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<DOCNO>PUBLICO-19940205-123</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940205-123</DOCID>
<DATE>19940205</DATE>
<CATEGORY>Sociedade</CATEGORY>
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"D. Branca" à francesa
À procura de 23 milhões
O tribunal de Pau (Oeste de França) começou ontem a ouvir os co-inculpados da maior fraude financeira francesa dos últimos anos, feita à semelhança da «D. Branca», mas numa dimensão superior. Quer saber onde estão os mais de 23 milhões de contos que durante 16 anos deixaram a Jacky Milèsi cerca de 1500 depositantes.
Pergunta difícil de responder, pois Milèsi garante que se trata de um «complot», visando-o em primeiro lugar. Argumenta que durante 16 anos cumpriu os seus deveres para com clientes e assim continuaria, não fosse a interferência da COB (Comissão das Operações da Bolsa), que o proibiu de fazer operações em seu nome ou dos seus clientes.
Por isso, para ele, a verdadeira questão é: quem o deitou a perder? Um rival invejoso ou um amor ciumento? Ele próprio, responde o acusador público, pouco motivado para especulações romanescas e unicamente preocupado com os factos -- que não são fáceis de apurar nem de explicar.
Como é que Milèsi conseguiu enganar milhares de clientes com a promessa de taxas de juro superiores a 30 por cento ao ano, quando as instituições bancárias se ficam por um terço? Sobretudo quando esses clientes são instituições financeiras cotadíssimas, como a União Financeira de França (grupo Indo-Suez) e outras, que era o próprio Milèsi a escolher?
Como foi possível que se tenha instalado com escritórios em Annecy, Grenoble e Paris, além de Pau, a sua cidade de origem (próxima da milagrosa Lourdes)? É que Milèsi nunca se vangloriou de ter ganho a fortuna na lotaria ou em outros golpes de sorte. Pelo contrário, vangloriava-se unicamente do seu extraordinário golpe de asa, que desde 1976 lhe permitia um «soma e segue» que agradava a todos.
O sistema era simples. Tinha por base a confiança dos depositantes. Eles entregavam-lhe as sua economias, Milèsi geria-as e fazia-as render a um juro pelo menos duas vezes superior ao de um banco comum. O negócio parecia tão sério que em 1985 uma equipa das Finanças, em missão de inspecção regular, se limitou a aconselhar um reforço do fundo de reservas. Só dois anos depois, com a proibição de efectuar operações bolsistas, a situação de Minècy começou a tornar-se preocupante. Mesmo assim, conseguiu conservar a confiança dos «seus» depositantes durante mais cinco anos e só em 1992 surgiu a acusação de fraude.
Sabe-se quem a fez: 1467 clientes. Perante um tão elevado número de (súbitos) queixosos custa a acreditar que não tenha havido uma denuncia anterior. Com efeito, neste momento constituíram-se já três «Associações das Vítimas de Milèsi».
O problema para o acusado -- e seguramente condenado -- Milèsi, além de se defender do acusador público, vai ser descobrir quem o denunciou. Tarefa difícil, sabendo-se que foi ele o primeiro a trair, e não só a nível da confiança financeira. No banco dos réus, com ele, estão quatro ex-amantes mais a ex-esposa de Milèsi, que ficaram a conhecer da respectiva existência das outras quando foram inculpadas. Alegam nunca se terem visto e, obviamente, afirmam estar inocentes.
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