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<DOCNO>PUBLICO-19940120-086</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940120-086</DOCID>
<DATE>19940120</DATE>
<CATEGORY>Nacional</CATEGORY>
<AUTHOR>RVZ</AUTHOR>
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Debate sobre a Europa dominado pelas questões partidárias e nacionais
Não nos comprometam ...
Mais uma vez o Parlamento debateu a Europa à margem das grandes questões da arquitectura europeia. Cavaco foi o primeiro a dar o tom, o PS caíu no engodo de quase só falar das políticas caseiras. E aos desafios do CDS sobre as posições de fundo, o primeiro-ministro respondeu que «federalismo ou não» é uma questão para o tempo dos seus netos. Um recado, também para o PSD ...
Ainda não foi desta que o Parlamento português acolheu um debate de fundo sobre o futuro da União Europeia. Um ano depois de Freitas do Amaral ter brindado a ratificação do Tratado de Maastricht com uma intervenção pró-federalismo (que mereceu na altura um veemente cumprimento de Cavaco Silva), o primeiro-ministro foi à Assembleia da República celebrar a entrada em vigor desse mesmo Tratado com um discurso dominado pela preocupação de não assumir quaisquer compromissos sobre o futuro da arquitectura da União.
Cavaco não regateou um europeísmo convicto, é certo, ergueu o sucesso da União Europeia a «imperativo nacional» que «merece o empenhamento activo de todos» porque «nela reside a melhor resposta às ambições do progresso, em paz e segurança, do nosso povo». Disse mesmo que é graças a ela (União) que «podemos encarar o ano de 1994 com mais confiança e esperança renovada». Repetiu o balanço dos resultados mais palpáveis, do Pacote Delors II à duplicação dos Fundos Estruturais, passando pelo Plano de Desenvolvimento Regional e pela abolição das fronteiras. De caminho defendeu o alargamento da Comunidade. E o pior foi quando chegou à penúltima folha do seu discurso. Faltava falar das questões bicudas - revisão do Tratado em 96, reforma institucional da Comunidade Europeia, ou que Política de Defesa Comum -, e sobre elas, o primeiro-ministro deixou cautelas.
Dos partidos da oposição, as exigências também não foram deslumbrantes, à excepção do CDS que colocou o dedo na ferida. Adriano Moreira lemrbou o corpo militar dinamizado pela Alemanha e pela França à margem do definido pelos Tratados constitutivos da União e interpelou Cavaco sobre «que espaço real de manobra haverá ainda em 1996». E atacou de seguida com perguntas sobre o modelo para que caminha a União: «Há razões de inquietação quanto à coerência da gestão política do Governo - disse o deputado centrista - , quer pelo Programa conhecido (pró-federalista) do Grupo Liberal-Reformista do Parlamento Europeu a que o se partido pertence; quer pela recepção que dispensa a federalistas autênticos que o procuram vindos de outros quadrantes (Lucas Pires); quer pela cordialidade com que nesta câmara o Governo festejou o discurso federalista quando da aprovação do Tratado (entenda-se, Freitas do Amaral)». Lobo Xavier ajudou na provocação - «O seu partido não pode ter um discurso lá fora e outro discurso cá dentro» -, e Cavaco lá falou do que não queria.
«Neste momento essa é uma falsa questão» - disse o primeiro-ministro - acrescentando que não acredita que ela fique resolvida nem durante a sua vida, nem durante a vida dos seus filhos.
Já no discurso, Cavaco deixara um recado claríssimo para consumo da opinião pública e do seu próprio partido, onde opiniões diversas começam subtilmente a perfilar-se sobre a matéria. «Maastricht não estabeleceu o modelo final da União, nem é provável nem desejável que a revisão de 1996 o venha a fazer», disse Cavaco, avisando que «cabe-nos preparar a nossa participação nessa revisão sem precipitações e sem caír na armadilha dos debates estereotipados».
Gama político
O PS também fugiu a esta armadilha. Jaime Gama, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros que tem habituado a Câmara às intervenções institucionais, cedeu desta vez ao discurso mais político, quem sabe se a pensar na campanha europeia que se avizinha e na qual poderá desempenhar um lugar de destaque nas listas socialistas.
Começou por convergir com Cavaco na adesão convicta ao projecto europeu, chamou a atenção para a «crise sem precedentes» que afectou o processo nos anos de 92/93, e esteve quase a entrar nas questões de fundo que perturbam os Doze, quando citou Mário Soares: «Só com um novo idealismo e com dirigentes políticos nacionais e europeus que se elevem à altura dos pais fundadores, é possível encontrar respostas válidas para as questões ...». Mas daí partiu para a política caseira, num rol responsabilizador do Governo que «de 86 até Outubro recebeu 2 mil, cento e quarenta e um milhões de contos ... e, infelizmente não foi capaz de responder». Colocada a discussão ao nível dos fundos, foi só desfiar: «Apesar do maná ....», acusou o deputado, indústria, agricultura, comércio, educação, investimento «contrariam a propaganda».
Guterres, que acabou por intervir dada a presença de Cavaco (quem estava previsto que falasse era Durão Barroso mas o primeiro-ministro continua a confiar plenamente nos seus efeitos surpresa), já tinha acusado o Governo de negociar alguns dossiers de forma «permissiva e suicidária». Numa «nuncae» quase nacionalista (a campanha de Junho que vem, exige que se marquem diferenças ...), o secretário-geral do PS deu particular enfoque à forma como o Governo português não tem, na sua opinião, sabido preservar o interesse nacional face à Espanha, e o caso Banesto veio à baila. Cavaco limitou-se a dizer que há investigações a correr e espera pelos resultados.
Resta o PCP. Atento como os outros à política caseira, mandou indirectas ao PS - « essa análise das políticas governamentais são insuficientes num debate como este, porque a montante dessa políticas está o quadro de referência dado pelo Tratado de Maaastricht ...». Ou seja, o PS aprovou o Tratado e não tem de que se queixar. Os discursos que saltarão para a rua dentro de cinco meses, apareceram em ante-estreia. Pelo mesnos para isto, o debate serviu.
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