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<DOCNO>FSP940301-144</DOCNO>
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<DATE>940301</DATE>
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Eu quero agradecer a presença, nesta tarde, aqui conosco, dos ministros que aqui se encontram. Ministro Barelli, ministro Élcio Álvares, ministro Arnaldo, o secretário Mauro Durant, ministro Mauro Durant, ministro Cutolo, ministro Stepanenko, ministro Canhim, advogado geral da União, que aqui nos honram com a sua presença, dr. Quintão, srs. secretários, srs. presidentes de federações governamentais, senhoras e senhores.
Eu disse há alguns meses que eu considerava que a inflação e a miséria eram os dois grandes problemas que afligiam o povo brasileiro. Nós hoje estamos dando mais um passo nesta guerra contra a inflação, para que isso nos permita continuar a combater a miséria e para que nós possamos ter um êxito nessa dupla luta contra esses dois males. Os brasileiros, todos sabem, têm assistido, que não é fácil. Nós estamos vindo de décadas de um comportamento inflacionário, no qual houve uma imensa concentração de renda, comportamento inflacionário que levou aqueles que não tinham a capacidade econômica de proteger seus haveres, seus ganhos, seus salários, colocando-os na moeda remunerada, mas que estavam desabrigados de qualquer defesa e que no dia-a-dia mal conseguiam fazer frente às suas necessidades. Esse comportamento que se cristalizou no Brasil precisava ser rompido e precisa ser rompido. Este é um processo, é uma luta. É uma luta que tem que ser uma luta de todos nós. Fomos dando os passos iniciais no governo do presidente Itamar Franco, que com muita determinação, resolveu que ao invés de cruzar os braços e ao invés de se preocupar simplesmente com a conjuntura e com aquilo que pode afligir um governo, que por sua própria natureza é passageiro e não dispõe de um grande período de tempo, tomou outro rumo, resolveu enfrentar pela raiz essas questões.
E nós diagnosticamos esses dois males, a miséria e a inflação, e nós os estamos atacando. Ao ministro da Fazenda e aos ministros das áreas econômicas cabe a responsabilidade principal, sempre dentro das diretrizes do governo e do presidente da República, no combate à inflação. Mas isso não quer dizer que esses mesmos ministros, ao lado de outros da área social, possam desinteressar-se do combate à fome, à pobreza, ao desemprego e à miséria. É um processo convergente. No front de luta direto da área econômica, nós lutamos por refazer o orçamento da República em 93 e 94. Não vou entrar em detalhes, por uma razão muito simples. Se o governo gasta mais do que ele ganha, mais do que ele recolhe de impostos, ele ó obrigado a emitir títulos, a pedir dinheiro emprestado, a pagar juros altos e ele então passa a ser o principal alimentador da ciranda financeira, que mantém o país em estado de perplexidade, vendo uma grande expansão da massa dos financiamentos a juros elevados e não sendo o governo capaz de fazer frente às suas necessidades, as mais elementares.
Foi uma batalha dura e nós não a fizemos se não que com a parceria do Congresso. O Congresso é fundamental nessa luta, o governo não pode se queixar. Com as dificuldades normais desses processos, o Congresso nos deu os instrumentos para o combate à inflação, iniciando pelo orçamento. Refizemos o orçamento com enormes sacrifícios dos congressistas, dos ministros, que foram solidários. Não é nada fácil cortar despesas quando já se parte de um patamar muito apertado. Agora, nós já temos condições de dizer que o Brasil está entrando num regime de equilíbrio fiscal, nós podemos dar um outro passo.
É esse passo que está sendo dado a partir de amanhã, cujas diretrizes foram assinadas pelo presidente da República e publicadas no "Diário Oficial" de hoje. Passo tão difícil quanto os anteriores, mas aqui não buscamos o caminho da facilidade. Nós anunciamos cada etapa e mesmo antecipamos as etapas seguintes, sabendo muitas vezes que ao antecipar criaríamos obstáculos e reações. Mas esses ministros que aqui estão, o presidente da República e os que aqui não estão porque não puderam vir ou não são das áreas diretamente concernidas, não têm medo de obstáculo e preferem dizer que há obstáculo, lutar, negociar, tentar vencer do que esconder. E também não querem fazer nenhuma mágica. Não somos ilusionistas. Não fizemos o caminho de primeiro dar aquilo que a todos agradaria, que seria a queda abrupta da inflação, eventualmente com congelamento. Eventualmente congelamento sempre significa também congelamento de salário, começa pelos preços e pelos salários, termina só no salário. Não foi esse o nosso caminho.
Nós achamos que é preciso que haja um outro caminho no Brasil. Um caminho no quel o país no seu conjunto assuma solidariamente a tarefa de lutar contra a inflação, para que nós possamos, também juntos, lutar contra a pobreza e a miséria. Daqui por diante, esse programa do governo Itamar Franco ou é um programa do país, não é para um partido, não é para um candidato, não é para uma facção, não é para uma classe, é para o país e a própria cidadania tome em suas mãos a responsabilidade de continuar esse combate ou não há programa.
O Congresso foi solidário em algumas decisões. Vamos precisar dele de novo. Precisamos que o Congresso não se esqueça de promulgar o Fundo Social de Emergência, que é componente vital do programa de equilíbrio das finanças públicas. Precisamos da solidariedade do Congresso, da compreensão do momento para que nós possamos levar adiante as novas medidas, que estão começando a ser tomadas agora.
O importante é que nós não perdemos a rota. E nós temos sido fiéis àquilo que anunciamos. Há dificuldades. Quem não percebe? Quem nega isso? Certamente não os ministros, certamente não o presidente. Mas, nós decidimos enfrentá-las.
Terminada a etapa de reformulação dos orçamentos, nós temos que entrar agora no grande diálogo nacional. E ao enfrentar o grande diálogo nacional, nós estamos propondo ao Brasil uma referência mais estável, estável, firme de valor. Qual é o brasileiro hoje que sabe o preço relativo? Quanto custa um sapato? Quanto custa uma bicicleta? Quanto custa uma televisão? Quanto custa um automóvel? Nem mesmo uma casa. Passamos a recorrer a moedas estrangeiras para ter alguma idéia do valor relativo. O nosso pobre cruzeiro, chamado real, ia se dismilinguindo em nossas mãos, virava sorvete, desaparece. Nós precisamos nos reacostumar a que os preços têm que estar estabelecidos, duradouramente, numa certa unidade de conta, por isso estamos criando a Unidade Real de Valor.
Esta URV hoje é parte do sistema monetário. Esta Unidade Real de Valor vai servir de base fundamental para aferir tanto o preço quanto o salário. Tanto o preço da mercadoria quanto o salário e isso é uma novidade muito importante. Até hoje, nunca nenhum governo deu ao trabalhador, ao assalariado, a garantia no ponto de partida que o dinheiro que ele pensa que recebe no dia 1º do mês vai ter a mesma capacidade de compra no momento em que ele recebe de fato no fim do mês. Agora terá. Agora, o salário cem, fixado em cem no dia 1º de março vai ser recebido no dia 1º de abril com o mesmo valor de 100 URV. No dia 1º de março, se fosse o salário mínimo, ele valeria cerca de CR$ 55 mil. Quando chegar no dia 1º de abril ele vai valer CR$ 58 e qualquer coisa, não vai perder a capacidade de compra.
O aposentado, que recebe num espaço de tempo, aquele que recebe no 10º dia, 12º dia do mês, que realmente quando recebia o dinheiro, o salário mínimo que fosse, pensando que era cem, na verdade quando chegava lá isso já era 80 e mais no fim do mês 60. Agora não. Agora o aposentado que recebia no 12º dia do mês, se a inflação for de 40%, toda inflação entra no salário dele e se ele tiver salário mínimo de CR$ 55 mil, quando chegar no 12º dia útil, que ele vai receber, ele vai receber CR$ 7O mil. Por quê? Porque o salário está referido à Unidade Real de Valor.
E os preços? O país inteiro clama e o ministro também, contra a especulação, o abuso dos oligopólios, daqueles que não querem entender que o momento hoje não é o de espoliar ainda mais esse povo, é o de apoiar um programa decente, limpo, claro. Por que nós não fizemos a URV para os preços? Porque nós não queremos dar aos preços a garantia que damos aos salários. Hoje, o assalariado está com uma couraça protetora, que é a URV. Se o preço sobe –eu espero que não suba– e vou ver, vou ver, os que têm abusado da paciência desse povo. Pois bem, pois bem, quando subirem, se subirem os preços automaticamente sobem os salários. Por quê? Porque a URV é medida por três índices de preço e, portanto, automaticamente qualquer subida passa para os preços. Mas, nós não vamos congelar, porque isso não resolve. Isso somente serve para açular ainda mais a gana daqueles que querem ganhar no mercado negro, daqueles que vão jogar pelo desabastecimento. Não haverá congelamento, porque isso não funciona para com o povo. Haverá a crença em que, na competição, ou os preços baixam ou não encontram quem compre. E quando o preço for de monopólio ou de oligopólio encontrará pela frente o governo instrumentado para uma negociação muito firme, que os levem a compreender que nesse momento de transição nós precisamos da união de todos.
Não são palavras, o Brasil cansou. O Brasil cansou de mágica, cansou da exploração. O governo do presidente Itamar Franco, que se manifestou sempre com sensibilidade social sabe que o crescimento econômico é importante. Nós não estamos fazendo um programa para recessão. Nós estamos fazendo um programa para o equilíbrio. Não se faz equilíbrio com desemprego. Existem normas, na própria medida provisória, que tornam mais difícil a dispensa injustificada. Mas nós queremos que, ao invés de pensar em dispensa, se pense em mais do que isso, se pense em emprego, se pense no aumento de oportunidades.
Este programa vai permitir, em breve tempo, um investimento mais seguro, mais firme. As Bolsas são um exemplo disso. Nós não tomamos aqui nenhuma medida que venha a prejudicar o investidor, pelo contrário, nós queremos investidor. Queremos investidor daqui e de fora. Queremos que realmente haja uma geração de oportunidades. Queremos mais empregos. E nós não vamos descuidar tampouco dos programas específicos como o da fome, como disse aqui, do problema de emprego.
Nós estamos mostrando a cara do Brasil na sua realidade. Nossa moeda nova vai se chamar real. Esse processo, esse programa é um programa realista. Nós não estamos oferecendo ilusões. Então descobrimos, ou melhor, realçamos talvez, algumas injustiças que já existem e que vão deixar este país ainda mais ansioso por resolvê-las. Estamos dando um passo. Vamos buscar caminhos que melhorem a base da sociedade. Neste momento, o ministro da Fazenda, o que ele está fazendo, não é uma política salarial, até porque há outros ministros que farão a política salarial. Ele está simplesmente fazendo uma conversão de moeda e fazendo de modo que dento do possível e assim é, é possível, os gráficos estão aí à disposição de todos, que o governo faça isso garantindo os salários, a renda real.
Então, tenho certeza, que quando chegar o momento dos outros passos, da transformação da URV em real, em moeda de circulação livre no país, vamos fazer do mesmo modo, como fizemos até agora. Faremos isso anunciando, pré-anunciando, não nos desviando dos objetivos, negociando. Não creio que jamais tenha havido um programa de estabilização tão aberto quanto este.
Quando foi oportuno e possível conversei com as lideranças sindicais, praticamente todas as centrais sindicais. Aqui estiveram neste Ministério os mais importantes líderes, o Jair Meneghelli, o Vicentinho, o Medeiros, o Pegado, o Urbano, da Contag, o Neto, nunca me furtei a conversar, a mostrar os dados, a pedir sugestões, a dizer que o governo estava e está aberto, mas quer saídas, não quer impasses, porque o Brasil não pode esperar que simplesmente se paralise tudo porque há uma reivindicação que momentaneamente não possa ser atendida.
Fizemos a mesma coisa com o Congresso, quando abrimos totalmente o orçamento para o Congresso. Faremos a mesma coisa com toda a sociedade. Esta fase da Unidade Real de Valor é uma fase na qual os contratos vão se acomodar livremente. Nós só regulamos o que era necessário regular. Quando definimos uma regra de conversão dos salários foi para proteger o assalariado.
Quem compra faremos a mesma coisa. Daremos um espaço à negociação, negociação de aluguéis, negociação das mensalidades escolares, dos planos de saúde. Esperamos que a sociedade se acomode. Quando o contrato for escrito em URV –e a partir de 15 de março todos os contratos novos terão de sê-lo– a partir desse momento o contrato vale por um ano, sem reajuste, é estável em URV. Quando for renegociado, repactuado livremente pela sociedade, aplica-se a mesma regra. É um momento de grande negociação na sociedade brasileira até que se veja que está madura para a definição da nova moeda. Eu sou perguntado todos os dias pela imprensa, e eu preciso da imprensa escrita, falada, televisiva, para que o povo entenda o programa, todos os dias eu sou perguntado quando é que vem o real. Ele virá quando o povo quiser. Ele virá quando o país estiver amadurecido e sentir que entendeu as regras, que já não vamos fazer nenhuma injustiça aqui e ali e que é o momento de passar para o real. Se nós fizéssemos já a transformação, uns estariam ganhando muito, outros poucos, porque não teria havido essa acomodação. E aquilo que no momento parecia pico, vira vale no momento seguinte porque os preços podem subir e arrebentam o plano. Por isso não fizemos.
A idéia de que é preciso ajustar pelas médias é para proteger a possibilidade da manutenção de um programa e para que essa média seja piso na negociação seguinte. Nós não estamos congelando o salário de ninguém. Está livre a negociação. Está livre a negociação e eu acredito que nós temos que aprender todos a negociar cada vez mais. Daqui para a frente o assalariado, o funcionário público, ao qual demos uma data base 1º de janeiro, vai ter que discutir ajustes em termos reais. Não se trata mais de recuperar a perda, a perda está automaticamente recuperada pela URV. Daqui por diante é corrigir injustiças. É acertar as injustiças e é trabalhar mais, é aumentar a produtividade. É ganhar mais. É fazer o Brasil crescer, porque o Brasil tem condição e vai crescer.
E quando vier o real, ele será a expressão desse novo país. Um país que, como eu disse aqui nesta sala no meu discurso de posse, tem que voltar a ter dignidade, tem que acreditar em si, não tem que ter uma moeda que se derrete, tem que ter uma pataca, uma moeda forte, firme, com a qual ele vai pagar o trabalho daqueles que suaram o tempo todo, que não vão mais ser iludidos por um ganho que desaparece.
Daqui para a frente o trabalho vai ser muito grande, mas eu tenho confiança. Tenho muita confiança. Essa confiança eu a tenho, porque eusinto no povo, com todas as dificuldades, com todas as agruras, o povo avança firme, negocia, discute. Eu sinto no governo. Esse governo é democrático, eu nunca vi talvez um governo tão democrático. A característica do presidente da República, Itamar Franco, é essa. Ele ouve. Ouve muito, permite que se acomodem as divergências. Não pode haver governo onde um só fale, nem o presidente e muito menos um ministro qualquer. Todos nós temos o nosso direito, nosso dever de opinar. Uma vez decidido, está decidido e cumpra-se.
Essa é a democracia. Democracia é muita discussão, é consenso e força solidária para que as coisas avancem, esse é o nosso caso. E vão avançar, e vão avançar. Eu vou terminar dizendo que, embora este ano, talvez por suas peculiaridades históricas de eleições, seja um ano difícil para a estabilização econômica, quem sabe por isso mesmo, num país cansado de tanta corrupção, num país cansado de tanta falta de que os responsáveis assumam riscos, decidam e sejam firmes, talvez por isso mesmo, tenha chegado a hora de, efetivamente, nós estabilizarmos a economia. E que não haja um processo político interferindo nas decisões nacionais. Político sim, mas partidário não, candidaturas não podem interferir nas decisões. Ou nós acreditamos realmente que há ainda espírito patriótico, vocação de servir, isto vale tanto para os civis como para os militares, aqui estão civis e militares, que discutimos dentro de critérios democráricos e decidimos juntos. Ou nós acreditamos que é assim ou então seria grave. Mas nós acreditamos. Nós acreditamos. Nós temos certeza de que é assim. Nós temos certeza de que não haverá ganância eleitoreira capaz de destruir o rumo econômico. Nós acreditamos que o Congresso é sensível, como foi ao clamor das ruas, e as ruas não querem clientelismo, as ruas não querem o dinheiro jogado em coisas desnecessárias para fins eleitorais. As ruas não querem que o ministro diga sim àquilo que deve ser recusado porque não é bom para o país. As ruas querem outra coisa. As ruas querem o que elas já são, gente simples, decente, que trabalha, que acredita. Dentro do possível os ministros que aqui estão fazem um grande esforço na mesma direção. E nós somos assim. Podemos errar aqui e ali, mas no conjunto, o próprio presidente da República estimula essa atitude. No conjunto nós nem temos a convicção de que só nós temos a verdade, nem somos pessoas que não lutamos por nossas convicções. Não somos dados a mordomias, somos dados ao trabalho, como todo o povo brasileiro.
Esse programa é feito para ser positivo, afirmativo para os que trabalham, não para os que ganham na usura, não para os que especulam, não para os que fazem os ganhos de monopólio, não para aqueles que não têm preocupação com o seu semelhante, não para quem não tem solidariedade, não para quem não acredita que este país tem condições de acabar com a fome e a miséria, mas é feito precisamente para se a estabilização puder servir e vai servir, ela há de servir é para aumentar o crescimento, desenvolver mais o país e dar um ganha-pão justo e honrado a todos os brasileiros. Muito obrigado.
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