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ANDRÉA FORNES
Editora de Exterior e Ciência
"Cisnes Selvagens" relata a história da China no século 20 através de personagens da família de Jung Chang. As protagonistas são as mulheres.
Nascida em 1909, a avó da autora tornou-se concubina de um general aos 15 anos. A mãe foi líder estudantil e militou na clandestinidade comunista. Jung, representando a terceira geração, pertenceu à Guarda Vermelha e foi a primeira habitante da Província de Sichuan autorizada a estudar no Ocidente desde 1949.
O nome da autora, que dá origem ao título do livro (Er-hong, ou segundo cisne selvagem), foi trocado durante a Revolução Cultural em meados da década de 60 porque na pronúncia de Sichuan poderia soar ofensivo alguém se chamar "vermelho desbotado".
Jung foi habilidosa em combinar relatos históricos e pessoais, inserindo quase que naturalmente cada personagem nos acontecimentos que marcaram o passado recente do país.
O livro abrange o período que vai do Império Manchu (1644-1911) ao massacre da praça Tiananmen (1989), passando pela ocupação japonesa (1931), proclamação da República Popular da China (1949), Revolução Cultural.
Uma visita da mãe em 1988 ao Reino Unido, onde Jung estava morando há dez anos, rendeu 60 horas de fitas gravadas com histórias da família contadas a ela pela primeira vez.
"Quando ela (a mãe) voltou para Chengdu, eu me sentei e deixei minha própria memória aflorar, e as lágrimas não-derramadas me inundaram a mente. Decidi escrever 'Cisnes Selvagens'. O passado deixara de ser doloroso demais para lembrar, porque eu encontrara amor e realização, e portanto tranquilidade", escreve a autora.
Um ano após ter recebido a visita da mãe, Jung partiu para uma viagem à China para ouvir outras histórias e fazer pesquisa. O resultado é o volume de quase 500 páginas (na edição da Companhia das Letras), publicado com sucesso em países como Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Taiwan, mas ainda proibido na China.
As passagens mais dramáticas de "Cisnes Selvagens" estão concentradas no período da Revolução Cultural, quando os pais de Jung começam a ser perseguidos pela radicalização promovida por Mao Tse-tung.
Enquanto a autora se preocupa em destacar o papel de "as três filhas da China", o pai vai lhes roubando a cena a partir da metade do livro e, especialmente, no capítulo intitulado " 'Por favor, aceite minhas desculpas, que chegam com uma vida de atraso' - Meus Pais nos Campos (1969-1972)".
Modelo de homem-burocrata incorruptível, ele chegou a prejudicar a própria família mais de uma vez apenas para provar fidelidade ao camarada Mao.
Quando descobriu, por exemplo, que sua mulher, tuberculosa, estava sendo tratada em um hospital com medicamentos estrangeiros pediu que fosse devolvida pelo menos a metade deles. "Abnegado a ponto de ser considerado tolo". Este é o nome profético que o pai de Jung passou adotar.
A autora foi impecável no trabalho de reconstituição. O livro bem que poderia passar por romance porque é difícil acreditar que ela tenha conseguido colher depoimentos tão minuciosos e detalhistas. Justamente essa qualidade de "ficção-histórica" de "Cisnes Selvagens" é que deve pegar o leitor e evitar que ele desgrude os olhos de suas páginas.
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