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<DATE>940509</DATE>
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Para procurador-geral de Justiça do Rio, investigação da lista do bicho não atingiu central da corrupção
RONI LIMA
Da Sucursal do Rio
O procurador-geral de Justiça do Rio, Antônio Carlos Biscaia, termina a primeira etapa de investigação da lista do jogo do bicho convencido de que não atingiu a central da corrupção.
Para ele, hoje está claro –como a Folha já publicara em 7 de de abril– que na "fortaleza" do bicheiro Castor de Andrade foram apreendidos documentos de apenas um setor da corrupção.
Biscaia afirma que ainda não conseguiu provas que evidenciam a ligação do bicho com o tráfico internacional de drogas e sai em defesa do governador Nilo Batista (PDT).
Ele diz acreditar que Batista não recebeu propina do bicho. Biscaia denunciou 63 pessoas à Justiça comum e, esta semana, denunciará pelo menos 61 oficiais da PM à Justiça Militar.
A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha:
Folha - Afirmava-se no início que os documentos apreendidos faziam parte de um esquema central de corrupção do jogo do bicho. Não seriam apenas de um setor do jogo?
Antonio Carlos Biscaia - A nossa constatação é a de que o escritório do Castor centralizava um setor. Então não temos dúvida de que existem pelo menos mais dois escritórios desses, na Baixada e em Niterói.
Alguns políticos ficaram de fora (da lista) talvez até por sorte, porque seus nomes estariam em outro escritório centralizador. Mas agora vai ficar mais difícil, porque os bicheiros tomaram cautelas para que isso não ocorra mais.
Folha - O que houve?
Biscaia - Não vou adiantar, mas vamos comprovar que houve uma ordem geral de inutilização de outros centros de documentação. Então os políticos e as outras pessoas que estavam nas outras centrais devem estar aliviados.
Folha - Não há dúvida quanto ao pagamento a políticos, como o prefeito do Rio, César Maia, e o governador Nilo Batista?
Biscaia - Em nenhum momento afirmei que esses políticos tivessem recebido. Eu disse que constam as anotações. Até assinalei, especialmente nas eleições majoritárias, que um candidato a governador ou a prefeito não tem controle de todos os setores que trabalham em sua campanha.
É possível que em alguns casos os cabos eleitorais e outras pessoas da campanha tenham recebido propinas, ajuda para a campanha, sem que o candidato majoritário tivesse conhecimento. É possível.
Folha - Mas uma coisa é um bicheiro doar US$ 5 mil para uma campanha. Se ele doou US$ 50 mil ou US$ 100 mil não vai querer saber se o destinatário recebeu o dinheiro?
Biscaia - Nesse caso, pelo valor elevado, é mais provável que ele tivesse tido conhecimento. Mas é lógico que se o dinheiro foi entregue para um intermediário, o "banqueiro" do bicho queria comprometer mesmo o candidato.
Mesmo que o dinheiro tivesse sido entregue a outro, ele lançava lá o nome do destinatário final de campanha, até para comprometer. Porque ele queria alguém que fosse simpático, que não perseguisse o jogo do bicho.
Folha - O governador Nilo Batista foi denunciado à Justiça Eleitoral, acusado de receber dinheiro do bicho. Moralmente não é insustentável sua permanência à frente do governo?
Biscaia - Com relação ao governador Nilo Batista só dou minha opinião pessoal. Não acredito que ele tenha recebido pessoalmente. Ele admitiu que intermediou um encontro para o Betinho e os registros apontam que durante a campanha houve também colaboração.
Folha - O que existe sobre a relação do jogo do bicho com o tráfico? Existem acusações de que os bicheiros não traficam propriamente, mas financiam esta atividade criminosa.
Biscaia - Temos indícios e precisamos aprofundar várias linhas de investigação. Catálogos de telefones, indicações de locais, isso consta dos disquetes que já examinei superficialmente.
Quando digo que o bicho está ligado ao tráfico de entorpecentes, não é baseado em provas, é minha convicção. Não é a ponta da linha de atuação do tráfico. É o financiamento da vinda do entorpecente para cá.
E essa minha convicção, além dos indícios, é confirmada pelo fato de que, com toda evidência, aqueles que estão vendendo tóxicos nos morros não têm condições intelectuais, nenhuma, de manter contatos com o exterior. A cocaína não é produzida no Estado do Rio, ela vem de fora.
Folha - O colunista Janio de Freitas publicou que nomes das Forças Armadas apareceram nos documentos apreendidos. Por que não foram denunciados?
Biscaia - Eu desconheço. Eu e os dez a 15 promotores que trabalharam não sabemos exatamente de tudo. Mas pelo meu exame pessoal e informação de algum promotor, não há qualquer referência a integrantes das Forças Armadas.
Folha - Dossiê preparado por bicheiros o acusa de ter exercido ilegalmente, de 88 a 92, cargo de assessor jurídico da empresa Intelco S/A. O sr. estaria impedido de advogar por ser procurador.
Biscaia - Em primeiro lugar, embora não exerça advocacia há 20 anos, quem ingressou no Ministério Público antes de 82 não tem proibição absoluta de advogar. E com relação a essa empresa, prestei assessoria jurídica durante muito tempo sem realizar nenhum ato próprio de advogado.
Não há nenhum processo em que eu tenha funcionado nos muitos anos, nem muito menos parecer, um ato próprio de advogado. Prestei serviço na elaboração de um contrato e tal. Não há qualquer ilegalidade. Tanto não há que declarei "serviços prestados" no Imposto de Renda.
Folha - O mesmo dossiê afirma que sua ex-mulher Tânia registrou queixa de agressão contra o senhor na 19ª DP, em 84. Por que a denúncia foi arquivada?
Biscaia - Ela disse que foi agredida no braço direito e na mão esquerda. Ela foi a exame de corpo de delito e constataram pequena escoriação no cotovelo direito e no joelho esquerdo. Logo depois, ela foiareceu à delegacia e disse que o incidente estava superado. Eu neguei que a tivesse agredido e duas testemunhas também. Diante disso, foi arquivado pelo Tribunal de Justiça.
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