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<DATE>950512</DATE>
<CATEGORY>BRASIL</CATEGORY>
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Ex-governador critica o Plano Real, quer o PMDB fora do governo e diz que aceita conversar com presidente
"O Real não é um plano econômico. É um expediente"
"Covas tem que agir, trabalhar, sem ficar olhando para trás"
EMANUEL NERI
Da Reportagem Local
O ex-governador paulista Orestes Quércia (PMDB, 87-91) diz que o presidente Fernando Henrique Cardoso é hoje um homem ``deslumbrado" com os afagos recebidos em suas viagens aos Estados Unidos e Inglaterra.
Quércia teme que esse deslumbramento acabe levando FHC a fazer concessões que beneficiem norte-americanos e japoneses e prejudiquem o país. ``A pessoa deslumbrada e inexperiente faz besteiras."
Para ele, o Real não foi um plano econômico, mas sim ``um expediente", com o objetivo de baixar a inflação e ganhar a eleição.
Sete meses após ser derrotado para a Presidência da República, Quércia defende o plano de privatizações proposto por FHC. Mas diz que o presidente usa as reformas para obter credibilidade.
Em sua primeira entrevista exclusiva após a derrota, defende o afastamento do PMDB do governo FHC e culpa o governador Mário Covas (PSDB) pelo aumento da criminalidade em São Paulo.
Após a entrevista, o peemedebista revelou ter recebido um recado de FHC por intermédio de um amigo comum. ``Peça ao Quércia para me telefonar. A gente pode jantar juntos", mandou dizer o presidente.
Quércia acredita que FHC queira conversar sobre o apoio do PMDB ao governo. Mas prefere que o presidente tome a iniciativa de telefonar. ``Eu não recuso convite nem do presidente do Paraguai", diz.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Folha - Sete meses depois de sua derrota para presidente, como o sr. vê hoje o país?
Orestes Quércia - Da forma como eu previa na campanha eleitoral. O Brasil ia ter um processo de paralisação de seu crescimento para poder manter uma situação razoável da inflação.
As pessoas não acreditam muito no governo, mas torcem para que as coisas dêem certo, para que a moeda permaneça estável. Mas, para a moeda permanecer estável, estão empenhando o futuro da economia do país.
Folha - O que foi sacrificado para a moeda se manter estável?
Quércia - Hoje não existe no país inteiro um pequeno empresário, um pequeno agricultor que tenha tranquilidade para produzir. O plano foi feito exatamente para coincidir com as eleições, e agora começam a surgir problemas.
Folha - Daqui a dois meses, o Plano Real completa um ano. O Brasil mudou com ele?
Quércia - O Plano Real na verdade não é um plano econômico. O Real foi feito para manter a inflação baixa. Não é um plano para desenvolver o país, para gerar empregos, para melhorar a situação da agricultura e da indústria. Então não é um plano. É um expediente.
Folha - O sr. teme que o Brasil de amanhã seja o México de hoje?
Quércia - Eu não tenho a menor dúvida que é isso. Se não tiver uma estratégia, um plano para o país, será difícil. Vai ficar um ano, dois, sei lá quanto tempo. Mas vai passar de uma situação de euforia para uma de muita dificuldade.
Hoje nós temos uma imprensa elogiando o governo, eufórica. Mas a população começa a se preocupar. Por um lado, quer que seja mantido o combate à inflação, mas, por outro, começa a se desesperar com a situação da economia.
Folha - O sr. apóia as propostas de reformas? As privatizações, a quebra dos monopólios?
Quércia - O governo está usando isso para mostrar ação. Isso é muito bonito, importante. Mas o governo está usando isso aí para se credenciar na opinião pública.
Feita essa ressalva, sou favorável a essas modificações, ao que foi aprovado (nas comissões especiais). No caso do petróleo, deve ser garantida a permanência da existência da Petrobrás. Nas telecomunicações, a mesma coisa.
Eu acho que não se deve fazer uma privatização como se fez no México. Era um dinheiro que o governo tinha. Mas aí pegou esse dinheiro e jogou fora. Acho que se deve privatizar com cautela.
Folha - O que sr. acha da resistência dos partidos de esquerda, como o PT e PC do B, à aprovação das reformas?
Quércia - Do ponto de vista do processo democrático, eu acho ótimo. Se deixar o governo ficar deslumbrado como ficou ao ser recebido nos EUA, ao ser recebido pela rainha (da Inglaterra), pode haver problemas. A pessoa inexperiente e deslumbrada faz besteiras. Mas isso é inevitável, é humano.
A primeira coisa que Fernando Henrique está fazendo é ser presidente. Não foi prefeito, não foi governador. A pessoa que tem mais experiência política não se deslumbra com facilidade.
Eu fui consultado por alguns companheiros do PC do B sobre participar de um processo de ação política contra as reformas. Eu disse não, porque sou favorável às reformas. Mas sou favorável a que haja essas reações.
É a história da tese, antítese e síntese. A síntese vai ser sempre melhor. Se deixar só com o governo, deslumbrado e inexperiente, ele vai tomar decisões que vão beneficiar os norte-americanos, os japoneses, mas vão prejudicar o trabalhador brasileiro.
Folha - Como o sr. vê a participação de seu partido, o PMDB, no governo de FHC?
Quércia - Muito preocupado. Desgasta o partido. Há uma reação muito grande dentro do PMDB pelo fato de o partido participar do governo. Acho que não há quase nenhuma reação em se aprovar o que o governo quer. Nós entendemos que isso é importante. Mas o ideal seria que o PMDB não participasse do governo.
Folha - O sr. pretende encaminhar essa proposta de afastamento do PMDB do governo?
Quércia - Essa é a posição majoritária do PMDB de São Paulo. Quase 100% da base do partido tem essa posição. Nos outros Estados, a base também gostaria que o PMDB ficasse independente do governo. Não que seja contra aprovar projeto de interesse do Brasil. Mas não participar do governo.
Folha - Se a base do PMDB é contra a participação, por que o partido está no governo?
Quércia - A posição do partido é da cúpula para a base. Não foi feita uma avaliação na base do partido. Ao contrário. Houve uma reunião da bancada de deputados federais em que a maioria se manifestou contra o acordo.
Alguns dias depois, o Diretório Nacional ouviu o conselho, que estava eleito há muito tempo, e apoiou o governo.
Folha - O PFL tenta se transformar no maior partido do país. Como o PMDB vê isso?
Quércia - O PMDB não tem essa característica de ser o maior partido do Brasil porque, com isso, terá cargos no governo. Isso é a característica do PFL.
O PMDB tem uma característica de querer ser governo porque ganha o governo. O partido tem que ter um procedimento. Como aqui em São Paulo, o PMDB foi governo antes com o Franco Montoro (1983-1987) e, depois, comigo. Com o Fleury, houve um desvio completo dos objetivos.
Folha - Por que houve desvio no governo do Fleury?
Quércia - Eu vou te frustrar. Não vou falar do Fleury.
Folha - Mas como o sr. viu o governo dele em São Paulo?
Quércia - Foi muito mal em seu governo. Sem experiência, se afastou do partido. É outro que nasceu governador. Tem esse problema. Ele tinha que seguir mais o partido. Não seguiu. Veja o que deu.
Folha - Qual o futuro do Fleury no PMDB?
Quércia - Ah, não tem futuro (risos). Dentro do partido, o pessoal não gosta dele.
Folha - Há quem diga que, por trás desses atritos, estão os processos que o Ministério Público moveu contra o sr. por causa das importações de Israel.
Quércia - Não vou discutir isso.
Folha - Mas como o sr. recebeu as ações do Ministério Público contra o sr.? Foi uma investida política?
Quércia - Claro.
Folha - Fleury está por trás?
Quércia - Deve estar. Dizem que está.
Folha - O governo paulista está quebrado. Os números da dívida são impressionantes.
Quércia - Exatamente como quando eu assumi o governo. Eu assumi e a folha de pagamento era maior do que a arrecadação.
O Montoro deixou como herança o gatilho (salarial), que era uma loucura. Quando eu assumi, a folha de pagamento representava 120% do ICM (hoje ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Então não tem nada de diferente.
Folha - O governador Covas sempre se queixa da herança que recebeu do sr. e do Fleury.
Quércia - O Covas tem que trabalhar, agir, organizar sua administração, em vez de ficar olhando para trás.
Eu acho que ele nem começou a trabalhar ainda. Está só falando do passado. Isso aí é coisa que, se você for levar em conta, passa quatro anos sem fazer nada. Folha - Governos Covas e FHC são de um mesmo partido. Há diferença entre um e outro?
Quércia - O governo estadual está parado. As estradas estão esburacadas. Fechou oficinas culturais, hospitais, centros de saúde. Há aumento da criminalidade em São Paulo porque as crianças que eram assistidas não o são mais.
É uma loucura o que está sendo feito em São Paulo. O governo federal é uma loucura do outro lado.
Folha - Qual a avaliação que o sr. faz de sua derrota para presidente? Com toda sua experiência, o sr. ficou atrás do Enéas (candidato do Prona).
Quércia - Houve um fenômeno eleitoral, da mesma forma que houve no pleito anterior, com a eleição do Collor. O Enéas também foi um fenômeno, que não tem muita diferença do fenômeno do Fernando Henrique. Tem diferença política. Mas o fenômeno eleitoral é o mesmo.
O Fernando Henrique teve o apoio total da imprensa, teve a história do Real, e ele acabou se elegendo. Uma pessoa que nunca foi prefeito, nunca foi governador e virou presidente.
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