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<DOCNO>FSP950117-009</DOCNO>
<DOCID>FSP950117-009</DOCID>
<DATE>950117</DATE>
<CATEGORY>OPINIÃO</CATEGORY>
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A Lei Seca aumentou o consumo de bebida; a informação responsável reduziu o tabagismo
NELSON ASCHER
Na discussão sobre a propaganda do cigarro, tanto Clóvis Rossi quanto Gilberto Dimenstein têm razão. É ruim incentivar um vício prejudicial à saúde, mas também é ruim coibir o direito à informação.
Dimenstein gostaria de ver cerceada a propaganda do cigarro, mas não acredito que isso resulte eficazmente na diminuição de seu consumo. O consumo se reduz não tanto por menos propaganda de seus aspectos positivos –que existem, caso contrário ninguém fumaria: o cigarro dá prazer aos fumantes– quanto por mais informação, sobretudo médica, acerca de seus malefícios.
A Lei Seca aumentou o consumo de bebida nos EUA enquanto a informação séria e responsável reduziu o tabagismo. Cabe informar não menos, mas mais e melhor.
(O caso da Aids é exemplar: a maior arma de que se dispõe contra ela é a informação. As próprias fábricas de camisinha deveriam estar fazendo uma propaganda agressiva acerca dos benefícios profiláticos de seu produto. Numa sociedade aberta, porém, as vozes discordantes têm o direito de serem ouvidas.
Não é direito da Igreja impedir a propaganda alheia, mas ela pode promover –com seus próprios recursos– uma campanha anticamisinha, onde afirme claramente: "O Vaticano adverte: a camisinha é prejudicial à salvação de sua alma". Entre os benefícios da prevenção para a saúde e os malefícios espirituais do pecado, é ao consumidor que caberá escolher).
Então, se como diz Rossi, propaganda é basicamente informação, ela deve assumir suas responsabilidades e, como os bons jornais, divulgar igualmente os dois lados da questão –o que já é feito, mas em escala minúscula, desproporcional, na advertência obrigatória do Ministério da Saúde.
Minha proposta conciliatória é a seguinte: em vez de proibir a propaganda do cigarro, seus fabricantes deveriam investir o mesmo montante em campanhas antitabagistas orientadas pelos meios médicos especializados e realizadas pelas melhores agências publicitárias.
Para cada centavo de propaganda, os fabricantes investiriam um centavo em anúncios sobre os danos do cigarro à saúde; para cada outdoor, outro outdoor; para cada anúncio de TV, outro anúncio de TV.
O ônus recairia sobre o consumidor que, além de financiar o problema, financiaria também sua possível solução. Os fabricantes ficariam com raiva; os médicos felizes; e os publicitários teriam a oportunidade de provar que o que produzem é de fato informação.
Essa idéia poderia ser estendida às bebidas alcoólicas e às drogas que vierem eventualmente a ser legalizadas e, portanto, taxadas. No entretempo, os traficantes, além de presos, pagariam multas destinadas a contribuir diretamente para campanhas médico-publicitários –não policiais– sobre os malefícios dos entorpecentes.
Não vejo razão pela qual os próprios viciados não poderiam também ser multados com o mesmo objetivo, assumindo socialmente a plena responsabilidade de seu consumo.
A médio prazo, em condições de concorrência justa, a informação melhor –correta e fundamentada– tem mais chances de triunfar. Creio que essa é a verdadeira solução democrática.

NELSON R. ASCHER, 36, escritor, é articulista da Folha. Foi fundador e editor da "Revista USP", de 1988 a 94. Publicou os livros "Canção Antes da Ceifa" (ed. Arte Pau-Brasil, 1990) e "O Sonho da Razão" (ed. 34, 1993) entre outros.
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