<DOC>
<DOCNO>FSP940120-063</DOCNO>
<DOCID>FSP940120-063</DOCID>
<DATE>940120</DATE>
<TEXT>
LIBERATO CABOCLO
Encontra-se tramitando no Congresso um projeto visando a aprovação de um novo produto, ainda designado pela sua fórmula molecular, Fluoreto Hidrogenado de Carbono (FHC2), cuja ação principal seria a extinção da inflação, graças à sua capacidade de deslocar cargas elétricas (efeito paulada). Este composto ainda não tem a sua fórmula estrutural definida, podendo-se admitir duas hipóteses. Na primeira, as três valências do carbono seriam coligadas sobrando uma para o Fluor (F) e outra para o Hidrogênio (H). O químico liberal Roberto Campos acredita que esta seja realmente a configuração final do produto, daí não acreditar na sua eficiência.
O fabricante quis contemplar todas as expectativas dos consumidores e acabou propondo um fármaco pouco potente. Com efeito, se considerarmos o produto na sua configuração espacial, observamos que teremos três valências com a mesma possibilidade. Dependendo da rotação, a valência de esquerda ou a da direita poderão assumir o plano frontal. A valência do centro ficará protegida pela neutralização mútua das valências extremas (F-C - C-H). Tem razão o professor Campos.
A ciência já demonstrou que embora as substâncias se apresentem na forma racêmica (combinação dextrógira e levógira), apenas uma das variantes tem eficácia. O professor Campos só acredita nas formas dextrógiras (da direita), embora seja obrigado a reconhecer que os aminoácidos que formam as proteínas, essência da vida, se orientem sempre para a esquerda. Um outro grupo de químicos do Congresso não acredita que a fórmula FHC2 seja a definitiva.
Acredita-se que, na ausência de patentes, o fabricante só apresentaria a composição definitiva em abril. Suspeita-se que o elemento oculto seja o fósforo radioativo bivalente, também chamado de Fósforo Presidencial (Pr 94). O 94 é o número na escala periódica dos elementos. Hoje sabemos que o composto foi desenvolvido em duas fases. Na primeira traablhou-se sobre o átomo do primeiro carbono. Foi numa época em que toda a ciência química política defendia os compostos levógiros (esquerda) e que estes deveriam incluir elementos que pudessem dar estabilidade pelo efeito de massa.
Desta forma, houve-se por bem ligar o primeiro carbono ao fluor, elemento indispensável ao metabolismo dos dentes, numa demonstração inequívoca que o produto destinado a combater a inflação deveria erradicar de saída a fome, a desnutrição. Mas os anos se passaram e o projeto ficou sem recursos políticos, aguardando apoio num Senado embolorado. Foi quando a revista "Nature" publicou uma reportagem acabando com a teoria da memória da água. A partir daí, os fabricantes do FHC2 recolheram os frascos empoeirados e publicaram um artigo de revisão-esqueçam tudo o que fizemos! Partiram para um novo produto.
Surgiu a idéia de um novo carbono, capaz de obter estabilidade do composto com novas ligações. Depois de alguma discussão, optou-se pelo hidrogênio, que embora na terra represente menos de 1% da massa, no universo corresponde a 75% de tudo que existe, portanto, extremamente apropriado para formulações estratosféricas. O composto na realidade tem incoerência químico-política flagrantes. Tenta-se concentrar muita carga no núcleo. Pretende-se retirar 15% da energia das órbitas periféricas para aumentar o poder do núcleo, segundo uma teoria inicialmente desmentida, mas agora amplamente confirmada, a tal formulação do "núcleo de poder".
Este núcleo de poder, que contraria frontalmente as postulações da fase do 1.º carbono, consiste no seguinte –por manipulações sucessivas deixou-se no núcleo prótons de dois tipos: a) Prótons, Sem Desempenho (eleitoral) Balisável (PSDB) são os que realmente dariam expressão ao núcleo; b) Prótons Mais Decorativos e Beneméritos (PMDB), na realidade agiriam como neutrons. Não teriam função específica, agindo apenas pelo efeito de massa.
Como os prótons do tipo PMDB escaparam do controle, voltou-se a usar partícula de aspecto elegante, até hoje desconhecida, obtida junto a um Consórcio Universal de Phótons –Photon Universal Complex (PUC). Assim, o núcleo voltou a ter a configuração habitual de prótons e neutrons. A dúvida que fica é por que não se alivia a carga do núcleo? Por quê?
Usa-se e abusa-se de desperdício de energia no núcleo e pretende-se diminuir o número de elétrons nas órbitas periféricas. É um contra-senso. Mesmo porque estas órbitas já ficaram subsaturadas pela perda de energia imposta e cada vez mais imposta pelo núcleo. O que todo mundo teme é que, com a incorporação do fósforo presidencial (Pr 94), o núcleo distribua a energia recolhida privilegiando certas órbitas preferenciais.
Para convencer os congressistas, o produtor terá que dar mostra de uma corajosa diminuição de carga no núcleo e de nenhum favorecimento a qualquer órbita, ou seja, deixar ao Congresso a alocação dos elétrons, a partir do fundo de carga. Quanto à memória, a água pode não ter, mas a massa jamais a perdeu. Seria prudente se contemplar mais a configuração levógira (esquerda)! Do contrário poderá voltar a fazer sucesso a marchinha: eu não sou água para me tratares assim. Só na hora da sede é que procuras por mim. A fonte secou.
LIBERATO CABLOCO, 55, é deputado federal pelo PDT de São Paulo e presidente do partido no Estado.
</TEXT>
</DOC>