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Esta é a íntegra do discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso, ontem, na Casa Branca, distribuída pelo Palácio do Planalto. Logo abaixo, leia trechos da entrevista coletiva concedida por FHC e pelo presidente Bill Clinton, conforme transmissão da rede de TV CNN:
Senhor presidente, senhora Clinton, meus senhores, minhas senhoras.
Hoje é um dia para celebrar a amizade entre os dois países que representamos. Mas, neste momento, eu devo expressar os meus pêsames, em nome do povo brasileiro, pelos atos bárbaros que mataram tantas pessoas na cidade de Oklahoma, ontem. Eu quero trazer ao senhor um recado da nossa solidariedade ao povo americano e, especialmente, às famílias das vítimas de um ato tão sem sentido.
Senhor presidente, a meu ver, esses atos terroristas afetam não apenas as Américas, mas afetam cada um de nós, que acredita na paz, na democracia e na liberdade para todos.
Senhor presidente, eu vim aqui para os Estados Unidos da América com o desejo de fazer com que os nossos dois países estreitem ainda mais os seus laços. Estou convencido de que é chegada a hora para que nós possamos melhorar as nossas relações bilaterais, levando-as a um nível ainda mais alto, permitindo, assim, aos nossos dois povos, se aproveitarem ao máximo das oportunidades que existem para as relações entre o Brasil e os Estados Unidos.
Há uma longa amizade entre os nossos dois países. Uma amizade com base numa história de valores compartilhados e de empreendimentos conjuntos.
A defesa da liberdade tem sido sempre a característica mais importante dos Estados Unidos da América. Este é um país que abriu seus braços a todos que queriam seguir um sonho americano, um sonho de Jefferson, que ele anunciou no dia 4 de julho em 1776, quando disse que todos os homens foram criados como iguais e que eles compartilham os mesmos objetivos, que são a vida e o direito de perseguir a felicidade.
Eu, senhor presidente, estive aqui numa época muito difícil para meu país. Eu era exilado porque havia um regime no meu país que considerava que eu, professor de sociologia, poderia ser um perigo com relação às liberdades que aqui se defende.
Após tantos anos, o destino me deu a honra de voltar a este país. E, hoje, eu não venho à procura da liberdade. Hoje, nós restauramos a liberdade no Brasil. Hoje, eu vim como presidente do Brasil, um país em que seu povo encontrou, de novo, o caminho da sua verdadeira vocação: a democracia.
O Brasil está mostrando a sua habilidade de criar uma sociedade justa, em que pessoas do mundo inteiro podem ir para trabalhar juntas, em prol de uma vida melhor.
Nós, no passado, procuramos consolidar a democracia. Nem sempre foi um caminho fácil, mas enfrentamos essa tarefa com equanimidade. Hoje em dia, é um orgulho para mim dizer que minha eleição foi a pedra (...) de um sistema em que todos os setores da sociedade se juntaram, porque se respeitou a vontade da maioria. A sociedade do Brasil, de fato, votou. As práticas democráticas, hoje, governam as relações sociais. A eleição de alguém que tem um programa novo, para transformação, foi um resultado normal.
Eu sou o presidente de um país revitalizado, um país que está começando um novo ciclo de prosperidade. Nós acabamos com a inflação, abrimos a economia, promovemos a nova integração do Brasil na economia global e começamos a crescer de novo.
O povo do Brasil sabe que a liberdade não tem uma natureza política, apenas. Também tem uma natureza econômica. O povo do Brasil sabe que o desenvolvimento econômico não é coisa que se consegue sem a justiça social. O povo do Brasil entende que nós devemos ter uma responsabilidade grande, se nós queremos ter uma expansão econômica.
Quando eu conheci o senhor, pela primeira vez, em dezembro, senhor presidente, eu sabia que a integração do hemisfério agora tinha alguém à altura dos ideais para (...) sua aspiração. Eu tenho certeza que essa reunião em Miami me reservou um papel preponderante na história.
Nós, no Brasil, continuamos com o trabalho da reunião de Miami. Nós somos um hemisfério em paz, em que os valores ocidentais mais importantes continuam a perseverar e há uma oportunidade única para uma sociedade econômica completamente nova. Não há nenhuma outra parte do mundo em que as perspectivas sejam tão alentadoras.
Senhor Clinton, o senhor teve a ousadia de entender que o mundo interdependente é um mundo em que a prosperidade de todos desta região é essencial. Mais do que sua visão, as suas ações concretas também têm ido nesta direção e nós temos tido uma experiência exitosa no Mercosul, de nossa parte, o que nos mostra que a integração de fato ajuda na cooperação e nos (...) mais estreitos. Nós somos os dois países maiores do continente e nós compartilhamos os problemas, as virtudes das nossas dimensões.
Nós compartilhamos o fato de que um grande grupo de pessoas nos deu seus valores, valores democráticos. Também procuramos o desenvolvimento sustentável, tudo parte de governos de ação compatível e de compreensão de que entre os fatores da estabilidade econômica há a necessidade de se lutar pela não-proliferação de armas e, também, a necessidade de acabar com a brecha entre ricos e pobres. São elementos do nosso legado comum. Cada um de nós tem uma visão clara do mundo. Nós queremos uma paz internacional, uma segurança internacional com bases sólidas. Há 50 anos, nós fomos aliados na Segunda Guerra Mundial. A vocação do Brasil e dos Estados Unidos é de serem amigos, lado a lado.
Senhor presidente, quando comecei a falar, eu disse que os vínculos entre os nossos dois países já são muito antigos. O que nos une, mais do que o passado, senhor presidente, é, porém, o futuro. É chegada a hora de uma nova parceria, para que possamos trabalhar juntos e unir ainda mais os nossos dois países. É o desafio para nós dois.
Espero que o senhor, junto comigo, possa lidar com este desafio.
É o recado que eu trago para o senhor, do povo brasileiro.
Muito obrigado.

Trechos da entrevista:
Rede Globo - Eu gostaria de dirigir essa pergunta aos dois presidentes. Os dois mencionaram hoje pela manhã o "espírito de Miami" e a situação econômica dos americanos. Vocês acreditam que ainda é possível, depois do colapso do México?
Fernando Henrique Cardoso - Eu devo responder em inglês ou em português? Eu vou responder em português, porque isso vai ser transmitido para o Brasil. Não há dúvida nenhuma que o "espírito de Miami" prevalece. Não se trata de uma reação momentânea o que aconteceu em Miami. Trata-se do amadurecimento de um conjunto de ações e relações que afetaram todo o continente.
O modo como o presidente Clinton, em especial, e depois a comunidade internacional reagiram aos acontecimentos do México mostra que nós temos é que aumentar as nossas relações para evitar que no futuro crises semelhantes possam prejudicar terceiros países. E foi isso que nós discutimos essa manhã.
Bill Clinton - Eu concordo. Eu acredito que, em primeiro lugar, o problema no México foi causado pelos problemas do povo mexicano e também produziu efeitos no Brasil, Argentina e nos Estados Unidos, mas olhemos a longo prazo. Os países do nosso hemisfério estão se abrindo para uma democracia, para uma abertura, para a livre competição. Quanto mais trabalharmos juntos, menos problemas teremos no futuro, como tivemos no México.
Então, se de tudo isso há alguma lição para ser dada aqui, é a que nós temos que trabalhar o mais urgente possível nessas direções e o mais urgente possível estarmos forte, juntos, para que esses eventos não tenham o efeito chocante que teve no México.
Repórter norte-americana - Senhor presidente, apesar do horror e acima dele e das questões que podem ou não ser verdadeiras, o senhor não acha que já é tempo de alertar contra o ódio e a violência advindo de estereótipos do Oriente Médio, desde que lutamos severamente contra o terrorismo nesse país?
Clinton - Eu gostaria de fazer, se pudesse, dois comentários referentes a isso: em primeiro lugar, eu pedi ao povo americano para não fazer conclusões apressadas. Temos duas missões agora: uma de busca e resgate. Tivemos a sorte milagrosa de resgatar uma garota adolescente, há poucas horas. Temos, em ação, seis times especiais de resgate, em Oklahoma, para ajudar nos trabalhos.
A segunda missão é de investigação. Temos 200 agentes do FBI no local da explosão e centenas de pessoas de todo o país, dando o máximo de si. Não concluamos precipitadamente. Então, eu diria, em reposta à sua pergunta, que existem três organizações árabe-americanas que hoje condenam o que foi feito. Isso não é uma questão política ou religiosa de algum país. Isso é assassinato, isso é terror, isso é errado. Seres humanos de todo o mundo condenariam isso, acima de suas convicções religiosas, e não devemos estereotipar ninguém.
O que precisamos fazer é encontrar quem fez isso e puni-los, severamente. Isso é o que precisamos fazer. Os norte-americanos devem saber que os melhores investigadores do mundo estão trabalhando nesse caso para descobrir a verdade. Eles estão ajudando no trabalho de resgate e investigação e relacionando os fatos e vestígios que encontram.
O Estado de S. Paulo - Eu gostaria de dirigir minha pergunta aos dois presidentes. Após a crise mexicana, ambos os governos _do Brasil e Estados Unidos_ falaram sobre a necessidade de equipar os institutos financeiros internacionais com instrumentos para lidar com essas circunstâncias _de colapso. Eu gostaria de saber o que os senhores discutiram sobre isso. E de perguntar ao presidente Clinton se os Estados Unidos e os países que integram o G-7 continuam fazendo oposição a aumentar a verba ao FMI e como o G-7 pretende alcançar essa instrumentalização sem o fornecimento de verba ao instituto.
FHC - De fato, discutimos um pouco sobre isso. E, ao que parece, eu diria que decisões importantes deverão ser tomadas nessa área. Não é fácil, a instituição está completando seu quinto aniversário. Então, é hora de implementar mudanças. Estamos discutindo essas mudanças e tenho algumas idéias, que apresentei ao presidente Clinton, que não são inesperadas.
Todo mundo sabe que é importante aprimorar o FMI, agir de forma mais incisiva e resolver seus problemas emergenciais. Estou convencido de que o FMI vai dar conta disso e espero que as instituições brasileiras estejam prontas a cooperar com essas iniciativas.
Clinton - Deixe-me dizer que estou convencido de que deve haver mudanças. E que eu requisitei o G-7, no ano passado, quando estivemos reunidos na Itália, a desenvolver esses quesitos de mudança e a rever a adequação das instituições financeiras internacionais aos desafios da atual economia mundial. E, ainda, se esperamos que o FMI e o Banco Mundial digam aos países que eles precisam reformular suas economias, temos que estar preparados para enfrentar épocas difíceis, movidas pela disciplina que as mudanças exigem no curto prazo para se alcançar a prosperidade.
E, por certo, temos de estar prontos para ajudar esses países a fazer esses sacrifícios e driblar as adversidades que não queremos. Estamos atentos para isso. E acredito que isso seja importante para mim, como presidente dos Estados Unidos, a não me comprometer com essas reformas específicas, até que possamos consolidá-las com todos os outros países que temos de trabalhar em conjunto. Não só os países que compõem o G-7, mas também as economias emergentes, como os países com potencial no futuro, como o Brasil, que está já nesse sistema e tem boas idéias para mudá-lo.
(Interrupção da TV durante pergunta de um jornalista norte-americano)
Clinton - Eu espero que o povo americano tire exatamente a oposta conclusão a respeito desse assunto. Nosso futuro está numa sociedade aberta, com economia livre, e na livre troca de pessoas, idéias e bens. Nesse tipo de sociedade, nós não podemos nos omitir nem nos esconder.
Vejam o que aconteceu na Argentina. Ninguém pensa que os argentinos estão mexendo com negócios de pessoas ao redor do mundo. Nenhum grande país pode se esconder, nós temos que nos levantar, lutar contra este tipo de loucura e tomar as decisões apropriadas. Além disso, quero repetir, nós não sabemos quem é o real negociador.
A tecnologia dá poder às pessoas para fazer este tipo de coisa. Vejam o que aconteceu no Japão, onde não havia influência externa, mas um grupo radical, dentro do próprio Japão, capaz de pegar uma pequena quantidade de gás e assustar um grande número de pessoas. Isso já aconteceu duas vezes. Então, a lição para meus colegas cidadãos deve ser: nós vamos estar com pessoas que amam a liberdade em todo o mundo, com o presidente Cardoso, que abomina esse tipo de mal, e nós vamos caminhar juntos e proteger nossos povos.
Agora, em relação à segunda pergunta, deixe-me dizer novamente, eu me pronunciei na noite passada, à meia-noite, e essa manhã, bem cedo. Eu sei o que esses pronunciamentos significam, eles são intensos e são compreensíveis, mas eu não acho que nós devemos estar condenando numa investigação inacabada. No momento apropriado, o Departamento de Justiça vai dizer o que deve ser dito. Posso garantir que o povo americano ficará orgulhoso dos esforços que estamos fazendo neste assunto, desde o que ocorreu ontem pela manhã, eles também estão sendo intensos, compreensíveis e dolorosos, mas eu não irei condenar aspectos específicos da investigação, até que o Departamento de Justiça apure as devidas responsabilidades.
Folha de S.Paulo - Eu gostaria de perguntar a ambos os presidentes. Se o Congresso brasileiro não aprovar a Lei de Propriedade Intelectual antes do prazo final para que a USTR (United States Trade Representative, escritório comercial da Casa Branca) comece uma nova fase de investigações no Brasil, que tipo de ação cada um de vocês pretende tomar?
FHC - Bem, você sabe que o Congresso brasileiro é um Congresso soberano, ele pode levar o tempo que acredita que é necessário para discutir uma lei. Como você sabe, e os brasileiros sabem, o governo brasileiro tem uma idéia clara e está expondo essa idéia ao Congresso, insistindo na necessidade de uma lei para proteger os direitos intelectuais. Também, para os brasileiros, há muitos brasileiros que querem com urgência a aprovação desta lei, porque eles têm que ter suas patentes reconhecidas por todo o mundo, porque eles não têm a possibilidade de pedir à legislação brasileira para fazê-lo, porque nós ainda não temos uma lei. Então, estou convencido de que o Congresso vai aprovar a lei assim que possível. Estou esperando que neste semestre ela seja votada no Senado, e em seguida volte à Câmara.
(Interrupção. A CNN interrompeu a coletiva para mostrar imagens ao vivo das buscas em Oklahoma. Em seguida, voltou à Casa Branca e apenas mostrou o presidente Clinton se despedindo e agradecendo.)

Tradução de Ana Lima, Andréa de Lima e Fábio Zanini, da Agência Folha
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