimento da vida pública como dever e como missão.
Não viver na política, mas viver para a política, como nobre forma de servir à comunidade: eis o lema com que me dediquei à vida pública, inspirado em meus maiores e sintonizado com os valores de minha geração.
É esse, também, o apelo que faço à nossa classe política e à sua máxima assembleia, o Congresso Nacional.
Há no Brasil, como sabemos, dois tipos de elite.
Há elites responsáveis, modernas e criadoras, legitimas pela eficiência e pela qualificação.
E já elites anacrônicas, atrasadas, que não hesitam em posar como donas do nacionalismo ou do liberalismo enquanto vivem à sombra de privilégios cartoriais, defendendo interesses do mais puro particularismo.
Contra o egoísmo doentio dessas elites inscrevo meu projeto de modernização do Brasil.
E foi nessa mesma intenção que fiz o chamamento da classe trabalhadora à responsabilidade do poder.
Meu avô, Lindolfo Collor, foi o autor da primeira Carta de direitos sociais do Brasil, como fundador e primeiro titular do Ministério do Trabalho.
Coube a mim estender aos assalariados, aos trabalhadores, o convite à participação política, no próprio nível do governo.
Sei que, ao proceder assim, contei com as mais viva simpatia da sociedade e, particularmente, da juventude brasileira, sensibilizada como é para o esforço de integração social do país.
Aí tem os Senhores Congressistas, em linhas.
gerais, meu projeto de reconstrução nacional.
Creio sinceramente que ele encerra uma firme resposta de minha geração ao desafio do Brasil na modernidade.
O Congresso receberá a partir de amanhã, 16 de março de 1990, as primeiras propostas específicas corporificando essa visão e essa estratégia de modernização do Brasil, de reforma do Estado, de recriação das bases do nosso desenvolvimento econômico e social.
Cada uma dessas propostas, estou seguro, receberá aqui toda atenção e apoio, pois bem sabem que lhes apresento todas elas com a chancela das urnas, após uma vitória eleitoral expressiva, resultado da opção popular por nosso programa de governo e de renovação.
Não tem faltado, entre nós, a prédica da modernização.
O que tem faltado, quase sempre no nível do Estado é uma prática coerente com aquela.
Meu governo se propõe precisamente eliminar esse hiato entre discurso e prática modernizantes.
Nesse propósito é que trago à soberana consideração dos Senhores Membros do Congresso Nacional meu programa de governo.
Ao fazê-lo, volto o pensamento para nossa bandeira, símbolo da Pátria.
Nela vemos retratados a dimensão territorial, os recursos naturais, a multiplicidade de regiões e o apreço do povo brasileiro pelo progresso e pela paz.
Meu compromisso na Presidência da República é realizar um governo digno das melhores qualidades da nação, um governo capaz de erguer o Brasil à altura do valor de sua gente, e do lugar que merece no concerto das nações.
O povo brasileiro retoma o Estado em suas mãos depois de período turbulento, carregado de intranquilidade, indignação e constrangimentos.
É em nome desse povo, e no cumprimento da Constituição da República, que este Governo se inicia, comprometido com os valores simples dos brasileiros.
Esses valores, que pareciam se perder, reafirmaram-se nas últimas semanas, tomaram as ruas, retornaram à consciência de cada um de nós, para servirem de pilar à reafirmação da responsabilidade do Estado.
A nossa primeira e urgente tarefa é a de colocar o Governo realmente a serviço do Estado, e o Estado a serviço da Nação.
A Nação, em sua grandeza e permanência, não reconhece privilégios corporativos, e não pode admitir discriminações nem preconceitos.
Este Governo, dure o tempo que durar, será o Governo de todos, para não ser o Governo de alguns poucos.
É hora de descer ao áspero solo da realidade, senti-lo sob os pés, trabalhá-lo e torná-lo fértil para a colheita comum.
Sabem Vossas Excelências, tanto quanto eu sei, que não podemos administrar este País com palavras de ordem, embalá-lo com retórica, iludi-lo com neologismos importados.
Diante de nós estão a miséria, o desemprego, a insegurança, o desencanto e o medo.
Há várias décadas que milhões de nossos filhos nascem privados de todos os direitos, até mesmo o de sonhar.
São seres para os quais a vida é apenas curto intervalo de sacrifícios.
Repilo, por criminosa e cruel, a modernidade que lhes nega a dignidade do pão, do alfabeto, do trabalho honrado, da saúde e da alegria.
Um País não pode ter a sua modernidade recluída em setores de ostentação enquanto o resto do povo se afronta, todos os dias, com a fome, o desespero, a doença e a ofensa.
A única coisa que se reparte equitativamente em sociedades injustas como a nossa é o medo!
A própria classe média vive sob a angústia do empobrecimento rápido, e o seu padrão de vida reduziu-se dramaticamente nos últimos meses, sem que isso significasse vida melhor para o conjunto dos trabalhadores.
É nessa quadra terrível que muitos pregam o enfraquecimento do Estado.
Se o Estado não servir para promover a paz, a justiça e o bem-estar entre os homens, para que servirá?
Senhores Ministros, Não podemos perder um só minuto.
Há muito a ser feito, mas deve ser iniciado já.
Contudo, a Nação não deve esperar de nós resultados instantâneos.
Ela está prevenida contra os golpes de publicidade e contra os milagres.
Precisamos reconhecer, entretanto, que há emergências que exigem providências imediatas, a serem adotadas dentro do senso comum, tão desprezado mas tão necessário.
O que a Nação mais aspira é o que certamente temos para oferecer: democracia mais forte porque solidária e humana, aliada à honradez na administração do Estado.
Conclamo, portanto, a todos os Ministros para que exerçam extrema vigilância na proteção do interesse público.
Todos os negócios do Estado têm de ser analisados à exaustão a fim de se evitar qualquer prejuízo ao bem comum.
Este Governo não terá segredos -- a não ser aqueles que a segurança do País, em suas relações internacionais, assim o exigir.
Desejo, Senhores Ministros, agradecer-lhes a participação no Governo.
Quero que cada um se sinta à vontade em sua área e que exerça o Ministério guiado pelo seu saber e pela sua consciência.
A mim, como Chefe do Governo e do Estado, caberá a responsabilidade final pelo desempenho de todos e pelos resultados a serem alcançados.
Não serão tempos felizes, mas de sacrifício.
Não serão horas de regozijos, mas de penosas preocupações.
O sacrifício e as preocupações se justificam quando se acredita no Brasil!
Em nome do povo brasileiro, comecemos a trabalhar.
Muito obrigado.
Excelentíssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional;
Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República;
Excelentíssimos Senhores Chefes de Estado e de Governo estrangeiros;
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados;
Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal;
Excelentíssimos Senhores Chefes das Missões Especiais estrangeiras;
Excelentíssimos Senhores integrantes da Mesa;
Excelentíssimos Senhores Senadores,
Excelentíssimos Senhores Deputados,
Altas Autoridades da República,
Senhoras e Senhores,
Venho somar minha esperança à esperança de todos neste dia de congraçamento.
Permitam que, antes do Presidente, fale aqui o cidadão que fez da esperança uma obsessão, como tantos brasileiros.
Pertenço a uma geração que cresceu embalada pelo sonho de um Brasil que fosse ao mesmo tempo democrático, desenvolvido, livre e justo.
Vem de longe a chama deste sonho.
Vem dos heróis da Independência.
Vem dos abolicionistas.
Vem dos ""tenentes"" revolucionários da Velha República.
Essa chama eu vi brilhar nos olhos de meu pai, Leônidas Cardoso, um dos generais da campanha do ""petróleo é nosso"", como já brilhara no fim do Império nos olhos de meu avô, abolicionista e republicano.
Para os estudantes que jogavam, como eu, todo o seu entusiasmo nessas lutas, petróleo e industrialização eram o bilhete de passagem para o mundo moderno do pós-guerra.
Asseguravam um lugar para o Brasil no carro do progresso tecnológico, que acelerava e ameaçava nos deixar na poeira.
Por algum tempo, na Presidência de Juscelino Kubitschek, o futuro nos pareceu estar perto.
Havia desenvolvimento.
O Brasil se industrializava rapidamente.
Nossa democracia funcionava, apesar dos sobressaltos.
E havia perspectivas de melhoria social.
Mas a História dá voltas que nos confundem.
Os ""anos dourados"" de JK terminaram com inflação e tensões políticas em alta.
Vieram então anos sombrios, que primeiro trouxeram de volta o crescimento, mas sacrificaram a liberdade.
Trouxeram progresso, mas para poucos.
E depois nem isso, mas somente o legado -- este sim, para todos -- de uma dívida externa que amarrou a economia, e de uma inflação que agravou as mazelas sociais na década de.
Assim eu vi meus filhos nascerem meus netos, sonhando e lutando para divisar o dia em que o desenvolvimento, liberdade e justiça -- justiça, liberdade e desenvolvimento -- andariam juntos nesta terra.
Eu nunca duvidei que esse dia chegaria.
Mas nunca pensei que ele pudesse me encontrar na posição que assumo hoje, escolhido pela maioria dos meus concidadãos para liberar a caminhada rumo ao Brasil dos nossos sonhos.
Sem arrogância, mas com absoluta convicção, eu digo: este País vai dar certo!
Não por minha causa, mas por causa de todos nós.
Não só por causa dos nossos sonhos -- pela nossa imensa vontade de ver o Brasil dar certo, -- mas porque o momento amadureceu e o Brasil tem tudo para dar certo.
Recuperamos aquele que deve ser o bem mais precioso de um povo: a liberdade.
Pacificamente, com tranqüilidade, apesar das mágoas e cicatrizes que ficam como um símbolo para que novas situações de violência não se repitam, viramos a página do autoritarismo que, com nomes e formas diferentes, desvirtuou nossa República desde a sua fundação.
Para os jovens de hoje, que pintaram a cara e ocuparam as ruas exigindo decência dos seus representantes, assim como para as pessoas da minha geração, que aprenderam o valor da liberdade ao perdê-la, a democracia é uma conquista definitiva.
Nada nem ninguém nos fará abrir mão dela.
Recuperamos a confiança no desenvolvimento.
Não é mais uma questão de esperança, apenas.
Nem é euforia passageira pelos dois bons anos que acabamos de ter.
Este ano será melhor.
O ano que vem, melhor ainda.
Hoje não há especialista sério que preveja para o Brasil outra coisa que um longo período de crescimento.
As condições internacionais são favoráveis.
O peso da dívida externa já não nos sufoca.
Aqui dentro, nossa economia é como uma.
planta sadia depois da longa estiagem.
As raízes -- as pessoas e empresas que produzem riqueza resistiram aos rigores da estagnação e da inflação.
Sobreviveram.
Saíram fortes da provação.
Nossos empresários souberam inovar, souberam refazer suas fábricas e escritórios, souberam vencer as dificuldades.
Os trabalhadores brasileiros souberam enfrentar as agruras do arbítrio e da recessão e os desafios das novas tecnologias.
Reorganizaram seus sindicatos para serem capazes, como hoje são, de reivindicar seus direitos e sua parte no bolo do crescimento econômico.
Chegou o tempo de crescer e florescer.
Mais importante: hoje nós sabemos o que o governo tem que fazer para sustentar o crescimento da economia.
E vamos fazer.
Aliás, já estamos fazendo.
Quando muitos duvidaram se seríamos capazes de colocar nossa própria casa em ordem, nós começamos a arrumá-la nestes dois anos.
Sem ceder um milímetro da nossa liberdade, sem quebrar contratos nem lesar direitos, acabamos com a superinflação.
Devemos isso, não só aos que refizeram os rumos da economia, mas também ao Presidente Itamar Franco, que granjeou o respeito dos brasileiros por sua simplicidade e honestidade.
No momento em que deixa o governo cercado da estima que fez por merecer, agradeço em nome da Nação a Itamar Franco pelas oportunidades que nos proporcionou.
Ao escolher a mim para sucedê-lo, a maioria absoluta dos brasileiros fez uma opção pela continuidade do Plano Real, e pelas reformas estruturais necessárias para afastar de uma vez por todas o fantasma da inflação.
A isto eu me dedicarei com toda a energia, como Presidente, contando com o apoio do Congresso, dos Estados e de todas as forças vivas da Nação.
Temos de volta a liberdade, portanto.
E teremos desenvolvimento.
Falta a justiça social.
É este o grande desafio do Brasil neste final de século.
Será este o objetivo número um do meu governo.
Joaquim Nabuco, o grande propagandista do abolicionismo, pensava em si mesmo e em seus companheiros como titulares de um ""mandato da raça negra"".
Mandato que não era dado pelos escravos, pois eles não teriam meios de reclamar seus direitos.
Mas que os abolicionistas assumiam mesmo assim, por sentir no coração o horror da escravidão, e por entender que os grilhões dela mantinham o País inteiro preso no atraso econômico, social e político.
Também nós nos horrorizamos vendo compatriotas nossos -- e ainda que não fossem brasileiros -- vendo seres humanos ao nosso lado subjugados pela fome, pela doença, pela ignorância, pela violência.
Isto não pode continuar!
Tal como o abolicionismo, o movimento por reformas que eu represento não é contra ninguém. Não quer dividir a Nação.
Quer uni-la em tomo da perspectiva de um amanhã melhor para todos.
Mas, ao contrário de Nabuco, eu tenho bem presente que o meu mandato veio do voto livre dos meus concidadãos.
Da maioria deles, independentemente da sua condição social.
Mas veio também, e em grande número dos excluídos; os brasileiros mais humildes que pagavam a conta da inflação, sem ter como se defender; dos que são humilhados nas filas dos hospitais e da Previdência; dos que ganham pouco pelo muito que dão ao País nas fábricas, nos campos, nas lojas, nos escritórios, nas ruas e estradas, nos hospitais, nas escolas, nos canteiros de obra; dos que clamam por justiça porque têm, sim, consciência e disposição para lutar por seus direitos -- a eles eu devo em grande parte a minha eleição.
Vou governar para todos.
Mas, se for preciso acabar com privilégios de poucos para fazer justiça à imensa maioria dos brasileiros, que ninguém duvide: eu estarei ao lado da maioria.
Com serenidade, como é do meu feitio, mas com.
firmeza.
Buscando sempre os caminhos do diálogo e do convencimento, mas sem fugir à responsabilidade de decidir.
Sabendo que a maioria dos brasileiros não espera milagres, mas há de cobrar resultados a cada dia do governo.
Mesmo porque os brasileiros voltaram a acreditar no Brasil, e têm pressa para vê-lo cada vez melhor.
Também vemos com satisfação que aumenta o interesse de outros países pelo Brasil.
Nossos esforços para consolidar a democracia, ajustar a economia e atacar os problemas sociais são acompanhados com expectativa muito positiva do exterior.
Todos percebem hoje por que a nossa transição foi mais lenta, e por vezes mais difícil do que em outros países.
É porque ela foi mais ampla e mais profunda.
A um só tempo restauramos as liberdades democráticas e iniciamos a reforma da economia.
Por isso mesmo, construímos base mais sólida para seguir adiante.
Temos o apoio da sociedade para mudar.
Ela sabe o que quer e para onde devemos ir.
Rapidamente, no ritmo veloz das comunicações e da abertura da economia brasileira, estamos deixando para trás atitudes xenófobas, que foram mais efeito do que causa do nosso relativo fechamento no passado.
Nada disso implica renunciar a uma fração que seja da nossa soberania, nem descuidar dos meios para garanti-la.
Como Comandante-em-Chefe das nossas Forças Armadas, estarei atento às suas necessidades de modernização, para que atinjam níveis de operacionalidade condizentes com a estatura estratégica e com os compromissos internacionais do Brasil.
Nesse sentido, atribuirei ao Estado-Maior das Forças Armadas novos encargos, além dos já estabelecidos.
E determinarei a apresentação de propostas, com base em estudos a serem realizados em conjunto com a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, para conduzir a adaptação gradual das nossas Forças de defesa às demandas do futuro.
No mundo pós-Guerra Fria, a importância de países como o Brasil não depende somente de fatores militares e estratégicos, mas sobretudo da estabilidade política interna, do nível geral de bem-estar, dos sinais vitais da economia -- a capacidade de crescer e gerar empregos, a base tecnológica, a participação no comércio internacional -- e, também, de propostas diplomáticas claras, objetivas e viáveis.
Por isso mesmo, a realização de um projeto nacional consistente de desenvolvimento deve nos fortalecer crescentemente no cenário internacional.
O momento é favorável para que o Brasil busque urna participação mais ativa nesse contexto.
Temos identidade e valores permanentes, que hão de continuar se expressando em nossa política externa.
Continuidade significa confiabilidade no campo internacional.
Mudanças bruscas, desligadas de uma visão de longo prazo, podem satisfazer interesses conjunturais, mas não constroem o perfil de um Estado responsável.
Não devemos, contudo, ter receio de inovar quando os nossos interesses e valores assim indicarem.
Numa fase de transformações radicais, marcada pela redefinição das regras de convivência política e econômica entre os países, não podemos, por mero saudosismo, dar as costas aos rumos da História.
Temos, sim, que estar atentos a eles para influenciar o desenho da nova ordem.
É tempo, portanto, de atualizar nosso discurso e nossa ação externa, levando em conta as mudanças no sistema internacional e o novo consenso interno em relação aos nossos objetivos.
É tempo de debater às claras qual deve ser o perfil do Brasil, como Nação soberana, neste mundo em transformação, envolvendo no debate a Chancelaria, o Congresso, a universidade, os sindicatos, as empresas, as organizações não- governamentais.
Vamos aposentar os velhos dilemas ideológicos e as velhas formas de confrontação, e enfrentar os temas que movem a cooperação e o conflito entre os países nos dias de hoje: direitos humanos e democracia; meio ambiente e desenvolvimento sustentável; as tarefas ampliadas do multilateralismo e os desafios da regionalização; a dinamizarão do comércio internacional e a superação das formas de protecionismo e unilateralismo.
Outros temas centrais são o acesso à tecnologia, os esforços de não-proliferação e o combate às formas de criminalidade internacional.
Vamos valorizar ao máximo a condição universal da nossa presença, tanto política como econômica.
Condição que tanto nos permite aprofundar nos esquemas de integração regional, partindo do Mercosul, como explorar o dinamismo da Europa unificada, do Nafta, da Ásia do Pacífico.
E ainda identificar áreas com potencial novo nas relações internacionais, como a África do Sul pós- apartheid.
Sem esquecer das nossas relações tradicionais com o continente africano e de países como a China, a Rússia e a Índia, que por sua dimensão continental enfrentam problemas semelhantes aos nossos no esforço pelo desenvolvimento econômico e social.
Eu acredito que o Brasil tem um lugar reservado entre os países bem-sucedidos do planeta no próximo século.
E estou convencido de que os únicos obstáculos importantes que nós enfrentaremos para ocupar esse lugar vêm dos nossos desequilíbrios internos -- das desigualdades externas entre regiões e grupos sociais.
Sabemos que o desenvolvimento de um país, no mundo de hoje, não se mede pela quantidade das coisas que produz.
O verdadeiro grau de desenvolvimento se mede pela qualidade da atenção que um país dá à sua gente.
À sua gente e à sua cultura.
Num mundo em que a comunicação é global e instantânea, e ao mesmo tempo os públicos se fragmentam e especializam-se, a identidade cultural torna-se o cimento das nações.
Nós, brasileiros, somos um povo com grande homogeneidade cultural.
Nossos regionalismos constituem variações da nossa cultura básica, nascida do encontro da tradição ocidental-portuguesa com a africana e a indígena.
Nossos intelectuais, nossos artistas e nossos produtores culturais são a expressão genuína do nosso povo.
Quero prestigiá-los e dar-lhes condições para que sejam construtores da cidadania.
Pois a cidadania, além de ser um direito do indivíduo, é também o orgulho de fazer parte de um país que tem valores e estilo próprios.
As prioridades que propus ao eleitor, e que a maioria aprovou, são aquelas que repercutem diretamente na qualidade de vida das pessoas: emprego, saúde, segurança, educação, produção de alimentos.
A geração de empregos virá com a retomada do crescimento, mas não automaticamente.
O governo estará empenhado em programas e ações específicas nesse sentido.
E se jogará por inteiro no grande desafio que é do Brasil e não apenas desta ou daquela região, que é de todos e não apenas dos excluídos de diminuir as desigualdades até acabar com elas.
Acesso aos hospitais, respeito no atendimento, eliminação das esperas desnecessárias, combate ao desperdício e às fraudes são elementos tão indispensáveis à boa gestão da saúde quanto à existência de verbas adequadas.
Mas a saúde tem que ser encarada -- e assim vai ser no meu governo principalmente como prevenção da doença, e não só a cura da doença.
Uma visão moderna da saúde inclui saneamento básico, vacinação em massa, alimentação adequada, esporte para todos.
A escola precisa voltar a ser o centro do processo de ensino.
Escola não é só a função do professor -- e a recuperação dos seus salários, principalmente no ensino básico.
É muito mais do que isso.
É o lugar de convivência onde a ação dos pais, a solidariedade do meio social, a participação do aluno e do professor e uma boa administração se somam para formar cidadãos.
Para dar o salto que se impõe no limiar do novo milênio, não podemos mais conviver com o analfabetismo e o semi-analfabetismo em massa.
É uma pobre ilusão achar que o mero consumo de quinquilharias vai nos fazer ""modernos"", se nossas crianças continuarem passando pela escola sem absorver o mínimo indispensável de conhecimento para viver no ritmo da modernidade.
Chega de construir escolas faraônicas, e.
depois enchê-las de professores mal pagos e mal preparados, junto com estudantes desmotivados e sem condições materiais e psicológicas para terem um bom aproveitamento.
Para exercermos na plenitude nosso mandato de acabar com a miséria, é preciso também acabar com a miséria espiritual.
Que os meios modernos de comunicação nos ajudem nessa tarefa.
Ao lado da informação e do divertimento, vamos engajar nossas TV's numa verdadeira cruzada nacional pelo resgate da cidadania através do ensino, começando por uma intensa ação de alfabetização e formação cultural.
Minha missão, a partir de hoje, é fazer com que essas prioridades do povo sejam também as prioridades do governo.
Isto vai demandar uma ampla reorganização da máquina do governo.
A administração está muito deteriorada, depois de anos de desmandos e arrocho financeiro.
O clientelismo, o corporativismo e a corrupção sugam o dinheiro do contribuinte antes que chegue aos que deveriam ser os beneficiários legítimos das ações do governo, principalmente na área social.
As CPI's do Congresso e as providências enérgicas tomadas pelo governo Itamar Franco começaram a limpeza desses parasitas nos últimos dois anos.
Vai ser preciso mexer em muitos vespeiros para completar a faxina e fazer as reformas estruturais necessárias para dar eficiência ao serviço público.
Isso não me assusta.
Sei que terei o apoio da maioria da Nação.
Inclusive dos muitos funcionários que têm amor ao serviço público.
O apoio mais importante, na verdade, não é ao governo nem à pessoa do Presidente.
É o apoio que formos capazes de dar uns aos outros, como brasileiros, e o apoio de todos ao Brasil.
Esta verdadeira revolução social e de mentalidade só irá acontecer com o concurso da sociedade.
O governo tem um papel fundamental, e eu cuidarei para que cumpra esse papel.
Mas, sem que o Congresso aprove as mudanças na Constituição e nas leis -- algumas das quais apontei em meu discurso de despedida do Senado -- e sem que a opinião pública se mobilize, as boas intenções morrem nos discursos.
Precisamos costurar novas formas de participação da seriedade no processo das mudanças.
Parte fundamental dessa tomada de consciência, dessa reivindicação cidadã e dessa mobilizarão vai depender dos meios de comunicação de massa.
Nossos meios de comunicação foram fundamentais para a redemocratização e têm sido básicos para a recuperação da moralidade na vida pública.
Agora eles têm reservado um papel central na mobilização de todos para uma sociedade mais justa e melhor.
Mantendo sempre a independência crítica e a paixão pela veracidade da informação.
1 Quando os brasileiros puderem ser mais informados; quando puderem ser mais críticos das políticas postas em prática do que do folclore dos fatos diversos da vida cotidiana; quando puderem pôr mais em perspectiva os acontecimentos e cobrar mais a coerência da ação do que fazer julgamentos de intenção, mais capacitados vão estar para exercício da cidadania.
1 O sentimento que move esse apoio de todos ao País tem um nome: solidariedade.
1 É ela que nos faz sair do círculo pequeno dos nossos interesses particulares para ajudar nosso vizinho, nosso colega, nosso compatriota, próximo ou distante.
1Nós, brasileiros, somos um povo solidário.
1 Vamos fazer desse sentimento a mola de grande mutirão nacional, unindo o governo e comunidade para varrer o mapa do Brasil a fome e a miséria.
1 Vamos assegurar uma vida decente às nossas crianças, tirando-as do abandono das ruas e, sobretudo, pondo um paradeiro nos vergonhosos massacres de crianças e jovens.
1 Vamos assegurar com energia direitos iguais aos iguais.
1 Às mulheres, que são a maioria do nosso povo e às quais o País deve respeito oportunidades de educação e de trabalho.
1 Às minorias raciais e a algumas quase maiorias -- aos negros, principalmente -- que esperam que igualdade seja, mais do que uma palavra, o retrato de uma realidade.
1 Aos grupos indígenas, alguns deles testemunhas vivas da arqueologia humana, e todos testemunhas da nossa diversidade.
1 Vamos fazer da solidariedade o fermento da nossa cidadania em busca da igualdade.
1E a nossa esperança de ver um Brasil livre, próspero e justo há de pulsar cada vez mais forte, no peito de cada brasileiro, como uma grande certeza.
1 Ao encerrar este discurso, quero deixar uma palavra comovida de agradecimento.
1 Ao povo do meu país que, generoso e determinado, elegeu-me já no primeiro turno.
1A tantos que me acompanham nas lutas políticas.
1 À minha família, que soube compreender os desafios da História.
1 Ao Congresso a que pertenci até hoje, e que nesta cerimônia, com a proclamação da Justiça Eleitoral, me empossa como Presidente da República.
1 Aos Chefes de Estado e às delegações estrangeiras de países amigos que vieram prestigiar este ato.
1 Aos nossos convidados.
1 A todos os cidadãos e cidadãs deste nosso Brasil, aos quais peço, mais uma vez, muita fé, muita esperança, muita confiança, muito amor, muito trabalho.
1 Eu os convoco para mudar o Brasil.
1 Muito obrigado.
Sr. Presidente do Congresso Nacional, Senador Antonio Carlos Magalhães; Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer Sr. Vice-Presidente da República, Dr. Marco Maciel; Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro José Celso de Mello Filho; Srs. Embaixadores; Srs. Senadores; Srs. Deputados; Srs. Ministros de Estado; Srs. Governadores; Eminências; senhoras e senhores, compareço perante o Congresso Nacional para receber, pela segunda vez, a mais alta distinção a que um homem público possa aspirar.
Agradeço aos milhões de brasileiras e brasileiros, aos jovens e aos idosos, aos que moram nas cidades assim como aos que moram nos campos, que, com o voto, sufragaram as ideias que temos defendido e as mudanças que estamos empreendendo.
Sei da responsabilidade que assumo.
Ao concederem ao Presidente da República a possibilidade de um novo mandato, o Congresso primeiro, o povo brasileiro depois, credenciaram-se para exigir mais do que de qualquer outro Presidente antes.
Empenharei toda a minha capacidade e dedicação para corresponder à expectativa da Nação brasileira.
Estou pronto para a nova jornada.
Sinto-me renovado pelo apoio generoso do povo brasileiro.
Tenho mais experiência, pelo muito que pude aprender tanto dos acertos quanto dos erros do meu primeiro mandato.
Nos últimos anos, o Brasil renovou sua fisionomia, com a construção de estradas de relevância estratégica, quatro hidrovias, um sem-número de portos e aeroportos.
Promoveu um salto na produção de energia e uma revolução nas telecomunicações.
Mudou muito.
Mas, quando falo em mudança, penso em algo mais profundo, abrangente e capilar, que toca o quotidiano de cada um dos brasileiros e melhora suas vidas.
Milhões puderam alimentar melhor seus filhos e dar- se conta de que onde há democracia, estabilidade na economia e seriedade de governo não há razão de ser para o flagelo da fome.
Milhares tiveram acesso a bens que antes estavam reservados a uma pequena elite que sempre pôde tudo.
Milhares realizaram a aspiração tão antiga quanto legítima de comprar a casa própria ou morar com mais conforto.
Outros perceberam que a ação solidária dos Governos e das Prefeituras, de pais e de mestres está promovendo uma transformação profunda nas escolas e uma esperança fundada de melhor qualidade de ensino.
É a professora das áreas pobres do Brasil que ganha mais e tem a oportunidade de reciclar-se.
É o livro que chega a tempo, ou a merenda que é mais nutritiva.
E a evasão que diminui, enquanto a matrícula no segundo grau aumenta.
Na saúde -- o pesadelo de todos os brasileiros -- mais recursos, melhor gerenciamento, mais atenção à saúde da família e um combate obstinado à fraude estão mostrando o caminho que levará no futuro a um efetivo atendimento universal, gratuito e de qualidade, como prescreve a Constituição, mas que poucos países, mesmo entre os mais desenvolvidos, conseguiram assegurar.
E assim ocorrem mudanças em várias outras áreas sociais.
Não obstante todas essas transformações, muitos ainda resistem em enxergar o Brasil novo que está brotando sob nossos olhos.
Relutam em re conhecer que estamos avançando, competindo e nos adaptando aos novos tempos, em vários planos: o da globalização, o da reestruturação do Estado, o da revitalização da cultura.
Essas mudanças dão a confiança de que a geração do Real será diferente.
Nossos filhos e netos terão mais e melhores oportunidades na vida.
E tudo começou com a nova moeda.
O Real foi um grande divisor de águas.
Antes era a inflação e concentração de renda.
Depois foi a estabilidade, com o início da distribuição de renda.
O brasileiro pôde prever o fim do mês, planejar o ano seguinte e colocar sobre a mesa a agenda das suas verdadeiras necessidades.
Restaurou-se a confiança para poupar e investir.
O Estado começou a ser transformado, para tornar-se mais eficiente, evitar o desperdício e prestar serviços de melhor qualidade à população.
Deixa de ser o Estado faz-de-conta-que-faz-tudo, mas continua a ser um instrumento fundamental para garantir serviços à população mais pobre, gerar condições para o aumento da produção e assegurar os direitos básicos de todos.
O Brasil voltou a ser respeitado no exterior.
Os investimentos estrangeiros multiplicaram-se, gerando novos horizontes para os brasileiros.
Também no plano externo, o Brasil colhe os frutos da democracia, da estabilidade econômica e de uma renovada confiança no potencial de nosso mercado.
O País torna-se mais relevante para o mundo.
Ao mesmo tempo, o mundo toma-se mais relevante para o bem-estar dos brasileiros.
Em um sistema internacional, em que é maior a interdependência, é inevitável que sejamos afeta dos por eventos originados em outras regiões do mundo, mesmo as mais longínquas.
Os problemas dos outros tornam-se também nossos.
Da mesma forma, nossos problemas passam a afetar mais diretamente outros países.
Mais do que nunca, é necessário que o Brasil saiba identificar os seus interesses nacionais e falar com firmeza para defendê-los nos foros internacionais.
O interesse nacional, hoje, não se coaduna com isolamento.
Afirmamos nossa soberania pela participação e pela integração, não pelo distancia mento.
É o que estamos fazendo no MERCOSUL -- dimensão prioritária e irreversível de nossa diplomacia.
E o que estamos realizando com a criação de um espaço integrado de paz, democracia e prosperidade compartilhada na América do Sul.
E o que se reflete em nossa visão da integração hemisférica e de laços mais sólidos com a União Européia, a Rússia, a China e o Japão, sem detrimento dos nossos vínculos históricos com a África.
O Brasil está assim consolidando uma inserção ativa e soberana no sistema internacional.
Srs. membros do Congresso Nacional, nos últimos anos, se é verdade que muito foi feito, ainda resta muito por fazer.
Nossos desafios continuam imensos, mas estamos em melhores condições para enfrentá-los.
Preparamos o terreno.
Plantamos a semente.
Daqui para a frente, a nossa tarefa é dupla: preservar as realizações e partir para novas conquistas.
A continuidade delas é indispensável, pois a esperança do povo é como a do semeador, na frase de Gilberto Amado: "Ao lançar a semente, sem ver crescer a planta no solo árido, o braço do semeador se fatiga".
Estamos fazendo um acerto de contas com o passado e, ao mesmo tempo, tratando de impedir que a prosperidade que resulta da ampliação dos fluxos de capitais, conhecimentos e tecnologia venha contaminada pelo vírus da exclusão.
Reunimos hoje as condições para construir um Brasil efetivamente solidário e mais justo.
O objetivo central do Governo que ora se inicia será o de radicalizar a democracia, democratizar o mercado aumentando a competição, e promover mais ampla oportunidade para todos os brasileiros.
Isso requer determinação política e crescimento econômico continuado.
Srs. Congressistas, 83 milhões de eleitores compareceram as umas nas últimas eleições.
O povo brasileiro deu uma demonstração inequívoca, sem precedente por sua dimensão, de crença na democracia.
O País desfruta de plena liberdade de opinião e de imprensa, de que muito nos orgulhamos.
O direito de manifestar o pensamento e de crítica é fundamental para a vitalidade democrática.
Mas precisamos avançar mais.
Queremos aprofundar a parceria com a sociedade.
Faz pouco tempo, o que entre nós se chamava de.
"opinião pública" era apenas o eco das reivindicações dos setores privilegiados da sociedade que sabem fazer ruído na defesa de seus interesses.
Hoje, a opinião pública expandiu- se e incorpora sindicatos de trabalhadores, igrejas, movimentos sociais e as chamadas organizações não- governamentais.
Mas ainda existe uma maioria silenciosa que não se faz ouvir.
As medidas de política social do Governo buscam atender a esta maioria, mesmo, se for o caso, contra os ruídos dos que se escudam nos mais pobres para defender seus privilégios.
A sociedade civil assume, com mais eficiência e menor custo, funções que antes eram privativas do setor público.
E o Estado se fortalece ao articular-se com ela.
A vertebração da sociedade, em sintonia com a descentralização das políticas públicas, cria as condições para que os serviços do Estado cheguem efetivamente aos que mais precisam e não, como sempre foi, aos que têm, porque sempre detiveram os instrumentos de pressão para reivindicar mais.
No Brasil, por muito tempo, o Estado como organização esteve à frente da sociedade.
Hoje, ao contrário, é a sociedade que, via de regra, caminha à frente do Estado.
Nossos partidos, que desde o Império eram instituições do Estado mais do que da sociedade, precisam modificar-se para serem, agora, instituições da sociedade.
Só assim se revitalizarão e poderão estar em sintonia com a sociedade, evitando a crise da representação política, que grassa no mundo atual.
A democracia que queremos é a do diálogo plural, dentro do respeito à diferença, à crítica e à alternância no poder.
Mas o corolário da crítica é a proposta alternativa e construtiva.
Não me intitulo senhor de um caminho único.
Estou pronto a discutir e a retificar o rumo, sempre que me convençam de que é a alternativa melhor para o País.
Alegro-me de que o diálogo com a Oposição já se tenha iniciado.
Sei que temos divergências em vários campos.
Mas sei também que há ternas e ações que estão acima das diferenças partidárias.
O diálogo contribui para identificar veredas novas, enriquece a democracia e fortalece o País.
O fundamental nas democracias, entretanto, é o apoio da maioria.
Este apoio, recebi nas urnas pelo voto popular e dos partidos.
A maioria dos representantes eleitos pelo povo pertence aos partidos com os quais formei o Governo.
Eles certamente apoiarão no Congresso as medidas necessárias à implantação das políticas que defendo e que foram aprovadas pelos eleitores.
Completaremos, assim, as reformas.
Não só a previdenciária e a administrativa, mas a tributária, a política e a judiciária.
Confio nesta Casa, expressão maior da soberania popular, à qual me orgulho de ter pertencido.
O Congresso deu expressiva contribuição às transformações do País nos últimos quatro anos.
Homenageio todos os seus membros, que tanto valorizo, na pessoa de um dos seus mais precoces e maiores líderes, o meu inesquecível amigo Luís Eduardo Magalhães, que ao nos deixar, no ano passado, nos legou o exemplo de sua competência, vi são e amor ao País.
(Palmas.
)
Não há democracia onde subsiste a violência.
Onde ainda são desrespeitados os direitos básicos das crianças e das mulheres, dos negros e dos índios.
Avançamos nesta área.
É inegável.
Mas temos que fazer mais.
O desafio está em transformar os valores e as normas em práticas quotidianas.
A Secretaria dos Direitos Humanos foi fortalecida institucionalmente para melhor cumprir sua missão.
A sociedade será convidada a participar mais diretamente da execução e controle das políticas.
Srs. Congressistas, não fui eleito para ser o gerente da crise.
Fui escolhido pelo povo para superá-la e para cumprir minhas promessas de campanha.
Para continuar a construir uma economia estável, moderna, aberta e competitiva.
Para prosseguir com firmeza na privatização.
Para apoiar os que produzem e geram empregos.
E assim recolocar o País na trajetória de um crescimento sustentado, sustentável e com melhor distribuição de riquezas entre os brasileiros.
Nesses últimos quatro anos enfrentamos um quadro internacional adverso.
A economia brasileira sofreu o abalo de três crises internacionais de graves proporções.
Ainda vivemos os reflexos negativos do colapso da moeda russa.
Nossa economia enfrenta o pesado ônus de elevadas taxas de juros, que arrefeceram o crescimento e diminuíram o em prego.
O Brasil continuará a desempenhar papel ativo na revisão da arquitetura do sistema financeiro internacional.
Não podemos aceitar que aplicações especulativas, por não estarem submetidas a qualquer tipo de supervisão ou ordenamento, desarticulem o processo produtivo e constituam ameaça recorrente às economias nacionais.
Mas também é forçoso reconhecer que temos as nossas vulnerabilidades, entre elas, o déficit público.
Gastamos mais do que arrecadamos.
Enquanto não equilibrarmos nossas contas, a cada turbulência da economia internacional pagaremos, como te mos pago, preço elevado.
Assim como não hesitei em tomar as medidas necessárias para defender o Real, não hesitarei em fazer o que for preciso para pôr fim ao tormento do déficit público.
E melhor o remédio amargo que cura a doença do que a febre crônica que debilita as forças e compromete a saúde do organismo.
Não tenham dúvidas, senhores.
Marcharei com determinação para obter do Congresso o ajuste fiscal e para livrarmos o Brasil da armadilha dos juros altos, que aguilhoam o nosso ímpeto de crescimento econômico.
A reforma da Previdência, embora incompleta, abre perspectivas melhores para o equilíbrio das contas públicas.
Vamos prosseguir com ela, eliminando privilégios e assegurando a continuidade dos benefícios em favor dos que realmente necessitam.
Preocupa-me o desemprego.
Como acontece ao início de cada ano, a taxa de desemprego poderá elevar-se.
Por ser passageiro, o quadro não é menos doloroso para quem perde o seu emprego.
Os Ministros que em poucos minutos tomarão posse em seus cargos receberão do Presidente da República uma orientação precisa: concentrar a competência de suas equipes e os recursos de suas Pastas nos projetos que abram novas oportunidades de trabalho e de renda, especialmente para os jovens; na extensão do crédito à pequena empresa; nos programas de qualificação do trabalhador e na assistência ao desempregado.
Tudo o que o Governo puder fazer na área do emprego será feito.
Tenho a convicção de que o Brasil sairá fortalecido da crise.
As políticas que estamos adotando corrigirão o desequilíbrio de nossas contas.
O País terá credibilidade ainda maior.
E será um mercado mais atraente para os investimentos, tanto internos quanto externos, que gerarão crescimento e empregos.
Tomo de empréstimo a Joaquim Nabuco frase.
lapidar que expressa meu sentimento diante desta conjuntura desfavorável.
Diz Nabuco: "A vida não é senão a posse do futuro pela confiança e, em política, pela certeza do triunfo (momentaneamente, digo eu) interrompido".
Srs. Congressistas, de pouco vale ao País ser a oitava economia mundial se continuarmos entre os primeiros na desigualdade.
Este quadro tem que ser revertido.
Estamos combatendo a desigualdade com a estabilidade da economia e com a melhoria da qualidade da educação pública, de modo a proporcionar aos desfavorecidos a oportunidade que nunca tiveram.
Nossas políticas públicas em educação, saúde, habitação, saneamento e reforma agrária melhoraram.
Os indicadores, em cada uma dessas áreas, comprovam o progresso alcançado.
Antes, os serviços públicos estavam direcionados aos que mais possuíam.
Agora, os serviços e os créditos do Governo estão dirigidos aos que mais precisam.
Assim é na educação fundamental e na saúde.
Assim começa a ocorrer também no crédito rural e nos financiamentos para pequenas e médias empresas.
E esta é uma revolução.
A única suscetível de transformar a fisionomia social do País e aportar um golpe fatal à desigualdade que reproduzimos desde as eras coloniais.
Em breve completaremos 500 anos.
Este será um momento de reflexão sobre o que realizamos, o que somos e o que queremos ser.
Temos muito para nos orgulhar, do Brasil e dos brasileiros.
Um País que venceu o autoritarismo e implantou a democracia; em seguida, domou a inflação e está construindo a estabilidade, tem agora pela frente o desafio de edificar uma sociedade mais igualitária.
Esta é a minha visão do País para o século XX Estou certo de que é também o projeto de todos os brasileiros que vivem com indignação os graus de desigualdade que ainda subsistem entre nós.
Não há milagres nesta área.
O caminho é conhecido e será percorrido com persistência.
O rumo está certo.
As políticas são coerentes.
Já começaram a dar resultados.
Serão reforçadas.
Retificadas quando necessário.
Srs. membros do Congresso Nacional, pertenço a uma geração que desde cedo sonhou com a reforma social em nosso País.
Ansiava por participar dela.
Foi ativa na Universidade, tanto nas salas de aulas como nas ruas.
Lutou contra o arbítrio.
Com a redemocratização, viu renascerem as esperanças de mudar o País.
Com a estabilidade da economia, percebeu que recuperamos os instrumentos para edificar um Brasil melhor.
A vontade nunca faltou, ela continua firme.
O Brasil espera com impaciência por uma nação mais justa.
Esta é a esperança que leio nos olhos dos milhares de brasileiras e de brasileiros que encontro em minhas andanças pelo País.
Estas são as vozes que ouço nas ruas.
Esta foi a missão que recebi das urnas.
Esta foi a mensagem enviada por um dos amigos mais queridos, Sérgio Motta, companheiro de uma vida de lutas:
"Não se apequene.
Cumpra seu destino histórico.
Coordene as transformações do País".
Eu assim farei.
Muito obrigado.
Excelentíssimos senhores chefes de Estado e de Governo; visitantes e.
chefes das missões especiais estrangeiras; excelentíssimo senhor presidente do Congresso Nacional, Senador Ramez Tebet; Excelentíssimo senhor vice-presidente da República, José Alencar; excelentíssimo senhor presidente da Câmara dos Deputados, deputado Efraim Morais; excelentíssimo senhor presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Mello; senhoras e senhores ministros e ministras de Estado; senhoras e senhores parlamentares, senhoras e senhores presentes a este ato de posse.
""Mudança""; esta é a palavra chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro.
A esperança finalmente venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos.
Diante do esgotamento de um modelo que, em vez de gerar crescimento, produziu estagnação, desemprego e fome; diante do fracasso de uma cultura do individualismo, do egoísmo, da indiferença perante o próximo, da desintegração das famílias e das comunidades.
Diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econômico, social e moral do país, a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança necessária.
Foi para isso que o povo brasileiro me elegeu Presidente da República: para mudar.
Este foi o sentido de cada voto dado a mim e ao meu bravo companheiro José Alencar.
E eu estou aqui, neste dia sonhado por tantas gerações de lutadores que vieram antes de nós, para reafirmar os meus compromissos mais profundos e essenciais, para reiterar a todo cidadão e cidadã do meu País o significado de cada palavra dita na campanha, para imprimir à mudança um caráter de intensidade prática, para dizer que chegou a hora de transformar o Brasil naquela nação com a qual a gente sempre sonhou: uma nação soberana, digna, consciente da própria importância no cenário internacional e, ao mesmo tempo, capaz de abrigar, acolher e tratar com justiça todos os seus filhos.
Vamos mudar, sim.
Mudar com coragem e cuidado, humildade e ousadia.
Mudar tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista.
Mudança por meio do diálogo e da negociação, sem atropelos ou precipitações, para que o resultado seja consistente e duradouro.
O Brasil é um país imenso, um continente de alta complexidade humana, ecológica e social, com quase 175 milhões de habitantes.
Não podemos deixá-lo seguir à deriva, ao sabor dos ventos, carente de um verdadeiro projeto de desenvolvimento nacional e de um planejamento de fato estratégico.
Se queremos transformá-lo, a fim de vivermos em uma nação em que todos possam andar de cabeça erguida, teremos de exercer quotidianamente duas virtudes: a paciência e a perseverança.
Teremos que manter sob controle as nossas muitas e legítimas ansiedades sociais, para que elas possam ser atendidas no ritmo adequado e no momento justo; teremos que pisar na estrada com os olhos abertos e caminhar com os passos pensados, precisos e sólidos, pelo simples motivo de que ninguém pode colher os frutos antes de plantar as árvores.
Mas começaremos a mudar já, pois como diz a sabedoria popular, uma longa caminhada começa pelos primeiros passos.
Este é um país extraordinário.
Da Amazônia ao Rio Grande do Sul, em meio a populações praieiras, sertanejas e ribeirinhas, o que vejo em todo lugar é um povo maduro, calejado e otimista.
Um povo que não deixa nunca de ser novo e jovem, um povo que sabe o que é sofrer, mas sabe também o que é alegria, que confia em si mesmo em suas próprias forças.
Creio num futuro grandioso para o Brasil, porque a nossa alegria é maior do que a nossa dor, a nossa força é maior do que a nossa miséria, a nossa esperança é maior do que o nosso medo.
O povo brasileiro, tanto em sua história mais antiga, quanto na mais recente, tem dado provas incontestáveis de sua grandeza e generosidade, provas de sua capacidade de mobilizar a energia nacional em grandes momentos cívicos; e eu desejo, antes de qualquer outra coisa, convocar o meu povo, justamente para um grande mutirão cívico, para um mutirão nacional contra a fome.
Num país que conta com tantas terras férteis e com tanta gente que quer trabalhar, não deveria haver razão alguma para se falar em fome.
No entanto, milhões de brasileiros, no campo e na cidade, nas zonas rurais mais desamparadas e nas periferias urbanas, estão, neste momento, sem ter o que comer.
Sobrevivem milagrosamente abaixo da linha da pobreza, quando não morrem de miséria, mendigando um pedaço de pão.
Essa é uma história antiga.
O Brasil conheceu a riqueza dos engenhos e das plantações de cana-de-açúcar nos primeiros tempos coloniais, mas não venceu a fome; proclamou a independência nacional e aboliu a escravidão, mas não venceu a fome; conheceu a riqueza das jazidas de ouro, em Minas Gerais, e da produção de café, no Vale do Paraíba, mas não venceu a fome; industrializou-se e forjou um notável e diversificado parque produtivo, mas não venceu a fome.
Isso não pode continuar assim.
Enquanto houver um irmão brasileiro ou uma irmã brasileira passando fome, teremos motivo de sobra para nos cobrirmos de vergonha.
Por isso, defini entre as prioridade de meu governo um programa de segurança alimentar que leva o nome de ""Fome Zero"".
Como disse em meu primeiro pronunciamento após a eleição, se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida.
É por isso que hoje conclamo: Vamos acabar com a fome em nosso país.
Transformemos o fim da fome em uma grande causa nacional, como foram no passado a criação da Petrobras e a memorável luta pela redemocratização do país.
Essa é uma causa que pode e deve ser de todos, sem distinção de classe, partido, ideologia.
Em face do clamor dos que padecem o flagelo da fome, deve prevalecer o imperativo ético de somar forças, capacidades e instrumentos para defender o que é mais sagrado: a dignidade humana.
Para isso, será também imprescindível fazer uma reforma agrária pacífica, organizada e planejada.
Vamos garantir acesso à terra para quem quer trabalhar, não apenas por uma questão de justiça social, mas para que os campos do Brasil produzam mais e tragam mais alimentos para a mesa de todos nós, tragam trigo, tragam soja, tragam farinha, tragam frutos, tragam o nosso feijão com arroz.
Para que o homem do campo recupere sua dignidade sabendo que, ao se levantar com o nascer do sol, cada movimento de sua enxada ou do seu trator irá contribuir para o bem-estar dos brasileiros do campo e da cidade, vamos incrementar também a agricultura familiar, o cooperativismo, as formas de economia solidária.
Elas são perfeitamente compatíveis com o nosso vigoroso apoio à pecuária e à agricultura empresarial, à agroindústria e ao agronegócio, são, na verdade, complementares tanto na dimensão econômica quanto social.
Temos de nos orgulhar de todos esses bens que produzimos e comercializamos.
A reforma agrária será feita em terras ociosas, nos milhões de hectares hoje disponíveis para a chegada de famílias e de sementes, que brotarão viçosas com linhas de crédito e assistência técnica e científica.
Faremos isso sem afetar de modo algum as terras que produzem, porque as terras produtivas se justificam por si mesmas e serão estimuladas a produzir sempre mais, a exemplo da gigantesca montanha de grãos que colhemos a cada ano.
Hoje, tantas e tantas áreas do país estão devidamente ocupadas, as plantações espalham-se a perder de vista, há locais em que alcançamos produtividade maior do que a da Austrália e a dos Estados Unidos.
Temos que cuidar bem .muito bem. deste imenso patrimônio produtivo brasileiro.
Por outro lado, é absolutamente necessário que o país volte a crescer, gerando empregos e distribuindo renda.
Quero reafirmar aqui o meu compromisso com a produção, com os brasileiros e brasileiras, que querem trabalhar e viver dignamente do fruto do seu trabalho.
Disse e repito: criar empregos será a minha obsessão.
Vamos dar ênfase especial ao Projeto Primeiro Emprego, voltado para criar oportunidades aos jovens, que hoje encontram tremenda dificuldade em se inserir no mercado de trabalho.
Nesse sentido, trabalharemos para superar nossas vulnerabilidades atuais e criar condições macroeconômicas favoráveis à retomada do crescimento sustentado para a qual a estabilidade e a gestão responsável das finanças públicas são valores essenciais.
Para avançar nessa direção, além de travar combate implacável à inflação, precisaremos exportar mais, agregando valor aos nossos produtos e atuando, com energia e criatividade, nos solos internacionais do comércio globalizado.
Da mesma forma, é necessário incrementar . muito. o mercado interno, fortalecendo as pequenas e microempresas.
É necessário também investir em capacitação tecnológica e infra-estrutura voltada para o escoamento da produção.
Para repor o Brasil no caminho do crescimento, que gere os postos de trabalho tão necessários, carecemos de um autêntico pacto social pelas mudança e de uma aliança que entrelace objetivamente o trabalho e o capital produtivo, geradores da riqueza fundamental da nação, de modo a que o Brasil supere a estagnação atual e para que o país volte a navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social.
O pacto social será, igualmente, decisivo para viabilizar as reformas que a sociedade brasileira reclama e que eu me comprometi a fazer: a reforma da Previdência, reforma tributária, reforma política e da legislação trabalhista, além da própria reforma agrária.
Esse conjunto de reformas vai impulsionar um novo ciclo do desenvolvimento nacional.
Instrumento fundamental desse pacto pela mudança será o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social que pretendo instalar já a partir de janeiro, reunindo empresários, trabalhadores e lideranças dos diferentes segmentos da sociedade civil.
Estamos em um momento particularmente propício para isso.
Um momento raro da vida de um povo.
Um momento em que o Presidente da República tem consigo, ao seu lado, a vontade nacional.
O empresariado, os partidos políticos, as Forças Armadas e os trabalhadores estão unidos.
Os homens, as mulheres, os mais velhos, os mais jovens, estão irmanados em um mesmo propósito de contribuir para que o país cumpra o seu destino histórico de prosperidade e justiça.
Além do apoio da imensa maioria das organizações e dos movimentos sociais, contamos também com a adesão entusiasmada de milhões de brasileiros e brasileiras que querem participar dessa cruzada pela retomada pelo crescimento contra a fome, o desemprego e a desigualdade social.
Trata-se de uma poderosa energia solidária que a nossa campanha despertou e que não podemos e não vamos desperdiçar.
Uma energia ético-política extraordinária que nos empenharemos para que se encontre canais de expressão em nosso governo.
Por tudo isso, acredito no pacto social.
Com esse mesmo espírito constituí o meu Ministério com alguns dos melhores líderes de cada segmento econômico e social brasileiro.
Trabalharemos em equipe, sem personalismo, pelo bem do Brasil e vamos adotar um novo estilo de Governo com absoluta transparência e permanente estímulo à participação popular.
O combate à corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública serão objetivos centrais e permanentes do meu governo.
É preciso enfrentar com determinação e derrotar a verdadeira cultura da impunidade que prevalece em certos setores da vida pública.
Não permitiremos que a corrupção, a sonegação e o desperdício continuem privando a população de recursos que são seus e que tanto poderiam ajudar na sua dura luta pela sobrevivência.
Ser honesto é mais do que apenas não roubar e não deixar roubar.
É também aplicar com eficiência e transparência, sem desperdícios, os recursos públicos focados em resultados sociais concretos.
Estou convencido de que temos, dessa forma, uma chance única de superar os principais entraves ao desenvolvimento sustentado do País.
E acreditem, acreditem mesmo, não pretendo desperdiçar essa oportunidade conquistada com a luta de muitos milhões e milhões de brasileiros e brasileiras.
Sob a minha liderança o Poder Executivo manterá uma relação construtiva e fraterna com os outros Poderes da República, respeitando exemplarmente a sua independência e o exercício de suas altas funções constitucionais.
Eu, que tive a honra de ser Parlamentar desta Casa, espero contar com a contribuição do Congresso Nacional no debate criterioso e na viabilização das reformas estruturais de que o País demanda de todos nós.
Em meu governo, o Brasil vai estar no centro de todas as atenções.
O Brasil precisa fazer em todos os domínios um mergulho para dentro de si mesmo, de forma a criar forças que lhe permitam ampliar o seu horizonte.
Fazer esse mergulho não significa fechar as portas e janelas ao mundo.
O Brasil pode e deve ter um projeto de desenvolvimento que seja ao mesmo tempo nacional e universalista, significa, simplesmente, adquirir confiança em nós mesmos, na capacidade de fixar objetivos de curto, médio e longo prazos e de buscar realizá-los.
O ponto principal do modelo para o qual queremos caminhar é a ampliação da poupança interna e da nossa capacidade própria de investimento, assim como o Brasil necessita valorizar o seu capital humano investindo em conhecimento e tecnologia.
Sobretudo vamos produzir.
A riqueza que conta é aquela gerada por nossas próprias mãos, produzida por nossas máquinas, pela nossa inteligência e pelo nosso suor.
O Brasil é grande.
Apesar de todas as crueldades e discriminações, especialmente contra as comunidades indígenas e negras, e de todas as desigualdades e dores que não devemos esquecer jamais, o povo brasileiro realizou uma obra de resistência e construção nacional admirável.
Construiu, ao longo do século, uma nação plural, diversificada, contraditória até, mas que se entende de uma ponta a outra do território.
Dos encantados da Amazônia aos orixás da Bahia; do frevo pernambucano às escolas de samba do Rio de Janeiro; dos tambores do Maranhão ao barroco mineiro; da arquitetura de Brasília à música sertaneja.
Estendendo o arco de sua multiplicidade nas culturas de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e da Região Centro-Oeste.
Esta é uma nação que fala a mesma língua, partilha os mesmos valores fundamentais, se sente que é brasileira.
Onde a mestiçagem e o sincretismo se impuseram dando uma contribuição original ao mundo.
Onde judeus e árabes conversam sem medo.
Onde a mestiçagem e o sincretismo se impuseram, dando uma contribuição original ao mundo, onde judeus e árabes conversam sem medo, onde toda migração é bem-vinda, porque sabemos que em pouco tempo, pela nossa própria capacidade de assimilação e de bem-querer, cada migrante se transforma em mais um brasileiro.
Esta nação que se criou sob o céu tropical tem que dizer a que veio; internamente, fazendo justiça à luta pela sobrevivência em que seus filhos se acham engajados; externamente, afirmando a sua presença soberana e criativa no mundo.
Nossa política externa refletirá também os anseios de mudança que se expressaram nas ruas.
No meu governo, a ação diplomática do Brasil estará orientada por uma perspectiva humanista e será, antes de tudo, um instrumento do desenvolvimento nacional.
Por meio do comércio exterior, da capacitação de tecnologias avançadas, e da busca de investimentos produtivos, o relacionamento externo do Brasil deverá contribuir para a melhoria das condições de vida da mulher e do homem brasileiros, elevando os níveis de renda e gerando empregos dignos.
As negociações comerciais são hoje de importância vital.
Em relação à Alca, nos entendimentos entre o Mercosul e a União Européia, que na Organização Mundial do Comércio, o Brasil combaterá o protencionismo, lutará pela eliminação e tratará de obter regras mais justas e adequadas à nossa condição de país em desenvolvimento.
Buscaremos eliminar os escandalosos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos que prejudicam os nossos produtores privando-os de suas vantagens comparativas.
Com igual empenho, esforçaremo-nos para remover os injustificáveis obstáculos às exportações de produtos industriais.
Essencial em todos esses foros é preservar os espaços de flexibilidade para nossas políticas de desenvolvimento nos campos social e regional, de meio ambiente, agrícola, industrial e tecnológico.
Não perderemos de vista que o ser humano é o destinatário último do resultado das negociações.
De pouco valerá participarmos de esforço tão amplo e em tantas frentes se daí não decorrerem benefícios diretos para o nosso povo.
Estaremos atentos também para que essas negociações, que hoje em dia vão muito além de meras reduções tarifárias e englobam um amplo espectro normativo, não criem restrições inaceitáveis ao direito soberano do povo brasileiro de decidir sobre seu modelo de desenvolvimento.
A grande prioridade da política externa durante o meu governo será a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social.
Para isso é essencial uma ação decidida de revitalização do Mercosul, enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visões muitas vezes estreitas e egoístas do significado da integração.
O Mercosul, assim como a integração da América do Sul em seu conjunto, é sobretudo um projeto político.
Mas esse projeto repousa em alicerces econômico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforçados.
Cuidaremos também das dimensões social, cultural e científico-tecnológica do processo de integração.
Estimularemos empreendimentos conjuntos e fomentaremos um vivo intercâmbio intelectual e artístico entre os países sul-americanos.
Apoiaremos os arranjos institucionais necessários, para que possa florescer uma verdadeira identidade do Mercosul e da América do Sul.
Vários dos nossos vizinhos vivem hoje situações difíceis.
Contribuiremos, desde que chamados e na medida de nossas possibilidades, para encontrar soluções pacíficas para tais crises, com base no diálogo, nos preceitos democráticos e nas normas constitucionais de cada país.
O mesmo empenho de cooperação concreta e de diálogos substantivos teremos com todos os países da América Latina.
Procuraremos ter com os Estados Unidos da América uma parceria madura, com base no interesse recíproco e no respeito mútuo.
Trataremos de fortalecer o entendimento e a cooperação com a União Européia e os seus Estados-Membros, bem como com outros importantes países desenvolvidos, a exemplo do Japão.
Aprofundaremos as relações com grandes nações em desenvolvimento: a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, entre outros.
Reafirmamos os laços profundos que nos unem a todo o continente africano e a nossa disposição de contribuir ativamente para que ele desenvolva as suas enormes potencialidades.
Visamos não só a explorar os benefícios potenciais de um maior intercâmbio econômico e de uma presença maior do Brasil no mercado internacional, mas também a estimular os incipientes elementos de multipolaridade da vida internacional contemporânea.
A democratização das relações internacionais sem hegemonias de qualquer espécie é tão importante para o futuro da humanidade quanto a consolidação e o desenvolvimento da democracia no interior de cada Estado.
Vamos valorizar as organizações multilaterais, em especial as Nações Unidas, a quem cabe a primazia na preservação da paz e da segurança internacionais.
As resoluções do Conselho de Segurança devem ser fielmente cumpridas.
Crises internacionais como a do Oriente Médio devem ser resolvidas por meios pacíficos e pela negociação.
Defenderemos um Conselho de Segurança reformado, representativo da realidade contemporânea com países desenvolvidos e em desenvolvimento das várias regiões do mundo entre os seus membros permanentes.
Enfrentaremos os desafios da hora atual como o terrorismo e o crime organizado, valendo-nos da cooperação internacional e com base nos princípios do multilateralismo e do direito internacional.
Apoiaremos os esforços para tornar a ONU e suas agências instrumentos ágeis e eficazes da promoção do desenvolvimento social e econômico do combate à pobreza, às desigualdades e a todas as formas de discriminação da defesa dos direitos humanos e da preservação do meio ambiental.
Sim, temos uma mensagem a dar ao mundo: temos de colocar nosso projeto nacional democraticamente em diálogo aberto, como as demais nações do planeta, porque nós somos o novo, somos a novidade de uma civilização que se desenhou sem temor, porque se desenhou no corpo, na alma e no coração do povo, muitas vezes, à revelia das elites, das instituições e até mesmo do Estado.
É verdade que a deterioração dos laços sociais no Brasil nas últimas duas décadas decorrentes de políticas econômicas que não favoreceram o crescimento trouxe uma nuvem ameaçadora ao padrão tolerante da cultura nacional.
Crimes hediondos, massacres e linchamentos crisparam o país e fizeram do cotidiano, sobretudo nas grandes cidades, uma experiência próxima da guerra de todos contra todos.
Por isso, inicio este mandato com a firme decisão de colocar o governo federal em parceria com os Estados a serviço de uma política de segurança pública muito mais vigorosa e eficiente.
Uma política que, combinada com ações de saúde, educação, entre outras, seja capaz de prevenir a violência, reprimir a criminalidade e restabelecer a segurança dos cidadãos e cidadãs.
Se conseguirmos voltar a andar em paz em nossas ruas e praças, daremos um extraordinário impulso ao projeto nacional de construir, neste rincão da América, um bastião mundial da tolerância, do pluralismo democrático e do convívio respeitoso com a diferença.
O Brasil pode dar muito a si mesmo e ao mundo.
Por isso devemos exigir muito de nós mesmos.
Devemos exigir até mais do que pensamos, porque ainda não nos expressamos por inteiro na nossa história, porque ainda não cumprimos a grande missão planetária que nos espera.
O Brasil, nesta nova empreitada histórica, social, cultural e econômica, terá de contar, sobretudo, consigo mesmo; terá de pensar com a sua cabeça; andar com as suas próprias pernas; ouvir o que diz o seu coração.
E todos vamos ter de aprender a amar com intensidade ainda maior o nosso País, amar a nossa bandeira, amar a nossa luta, amar o nosso povo.
Cada um de nós, brasileiros, sabe que o que fizemos até hoje não foi pouco, mas sabe também que podemos fazer muito mais.
Quando olho a minha própria vida de retirante nordestino, de menino que vendia amendoim e laranja no cais de Santos, que se tornou torneiro mecânico e líder sindical, que um dia fundou o Partido dos Trabalhadores e acreditou no que estava fazendo, que agora assume o posto de supremo mandatário da nação, vejo e sei, com toda a clareza e com toda a convicção, que nós podemos muito mais.
E, para isso, basta acreditar em nós mesmos, em nossa força, em nossa capacidade de criar e em nossa disposição para fazer.
Estamos começando hoje um novo capítulo na história do Brasil, não como nação submissa, abrindo mão de sua soberania, não como nação injusta, assistindo passivamente ao sofrimento dos mais pobres, mas como nação altiva, nobre, afirmando-se corajosamente no mundo como nação de todos, sem distinção de classe, etnia, sexo e crença.
Este é um país que pode dar, e vai dar, um verdadeiro salto de qualidade.
Este é o país do novo milênio, pela sua potência agrícola, pela sua estrutura urbana e industrial, por sua fantástica biodiversidade, por sua riqueza cultural, por seu amor à natureza, pela sua criatividade, por sua competência intelectual e científica, por seu calor humano, pelo seu amor ao novo e à invenção, mas sobretudo pelos dons e poderes do seu povo.
O que nós estamos vivendo hoje neste momento, meus companheiros e minhas companheiras, meus irmãos e minhas irmãs de todo o Brasil, pode ser resumido em poucas palavras: hoje é o dia do reencontro do Brasil consigo mesmo.
Agradeço a Deus por chegar até aonde cheguei.
Sou agora o servidor público número um do meu país.
Peço a Deus sabedoria para governar, discernimento para julgar, serenidade para administrar, coragem para decidir e um coração do tamanho do Brasil para me sentir unido a cada cidadão e cidadã deste país no dia a dia dos próximos quatro anos.
Viva o povo brasileiro!""
Senhoras e Senhores,
Quatro anos atrás, nesta Casa, em um primeiro de janeiro, vivi a experiência mais importante de minha vida -- a de assumir a presidência do meu País.
Não era apenas a realização de um sonho individual.
O que então ocorreu foi o resultado de um poderoso movimento histórico do qual eu me sentia -- e ainda hoje me sinto -- parte e humilde instrumento.
Pela primeira vez, um homem nascido na pobreza, que teve que derrotar o risco crônico da morte na infância e vencer, depois, a desesperança na idade adulta, chegava, pela disputa democrática, ao mais alto posto da República.
Pela primeira vez, a longa jornada de um retirante, que começara, como a de milhões de nordestinos, em cima de um pau-de-arara, terminava, como expressão de um projeto coletivo, na rampa do Planalto.
Hoje estou de volta a esta Casa, no mesmo primeiro de janeiro e quase na mesma hora.
Tenho a meu lado, como em 2003, o amigo e companheiro José Alencar, cuja colaboração inteligente e leal tornou menos árduas as tarefas destes quatro anos.
E assim o será no Governo que se inicia.
Tudo é muito parecido, mas tudo é profundamente diferente.
É igual e diferente o Brasil; é igual e diferente o mundo; e, eu, sou também igual e diferente.
Sou igual naquilo que mais prezo: no profundo compromisso com o povo e com meu país.
Sou diferente na consciência madura do que posso e do que não posso, no pleno conhecimento dos limites.
Sou igual no ímpeto e na coragem de fazer.
Sou diferente na experiência acumulada na difícil arte de governar.
Sou igual quando volto a conjugar, nas suas formas mais afirmativas, o verbo mudar, como fiz aqui quatro anos atrás.
Mas sou diferente, pois, sem renegar a paciência e a persistência que aqui também preguei, quero hoje pedir, com toda ênfase, pressa, ousadia, coragem e criatividade para abrir novos caminhos.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Quatro anos depois, o Brasil é igual na sua energia produtiva e criadora.
Mas é diferente -- para melhor -- na força da sua economia, na consistência de suas instituições e no seu equilíbrio social.
Em que momento de nossa história tivemos uma conjugação tão favorável e auspiciosa: de inflação baixa; crescimento das exportações; expansão do mercado interno, com aumento do consumo popular e do crédito; e ampliação do emprego e da renda dos trabalhadores?
O Brasil ainda é igual, infelizmente, na permanência de injustiças contra as camadas mais pobres.
Porém é diferente, para melhor, na erradicação da fome, na diminuição da desigualdade e do desemprego.
É melhor na distribuição de renda, no acesso à educação, à saúde e à moradia.
Muito já fizemos nessas áreas, mas precisamos fazer muito mais.
O Brasil ainda possui sérias travas ao seu crescimento e fragilidades nos seus instrumentos de gestão.
Mas nosso país é diferente -- para melhor: na estabilidade monetária; na robustez fiscal; na qualidade da sua dívida; no acesso a novos mercados e a novas tecnologias; e na redução da vulnerabilidade externa.
O trabalhador brasileiro ainda não ganha o que realmente merece, mas temos hoje um dos mais altos salários mínimos das últimas décadas, e os trabalhadores obtiveram ganhos reais em 90% das negociações salariais nestes últimos quatro anos.
Criamos mais de 100 mil empregos por mês com carteira assinada, sem falar das ocupações informais e daquelas geradas pela agricultura familiar, totalizando mais de 7 milhões de novos postos de trabalho.
O Brasil ainda precisa avançar em padrões éticos e em práticas políticas.
Mas hoje é muito melhor na eficiência dos seus mecanismos de controle e na fiscalização sobre seus governantes.
Nunca se combateu tanto a corrupção e o crime organizado.
Muita coisa melhorou na garantia dos direitos humanos, na defesa do meio-ambiente, na ampliação da cidadania e na valorização das minorias.
O Brasil é uma nação mais respeitada, com inserção criativa e soberana no mundo.
E o mundo, vasto mundo, como está quatro anos depois?
Melhor em certos aspectos, mas pior, infelizmente, em tantos outros.
Foram quatro anos sem graves crises econômicas, mas com graves conflitos políticos e militares internacionais.
Ao mesmo tempo em que o crescimento da economia mundial permitiu um certo desafogo aos países emergentes, a relação entre nações ricas e pobres não melhorou.
A solução dos grandes problemas mundiais, como: as persistentes desigualdades econômicas e financeiras entre as nações; o protecionismo comercial dos grandes; a fome e a inclusão dos deserdados; a preservação do meio-ambiente; o desarmamento; e o combate adequado ao terrorismo e à criminalidade internacional; não evoluiu.
Os organismos internacionais -- especialmente a ONU -- não se atualizaram em relação aos novos tempos que vive a humanidade.
Meus Senhores e minhas Senhoras,
Um dos compromissos mais profundos que tenho comigo mesmo é o de jamais esquecer de onde vim.
Ele me permite saber para onde seguir.
Hoje, posso olhar nos olhos de cada um dos brasileiros e brasileiras e dizer que mantive, mantenho e manterei meu compromisso de cuidar, primeiro, dos que mais precisam.
Governar para todos é meu caminho, mas defender os interesses dos mais pobres é o que nos guia nesta caminhada.
Se alguns quiseram ver na minha primeira eleição apenas um parêntesis histórico, a reeleição mostrou que um governo que cumpre os seus compromissos obtém a confiança do povo.
Em outubro, nossa população afirmou de modo inequívoco que não precisa nem admite tutela de nenhuma espécie para fazer a sua escolha.
Ela foi livre e soberana, como deve ser a força do povo.
É uma responsabilidade enorme tornar-se o presidente com o índice de aprovação mais elevado ao final de seu mandato.
Tenho plena consciência do que isso significa.
Sei que, a partir de hoje, cabe-me corrigir o que deve ser corrigido e avançar com maior determinação no que está dando certo, para consolidar as conquistas populares.
O desafio é grande, porém maior é a minha disposição de vencê-lo.
Ouço as vozes das cidades, das ruas e dos campos e escuto, muito perto, a voz da minha consciência.
Ela me diz que não fui reeleito para ouvir a velha e conformista ladainha segundo a qual tudo é muito difícil, quase impossível, que só pode ser conquistado numa lentidão secular.
Quatro anos atrás eu disse que o verbo mudar iria reger o nosso governo.
E o Brasil mudou.
Hoje, digo que os verbos acelerar, crescer e incluir vão reger o Brasil nestes próximos quatro anos.
Os efeitos das mudanças têm que ser sentidos rápida e amplamente.
Vamos destravar o Brasil para crescer e incluir de forma mais acelerada.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
O Brasil não pode continuar como uma fera presa numa rede de aço invisível -- debatendo-se, exaurindo-se, sem enxergar a teia que o aprisiona.
É preciso desatar alguns nós decisivos para que o País possa usar a força que tem e avançar com toda velocidade.
Muito tentamos nos últimos quatro anos, mas fatores históricos, dificuldades políticas e prioridades inadiáveis fizeram com que nosso esforço não fosse inteiramente premiado.
Hoje a situação é bem melhor, pois construímos os alicerces e temos um projeto claro de país a ser realizado.
Precisamos de firmeza e ousadia para mudar as regras necessárias e avançar.
Não podemos desperdiçar energias, talentos, esperanças.
Sei que o crescimento, para ser rápido, sustentável e duradouro, tem de ser com responsabilidade fiscal.
Disso não abriremos mão, em hipótese alguma.
Mas é preciso combinar essa responsabilidade com mudanças de postura e ousadia na criação de novas oportunidades para o país.
É necessário, igualmente, que este crescimento esteja inserido em uma visão estratégica de desenvolvimento que nosso país havia perdido.
É preciso uma combinação ampla e equilibrada do investimento público e do investimento privado.
Para lograr este equilíbrio, temos de desobstruir os gargalos e de romper as amarras que travam cada um destes setores.
Isso significa ampliar e agilizar o investimento público, desonerar e incentivar o investimento privado.
Sei que o investimento público não pode, sozinho, garantir o crescimento.
Porém, ele é decisivo para estimular e mesmo ordenar o investimento privado.
Estas duas colunas, articuladas, são capazes de dar grande impulso a qualquer projeto de crescimento.
Para atingir estes objetivos, estaremos lançando, já neste primeiro mês de governo, um conjunto de medidas, englobadas no Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC.
Nosso esforço não se esgota nas medidas que anunciaremos em janeiro.
Ao contrário, elas serão apenas o começo.
Serão desdobradas e complementadas ao longo de todo o mandato, incorporando, inclusive, reformas mais amplas que seguramente estarão na pauta desta Casa.
Vamos: realinhar prioridades; otimizar recursos; aumentar fontes de financiamento; expandir projetos de infra-estrutura; aperfeiçoar o marco jurídico; e ampliar o diálogo sistemático com as instituições de controle e fiscalização para garantir a transparência dos projetos e agilizar sua execução.
O fornecimento de energia nos próximos dez anos está garantido pelos projetos em andamento e pelos novos e ambiciosos projetos que serão licitados em 20.
Continuaremos dando prioridade ao setor de Bio-energia, no qual o Brasil ocupa a vanguarda mundial, como decorrência dos esforços de meu Governo.
O Programa Luz Para Todos, que já propiciou energia elétrica para cinco milhões de pessoas, tem como objetivo chegar até o fim de 2008 a todos os brasileiros ainda sem acesso à eletricidade.
Vamos estabelecer, com o BNDES, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, a EMBRAPA, o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio e o Ministério da Ciência e Tecnologia, um amplo programa de incentivo à produtividade das empresas brasileiras, facilitando a importação de equipamentos; melhorando a qualidade dos tributos; favorecendo o acesso à tecnologia da informação, apoiando a inovação; e estimulando a integração empresa-universidade.
E vamos consolidar, em harmonia com esta Casa e com os Estados, a legislação unificada do ICMS, simplificando as normas, reduzindo alíquotas, com previsão de implantar um único imposto de valor agregado a ser distribuído automaticamente para união, estados e municípios.
Este conjunto de iniciativas significa o reforço das linhas mestras da política macro-econômica, com a redução da taxa real de juros.
Tenho claro que nenhum país consegue firmar uma política sólida de crescimento se o custo do capital -- ou seja, o juro -- for mais alto do que a taxa média de retorno dos negócios.
Da mesma forma que é necessária uma expansão planejada do crédito.
Nossa meta é criar condições para que sua expansão, até 2010, chegue a 50% do PIB, especialmente para o investimento, a infra-estrutura, a agricultura, a habitação e o consumo.
Outro ponto vital é a implantação de vigorosas medidas de desburocratização, sobretudo as que facilitem o comércio exterior, a abertura e fechamento de empresas, além de levar adiante o aperfeiçoamento das legislações sanitária e ambiental.
Meus Senhores e minhas Senhoras,
Durante a campanha afirmei que meu segundo governo será o governo do desenvolvimento, com distribuição de renda e educação de qualidade.
Disse que, para termos um crescimento acelerado, duradouro e justo, devemos articular cada vez melhor a política macro-econômica com uma política social capaz de distribuir renda, gerar emprego e inclusão.
Dessa forma, nossa política social, que nunca foi compensatória, e sim criadora de direitos, será cada vez mais estrutural.
Será peça-chave do próprio desenvolvimento estratégico do país.
O Bolsa Família, principal instrumento do Fome Zero -- saudado pelas comunidades pobres e criticado por alguns setores privilegiados -- teve duplo efeito.
Por um lado, retirou da miséria milhões de homens e mulheres.
Por outro, contribuiu para dinamizar a economia de forma mais equânime.
Por isso, obteve reconhecimento internacional, e já inspira programas semelhantes em vários países.
Nosso governo nunca foi, nem é ""populista"".
Este governo foi, é e será popular.
Temos de criar alternativas de trabalho e produção para os beneficiários dos nossos programas de transferência de renda.
E aí, ocuparão lugar importante: a educação, a formação de mão-de-obra, a expansão do micro-crédito e do crédito consignado, o fortalecimento da agricultura familiar, o avanço da reforma agrária pacífica e produtiva, a economia solidária, o cooperativismo, o desenvolvimento de tecnologias simples e a expansão da arte e da cultura popular.
Para isso, as políticas setoriais de governo devem ser fortemente integradas.
É preciso: continuar expandindo o consumo de bens essenciais da população de baixa renda; fomentar o empreendedorismo das classes médias; dar continuidade à recuperação do salário mínimo; ampliar o crescimento de empregos formais e da massa salarial; e aprofundar a política nacional para micro, pequena e média empresas, nos moldes da Lei Geral aprovada por este Congresso, que estabelece tratamento diferenciado em matéria de crédito, acesso à tecnologia e às exportações.
É preciso garantir o crescimento de todos, diminuindo desigualdades entre as pessoas e as regiões.
Para diminuir a desigualdade entre as pessoas a alavanca básica é a educação; para diminuir a desigualdade entre as regiões o principal instrumento são os grandes programas de desenvolvimento, especialmente os de infra-estrutura.
Estes grandes programas e projetos de desenvolvimento regional já estão definidos e envolvem setores estratégicos como energia, transporte, inovação tecnológica, insumos básicos e construção civil.
Na área de energia, eles privilegiam o petróleo, gás, etanol, biocombustíveis e eletricidade.
Na área de inovação tecnológica: os softwares, fármacos, bens de capital, semi-condutores e TV Digital.
Na área dos transportes, englobam indistintamente os setores automotivo, ferroviário, naval e aéreo.
Na construção civil, os setores de infra-estrutura, habitação e saneamento básico.
Na área dos insumos, a siderurgia, papel e celulose, petroquímica e mineração.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Reitero que a educação de qualidade será prioridade de meu Governo.
Mais do que a qualificação para o mundo do trabalho, a educação é um instrumento de libertação, que o acesso à cultura propicia.
Ela dá conteúdo à cidadania formal de homens e mulheres.
Um país cresce quando é capaz de absorver conhecimentos.
Mas se torna forte, de verdade, quando é capaz de produzir conhecimento.
Para isso é fundamental valorizar todos os níveis de nosso sistema educacional -- sem exceção, fortalecer a pesquisa pura e aplicada, consolidar a incorporação e o desenvolvimento de novas tecnologias.
Temos aqui um gigantesco desafio.
O que outros países fizeram ainda nos séculos dezenove ou vinte, nós teremos de realizar nos próximos anos.
Trata-se de superar os grandes déficits educacionais que nos afligem e, ao mesmo tempo, dar passos acelerados para transformar nosso país em uma sociedade de conhecimento, que nos permita uma inserção competitiva e soberana no mundo.
O Brasil quer, num só movimento, resolver as pendências do passado e ser contemporâneo do futuro.
Graças ao esforço de todos nós, com a decisiva participação do Congresso Nacional, o Brasil conta com um instrumento fundamental para melhorar a educação básica, que é o FUNDEB.
Com ele, poderemos aumentar dez vezes o investimento nas áreas mais carentes do ensino, e 60% destes recursos serão aplicados na melhoria de salários e na formação do professor.
Para que o Brasil tenha uma educação verdadeiramente de qualidade, serão necessários professores bem remunerados, com sólida formação profissional, condições adequadas de trabalho e permanente atualização.
Os educadores poderão, dessa forma, melhorar o seu desempenho e os resultados da sua atividade pedagógica.
A Universidade Aberta é decisiva no aperfeiçoamento dos docentes, pois permite que os professores se reciclem sem sair de suas cidades.
Nesta luta pela qualidade, vamos também ampliar a renovação tecnológica do ensino, informatizando todas as escolas públicas.
Quero reafirmar, neste dia tão importante, que o meu sonho é ajudar a transformar o Brasil no país mais democrático do mundo no acesso à universidade.
Para isso contribuirão as novas universidades e extensões universitárias e as escolas técnicas em todas as cidades pólo do país.
Para isso contribuirá também a expansão das bolsas do ProUNI.
O Brasil assistirá dentro de dez ou quinze anos o surgimento de uma nova geração de intelectuais, cientistas, técnicos e artistas originários das camadas pobres da população.
Este foi sempre o nosso propósito: democratizar não só a renda, mas também o conhecimento e o poder.
Outras áreas vitais para a população -- e objeto de permanente demanda -- são as da saúde e da segurança pública.
Como fizemos no nosso primeiro mandato, vamos continuar modernizando os dois setores para que a população brasileira, em especial a mais pobre, tenha uma melhor qualidade de vida.
Sinto que em matéria de segurança pública -- um verdadeiro flagelo nacional -- crescem as condições para uma efetiva cooperação entre a União e os estados da Federação, sem a qual será muito difícil resolver este crucial problema.
Meus Senhores e minhas Senhoras,
Apesar dos avanços científicos e tecnológicos de nosso mundo, ainda não foi inventada nenhuma ferramenta mais importante do que a política para a solução dos problemas dos povos.
Nunca o mundo viveu -- como vive hoje -- um período de tão grande descrédito na política.
Mas, paradoxalmente, nunca a política foi tão imprescindível.
Temos no Brasil um desafio pela frente.
Desafio para as forças que se identificam com este Governo e para aquelas que se situam na oposição.
Temos de refletir sobre nossas instituições e nossas práticas políticas.
Temos de construir consensos que não eliminem nossas diferenças, nem apaguem os conflitos próprios das sociedades democráticas.
Precisamos de um sistema político capaz de dar conta da rica diversidade de nossa vida social.
Nossas instituições têm de ser mais permeáveis à voz das ruas.
Precisamos fortalecer um espaço público capaz de gerar novos direitos e produzir uma cidadania ativa.
As formas de democracia participativa não são opostas às da democracia representativa.
Elas se complementam.
Meu Governo, atento às manifestações das ruas e, em especial, aos movimentos sociais, construiu grande parte de suas políticas públicas e importantes decisões governamentais, consultando a opinião da sociedade organizada em Conferências Nacionais, Conselhos e Foros.
Continuaremos nesse rumo.
Reafirmamos, finalmente, nossos compromissos éticos em uma perspectiva republicana.
Nada mais ético do que a promoção do bem comum e da justiça.
A reforma política deve ser prioritária no Brasil.
Convido todos os senhores para nos sentarmos à mesa e iniciarmos o seu debate e urgente encaminhamento, ao lado de outras reformas importantes, como a tributária, que precisamos concluir.
O fortalecimento de nosso sistema democrático dará nova qualidade à presença do Brasil na cena mundial.
Nossa política externa -- motivo de orgulho pelos excelentes resultados que trouxe para a nação -- foi marcada por uma clara opção pelo multilateralismo, necessário para lograr um mundo de paz e de solidariedade.
Essa opção nos permitiu manter excelentes relações políticas, econômicas e comerciais com as grandes potências mundiais e, ao mesmo tempo, priorizar os laços com o Sul do mundo.
Estamos mais próximos da África -- um dos berços da civilização brasileira.
Fizemos do entorno sul-americano o centro de nossa política externa.
O Brasil associa seu destino econômico, político e social ao do continente, ao MERCOSUL e à Comunidade Sul-americana de Nações.
Senhoras e Senhores,
É tempo do nascimento de um novo humanismo, fundado nos valores universais da democracia, da tolerância e da solidariedade.
O Brasil tem muito o que contribuir neste debate.
Colocamos o respeito aos Direitos Humanos no centro de nossas preocupações.
Ampliamos políticas públicas nesta direção e criamos instituições de Estado fortes e capazes de garantir que este país combaterá de maneira decidida e permanente todas as formas de discriminação de gênero, raça, orientação sexual e faixa etária.
Por isso cresce a participação das mulheres na vida econômica, social e política do país.
Cada vez mais, os negros ocupam o lugar que lhes é devido em um Brasil democrático.
Assim como os povos indígenas, que reconquistam e consolidam a sua dignidade histórica.
A despeito dos avanços que nossas políticas públicas propiciaram, especialmente na esfera educacional, ainda há muito que fazer pelos jovens, importante segmento de nossa sociedade, a quem caberá conduzir este país nas próximas décadas.
Em um mundo que busca caminhos para o convívio, espaços para o diálogo, para a coabitação do múltiplo e do diverso, o Brasil tem o que oferecer.
Nosso País pode ser uma voz e um exemplo autêntico e poderoso para o mundo na questão da diversidade.
Pode ajudar a mostrar que neste planeta desigual, é possível avançar no sentido do entendimento, quando os interesses dos diferentes e, sobretudo, dos excluídos passam a integrar efetivamente a agenda nacional.
Senhoras e Senhores,
Fui reconduzido à Presidência da República pela vontade majoritária do povo brasileiro.
A realização do segundo turno deu mais nitidez à escolha, contrapondo projetos de país com contornos bem definidos e diferenciados.
O povo fez uma escolha consciente.
Mais do que um homem, escolheu uma proposta, optou por um lado.
Não faltaram os que, do alto de seus preconceitos elitistas, tentaram desqualificar a opção popular como fruto da sedução que poderia exercer sobre ela o que chamavam de ""distribuição de migalhas"".
Os que assim pensam não conhecem e não entendem este País.
Desconhecem o que é um povo sem feitores, capaz de expressar-se livremente.
O que distribuímos -- e mais do que isso: socializamos -- foi cidadania.
Este povo constitui a verdadeira opinião pública do país que alguns pretenderam monopolizar.
Finalmente, quem tentou desqualificar a opção popular não foi capaz de valorar algo fundamental.
A vontade de mudança -- que esteve reprimida por décadas, séculos -- expressou-se pacificamente, democraticamente e esta manifestação contribuiu de modo notável para o fortalecimento das instituições.
O caminho da política exige paciência, concessões mútuas, compreensão do outro.
Exige que sejamos capazes de levar ao extremo a prática da escuta.
Pois só assim é possível sintonizar e harmonizar interesses.
Mas exige opções, alinhamentos.
Neste dia inaugural de meu novo mandato, não peço a ninguém que abandone suas convicções.
Não desejo que a oposição deixe de cumprir o papel que dela esperam os que por ela livremente optaram.
Quero pedir-lhes, apenas, que olhemos mais para o que nos une do que para o que nos separa.
Que concentremos o debate nos grandes desafios colocados para o nosso país e para o mundo.
Que estejamos à altura do que necessita e deseja o nosso povo.
Só assim poderemos estar todos a serviço deste país que tanto amamos.
Eu, de minha parte, governarei para todos, sem olhar para cor, credo, opção ideológica ou partidária.
Mais que nunca, sou um homem de uma só causa.
E esta causa se chama Brasil.
Minhas Senhoras, meus Senhores,
Reconheço que Deus tem sido generoso comigo.
Mais do que mereço.
Eu pedi forças... e Deus me deu dificuldades para fazer-me forte.
Eu pedi sabedoria... e Deus me deu problemas para resolver.
Eu pedi prosperidade... e Deus me deu cérebro e músculos para trabalhar.
Eu pedi coragem... e Deus me deu perigos para superar.
Eu pedi amor... e Deus me deu pessoas com dificuldades para ajudar.
Eu pedi dádivas... e Deus me deu oportunidades.
Eu não recebi nada do que pedi, mas eu recebi tudo que precisava.
Muito obrigado.
Fonte: Agência Câmara de Notícias.
Sr. Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney; Srs. Chefes de Estado e de Governo que me honram com as suas presenças; Sr. Vice-Presidente da República, Michel Temer; Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Marco Maia; Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso; Srªs e Srs. Chefes das Missões Estrangeiras; Srªs e Srs. Ministros de Estado; Srªs e Srs. Governadores; Srªs e Srs. Senadores; Srªs e Srs. Deputados Federais; Srªs e Srs. Representantes da Imprensa; meus queridos brasileiros e brasileiras, pela decisão soberana do povo, hoje será a primeira vez que a faixa presidencial cingirá o ombro de uma mulher.
Sinto uma imensa honra por essa escolha do povo brasileiro e sei do significado histórico dessa decisão.
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Sei, também, como é aparente a suavidade da seda verde amarela da faixa presidencial, pois ela traz consigo uma enorme responsabilidade perante a nação.
Para assumi-la, tenho comigo a força e o exemplo da mulher brasileira.
Abro meu coração para receber neste momento uma centelha da sua imensa energia e sei que meu mandato deve incluir a tradução mais generosa dessa ousadia do voto popular que após levar à Presidência um homem do povo, um trabalhador, decide convocar uma mulher para dirigir os destinos do País.
Venho para abrir portas, para que muitas outras mulheres também possam, no futuro, ser Presidentas e para que, no dia de hoje, todas as mulheres brasileiras sintam o orgulho e a alegria de ser mulher.
Não venho para enaltecer a minha biografia, mas para glorificar a vida de cada mulher brasileira.
Meu compromisso supremo, reitero, é honrar as mulheres, proteger os mais frágeis e governar para todos.
Venho, antes de tudo, para dar continuidade ao maior processo de afirmação que este País já viveu nos tempos recentes.
Venho para consolidar a obra transformadora do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva!
Venho para consolidar a obra transformadora do Presidente Lula, com quem tive a mais vigorosa experiência política da minha vida e o privilégio de servir ao País a seu lado nesses últimos anos.
De um Presidente que mudou a forma de governar e levou o povo brasileiro a confiar ainda mais em si mesmo e no futuro do País.
A maior homenagem que posso prestar a ele é ampliar e avançar as conquistas do seu Governo.
Reconhecer, acreditar, investir na força do povo foi a maior lição que o Presidente Lula deixa para todos nós.
Sob a sua liderança, o povo brasileiro fez a travessia para uma outra margem da nossa história.
Minha missão agora é consolidar essa passagem e avançar no caminho de uma Nação geradora das mais amplas oportunidades.
Quero, neste momento, prestar minha homenagem a outro grande brasileiro, incansável lutador, companheiro que esteve ao lado do Presidente Lula nesses oito anos: nosso querido Vice-Presidente José Alencar!
Que exemplo de coragem e amor à vida nos dá esse grande homem! E que parceria fizeram o Presidente Lula e o Vice-Presidente José Alencar pelo Brasil e pelo nosso povo! Eu e o Vice-Presidente, Michel Temer, sentimo-nos responsáveis por seguir no caminho iniciado por eles.
Um governo se alicerça no acúmulo de conquistas realizadas ao longo da história.
Ele sempre será, a seu tempo, mudança e continuidade.
Por isso, ao saudar os extraordinários avanços recentes liderados pelo Presidente Lula, é justo lembrar que muitos, a seu tempo e a seu modo, deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje.
Vivemos um dos melhores períodos da vida nacional.
Milhões de empregos estão sendo criados.
Nossa taxa de crescimento mais que dobrou.
Encerramos um longo período de dependência do Fundo Monetário Internacional, ao mesmo tempo em que superamos a nossa dívida externa.
Reduzimos, sobretudo, a nossa dívida social, a nossa histórica dívida social, resgatando milhões de brasileiros da tragédia da miséria e ajudando outros milhões a alcançarem a classe média.
Mas, em um País com a complexidade do nosso, é preciso sempre querer mais, descobrir mais, inovar nos caminhos e buscar sempre novas soluções.
Só assim poderemos garantir aos que melhoraram de vida que eles podem alcançar mais e provar aos que ainda lutam para sair da miséria que eles podem, com a ajuda do Governo e de toda a sociedade, mudar de vida e de patamar.
Que podemos ser, de fato, uma das nações mais desenvolvidas e menos desiguais do mundo, um País de classe média sólida e empreendedora, uma democracia vibrante e moderna, plena de compromisso social, liberdade política e criatividade.
Queridos brasileiros e queridas brasileiras, para enfrentar esses grandes desafios, é preciso manter os fundamentos que nos garantiram chegar até aqui, mas, igualmente, agregar novas ferramentas e novos valores.
Na política, é tarefa indeclinável e urgente uma reforma com mudanças na legislação para fazer avançar nossa jovem democracia, fortalecer o sentido programático dos partidos e aperfeiçoar as instituições, restaurando valores e dando mais transparência ao conjunto da atividade pública.
Para dar longevidade ao atual ciclo de crescimento, é preciso garantir a estabilidade, especialmente a estabilidade de preços, e seguir eliminando as travas que ainda inibem o dinamismo da nossa economia, facilitando a produção e estimulando a capacidade empreendedora de nosso povo, da grande empresa até os pequenos negócios locais, do agronegócio à agricultura familiar.
É, portanto, inadiável a implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário, orientado pelo princípio da simplificação e da racionalidade.
O uso intensivo da tecnologia da informação deve estar a serviço de um sistema de progressiva eficiência e elevado respeito ao contribuinte.
Valorizar nosso parque industrial e ampliar sua força exportadora será meta permanente.
A competitividade da nossa agricultura e da nossa pecuária, que faz do Brasil grande exportador de produtos de qualidade para todos os continentes, merecerá toda a nossa atenção.
Nos setores mais produtivos, a internacionalização de nossas empresas já é uma realidade.
O apoio aos grandes exportadores não é incompatível com o incentivo, o desenvolvimento e o apoio à agricultura familiar e ao microempreendedor.
As pequenas empresas são responsáveis pela maior parcela dos empregos permanentes em nosso País.
Merecerão políticas tributárias e de crédito perenes.
Valorizar o desenvolvimento regional é outro imperativo de um País continental, sustentando a vibrante economia do Nordeste, preservando, desenvolvendo, respeitando a biodiversidade da Amazônia no Norte, dando condições à extraordinária produção agrícola do Centro-Oeste, à força industrial do Sudeste e à pujança e ao espírito de pioneirismo do Sul.
É preciso, antes de tudo, criar condições reais, efetivas, capazes de aproveitar e potencializar ainda mais e melhor a imensa energia criativa e produtiva do povo brasileiro.
No plano social, a inclusão só será plenamente alcançada com a universalização e a qualificação dos serviços essenciais.
Esse é um passo decisivo e irrevogável para consolidar e ampliar as grandes conquistas obtidas pela nossa população no período do Governo do Presidente Lula.
É, portanto, tarefa indispensável uma ação renovadora efetiva e integrada do Governo Federal e dos governos estaduais e municipais em particular nas áreas da saúde, da educação e da segurança, o que é vontade expressa das famílias e da população brasileira.
Queridos brasileiros e brasileiras, a luta mais obstinada do meu Governo será pela erradicação da pobreza extrema e pela criação de oportunidades para todos!
Uma expressiva mobilidade social ocorreu nos dois mandatos do Presidente Lula, mas ainda existe pobreza a envergonhar nosso País e a impedir nossa afirmação plena como povo desenvolvido.
Não vou descansar enquanto houver brasileiro sem alimento na mesa, enquanto houver famílias no desalento das ruas, enquanto houver crianças pobres abandonadas à própria sorte!
O congraçamento das famílias se dá no alimento, na paz e na alegria.
É este o sonho que vou perseguir.
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Essa não é tarefa isolada de um Governo, mas um compromisso a ser abraçado por toda a nossa sociedade.
Para isso peço com humildade o apoio das instituições públicas e privadas, de todos os partidos, das entidades empresariais e dos trabalhadores, das universidades, da juventude, de toda a imprensa e das pessoas de bem.
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A superação da miséria exige prioridade na sustentação de um longo ciclo de crescimento.
É com crescimento que serão gerados os empregos necessários para as atuais e as novas gerações.
É com crescimento, associado a fortes programas sociais, que venceremos a desigualdade de renda e de desenvolvimento regional.
Isso significa, reitero, manter a estabilidade econômica como valor.
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Já faz parte, aliás, da nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador.
Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que essa praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres.
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Continuaremos fortalecendo nossas reservas externas para garantir o equilíbrio das contas externas e bloquear, impedir a vulnerabilidade externa.
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Atuaremos decididamente, nos fóruns multilaterais, na defesa de políticas econômicas saudáveis e equilibradas, protegendo o País da concorrência desleal e do fluxo indiscriminado de capitais especulativos.
Não faremos a menor concessão ao protecionismo dos países ricos, que sufoca qualquer possibilidade de superação da pobreza de tantas nações pela via do esforço de produção.
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Faremos um trabalho permanente e continuado para melhorar a qualidade do gasto público.
O Brasil optou, ao longo de sua história, por construir um Estado provedor de serviços básicos e de previdência social pública.
Isso significa custos elevados para toda a sociedade, mas significa também a garantia do alento da aposentadoria para todos e serviços de saúde e de educação universais.
Portanto, a melhoria dos serviços públicos é também um imperativo de qualificação dos gastos governamentais.
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Outro fator importante da qualidade da despesa é o aumento dos níveis de investimento em relação aos gastos de custeio.
O investimento público é essencial como indutor do investimento privado e como instrumento de desenvolvimento regional.
Por meio do Programa de Aceleração do Crescimento e do Programa Minha Casa, Minha Vida, manteremos o investimento sob estrito e cuidadoso acompanhamento da Presidência da República e dos Ministérios.
O PAC continuará sendo um instrumento de coesão da ação governamental e coordenação voluntária dos investimentos estruturais dos Estados e Municípios; será também vetor de incentivo ao investimento privado, valorizando todas as iniciativas de constituição de fundos privados de longo prazo.
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Por sua vez, os investimentos previstos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas serão concebidos de maneira a dar ganhos permanentes de qualidade de vida em todas as regiões envolvidas.
Esse princípio vai reger também nossa política de transporte aéreo.
É preciso, sem dúvida, melhorar e ampliar nossos aeroportos para a Copa e as Olimpíadas, mas é mais que necessário melhorá-los já, para arcar com o crescente uso desse meio de transporte por parcelas cada vez mais amplas da população brasileira.
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Queridas brasileiras e queridos brasileiros, junto com a erradicação da miséria, será prioridade do meu Governo a luta pela qualidade da educação, da saúde e da segurança.
Nas últimas décadas, o Brasil universalizou o ensino fundamental, porém é preciso melhorar a sua qualidade e aumentar as vagas no ensino infantil e no ensino médio.
Para isso, vamos ajudar decididamente os Municípios a ampliar a oferta de creches e de pré-escolas.
No ensino médio, além do aumento do investimento público, vamos estender a vitoriosa experiência do ProUni para o ensino médio e profissionalizante, acelerando a oferta de milhares de vagas para que nossos jovens recebam uma formação educacional e profissional de qualidade.
Mas só existirá ensino de qualidade se o professor e a professora forem tratados como as verdadeiras autoridades da educação, com formação continuada, remuneração adequada e sólido compromisso dos professores e da sociedade com a educação das crianças e dos jovens.
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Somente com o avanço na qualidade do ensino poderemos formar jovens preparados, de fato, para nos conduzir à sociedade da tecnologia e do conhecimento.
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Queridas brasileiras e queridos brasileiros, consolidar o Sistema Único de Saúde será outra grande prioridade do meu Governo.
Para isso, vou acompanhar pessoalmente o desenvolvimento desse setor tão essencial para o povo brasileiro.
O SUS deve ter como meta a solução real do problema que atinge a pessoa que o procura com o uso de todos os instrumentos de diagnóstico e tratamento disponíveis, tornando os medicamentos acessíveis a todos, além de fortalecer as políticas de prevenção e promoção da saúde.
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Vou usar, sim, a força do Governo Federal para acompanhar a qualidade do serviço prestado e o respeito ao usuário.
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Vamos estabelecer parcerias com o setor privado na área da saúde, assegurando a reciprocidade quando da utilização dos serviços do SUS.
A formação e a presença de profissionais de saúde, adequadamente distribuídos, em todas as regiões do País será outra meta essencial ao bom funcionamento do sistema.
Queridas brasileiras e queridos brasileiros, a ação integrada de todos os níveis do Governo e a participação da sociedade são o caminho para a redução da violência que constrange a sociedade e as famílias brasileiras.
Meu Governo fará um trabalho permanente para garantir a presença do Estado em todas as regiões mais sensíveis à ação da criminalidade e das drogas em forte parceria com Estados e Municípios.
O Estado do Rio de Janeiro mostrou o quanto é importante, na solução dos conflitos, a ação coordenada das forças de segurança dos três níveis de Governo, incluindo, quando necessário, a participação decisiva das Forças Armadas.
O êxito dessa experiência deve nos estimular a unir as forças de segurança no combate, sem tréguas, ao crime organizado, que sofistica a cada dia seu poder de fogo e suas técnicas de aliciamento dos jovens.
Buscaremos, também, uma maior capacitação federal na área de inteligência e no controle das fronteiras, com uso de modernas tecnologias e treinamento profissional permanente.
Reitero meu compromisso de agir no combate às drogas, em especial ao avanço do crack, que desintegra a nossa juventude e infelicita as nossas famílias.
O pré-sal é nosso passaporte para o futuro, mas só o será plenamente, queridas brasileiras e queridos brasileiros, se produzir uma síntese equilibrada de avanço tecnológico, avanço social e cuidado ambiental.
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A sua própria descoberta é resultado do avanço tecnológico brasileiro e de uma moderna política de investimentos em pesquisa e inovação.
Seu desenvolvimento será fator de valorização da empresa nacional e seus investimentos serão geradores de milhares de novos empregos.
O grande agente dessa política foi e é a Petrobras, símbolo histórico da soberania brasileira na produção energética e do petróleo.
O meu Governo terá a responsabilidade de transformar a enorme riqueza obtida no pré-sal em poupança de longo prazo, capaz de fornecer às atuais e às futuras gerações a melhor parcela dessa riqueza, transformada, ao longo do tempo, em investimentos efetivos na qualidade dos serviços públicos, na redução da pobreza e na valorização do meio ambiente.
Recusaremos o gasto apressado, que reserva às futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança.
Queridas brasileiras e queridos brasileiros, muita coisa melhorou no nosso País, mas estamos vivendo apenas o início de uma nova era, o despertar de um novo Brasil.
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Recorro a um poeta da minha terra natal.
Ele diz: ""O que tem de ser tem muita força, tem uma força enorme"".
Pela primeira vez, o Brasil se vê diante da oportunidade real de se tornar, de ser uma nação desenvolvida, uma nação com a marca inerente também da cultura e do estilo brasileiro: o amor, a generosidade, a criatividade e a tolerância.
Uma nação em que a preservação das reservas naturais e das suas imensas florestas, associada à rica biodiversidade e à matriz energética mais limpa do mundo permitem um projeto inédito de país desenvolvido com forte componente ambiental.
O mundo vive num ritmo cada vez mais acelerado de revolução tecnológica.
Ela se processa tanto na decifração de códigos desvendadores da vida quanto na explosão da comunicação e da informática.
Temos avançado na pesquisa e na tecnologia, mas precisamos avançar muito mais.
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Meu Governo apoiará fortemente o desenvolvimento científico e tecnológico para o domínio do conhecimento e para a inovação como instrumento fundamental de produtividade e competitividade do nosso País.
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Mas o caminho para uma nação desenvolvida não está somente no campo econômico ou no campo do desenvolvimento econômico, pura e simplesmente.
Ele pressupõe o avanço social e a valorização da nossa imensa diversidade cultural.
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A cultura é a alma de um povo, essência de sua identidade.
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Vamos investir em cultura, ampliando a produção e o consumo em todas as regiões, expandindo a exportação de nossa música, cinema e literatura, signos vivos de nossa presença no mundo.
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Em suma, temos que combater a miséria, que é a forma mais trágica de atraso, e, ao mesmo tempo, avançar, investindo fortemente nas áreas mais modernas e sofisticadas da invenção tecnológica, da criação intelectual e da produção artística e cultural.
Justiça social, moralidade, conhecimento, invenção e criatividade devem ser, mais que nunca, conceitos vivos no dia a dia da nossa nação.
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Queridas brasileiras e queridos brasileiros, considero uma missão sagrada do Brasil a de mostrar ao mundo que é possível um país crescer aceleradamente sem destruir o meio ambiente.
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Somos e seremos os campeões mundiais de energia limpa, um País que sempre saberá crescer de forma saudável e equilibrada.
O etanol, as fontes de energias hídricas terão grande incentivo, assim como as fontes alternativas: a biomassa, a eólica e a solar.
O Brasil continuará também priorizando a preservação das reservas naturais e de suas imensas florestas.
Nossa política ambiental favorecerá nossa ação nos fóruns multilaterais, mas o Brasil não condicionará sua ação ambiental ao sucesso e ao cumprimento, por terceiros, de acordos internacionais.
Defender o equilíbrio ambiental do Planeta é um dos nossos compromissos nacionais mais universais.
Meus queridos brasileiros e brasileiras, nossa política externa estará baseada nos valores clássicos da tradição diplomática brasileira: promoção da paz, respeito ao princípio de não intervenção, defesa dos direitos humanos e fortalecimento do multilateralismo.
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O meu Governo continuará engajado na luta contra a fome e a miséria no mundo.
Seguiremos aprofundando o relacionamento com nossos vizinhos sul-americanos, com nossos irmãos da América Latina e do Caribe, com nossos irmãos africanos e com os povos do Oriente Médio e dos países asiáticos.
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Preservaremos e aprofundaremos o relacionamento com os Estados Unidos e com a União Europeia.
Vamos dar grande atenção aos países emergentes.
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O Brasil reitera com veemência e firmeza a decisão de associar seu desenvolvimento econômico, social e político ao nosso continente.
Podemos transformar nossa região em componente essencial do mundo multipolar que se anuncia, dando consistência cada vez maior ao Mercosul e à Unasul.
Vamos contribuir para a estabilidade financeira internacional com uma intervenção qualificada nos fóruns multilaterais.
Nossa tradição de defesa da paz não nos permite qualquer indiferença frente à existência de enormes arsenais atômicos, à proliferação nuclear, ao terrorismo e ao crime organizado transnacional.
Nossa ação política externa continuará propugnando pela reforma dos organismos de governança mundial, em especial às Nações Unidas e seu Conselho de Segurança.
Queridas brasileiras e queridos brasileiros, disse, ao início desse discurso, que eu governarei para todos os brasileiros e brasileiras e vou fazê-lo.
Mas é importante lembrar que o destino de um país não se resume à ação de seu governo.
Ele é o resultado do trabalho e da ação transformadora de todos os brasileiros e brasileiras.
O Brasil do futuro será exatamente do tamanho daquilo que juntos fizermos por ele hoje, do tamanho da participação de todos e de cada um, dos movimentos sociais, dos que labutam no campo, dos profissionais liberais, dos trabalhadores e dos pequenos empreendedores, dos intelectuais, dos servidores públicos, dos empresários, das mulheres, dos negros, dos índios, dos jovens, de todos aqueles que lutam para superar distintas formas de discriminação.
Quero estar ao lado dos que trabalham pelo bem do Brasil na solidão amazônica, no semiárido nordestino e em todos os seus rincões, na imensidão do Cerrado, na vastidão dos Pampas.
Quero estar ao lado dos que vivem nos aglomerados metropolitanos, na vastidão das florestas, no interior ou no litoral, nas capitais e nas fronteiras do Brasil.
Quero convocar todos a participar do esforço de transformação do nosso País.
Respeitada a autonomia dos Poderes e o princípio federativo, quero contar com o Legislativo e o Judiciário e com a parceria de Governadores e Prefeitos, para continuarmos desenvolvendo nosso País, aperfeiçoando nossas instituições e fortalecendo nossa democracia.
Reafirmo meu compromisso inegociável com a garantia plena das liberdades individuais, da liberdade de culto e de religião, da liberdade de imprensa e de opinião.
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Reafirmo o que disse, ao longo da campanha, que prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras.
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Quem como eu e tantos outros da minha geração lutamos contra o arbítrio, a censura e a ditadura, somos naturalmente amantes da mais plena democracia e da defesa intransigente dos direitos humanos no nosso País e como bandeira sagrada de todos os povos.
O ser humano não é só realização prática, mas sonho; não é só cautela racional, mas coragem, invenção e ousadia.
E esses são os elementos fundamentais para a afirmação coletiva da nossa Nação.
Eu e meu Vice-Presidente, Michel Temer, fomos eleitos por uma ampla coligação partidária.
Estamos construindo com eles um Governo, onde capacidade profissional, liderança e a disposição de servir ao País serão os critérios fundamentais.
Mais uma vez, estendo minha mão aos partidos de oposição e às parcelas da sociedade que não estiveram conosco na recente jornada eleitoral.
Não haverá de minha parte e do meu Governo discriminação, privilégios ou compadrio.
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A partir deste momento, sou a Presidenta de todos os brasileiros.
A partir deste momento, sou a Presidenta de todos os brasileiros sob a égide dos valores republicanos.
Serei rígida na defesa do interesse público; não haverá compromisso com o desvio e o mal feito; a corrupção será combatida permanentemente, e os órgãos de controle e investigação terão todo o meu respaldo para atuarem com firmeza e autonomia.
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Queridas brasileiras e queridos brasileiros, chegamos ao final deste longo discurso.
Queria dizer a vocês que eu dediquei toda a minha vida à causa do Brasil.
Entreguei, como muitos aqui presentes, minha juventude ao sonho de um país justo e democrático.
Suportei as adversidades mais extremas, infligidas a todos que ousamos enfrentar o arbítrio.
Não tenho qualquer arrependimento, tão pouco não tenho ressentimento ou rancor.
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Muitos da minha geração que tombaram pelo caminho não podem compartilhar a alegria deste momento.
Divido com eles esta conquista e rendo-lhes minha homenagem.
Esta, às vezes, dura caminhada me fez valorizar e amar muito mais a vida e me deu, sobretudo, coragem para enfrentar desafios ainda maiores.
Recorro, mais uma vez, ao poeta da minha terra: .
O correr da vida [diz ele] embrulha tudo.
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A vida é assim: esquenta e esfria, .
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
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É com essa coragem que vou governar o Brasil.
Mas mulher não é só coragem, é carinho também; carinho que dedico à minha filha e ao meu neto, carinho com que abraço a minha mãe, que me acompanha e me abençoa.
É com esse imenso carinho que quero cuidar do meu povo e a ele dedicar os próximos anos da minha vida.
Que Deus abençoe o Brasil! Que Deus abençoe a todos nós! E que tenhamos paz no mundo!
Fonte: Agência Senado.
Senhoras e Senhores,
Senhor presidente do Senado Federal, Renan Calheiros,
Senhor vice-presidente da República, Michel Temer,
Senhor presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves,
Senhoras e senhores Chefes de Estado, Chefes de Governo, Vice-chefes de Estado e Vice-chefes de governo que me honram com suas presenças aqui hoje.
Senhor presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski,
Senhores e senhores chefes das missões estrangeiras e embaixadores acreditados junto ao meu governo,
Senhoras e senhores ministros de Estado,
Senhoras e senhores governadores,
Senhoras e senhores senadores,
Senhoras e senhores deputados federais,
Senhoras e senhores representantes da imprensa,
Meus queridos brasileiros e brasileiras.
Volto a esta Casa com a alma cheia de alegria, de responsabilidade, de esperança.
Sinto alegria por ter vencido os desafios e honrado o nome da mulher brasileira.
O nome de milhões de mulheres guerreiras, mulheres anônimas que voltam a ocupar, encarnadas na minha figura, o mais alto posto dessa nossa grande nação.
Encarno, também, outra alma coletiva que amplia ainda mais a minha responsabilidade e a minha esperança.
O projeto de nação que é detentor do mais profundo e duradouro apoio popular da nossa história democrática.
Esse projeto de nação triunfou e permanece devido aos grandes resultados que conseguiu até agora, e que porque também o povo entendeu que este é um projeto coletivo e de longo prazo.
Este projeto pertence ao povo brasileiro e, mais do que nunca, é para o povo brasileiro e com o povo brasileiro que vamos governar.
A partir do extraordinário trabalho iniciado pelo governo do presidente Lula, continuado por nós, temos hoje a primeira geração de brasileiros que não vivenciou a tragédia da fome.
Resgatamos 36 milhões da extrema pobreza e 22 milhões apenas em meu primeiro governo.
Nunca tantos brasileiros ascenderam às classes médias.
Nunca tantos brasileiros conquistaram tantos empregos com carteira assinada.
Nunca o salário mínimo e os demais salários se valorizaram por tanto tempo e com tanto vigor.
Nunca tantos brasileiros se tornaram donos de suas próprias casas.
Nunca tantos brasileiros tiveram acesso ao ensino técnico e à universidade.
Nunca o Brasil viveu um período tão longo sem crises institucionais.
Nunca as instituições foram tão fortalecidas e respeitadas e nunca se apurou e puniu com tanta transparência a corrupção.
Em nossos governos, cumprimos o compromisso fundamental de oferecer a uma população enorme de excluídos, de pessoas excluídas, os direitos básicos que devem ser assegurados a qualquer cidadão: o direito de trabalhar, de alimentar a sua família, de educar e acreditar em um futuro melhor para seus filhos.
Isso que era tanto para uma população que tinha tão pouco, tornou-se pouco para uma população que conheceu, enfim, governos que respeitam e que a respeitam, e que realmente se esforçam para protegê-la.
A população quis que ficássemos porque viu o resultado do nosso trabalho, compreendeu as limitações que o tempo nos impôs e concluiu que podemos fazer muito mais.
O recado que o povo brasileiro nos mandou não foi só de reconhecimento e de confiança, foi também um recado de quem quer mais e melhor.
Por isso, a palavra mais repetida na campanha foi mudança e o tema mais invocado foi reforma.
Por isso, eu repito hoje, nesta solenidade de posse, perante as senhoras e os senhores: fui reconduzida à Presidência para continuar as grandes mudanças do país e não trairei este chamado.
O povo brasileiro quer mudanças, quer avançar e quer mais.
É isso que também eu quero.
É isso que vou fazer, com destemor mas com humildade, contando com o apoio desta Casa e com a força do povo brasileiro.
Este ato de posse é, antes de tudo, uma cerimônia de reafirmação e ampliação de compromissos.
É a inauguração de uma nova etapa neste processo histórico de mudanças sociais do Brasil.
Faço questão, também, de renovar, nesta Casa, meu compromisso de defesa permanente e obstinada da Constituição, das leis, das liberdades individuais, dos direitos democráticos, da mais ampla liberdade de expressão e dos direitos humanos.
Queridos brasileiros e brasileiras,
Em meu primeiro mandato, o Brasil alcançou um feito histórico: superamos a extrema pobreza.
Mas, como eu disse -- e sei que é a convicção e a expectativa de todos os brasileiros -, o fim da miséria é apenas um começo.
Agora é a hora de prosseguir com o nosso projeto de novos objetivos.
É hora de melhorar o que está bom, corrigir o que é preciso e fazer o que o povo espera de nós.
Sim, neste momento, ao invés de simplesmente garantir o mínimo necessário, como foi o caso ao longo da nossa história, temos, agora, que lutar para oferecer o máximo possível.
Vamos precisar, governo e sociedade, de paciência, coragem, persistência, equilíbrio e humildade para vencer os obstáculos.
E venceremos esses obstáculos.
O povo brasileiro quer democratizar, cada vez mais, a renda, o conhecimento e o poder.
O povo brasileiro quer educação, saúde, e segurança de mais qualidade.
O povo brasileiro quer ainda mais transparência e mais combate a todos os tipos de crimes, especialmente a corrupção e quer ainda que o braço forte da justiça alcance a todos de forma igualitária.
Eu não tenho medo de encarar estes desafios, até porque sei que não vou enfrentá-los sozinha, não vou enfrentar esta luta sozinha.
Sei que conto com o apoio dos senhores e das senhoras parlamentares, legítimos representantes do povo neste Congresso Nacional.
Sei que conto com o apoio do meu querido vice-presidente Michel Temer, parceiro de todas as horas.
Sei que conto com o esforço dos homens e mulheres do Judiciário.
Sei que conto com o forte apoio da minha base aliada, de cada liderança partidária de nossa base e com os ministros e as ministras que estarão, a partir de hoje, trabalhando ao meu lado pelo Brasil.
Sei que conto com o apoio de cada militante do meu partido, o PT, e da militância de cada partido da base aliada, representados aqui pelo mais destacado militante e maior líder popular da nossa história, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sei que conto com o apoio dos movimentos sociais e dos sindicatos; e sei o quanto estou disposta a mobilizar todo o povo brasileiro nesse esforço para uma nova arrancada do nosso querido Brasil.
Assim como provamos que é possível crescer e distribuir renda, vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos.
Vamos provar que depois de fazermos políticas sociais que surpreenderam o mundo, é possível corrigir eventuais distorções e torná-las ainda melhores.
É inadiável, também, implantarmos práticas políticas mais modernas, éticas e, por isso, mesmo mais saudáveis.
É isso que torna urgente e necessária a reforma política.
Uma reforma profunda que é responsabilidade constitucional desta Casa, mas que deve mobilizar toda a sociedade na busca de novos métodos e novos caminhos para nossa vida democrática.
Reforma política que estimule o povo brasileiro a retomar seu gosto e sua admiração pela política.
Queridas brasileiras e queridos brasileiros,
Neste momento solene de posse é importante que eu detalhe algumas ações e atitudes concretas que vão nortear nosso segundo mandato.
As mudanças que o país espera para os próximos quatro anos dependem muito da estabilidade e da credibilidade da economia.
Isso, para nós todos, não é novidade.
Sempre orientei minhas ações pela convicção sobre o valor da estabilidade econômica, da centralidade do controle da inflação e do imperativo da disciplina fiscal, e a necessidade de conquistar e merecer a confiança dos trabalhadores e dos empresários.
Mesmo em meio a um ambiente internacional de extrema instabilidade e incerteza econômica, o respeito a esses fundamentos econômicos nos permitiu colher resultados positivos.
Em todos os anos do meu primeiro mandato, a inflação permaneceu abaixo do teto da meta e assim vai continuar.
Na economia, temos com o que nos preocupar, mas também temos o que comemorar.
O Brasil é hoje a 7ª economia do mundo, o 2º maior produtor e exportador agrícola, o 3º maior exportador de minérios, o 5º país que mais atrai investimentos estrangeiros, o 7º país em acúmulo de reservas cambiais e o 3º maior usuário de internet.
Além disso, é importante notar que a dívida líquida do setor público é hoje menor do que no início do meu mandato.
As reservas internacionais estão em patamar histórico, na casa dos US$ 370 bilhões.
Os investimentos estrangeiros diretos atingiram, nos últimos anos, volumes recordes.
Mais importante: a taxa de desemprego está nos menores patamares já vivenciados na história de nosso país.
Geramos 5 milhões e 800 mil empregos formais em um período em que o mundo submergia no desemprego.
Porém queremos avançar ainda mais e precisamos fazer mais e melhor!
Por isso, no novo mandato vamos criar, por meio de ação firme e sóbria, firme e sóbria na economia, um ambiente ainda mais favorável aos negócios, à atividade produtiva, ao investimento, à inovação, à competitividade e ao crescimento sustentável.
Combateremos sem trégua a burocracia.
Tudo isso voltado para o que é mais importante e mais prioritário: a manutenção do emprego e a valorização, muito especialmente a valorização do salário mínimo, que continuaremos assegurando.
Mais que ninguém sei que o Brasil precisa voltar a crescer.
Os primeiros passos desta caminhada passam por um ajuste nas contas públicas, um aumento na poupança interna, a ampliação do investimento e a elevação da produtividade da economia.
Faremos isso com o menor sacrifício possível para a população, em especial para os mais necessitados.
Reafirmo meu profundo compromisso com a manutenção de todos os direitos trabalhistas e previdenciários.
Temos consciência que a ampliação e a sustentabilidade das políticas sociais exige equidade e correção permanente de distorções e eventuais excessos.
Vamos, mais uma vez derrotar a falsa tese que afirma existir um conflito entre a estabilidade econômica e o crescimento do investimento social, dos ganhos sociais e do investimento em infraestrutura.
Ao falar dos desafios da nossa economia, faço questão de deixar uma palavra aos milhões de micro e pequenos empreendedores do Brasil.
Em meu primeiro mandato, aprimoramos e universalizamos o Simples e ampliamos a oferta de crédito para os pequenos empreendedores.
Quero, neste novo mandato, avançar ainda mais.
Pretendo encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei criando um mecanismo de transição entre as categorias do Simples e os demais regimes tributários.
Vamos acabar com o abismo tributário que faz os pequenos negócios terem medo de crescer.
E sabemos que, se o pequeno negócio não cresce, o país também não cresce.
Nos dedicaremos, ainda, a ampliar a competitividade do nosso país e de nossas empresas.
Daremos prioridade ao desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da inovação, estimulando e fortalecendo as parcerias entre o setor produtivo e nossos centros de pesquisa e universidades.
Um Brasil mais competitivo está nascendo também, a partir dos maciços investimentos em infraestrutura, energia e logística.
Desde 2007, foram duas edições do Programa de Aceleração do Crescimento -- o PAC-1 e o PAC-2 -, que totalizaram cerca de R$ 1 trilhão e 600 bilhões em investimentos em milhares de kms de rodovias, ferrovias; em obras nos portos, nos terminais hidroviários e nos aeroportos.
Em expansão da geração e da rede de transmissão de energia.
Em obras de saneamento e ligações de energia do Luz para Todos.
Com o Programa de Investimentos em Logística, demos um passo adiante, construímos parcerias com o setor privado, implementando um novo modelo de concessões que acelerou a expansão e permitiu um salto de qualidade de nossa logística.
Asseguramos concessões de aeroportos e de milhares de km de rodovia e a autorização para terminais privados nos portos.
Agora, vamos lançar o 3º PAC, o 3º Programa de Aceleração do Crescimento e o segundo Programa de Investimento em Logística.
Assim, a partir de 2015 iniciaremos a implantação de uma nova carteira de investimento em logística, energia, infraestrutura social e urbana, combinando investimento público e, sobretudo, parcerias privadas.
Vamos aprimorar os modelos de regulação do mercado, garantir que o mercado privado de crédito de longo prazo, por exemplo, se expanda.
Garantir também que haja sustentação para os projetos de financiamento de grande vulto.
Reafirmo ainda meu compromisso de apoiar estados e municípios na tão desejada expansão da infraestrutura de transporte coletivo em nossas cidades.
Está em andamento na realidade uma carteira de R$ 143 bilhões em obras de mobilidade urbana por todo o Brasil.
Assinalo que, neste novo mandato, daremos especial atenção à infraestrutura que vai nos conduzir ao Brasil do futuro: a rede de internet em banda larga.
Em 2014, em um esforço conjunto com este Congresso Nacional, demos ao Brasil uma das legislações mais modernas do mundo na área da internet, o Marco Civil da Internet.
Reitero aqui meu compromisso de, nos próximos quatro anos, promover a universalização do acesso a um serviço de internet em banda larga barato, rápido e seguro.
Quero reafirmar ainda o compromisso de continuar reduzindo os desequilíbrios regionais, impulsionando políticas transversais e projetos estruturantes, especialmente no Nordeste e na região da Amazônia.
Foi decisivo mitigar o impacto desta prolongada seca no semi-árido nordestino, mas mais importante será a conclusão da nova e transformadora infraestrutura de recursos hídricos perenizando mais de 000 km de rios, combinada com o importante investimento social em mais de um milhão de cisternas.
Senhoras e Senhores,
Gostaria de anunciar agora o novo lema do meu governo.
Ele é simples, é direto e é mobilizador.
Reflete com clareza qual será a nossa grande prioridade e sinaliza para qual setor deve convergir o esforço de todas as áreas do governo.
Nosso lema será: BRASIL, PÁTRIA EDUCADORA!
Trata-se de lema com duplo significado.
Ao bradarmos ""BRASIL, PÁTRIA EDUCADORA"" estamos dizendo que a educação será a prioridade das prioridades, mas também que devemos buscar, em todas as ações do governo, um sentido formador, uma prática cidadã, um compromisso de ética e um sentimento republicano.
Só a educação liberta um povo e lhe abre as portas de um futuro próspero.
Democratizar o conhecimento significa universalizar o acesso a um ensino de qualidade em todos os níveis -- da creche à pós-graduação; Significa também levar a todos os segmentos da população -- dos mais marginalizados, aos negros, às mulheres e a todos os brasileiros a educação de qualidade.
Ao longo deste novo mandato, a educação começará a receber volumes mais expressivos de recursos oriundos dos royalties do petróleo e do fundo social do pré-sal.
Assim, à nossa determinação política se somarão mais recursos e mais investimentos.
Vamos continuar expandindo o acesso às creches e pré-escolas garantindo para todos, o cumprimento da meta de universalizar, até 2016, o acesso de todas as crianças de 4 e 5 anos à pré-escola.
Daremos sequência à implantação da alfabetização na idade certa e da educação em tempo integral.
Condição para que a nossa ênfase no ensino médio seja efetiva porque através dela buscaremos, em parceria com os estados, efetivar mudanças curriculares e aprimorar a formação dos professores.
Sabemos que essa é uma área frágil no nosso sistema educacional.
O Pronatec oferecerá, até 2018, 12 milhões de vagas para que nossos jovens, trabalhadores e trabalhadoras tenham mais oportunidades de conquistar melhores empregos e possam contribuir ainda mais para o aumento da competitividade da economia brasileira.
Darei especial atenção ao Pronatec Jovem Aprendiz, que permitirá às micro e pequenas empresas contratarem um jovem para atuar em seu estabelecimento.
Vamos continuar apoiando nossas universidades e estimulando sua aproximação com os setores mais dinâmicos da nossa economia e da nossa sociedade.
O Ciência Sem Fronteiras vai continuar garantindo bolsas de estudo nas melhores universidades do mundo para 100 mil jovens brasileiros.
Queridas e queridos brasileiros e brasileiras.
O Brasil vai continuar como o país líder, no mundo, em políticas sociais transformadoras.
Aos beneficiários do Bolsa Família continuaremos assegurando o acesso às políticas sociais e a novas oportunidades de renda.
Destaque será dado à formação profissional dos beneficiários adultos e à educação das crianças e dos jovens.
Com a terceira fase do Minha Casa, Minha Vida contrataremos mais 3 milhões de novas moradias, que se somam aos 2 milhões de moradias entregues até 2014 e às 1 milhão e 750 mil moradias que estão em construção e que serão entregues neste segundo mandato.
Na saúde, reafirmo nosso compromisso de fortalecer o SUS.
Sem dúvida, a marca mais forte do meu governo, no primeiro mandato, foi a implantação do Mais Médicos, que levou o atendimento básico de saúde a mais de 50 milhões de brasileiros, nas áreas mais vulneráveis do nosso país.
Persistiremos, ampliando as vagas em graduação e em residência médica, para que cada vez mais jovens brasileiros possam se tornar médicos e assegurar atendimento ao povo brasileiro.
Neste segundo mandato, vou implantar o Mais Especialidades para garantir o acesso resolutivo e em tempo oportuno aos pacientes que necessitem de consulta com especialista, exames e os respectivos procedimentos.
Assumo, com todas as brasileiras e brasileiros, o compromisso de redobrar nossos esforços para mudar o quadro da segurança pública em nosso país.
Instalaremos Centros de Comando e Controle em todas as capitais, ampliando a capacidade de ação de nossas polícias e a integração dos órgãos de inteligência e das forças de segurança pública.
Reforçaremos as ações e a nossa presença nas fronteiras para o combate ao tráfico de drogas e de armas com o Programa Estratégico de Fronteiras, realizado em parceria entre as Forças Armadas e as polícias federais, entre o Ministério de Defesa e o Ministério da Justiça.
Vou, sobretudo, propor ao Congresso Nacional alterar a Constituição Federal, para tratar a segurança pública como atividade comum de todos os entes federados, permitindo à União estabelecer diretrizes e normas gerais válidas para todo o território nacional, para induzir políticas uniformes no país e disseminar a adoção de boas práticas na área policial.
Senhoras e senhores,
Investimos muito e em todo o país sem abdicar, um só momento, do nosso compromisso com a sustentabilidade ambiental, a sustentabildiade ambiental do nosso desenvolvimento.
Um dado explicita este compromisso: alcançamos, nos quatro anos de meu primeiro mandato, as quatro menores taxas de desmatamento da Amazônia.
Nos últimos 4 anos, o Congresso Nacional aprovou um novo Código Florestal e implementamos o Cadastro Ambiental Rural, o CAR.
Vamos aprofundar a modernização de nossa legislação ambiental e, já a partir deste ano, nos engajaremos fortemente nas negociações climáticas internacionais para que nossos interesses sejam contemplados no processo de estabelecimento dos parâmetros globais de redução de emissões.
Nossa inserção soberana na política internacional continuará sendo marcada pela defesa da democracia, pelo princípio de não-intervenção e respeito à soberania das nações, pela solução negociada dos conflitos, pela defesa dos Direitos Humanos, e pelo combate à pobreza e às desigualdades, pela preservação do meio ambiente e pelo multilateralismo.
Insistiremos na luta pela reforma dos principais organismos multilaterais, cuja governança hoje não reflete a atual correlação de forças global.
Manteremos a prioridade à América do Sul, América Latina e Caribe, que se traduzirá no empenho em fortalecer o Mercosul, a Unasul e a Comunidade dos Países da América Latina e do Caribe (Celac), sem discriminação de ordem ideológica.
Agradeço, inclusive, a presença de meus queridos colegas e governantes da América Latina aqui presentes.
Da mesma forma será dada ênfase a nossas relações com a África, com os países asiáticos e com o mundo árabe.
Com os Brics, nossos parceiros estratégicos globais -- China, Índia, Rússia e África do Sul --, avançaremos no comércio, na parceria científica e tecnológica, nas ações diplomáticas e na implementação do Banco de Desenvolvimento dos Brics e na implementação também do acordo contingente de reservas.
É de grande relevância aprimorarmos nosso relacionamento com os Estados Unidos, por sua importância econômica, política, científica e tecnológica, sem falar no volume de nosso comércio bilateral.
O mesmo é válido para nossas relações com a União Européia e com o Japão, com os quais temos laços fecundos.
Em 2016, os olhos do mundo estarão mais uma vez voltados para o Brasil, com a realização das Olimpíadas.
Temos certeza que mais uma vez, como aconteceu na Copa, vamos mostrar a capacidade de organização do Brasil e, agora, numa das mais belas cidades do mundo, o nosso Rio de Janeiro.
Amigos e amigas,
Tudo que estamos dizendo, tudo que estamos propondo converge para um grande objetivo: ampliar e fortalecer a democracia, democratizando verdadeiramente o poder.
Democratizar o poder significa lutar pela reforma política, ouvir com atenção a sociedade e os movimentos sociais e buscar a opinião do povo para reforçar a legitimidade das ações do Executivo.
Democratizar o poder significa combater energicamente a corrupção.
A corrupção rouba o poder legítimo do povo.
A corrupção ofende e humilha os trabalhadores, os empresários e os brasileiros honestos e de bem.
A corrupção deve ser extirpada.
O Brasil sabe que jamais compactuei com qualquer ilícito ou malfeito.
Meu governo foi o que mais apoiou o combate à corrupção, por meio da criação de leis mais severas, pela ação incisiva e livre de amarras dos órgãos de controle interno, pela absoluta autonomia da Polícia Federal como instituição de Estado, e pela independência sempre respeitada diante do Ministério Público.
Os governos e a Justiça estarão cumprindo os papéis que se espera deles: se punirem exemplarmente os corruptos e os corruptores.
A luta que vimos empreendendo contra a corrupção e, principalmente, contra a impunidade, ganhará ainda mais força com o pacote de medidas que me comprometi durante a campanha, e me comprometo a submeter à apreciação do Congresso Nacional ainda neste primeiro semestre.
São cinco medidas: transformar em crime e punir com rigor os agentes públicos que enriquecem sem justificativa ou não demonstrem a origem dos seus ganhos; modificar a legislação eleitoral para transformar em crime a prática de caixa 2; criar uma nova espécie de ação judicial que permita o confisco dos bens adquiridos de forma ilícita ou sem comprovação; alterar a legislação para agilizar o julgamento de processos envolvendo o desvio de recursos públicos; e criar uma nova estrutura, a partir de negociação com o Poder Judiciário que dê maior agilidade e eficiência às investigações e processos movidos contra aqueles que têm foro privilegiado.
Em sua essência, essas medidas têm o objetivo de garantir processos e julgamentos mais rápidos e punições mais duras, mas jamais poderão agredir o amplo direito de defesa e o contraditório; jamais poderão significar a condenação prévia sem defesa de inocentes.
Estou propondo um grande pacto nacional contra a corrupção, que envolve todas as esferas de governo e todos os núcleos de poder, tanto no ambiente público como no ambiente privado.
Senhoras e Senhores,
Como fiz na minha diplomação, quero agora me referir a nossa Petrobras, uma empresa com 86 mil empregados dedicados, honestos e sérios, que teve, lamentavelmente, alguns servidores que não souberam honrá-la, sendo atingidos pelo combate à corrupção.
A Petrobras já vinha passando por um vigoroso processo de aprimoramento de gestão.
A realidade atual só faz reforçar nossa determinação de implantar, na Petrobras, a mais eficiente e rigorosa estrutura de governança e controle que uma empresa já teve no Brasil.
A Petrobras é capaz disso e capaz de muito mais.
Ela se tornou a maior empresa do mundo em capacitação técnica para a prospecção de petróleo em águas profundas.
Daí resultou a maior descoberta de petróleo deste início de século -- as jazidas do pré-sal -, cuja exploração, que já é realidade, vai tornar o Brasil um dos maiores produtores de petróleo do planeta.
Temos muitos motivos para preservar e defender a Petrobras de predadores internos e de seus inimigos externos.
Por isso, vamos apurar com rigor tudo de errado que foi feito e fortalecê-la cada vez mais.
Vamos, principalmente, criar mecanismos que evitem que fatos como estes possam voltar a ocorrer.
O saudável empenho da Justiça, de investigar e punir, deve também nos permitir reconhecer que a Petrobras é a empresa mais estratégica para o Brasil e a que mais contrata e investe no país.
Temos, assim, que saber apurar e saber punir, sem enfraquecer a Petrobras, nem diminuir a sua importância para o presente e para o futuro.
Não podemos permitir que a Petrobras seja alvo de um cerco especulativo de interesses contrariados com a adoção do regime de partilha e da política de conteúdo nacional, partilha e política de conteúdo nacional que asseguraram ao nosso povo o controle sobre nossas riquezas petrolíferas.
A Petrobras é maior do que quaisquer crises e, por isso, tem capacidade de superá-las e delas sair mais forte.
Queridos brasileiros e queridas brasileiras,
O Brasil não será sempre um país em desenvolvimento.
Seu destino é ser um país desenvolvido e justo, e é este destino que estamos construindo e buscando cada vez mais, com o esforço de todos, construir.
Uma nação em que todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades: de estudar, trabalhar, viver em condições dignas na cidade ou no campo.
Um país que respeita e preserva o meio ambiente e onde todas as pessoas podem ter os mesmos direitos: à liberdade de informação e de opinião, à cultura, ao consumo, à dignidade, à igualdade independentemente de raça, credo, gênero ou sexualidade.
Dedicarei obstinadamente todos os meus esforços para levar o Brasil a iniciar um novo ciclo histórico de mudanças, de oportunidades e de prosperidade, alicerçado no fortalecimento de uma política econômica estável, sólida, intolerante com a inflação, e que nos leve a retomar uma fase de crescimento robusto e sustentável, com mais qualidade nos serviços públicos.
Assumo aqui um compromisso com o Brasil que produz e com o Brasil que trabalha.
Reafirmo também o meu respeito e a minha confiança no Poder Judiciário, no Congresso Nacional, nos partidos e nos representantes do povo brasileiro.
Reafirmo minha fé na política, na política que transforma para melhor a vida do povo.
Peço aos senhores e às senhoras parlamentares que juntemos as mãos em favor do Brasil, porque a maioria das mudanças que o povo exige tem que nascer aqui, na grande casa do povo.
Meus amigos e minhas amigas,
Já estive algumas vezes um pouco perto da morte e destas situações saí uma pessoa melhor e mais forte.
Sou ex-opositora de um regime de força que provocou em mim dor e me deixou cicatrizes, mas não tenho nenhum revanchismo.
Mas este processo jamais destruiu em mim o sonho de viver num país democrático e a vontade de lutar e de construir este país cada vez melhor.
Por isso, sempre me emociono ao dizer que eu sou uma sobrevivente.
Também enfrentei doenças mas, se me permitem, quero dizer mais: pertenço a uma geração vencedora.
Uma geração que viu a possibilidade da democracia no horizonte e viu ela se realizar.
Essas duas características, elas me aproximam do povo brasileiro -- ele também, um sobrevivente e um vitorioso, que jamais abdica de seus sonhos.
Luta para realizá-los.
Deus colocou em meu peito um coração cheio de amor pela minha pátria.
Antes de tudo, o que a música cantava, um coração valente, não é que a gente não tem medo de nada, a gente controla o medo.
Um coração que dispara no peito com a energia do amor, do sonho e, sobretudo, com a possibilidade de construir um Brasil desenvolvido.
Eu não tenho medo de proclamar para vocês que nós vamos vencer todas as dificuldades, porque temos a chave para vencê-las, vencer todas as dificuldades.
Esta chave pode ser resumida num verso, e esse verso tem, de uma certa forma, sabor de oração, que diz o seguinte: ""O impossível se faz já; só os milagres ficam para depois"".
Muito Obrigada.
Viva o Brasil e viva o povo brasileiro!
Fonte: Agência Câmara de Notícias.
Eu pretendia que esta cerimônia fosse extremamente sóbria e discreta, como convém ao momento que vivemos.
Entretanto, eu vejo o entusiasmo dos colegas parlamentares, dos senhores governadores, e tenho absoluta convicção de que este entusiasmo deriva, precisamente, da longa convivência que nós todos tivemos ao longo do tempo.
Até pensei, num primeiro momento, que não lançaria nenhuma mensagem neste momento.
Mas percebi, pelos contatos que tive nestes dois últimos dias, que indispensável seria esta manifestação.
E minha primeira palavra ao povo brasileiro é a palavra confiança.
Confiança nos valores que formam o caráter de nossa gente, na vitalidade da nossa democracia; confiança na recuperação da economia nacional, nos potenciais do nosso país, em suas instituições sociais e políticas e na capacidade de que, unidos, poderemos enfrentar os desafios deste momento que é de grande dificuldade.
Reitero, como tenho dito ao longo do tempo, que é urgente pacificar a Nação e unificar o Brasil.
É urgente fazermos um governo de salvação nacional.
Partidos políticos, lideranças e entidades organizadas e o povo brasileiro hão de emprestar sua colaboração para tirar o país dessa grave crise em que nos encontramos.
O diálogo é o primeiro passo para enfrentarmos os desafios para avançar e garantir a retomada do crescimento.
Ninguém, absolutamente ninguém, individualmente, tem as melhores receitas para as reformas que precisamos realizar.
Mas nós, governo, Parlamento e sociedade, juntos, vamos encontrá-las.
Eu conservo a absoluta convicção de que é preciso resgatar a credibilidade do Brasil no concerto interno e no concerto internacional, fator necessário para que empresários dos setores industriais, de serviços, do agronegócio, e os trabalhadores, enfim, de todas as áreas produtivas se entusiasmem e retomem, em segurança, com seus investimentos.
Teremos que incentivar, de maneira significativa, as parcerias público-privadas, na medida em que esse instrumento poderá gerar emprego no País.
Sabemos que o Estado não pode tudo fazer.
Depende da atuação dos setores produtivos: empregadores, de um lado, e trabalhadores de outro.
São esses dois polos que irão criar a nossa prosperidade.
Ao Estado compete --vou dizer, aqui, o óbvio--, compete cuidar da segurança, da saúde, da educação, ou seja, dos espaços e setores fundamentais, que não podem sair da órbita pública.
O restante terá que ser compartilhado com a iniciativa privada, aqui entendida como a conjugação de ação entre trabalhadores e empregadores.
O emprego, sabemos todos, é um bem fundamental para os brasileiros.
O cidadão, entretanto, só terá emprego se a indústria, o comércio e as atividades de serviço, estiverem todas caminhando bem.
De outro lado, um projeto que garanta a empregabilidade, exige a aplicação e a consolidação de projetos sociais.
Por sabermos todos, que o Brasil lamentavelmente ainda é um País pobre.
Portanto, reafirmo, e o faço em letras garrafais: vamos manter os programas sociais.
O Bolsa Família, o Pronatec, o Fies, o Prouni, o Minha Casa Minha Vida, entre outros, são projetos que deram certo, e, portanto, terão sua gestão aprimorada.
Aliás, aqui mais do que nunca, nós precisamos acabar com um hábito que existe no Brasil, em que assumindo outrem o governo, você tem que excluir o que foi feito.
Ao contrário, você tem que prestigiar aquilo que deu certo, completá-los, aprimorá-los e insertar outros programas que sejam úteis para o País.
Eu expresso, portanto, nosso compromisso com essas reformas.
Mas eu quero fazer uma observação.
É que nenhuma dessas reformas alterará os direitos adquiridos pelos cidadãos brasileiros.
Como menos fosse sê-lo-ia pela minha formação democrática e pela minha formação jurídica.
Quando me pedirem para fazer alguma coisa, eu farei como Dutra, o que é diz o livrinho? O livrinho é a Constituição Federal.
Nós temos de organizar as bases do futuro.
Muitas matérias estão em tramitação no Congresso Nacional, eu até não iria falar viu, mas como todo mundo está prestando atenção, eu vou dar toda uma programação aqui.
As reformas fundamentais serão fruto de um desdobramento ao longo do tempo.
Uma delas, eu tenho empenho e terei empenho nisso, porque eu tenho nela, é a revisão do pacto federativo.
Estados e municípios precisam ganhar autonomia verdadeira sobre a égide de uma federação real, não sendo uma federação artificial, como vemos atualmente.
A força da União, nós temos que colocar isso na nossa cabeça, deriva da força dos estados e municípios.
Há matérias, meus amigos, controvertidas, como a reforma trabalhista e a previdenciária.
A modificação que queremos fazer, tem como objetivo, e só se este objetivo for cumprido é que elas serão levadas adiante, mas tem como objetivo o pagamento das aposentadorias e a geração de emprego.
Para garantir o pagamento, portanto.
Tem como garantia a busca da sustentabilidade para assegurar o futuro.
Esta agenda, difícil, complicada, não é fácil, ela será balizada, de um lado pelo diálogo e de outro pela conjugação de esforços.
Ou seja, quando editarmos uma norma referente a essas matérias, será pela compreensão da sociedade brasileira.
E, para isso, é que nós queremos uma base parlamentar sólida, que nos permita conversar com a classe política e também com a sociedade.
Executivo e legislativo precisam trabalhar em harmonia e de forma integrada.
Até porque no Congresso Nacional é que estão representadas todas as correntes da opinião da sociedade brasileira, não é apenas no executivo.
Lá no Congresso Nacional estão todos os votos de todos os brasileiros.
Portanto, nós temos que governar em conjunto.
Então, nós vamos precisar muito da governabilidade e a governabilidade exige --além do que eu chamo de governança que é o apoio da classe política no Congresso Nacional-- precisam também de governabilidade, que é o apoio do povo.
O povo precisa colaborar e aplaudir as medidas que venhamos a tomar.
E nesse sentido a classe política unida ao povo conduzirá ao crescimento do País.
Todos os nossos esforços estarão centrados na melhoria dos processos administrativos, o que demandará maior eficácia da governança pública.
A moral pública será permanentemente buscada por meio dos instrumentos de controle e apuração de desvios.
Nesse contexto, tomo a liberdade de dizer que a Lava Jato tornou-se referência e como tal, deve ter (falha no áudio) e proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la.
O Brasil, meus amigos, vive hoje sua pior crise econômica.
São 11 milhões de desempregados, inflação de dois dígitos, déficit quase de R$ 100 bilhões, recessão e também grave a situação caótica da saúde pública.
Nosso maior desafio é estancar o processo de queda livre na atividade econômica, que tem levado ao aumento do desemprego e a perda do bem-estar da população.
Para isso, é imprescindível, reconstruirmos os fundamentos da economia brasileira.
E melhorarmos significativamente o ambiente de negócios para o setor privado.
De forma que ele possa retomar sua rotação natural de investir, de produzir e gerar emprego e renda.
De imediato, precisamos também restaurar o equilíbrio das contas públicas, trazendo a evolução do endividamento no setor público de volta ao patamar de sustentabilidade ao longo do tempo.
Quanto mais cedo formos capazes de reequilibrar as contas públicas, mais rápido conseguiremos retomar o crescimento.
A primeira medida, na linha dessa redução, está, ainda que modestamente, aqui representada, já eliminamos vários ministérios da máquina pública.
E, ao mesmo tempo, nós não vamos parar por aí.
Já estão encomendados estudos para eliminar cargos comissionados e funções gratificadas.
Sabidamente funções gratificadas desnecessárias.
Sabidamente, na casa de milhares e milhares de funções comissionadas.
Eu quero, também, para tranquilizar o mercado, dizer que serão mantidas todas as garantias que a direção do Banco Central hoje desfruta para fortalecer sua atuação como condutora da política monetária e fiscal.
É preciso, meus amigos, e aqui eu percebo que eu fico dizendo umas obviedades, umas trivialidades, mas que são necessárias porque, ao longo do tempo, eu percebo como as pessoas vão se esquecendo de certos conceitos fundamentais da vida pública e da vida no Estado.
Então, quando eu digo ""é preciso dar eficiência aos gastos públicos"", coisa que não tem merecido maior preocupação do Estado brasileiro, nós todos estamos de acordo com isso.
Nós precisamos atingir aquilo que eu chamo de ""democracia da eficiência"".
Porque se, no passado, nós tivemos, por força da Constituição, um período da democracia liberal, quando os direitos liberais foram exercitados amplamente.
Se, ao depois, ainda ancorado na Constituição, nós tivemos o desfrute dos chamados direitos sociais, que são previstos na Constituição, num dado momento aqueles que ascenderam ao primeiro patamar da classe média, começaram a exigir eficiência, eficiência do serviço público e eficiência nos serviços privados.
E é por isso que hoje nós estamos na fase da democracia da eficiência, com o que eu quero contar com o trabalho dos senhores ministros, do Parlamento e de todo o povo brasileiro.
Eu quero também remover -- pelo menos nós faremos um esforço extraordinário para isto --a incerteza introduzida pela inflação dos últimos anos.
Inflação alta -- vai mais uma trivialidade --atrapalha o crescimento, desorganiza a atividade produtiva e turva o horizonte de planejamento dos agentes econômicos.
E sabe quem sofre as primeiras consequências dessa inflação alta? É a classe trabalhadora e os segmentos menos protegidos da sociedade, é que pagam a parte mais pesada dessa conta.
Nós todos sabemos que, há um bom tempo, o mundo está de olho no Brasil.
Os investidores acompanham, com grande interesse, as mudanças no nosso país.
Havendo condições adequadas --e nós vamos produzi-las--, a resposta será rápida, pois é grande a quantidade de recursos disponíveis no mercado internacional e até internamente, e ainda maior as potencialidades no nosso País.
E com base no diálogo, nós adotaremos políticas adequadas para incentivar a indústria, o comércio, os serviços e os trabalhadores.
E a agricultura, tanto a familiar quanto o agronegócio.
Precisamos prestigiar a agricultura familiar, que é quase um microempreendimento na área da agricultura, especialmente apoiando e incentivando os micros, pequenos e médios empresários.
Além de modernizar o País, estaremos realizando o maior objetivo do governo: reduzir o desemprego.
Que há de ser, os senhores percebem, estou repetindo esse fato porque eu tenho tido -- e os senhores todos têm tido -, contato em todas as partes do País, com famílias desempregadas.
E nós vemos o desespero desses brasileiros, que contam com um País com potencialidades extraordinárias e que não consegue levar adiante uma política econômica geradora de empregos para todos os brasileiros.
Quero falar um pouco sobre a atuação nas linhas interna e externa do Brasil.
E esses princípios estão consagrados na Constituição de [19]88, senador Mauro Benevides, que nós ajudamos a redigir, não é? Eu indico, porque esses preceitos indicam caminho natural para definição das linhas da atuação interna e externa do Brasil.
Os senhores veem que eu insisto muito no tema da Constituição porque, ao meu modo de ver, toda vez que nós nos desviamos dos padrões jurídicos, e o Direito existe, exata e precisamente, para regular as relações sociais, quando nós nos desviamos as (incompreensível) dos limites do Direito, nós criamos a instabilidade social e a instabilidade política.
Por isto eu insisto sempre em invocação do texto constitucional.
Muito bem, nesta Constituição, a independência nacional, a defesa da paz e da solução pacífica de conflitos, o respeito à autodeterminação dos povos, a igualdade entre os estados, a não-intervenção, a centralidade dos direitos humanos e o repúdio ao racismo e ao terrorismo, dentre outros princípios, são valores profundos da nossa sociedade.
E traça uma imagem de um País pacífico e ciente dos direitos e deveres estabelecidos pela nossa Constituição.
São, meus amigos, esses elementos de consenso que nos permite estabelecer bases sólidas para a política externa que volte a representar os valores e interesses permanentes no nosso País.
A recuperação do prestígio do País e da confiança em seu futuro serão tarefas iniciais e decisivas para o fortalecimento da inserção internacional da nossa economia.
Agora em agosto o Brasil estará no centro do mundo com a realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro.
Bilhões de pessoas assistirão jogos, jornalistas de vários países estarão presentes para reportar o país-sede das competições.
Muito além dos esportes, sabemos disso, as pautas se voltaram para as condições políticas e econômicas do País.
Tão cedo não voltaremos oportunidade como esta de atrair a atenção de tanta gente, ao mesmo tempo, em todos os cantos do mundo.
Nesta tarde de quinta-feira, porém, e desde já pedindo desculpas pelo possível, para usar um refrão, pelo possível alongado da exposição, eu quero dizer, reiterar, que a minha intenção era realizar essa cerimônia, digamos assim, com a maior sobriedade possível.
Estamos fazendo porque, sem embargo do entusiasmo de todos os senhores, todos nós compreendemos o momento difícil, delicado, ingrato que estamos todos passando.
Por isso, nessa tarde de quinta-feira não é momento para celebrações, mas para uma profunda reflexão: é o presente e o futuro que nos desafiam e não podemos olhar para frente com os olhos de ontem.
Olhamos com olhos no presente e olhos no futuro.
Faço questão, e espero que sirva de exemplo, e declarar meu absoluto respeito institucional à senhora presidente Dilma Rousseff.
Não discuto aqui as razões pelas quais foi afastada.
Quero apenas sublinhar a importância do respeito às instituições e a observância à liturgia nas questões, no trato das questões institucionais.
É uma coisa que nós temos que recuperar no nosso País.
Uma certa cerimônia não pessoal, mas uma cerimônia institucional, uma cerimônia em que as palavras não sejam propagadoras do mal-estar entre os brasileiros, mas, ao contrário, que sejam propagadoras da pacificação, da paz, da harmonia, da solidariedade, da moderação, do equilíbrio entre todos os brasileiros.
Tudo o que disse, meus amigos, faz parte de um ideário que ofereço ao País, não em busca da unanimidade, o que é impossível, mas como início de diálogo com busca de entendimento.
Farei muitos outros pronunciamentos.
E meus ministros também. Meus ministros é exagerado, são ministros do governo.
O presidente não tem vice-presidente, não tem ministro, quem tem ministro é o governo.
Então, os ministros do governo farão manifestações nesse sentido, sempre no exercício infatigável de encontrar soluções negociadas para os nossos problemas.
Temos pouco tempo, mas se nos esforçarmos, é o suficiente para fazer as reformas que o Brasil precisa.
E aí, meus amigos, eu quero dizer, mais uma vez, da importância dessa harmonia entre os Poderes, em primeiro lugar.
Em segundo lugar, a determinação, na própria Constituição -- e eu a cumprirei -- no sentido de que cada órgão do Poder tem as suas tarefas: o Executivo executa, o Legislativo legisla, o Judiciário julga.
Ninguém pode interferir em um ou outro poder por uma razão singela: a Constituição diz que os poderes são independentes e harmônicos entre si.
Ora, bem, nós não somos os donos do poder, nós somos exercentes do poder.
O poder, está definido na Constituição, é do povo.
Quando o povo cria o Estado, ele nos dá uma ordem: ""Olha aqui, vocês, que vão ocupar os poderes, exerçam-no com harmonia porque são órgãos exercentes de funções"".
Ora, quando há uma desarmonia, o que há é uma desobediência à soberania popular, portanto há uma inconstitucionalidade.
E isso nós não queremos jamais permitir que se pratique.
Dizia aos senhores que a partir de agora nós não podemos mais falar em crise.
Trabalharemos.
Aliás, há pouco tempo, eu passava por um posto de gasolina, na Castelo Branco, e o sujeito botou uma placa lá: ""Não fale em crise, trabalhe"".
Eu quero ver até se consigo espalhar essa frase em 10, 20 milhões de outdoors por todo o Brasil, porque isso cria também um clima de harmonia, de interesse, de otimismo, não é verdade? Então, não vamos falar em crise, vamos trabalhar.
O nosso lema -- que não é um lema de hoje -, o nosso lema é Ordem e Progresso.
A expressão da nossa bandeira não poderia ser mais atual, como se hoje tivesse sido redigida.
Finalmente, meus amigos, fundado num critério de alta religiosidade.
E vocês sabem que religião vem do latim religio, religare, portanto, você, quando é religioso, você está fazendo uma religação.
E o que nós queremos fazer agora, com o Brasil, é um ato religioso, é um ato de religação de toda a sociedade brasileira com os valores fundamentais do nosso País.
Por isso que eu peço a Deus que abençoe a todos nós: a mim, à minha equipe, aos congressistas, aos membros do Poder Judiciário e ao povo brasileiro, para estarmos sempre à altura dos grandes desafios que temos pela frente.
Meu muito obrigado e um bom Brasil para todos nós.
Senhoras e Senhores,
Com humildade, volto a esta Casa, onde, por 28 anos, me empenhei em servir à nação brasileira, travei grandes embates e acumulei experiências e aprendizados, que me deram a oportunidade de crescer e amadurecer.
Volto a esta Casa, não mais como deputado, mas como Presidente da República Federativa do Brasil, mandato a mim confiado pela vontade soberana do povo brasileiro.
Hoje, aqui estou, fortalecido, emocionado e profundamente agradecido, a Deus pela minha vida e aos brasileiros, por confiarem a mim a honrosa missão de governar o Brasil, neste período de grandes desafios e, ao mesmo tempo, de enorme esperança.
Aproveito este momento solene e convoco, cada um dos Congressistas, para me ajudarem na missão de restaurar e de reerguer nossa Pátria, libertando-a, definitivamente, do jugo da corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica.
Temos, diante de nós, uma oportunidade única de reconstruir nosso país e de resgatar a esperança dos nossos compatriotas.
Estou certo de que enfrentaremos enormes desafios, mas, se tivermos a sabedoria de ouvir a voz do povo, alcançaremos êxito em nossos objetivos, e, pelo exemplo e pelo trabalho, levaremos as futuras gerações a nos seguir nesta tarefa gloriosa.
Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores.
O Brasil voltará a ser um país livre de amarras ideológicas.
Pretendo partilhar o poder, de forma progressiva, responsável e consciente, de Brasília para o Brasil; do Poder Central para Estados e Municípios.
Minha campanha eleitoral atendeu ao chamado das ruas e forjou o compromisso de colocar o Brasil acima de tudo, e Deus acima de todos.
Por isso, quando os inimigos da pátria, da ordem e da liberdade tentaram pôr fim à minha vida, milhões de brasileiros foram às ruas.
Uma campanha eleitoral transformou-se em um movimento cívico, cobriu-se de verde e amarelo, tornou-se espontâneo, forte e indestrutível, e nos trouxe até aqui.
Nada aconteceria sem o esforço e o engajamento de cada um dos brasileiros que tomaram as ruas para preservar nossa liberdade e democracia.
Reafirmo meu compromisso de construir uma sociedade sem discriminação ou divisão.
Daqui em diante, nos pautaremos pela vontade soberana daqueles brasileiros: que querem boas escolas, capazes de preparar seus filhos para o mercado de trabalho e não para a militância política; que sonham com a liberdade de ir e vir, sem serem vitimados pelo crime; que desejam conquistar, pelo mérito, bons empregos e sustentar com dignidade suas famílias; que exigem saúde, educação, infraestrutura e saneamento básico, em respeito aos direitos e garantias fundamentais da nossa Constituição.
O Pavilhão Nacional nos remete à "ORDEM E AO PROGRESSO".
Nenhuma sociedade se desenvolve sem respeitar esses preceitos.
O cidadão de bem merece dispor de meios para se defender, respeitando o referendo de 2005, quando optou, nas urnas, pelo direito à legítima defesa.
Vamos honrar e valorizar aqueles que sacrificam suas vidas em nome de nossa segurança e da segurança dos nossos familiares.
Contamos com o apoio do Congresso Nacional para dar o respaldo jurídico aos policiais para realizarem seu trabalho.
Eles merecem e devem ser respeitados!
Nossas Forças Armadas terão as condições necessárias para cumprir sua missão constitucional de defesa da soberania, do território nacional e das instituições democráticas, mantendo suas capacidades dissuasórias para resguardar nossa soberania e proteger nossas fronteiras.
Montamos nossa equipe de forma técnica, sem o tradicional viés político que tornou nosso estado ineficiente e corrupto.
Vamos valorizar o Parlamento, resgatando a legitimidade e a credibilidade do Congresso Nacional.
Na economia traremos a marca da confiança, do interesse nacional, do livre mercado e da eficiência.
Confiança no compromisso de que o governo não gastará mais do que arrecada e na garantia de que as regras, os contratos e as propriedades serão respeitados.
Realizaremos reformas estruturantes, que serão essenciais para a saúde financeira e sustentabilidade das contas públicas, transformando o cenário econômico e abrindo novas oportunidades.
Precisamos criar um ciclo virtuoso para a economia que traga a confiança necessária para permitir abrir nossos mercados para o comércio internacional, estimulando a competição, a produtividade e a eficácia, sem o viés ideológico.
Nesse processo de recuperação do crescimento, o setor agropecuário seguirá desempenhando um papel decisivo, em perfeita harmonia com a preservação do meio ambiente.
Da mesma forma, todo setor produtivo terá um aumento da eficiência, com menos regulamentação e burocracia.
Esses desafios só serão resolvidos mediante um verdadeiro pacto nacional entre a sociedade e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, na busca de novos caminhos para um novo Brasil.
Uma de minhas prioridades é proteger e revigorar a democracia brasileira, trabalhando arduamente para que ela deixe de ser apenas uma promessa formal e distante e passe a ser um componente substancial e tangível da vida política brasileira, com o respeito ao Estado Democrático.
A construção de uma nação mais justa e desenvolvida requer a ruptura com práticas que se mostraram nefastas para todos nós, maculando a classe política e atrasando o progresso.
A irresponsabilidade nos conduziu à maior crise ética, moral e econômica de nossa história.
Hoje começamos um trabalho árduo para que o Brasil inicie um novo capítulo de sua história.
Um capítulo no qual o Brasil será visto como um país forte, pujante, confiante e ousado.
A política externa retomará seu papel na defesa da soberania, na construção da grandeza e no fomento ao desenvolvimento do Brasil.
Senhoras e Senhores Congressistas,
Deixo esta casa, rumo ao Palácio do Planalto, com a missão de representar o povo brasileiro.
Com a benção de Deus, o apoio da minha família e a força do povo brasileiro, trabalharei incansavelmente para que o Brasil se encontre com o seu destino e se torne a grande nação que todos queremos.
Muito obrigado a todos vocês.
BRASIL ACIMA DE TUDO!
DEUS ACIMA DE TODOS!
Excelentíssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional Rodrigo Pacheco,
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Arthur Lira,
Excelentíssima Senhora Presidenta do Supremo Tribunal Federal, Ministra Rosa Weber,
Meu querido companheiro, Vice-Presidente da República, Geraldo Alkimin,
Senhoras e Senhores Chefe de Estado e de Governo que nos prestigiam,
Senhor Primeiro Secretário da mesa da Câmara dos Deputados, Deputado Luciano Bivar,
Senhor Procurador-Geral da República, Augusto Aaras,
Minha querida companheira e esposa, Janja,
Nossa querida companheira de esposa de Geraldo Alkmin, Lu Alkimin,
Meu querido companheiro, José Sarney, Presidente da República,
Minha querida companheira, Dilma Roussef, Presidenta da República,
Senhores Parlamentares,
Senhoras e Senhores Chefes de Delegações estrangeiras,
Meus amigos e minhas amigas.
Pela terceira vez compareço a este Congresso Nacional para agradecer ao povo brasileiro o voto de confiança que recebemos.
Renovo o juramento de fidelidade à Constituição da República, junto com o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ministros que conosco vão trabalhar pelo Brasil.
Se estamos aqui, hoje, é graças à consciência política da sociedade brasileira e à frente democrática que formamos ao longo desta histórica campanha eleitoral.
Foi a democracia a grande vitoriosa nesta eleição, superando a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu; as mais violentas ameaças à liberdade do voto, a mais abjeta campanha de mentiras e de ódio tramada para manipular e constranger o eleitorado.
Nunca os recursos do estado foram tão desvirtuados em proveito de um projeto autoritário de poder.
Nunca a máquina pública foi tão desencaminhada dos controles republicanos.
Nunca os eleitores foram tão constrangidos pelo poder econômico e por mentiras disseminadas em escala industrial.
Apesar de tudo, a decisão das urnas prevaleceu, graças a um sistema eleitoral internacionalmente reconhecido por sua eficácia na captação e apuração dos votos.
Foi fundamental a atitude corajosa do Poder Judiciário, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral, para fazer prevalecer a verdade das urnas sobre a violência de seus detratores.
Queridos amigos e amigas,
Ao retornar a este plenário da Câmara dos Deputados, onde participei da Assembleia Constituinte de 1988, recordo com emoção os embates que travamos aqui, democraticamente, para inscrever na Constituição o mais amplo conjunto de direitos sociais, individuais e coletivos, em benefício da população e da soberania nacional.
Vinte anos atrás, quando fui eleito presidente pela primeira vez, ao lado do companheiro vice-presidente José Alencar, iniciei o discurso de posse com a palavra "mudança".
A mudança que pretendíamos era simplesmente concretizar os preceitos constitucionais.
A começar pelo direito à vida digna, sem fome, com acesso ao emprego, saúde e educação.
Disse, naquela ocasião, que a missão de minha vida estaria cumprida quando cada brasileiro e brasileira pudesse fazer três refeições por dia.
Ter de repetir este compromisso no dia de hoje -- diante do avanço da miséria e do regresso da fome, que havíamos superado -- é o mais grave sintoma da devastação que se impôs ao país nos anos recentes.
Hoje, nossa mensagem ao Brasil é de esperança e reconstrução.
O grande edifício de direitos, de soberania e de desenvolvimento que esta Nação levantou, a partir de 1988, vinha sendo sistematicamente demolido nos anos recentes.
É para reerguer este edifício de direitos e valores nacionais que vamos dirigir todos os nossos esforços.
SENHORAS E SENHORES,
Em 2002, dizíamos que a esperança tinha vencido o medo, no sentido de superar os temores diante da inédita eleição de um representante da classe trabalhadora para presidir os destinos do país.
Em oito anos de governo deixamos claro que os temores eram infundados.
Do contrário, não estaríamos aqui novamente.
Ficou demonstrado que um representante da classe trabalhadora podia, sim, dialogar com a sociedade para promover o crescimento econômico de forma sustentável e em benefício de todos, especialmente dos mais necessitados.
Ficou demonstrado que era possível, sim, governar este país com a mais ampla participação social, incluindo os trabalhadores e os mais pobres no orçamento e nas decisões de governo.
Ao longo desta campanha eleitoral vi a esperança brilhar nos olhos de um povo sofrido, em decorrência da destruição de políticas públicas que promoviam a cidadania, os direitos essenciais, a saúde e a educação.
Vi o sonho de uma Pátria generosa, que ofereça oportunidades a seus filhos e filhas, em que a solidariedade ativa seja mais forte que o individualismo cego.
O diagnóstico que recebemos do Gabinete de Transição de Governo é estarrecedor.
Esvaziaram os recursos da Saúde.
Desmontaram a Educação, a Cultura, a Ciência e Tecnologia.
Destruíram a proteção ao Meio Ambiente.
Não deixaram recursos para a merenda escolar, a vacinação, a segurança pública, a proteção às florestas, a assistência social.
Desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo.
Dilapidaram as estatais e os bancos públicos; entregaram o patrimônio nacional.
Os recursos do país foram rapinados para saciar a estupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas.
É sobre estas terríveis ruínas que assumo o compromisso de, junto com o povo brasileiro, reconstruir o país e fazer novamente um Brasil de todos e para todos.
SENHORAS E SENHORES,
Diante do desastre orçamentário que recebemos, apresentamos ao Congresso Nacional propostas que nos permitam apoiar a imensa camada da população que necessita do Estado para, simplesmente, sobreviver.
Agradeço à Câmara e ao Senado pela sensibilidade frente às urgências do povo brasileiro.
Registro a atitude extremamente responsável do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União frente às situações que distorciam a harmonia dos poderes.
Assim fiz porque não seria justo nem correto pedir paciência a quem tem fome.
Nenhuma nação se ergueu nem poderá se erguer sobre a miséria de seu povo.
Os direitos e interesses da população, o fortalecimento da democracia e a retomada da soberania nacional serão os pilares de nosso governo.
Este compromisso começa pela garantia de um Programa Bolsa Família renovado, mais forte e mais justo, para atender a quem mais necessita.
Nossas primeiras ações visam a resgatar da fome 33 milhões de pessoas e resgatar da pobreza mais de 100 milhões de brasileiras e brasileiros, que suportaram a mais dura carga do projeto de destruição nacional que hoje se encerra.
SENHORAS E SENHORES,
Este processo eleitoral também foi caracterizado pelo contraste entre distintas visões de mundo.
A nossa, centrada na solidariedade e na participação política e social para a definição democrática dos destinos do país.
A outra, no individualismo, na negação da política, na destruição do Estado em nome de supostas liberdades individuais.
A liberdade que sempre defendemos é a de viver com dignidade, com pleno direito de expressão, manifestação e organização.
A liberdade que eles pregam é a de oprimir o vulnerável, massacrar o oponente e impor a lei do mais forte acima das leis da civilização.
O nome disso é barbárie.
Compreendi, desde o início da jornada, que deveria ser candidato por uma frente mais ampla do que o campo político em que me formei, mantendo o firme compromisso com minhas origens.
Esta frente se consolidou para impedir o retorno do autoritarismo ao país.
A partir de hoje, a Lei de Acesso à Informação voltará a ser cumprida, o Portal da Transparência voltará a cumprir seu papel, os controles republicanos voltarão a ser exercidos para defender o interesse público.
Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a Nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei.
Quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal.
O mandato que recebemos, frente a adversários inspirados no fascismo, será defendido com os poderes que a Constituição confere à democracia.
Ao ódio, responderemos com amor.
À mentira, com a verdade.
Ao terror e à violência, responderemos com a Lei e suas mais duras consequências.
Sob os ventos da redemocratização, dizíamos: ditadura nunca mais! Hoje, depois do terrível desafio que superamos, devemos dizer: democracia para sempre!
Para confirmar estas palavras, teremos de reconstruir em bases sólidas a democracia em nosso país.
A democracia será defendida pelo povo na medida em que garantir a todos e a todas os direitos inscritos na Constituição.
SENHORAS E SENHORES,
Hoje mesmo estou assinando medidas para reorganizar as estruturas do Poder Executivo, de modo que voltem a permitir o funcionamento do governo de maneira racional, republicana e democrática.
Para resgatar o papel das instituições do estado, bancos públicos e empresas estatais no desenvolvimento do país.
Para planejar os investimentos públicos e privados na direção de um crescimento econômico sustentável, ambientalmente e socialmente.
Em diálogo com os 27 governadores, vamos definir prioridades para retomar obras irresponsavelmente paralisadas, que são mais de 14 mil no país.
Vamos retomar o Minha Casa Minha Vida e estruturar um novo PAC para gerar empregos na velocidade que o Brasil requer.
Buscaremos financiamento e cooperação -- nacional e internacional -- para o investimento, para dinamizar e expandir o mercado interno de consumo, desenvolver o comércio, exportações, serviços, agricultura e a indústria.
Os bancos públicos, especialmente o BNDES, e as empresas indutoras do crescimento e inovação, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo.
Ao mesmo tempo, vamos impulsionar as pequenas e médias empresas, potencialmente as maiores geradoras de emprego e renda, o empreendedorismo, o cooperativismo e a economia criativa.
A roda da economia vai voltar a girar e o consumo popular terá papel central neste processo.
Vamos retomar a política de valorização permanente do salário-mínimo.
E estejam certos de que vamos acabar, mais uma vez, com a vergonhosa fila do INSS, outra injustiça restabelecida nestes tempos de destruição.
Vamos dialogar, de forma tripartite -- governo, centrais sindicais e empresariais -- sobre uma nova legislação trabalhista.
Garantir a liberdade de empreender, ao lado da proteção social, é um grande desafio nos tempos de hoje.
SENHORAS E SENHORES,
O Brasil é grande demais para renunciar a seu potencial produtivo.
Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites.
Temos capacidade técnica, capitais e mercado em grau suficiente para retomar a industrialização e a oferta de serviços em nível competitivo.
O Brasil pode e deve figurar na primeira linha da economia global.
Caberá ao estado articular a transição digital e trazer a indústria brasileira para o Século XXI, com uma política industrial que apoie a inovação, estimule a cooperação público-privada, fortaleça a ciência e a tecnologia e garanta acesso a financiamentos com custos adequados.
O futuro pertencerá a quem investir na indústria do conhecimento, que será objeto de uma estratégia nacional, planejada em diálogo com o setor produtivo, centros de pesquisa e universidades, junto com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, os bancos públicos, estatais e agências de fomento à pesquisa.
Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental, a partir da criatividade da bioeconomia e dos empreendimentos da socio-biodiversidade.
Vamos iniciar a transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, uma agricultura familiar mais forte, uma indústria mais verde.
Nossa meta é alcançar desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica, além de estimular o reaproveitamento de pastagens degradadas.
O Brasil não precisa desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola.
Incentivaremos, sim, a prosperidade na terra.
Liberdade e oportunidade de criar, plantar e colher continuará sendo nosso objetivo.
O que não podemos admitir é que seja uma terra sem lei.
Não vamos tolerar a violência contra os pequenos, o desmatamento e a degradação do ambiente, que tanto mal já fizeram ao país.
Esta é uma das razões, não a única, da criação do Ministério dos Povos Indígenas.
Ninguém conhece melhor nossas florestas nem é mais capaz de defendê-las do que os que estavam aqui desde tempos imemoriais.
Cada terra demarcada é uma nova área de proteção ambiental.
A estes brasileiros e brasileiras devemos respeito e com eles temos uma dívida histórica.
Vamos revogar todas as injustiças cometidas contra os povos indígenas.
Queridos amigos e amigas,
Uma nação não se mede apenas por estatísticas, por mais impressionantes que sejam.
Assim como um ser humano, uma nação se expressa verdadeiramente pela alma de seu povo.
A alma do Brasil reside na diversidade inigualável da nossa gente e das nossas manifestações culturais.
Estamos refundando o Ministério da Cultura, com a ambição de retomar mais intensamente as políticas de incentivo e de acesso aos bens culturais, interrompidas pelo obscurantismo nos últimos anos.
Uma política cultural democrática não pode temer a crítica nem eleger favoritos.
Que brotem todas as flores e sejam colhidos todos os frutos da nossa criatividade.
Que todos possam dela usufruir, sem censura nem discriminações.
Não é admissível que negros e pardos continuem sendo a maioria pobre e oprimida de um país construído com o suor e o sangue de seus ascendentes africanos.
Criamos o Ministério da Promoção da Igualdade Racial para ampliar a política de cotas nas universidades e no serviço público, além de retomar as políticas voltadas para o povo negro e pardo na saúde, educação e cultura.
É inadmissível que as mulheres recebam menos que os homens, realizando a mesma função.
Que não sejam reconhecidas em um mundo político machista.
Que sejam assediadas impunemente nas ruas e no trabalho.
Que sejam vítimas da violência dentro e fora de casa.
Estamos refundando também o Ministério das Mulheres para demolir este castelo secular de desigualdade e preconceito.
Não existirá verdadeira justiça num país em que um só ser humano seja injustiçado.
Caberá ao Ministério dos Direitos Humanos zelar e agir para que cada cidadão e cidadã tenha seus direitos respeitados, no acesso aos serviços públicos e particulares, na proteção frente ao preconceito ou diante da autoridade pública.
Cidadania é o outro nome da democracia.
O Ministério da Justiça e da Segurança Pública atuará para harmonizar os Poderes e entes federados no objetivo de promover a paz onde ela é mais urgente: nas comunidades pobres, no seio das famílias vulneráveis ao crime organizado, às milícias e à violência, venha ela de onde vier.
Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras.
O Brasil não quer mais armas; quer paz e segurança para seu povo.
Sob a proteção de Deus, inauguro este mandato reafirmando que no Brasil a fé pode estar presente em todas as moradas, nos diversos templos, igrejas e cultos.
Neste país todos poderão exercer livremente sua religiosidade.
SENHORAS E SENHORES,
O período que se encerra foi marcado por uma das maiores tragédias da história: a pandemia de Covid- Em nenhum outro país a quantidade de vítimas fatais foi tão alta proporcionalmente à população quanto no Brasil, um dos países mais preparados para enfrentar emergências sanitárias, graças à competência do nosso Sistema Único de Saúde.
Este paradoxo só se explica pela atitude criminosa de um governo negacionista, obscurantista e insensível à vida.
As responsabilidades por este genocídio hão de ser apuradas e não devem ficar impunes.
O que nos cabe, no momento, é prestar solidariedade aos familiares, pais, órfãos, irmãos e irmãs de quase 700 mil vítimas da pandemia.
O SUS é provavelmente a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 19 Certamente por isso foi a mais perseguida desde então, e foi, também, a mais prejudicada por uma estupidez chamada Teto de Gastos, que haveremos de revogar.
Vamos recompor os orçamentos da Saúde para garantir a assistência básica, a Farmácia Popular, promover o acesso à medicina especializada.
Vamos recompor os orçamentos da Educação, investir em mais universidades, no ensino técnico, na universalização do acesso à internet, na ampliação das creches e no ensino público em tempo integral.
Este é o investimento que verdadeiramente levará ao desenvolvimento do país.
O modelo que propomos, aprovado nas urnas, exige, sim, compromisso com a responsabilidade, a credibilidade e a previsibilidade; e disso não vamos abrir mão.
Foi com realismo orçamentário, fiscal e monetário, buscando a estabilidade, controlando a inflação e respeitando contratos que governamos este país.
Não podemos fazer diferente.
Teremos de fazer melhor.
SENHORAS E SENHORES,
Os olhos do mundo estiveram voltados para o Brasil nestas eleições.
O mundo espera que o Brasil volte a ser um líder no enfrentamento à crise climática e um exemplo de país social e ambientalmente responsável, capaz de promover o crescimento econômico com distribuição de renda, combater a fome e a pobreza, dentro do processo democrático.
Nosso protagonismo se concretizará pela retomada da integração sul-americana, a partir do Mercosul, da revitalização da Unasul e demais instâncias de articulação soberana da região.
Sobre esta base poderemos reconstruir o diálogo altivo e ativo com os Estados Unidos, a Comunidade Europeia, a China, os países do Oriente e outros atores globais; fortalecendo os BRICS, a cooperação com os países da África e rompendo o isolamento a que o país foi relegado.
O Brasil tem de ser dono de si mesmo, dono de seu destino.
Tem de voltar a ser um país soberano.
Somos responsáveis pela maior parte da Amazônia e por vastos biomas, grandes aquíferos, jazidas de minérios, petróleo e fontes de energia limpa.
Com soberania e responsabilidade seremos respeitados para compartilhar essa grandeza com a humanidade -- solidariamente, jamais com subordinação.
A relevância da eleição no Brasil refere-se, por fim, às ameaças que o modelo democrático vem enfrentando.
Ao redor do planeta, articula-se uma onda de extremismo autoritário que dissemina o ódio e a mentira por meios tecnológicos que não se submetem a controles transparentes.
Defendemos a plena liberdade de expressão, cientes de que é urgente criarmos instâncias democráticas de acesso à informação confiável e de responsabilização dos meios pelos quais o veneno do ódio e da mentira são inoculados.
Este é um desafio civilizatório, da mesma forma que a superação das guerras, da crise climática, da fome e da desigualdade no planeta.
Reafirmo, para o Brasil e para o mundo, a convicção de que a Política, em seu mais elevado sentido -- e apesar de todas as suas limitações -- é o melhor caminho para o diálogo entre interesses divergentes, para a construção pacífica de consensos.
Negar a política, desvalorizá-la e criminalizá-la é o caminho das tiranias.
Minha mais importante missão, a partir de hoje, será honrar a confiança recebida e corresponder às esperanças de um povo sofrido, que jamais perdeu a fé no futuro nem em sua capacidade de superar os desafios.
Com a força do povo e as bênçãos de Deus, haveremos der reconstruir este país.
Viva a democracia!
Viva o povo brasileiro!
Muito obrigado.