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<DOCNO>PUBLICO-19940209-054</DOCNO>
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<DATE>19940209</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>FS</AUTHOR>
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Moçambique
Atrasos complicam data das eleições
O PROCESSO de paz moçambicano acumula atrasos e já ninguém acredita que eles sejam recuperáveis. A opção, agora, é adiar as eleições ou fazê-las mesmo em Outubro, com o percurso incompleto.
Os problemas mais sérios neste momento relacionam-se com o processo de desmantelamento das tropas do Governo e da Renamo e com a criação das futuras forças armadas de defesa de Moçambique (FADM). O acantonamento dos ex-beligerantes decorre a um ritmo muito lento, sobretudo do lado governamental. Aparentemente, a lentidão não tem causas políticas e deve-se apenas à desorganização crónica e inoperância do exército.
Outra questão que está a preocupar as Nações Unidas é a crise de vocações para as futuras forças armadas. Do lado governamental, raros são os militares que desejam ser transferidos para as FADM. A falta de atractivos salariais e profissionais, como o desgaste causado por 16 anos de guerra contra a Renamo, estão entre os motivos.
Quanto ao treino das futuras forças, também ele está atrasado. A preparação do 1º Ciclo de Infantaria, que estava previsto para Janeiro, só começará este mês. O mesmo se diga quanto às forças especiais e fuzileiros navais, que deveriam ter iniciado o seu trabalho em Dezembro, e continuam a aguardar o respectivo treino.
No plano político, também existem motivos de inquietação. No relatório apresentado há dias ao Conselho de Segurança da ONU, o secretário-geral Butros Butros-Ghali abordou a questão do apoio financeiro solicitado pela Renamo para se transformar em partido político, que, na sua opinião, montante que deve ascender a 15 milhões de dólares. Afonso Dlakhama declarou recentemente que essa questão era determinante para o seu movimento. «Se não nos dão dinheiro até Fevereiro, não vamos às eleições», declarou o dirigente da Renamo.
Fontes diplomáticas revelaram no entanto que o embaixador norte-americano em Maputo, Denis Jett, já manifestou a mais viva oposição à ideia de qualquer adiamento na realização do sufrágio, agendado para Outubro. Os Estados Unidos, que asseguram cerca de um terço do financiamento da ONUMOZ (operação da ONU em Moçambique), não estão dispostos a suportar os encargos inerentes ao prolongamento da operação, anunciou Jett.
No seu relatório ao Conselho de Segurança, Butros-Ghali mostrou-se muito descontente com as demoras registadas na aplicação dos acordos de Roma. Referindo-se ao trabalho por fazer, mencionou as 14 áreas de acantonamento ainda por abrir, o processo de desmobilização e reenvio dos soldados para as suas zonas de origem, o desmantelamento das forças paramilitares e a transferência das armas recolhidas para armazéns regionais sob controlo da ONU.
Até ao momento, o exército governamental acantonou apenas 19 mil dos 60 mil que devia acantonar, e a Renamo cerca de 11 mil dos 20 mil que deveriam ter tido a mesma guia de marcha.
Segundo o calendário do processo de paz, deveria ter-se iniciado em Janeiro a desmobilização de cinco por cento dos efectivos a desmobilizar, a partir das áreas de acantonamento. Mas a falta de fundos impediu até ao momento o regresso dos militares às regiões de que são naturais. Só no domingo foi anunciado o primeiro resultado positivo desse calendário, quando se soube que a Organização Internacional de Migração preparou um orçamento de 15 milhões de dólares para custear todas as despesas de transporte dos soldados desmobilizados do Governo e da Renamo.
O processo de paz moçambicano custa muito dinheiro e os doadores têm manifestado frequentemente a sua indisposição para continuar o financiamento além de Outubro. Há quatro meses, comentando os atrasos que então já se faziam sentir, Afonso Dlakhama afirmara: «É intenção da Renamo que as eleições sejam realizadas sem os dois exércitos, mas, considerando que a situação está atrasada, a organização está disposta a participar [nas eleições] mesmo com os dois exércitos [ainda por acantonar e desmobilizar]».
Recusada de imediato pelo Presidente Joaquim Chissano e pela oposição não armada, a ideia de se realizarem as eleições antes de estar concluída a formação do exército unificado regressa agora à ordem do dia. Em Roma, foi decidido que as eleições deveriam ocorrer dentro de seis meses depois de terminada a formação da FADM, com o objectivo de evitar situações como as ocorridas em Angola.
Na impossibilidade de concluir o processo de paz até Outubro, o Governo preferiria tentar obter dos financiadores autorização para novo adiamento, desta vez para Junho de 1995, o ano do 20º aniversário da independência de Moçambique.
José Pinto de Sá, em Maputo
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