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Artista defende modernismo e importância da teoria
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor do Mais!
Tunga é um dos mais –ou possivelmente o mais polêmico dos artistas brasileiros contemporâneos. Paraibano - carioca, 42 anos, mostra seus trabalhos com frequência nos Estados e na Europa e é acolhido pela imprensa especializada internacional. Sua participação na Bienal Internacional de São Paulo em 87 teve enorme repercussão e seu nome tornou-se um ponto de referência para a arte das novas gerações no Brasil. Nesta "fax-entrevista" ele reafirma a vitalidade da tradição moderna, defende a teoria na arte e recorre com frequência a seu habitual humor, com uma ponta de nonsense.
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Folha - Você se definiria como "contemporâneo" ou pós-moderno?
Tunga - Não creio que o modelo moderno tenha sido suplantado. Moribundo ou dodói, o seu vigor é intenso. "Contemporâneo" como problema, porque a descrição do tempo a partir de Santo Agostinho continua a inquietar, impregnando de mistério a precariedade da linguagem frente a tão mimoso problema.
Folha - Os museus, anteriormente instâncias de consagração de artistas com uma carreira já realizada, assumem cada vez mais o papel de lançadores de jovens artistas. Você acredita que isto contribua para uma certa desorganização de referências e hierarquias no meio da arte?
Tunga - Os museus de outros tempos eram templos depositários dos botins pilhados por culturas hegemônicas. Hoje são os agentes mesmos da pilhagem e o botim tornou-se a imposição de valores por eles criados a culturas pretensamente subjugadas. Dentro deste programa é natural que se tornem agentes transformadores de crianças prodígios em escleróticas precoces.
Folha - Que utilidade você vê nas bienais e grandes feiras de arte? Elas ainda são pontos de referência para alguém?
Tunga - Algumas são agradáveis.
Folha - Quem é hoje o grande inimigo da arte?
Tunga - Há tendências de ver no chamado "sistema de arte" um inimigo. Isto me lembra um trecho de Antonin Artaud: "Os verdadeiros toxicômanos não se abastecem em farmácias"... Já outra vertente pretende ver nas teorias da arte o inimigo. Sabemos que sem teorias a Pinta, a Nina e a Santa Maria não se teriam feito ao mar. É a teoria que sustenta a livre decisão. E assim também na arte: sabemos, como Musil, que jamais houve uma grande arte sem teoria. Acredito simplesmente que o inimigo da arte, bem como seu maior aliado, seja a própria arte.
Folha - Quais são hoje em sua opinião os pontos de tensão que o trabalho do artista pode criar? Ainda há limites a serem tensionados ou rompidos?
Tunga - "Ruptura" e "tensão" mostram que a migração de noções em diferentes campos de conhecimento pode ser extremamente positiva para a arte. Frente a eventos não antes observados impõem-se novos conceitos, logo nova teoria. Talvez estejamos no momento de rever a vigência de certas noções, reenfrentando nas recentes produções da arte as suas radicais experiências frente ao abismo do não-saber.
Folha - O mercado de arte no Brasil é uma piada?
Tunga - O mecanismo dos chistes já rendeu casos mais interessantes. Tratar uma piada com seriedade não é deixar de rir, mas rir por último talvez. O mercado de arte no Brasil é um segredo de polichinelo.
Folha - Que críticos e artistas você apontaria hoje como de interesse para seu trabalho e o da arte em geral?
Tunga - Acho que muitos artistas se impuseram a disciplina de converter as coisas em linguagem. Esta disponibilidade frente às coisas tornou-se a marca do espírito moderno. É mais importante para a arte o contato com outras fontes do que beber sua própria água com o risco de torná-la mais uma disciplina especializada.
Folha - A que você atribui o interesse de instituições internacionais em relação a artistas como você, Jac Leiner, Cildo Meireles etc?
Tunga - Ao proporcional desinteresse das instituições brasileiras por estes mesmos artistas.
Folha - Você acha que há uma contemporaneidade brasileira no meio da arte, que tenha representação internacional e ao mesmo tempo organicidade em relação ao ambiente brasileiro?
Tunga - Sim. Tá lá o Hélio Oiticica que não nos deixa mentir.
Folha - Como você vê uma certa tendência "multiculturalista" de dividir a arte em departamentos ligados a este ou aquele grupo: arte feminina, arte gay, arte do Terceiro Mundo etc?
Tunga - É extremamente oportuno no atual desespero de busca de identidades preservar à sombra um mormaço para as pretensas singularidades. Nestes coqueiros que não dão cocos eu não amarro a minha rede.
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