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<DOCNO>PUBLICO-19940215-070</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940215-070</DOCID>
<DATE>19940215</DATE>
<CATEGORY>Cultura</CATEGORY>
<AUTHOR>MAG</AUTHOR>
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O eclipse de Moniz
Anunciado há duas semanas -- com o tema da guerra colonial --, De Caras volta a não constar hoje da programação do Canal 1. E aquilo que há 15 dias parecia resultar de um reajustamento momentâneo e de última hora da contraprogramação com que José Eduardo Moniz entendeu responder ao confronto directo da SIC, veio a revelar-se menos circunstancial. De Caras eclipsou-se da RTP, na esteira do eclipse do próprio Moniz. Dizem as crónicas remanescentes da novela Moniz-RTP-TVI dos últimos dias que a principal personagem da história rumou em oportuna viagem, meio turística meio oficial, a Macau e à China.
Depois do "frisson" dos mais conhecidos episódios, a realidade aí está de novo a ultrapassar a ficção. Primeiro foi o "segredo" -- e nunca um segredo foi tão partilhado pelos chamados meios bem informados, como é suposto ser em qualquer negociação para mudança de camisola e de patrão... Agora, esta espécie de retiro estratégico, depois da temperatura sabiamente levantada à volta das suas alegadas indecisões quanto a uma passagem para a concorrência. "Em princípio não vai", "em princípio fica"... Se isto não é um forma expedita e pouco elegante de desresponsabilização profissional, o que é fazer jogo duplo e dar-se a ideia de abandono precipitado do barco à deriva?
É que, tudo o indica, para Moniz, o tempo das vacas gordas já lá vai; o tempo em que lhe foram dadas condições sem paralelo em toda a Europa para "receber" as privadas; o tempo em que Moniz pôde comprar nos mercados internacionais "tudo" o que podia comprar: os filmes de grande bilheteira, as melhores séries, as mais interessantes comédias; o tempo em que foi possível negociar todo o futebol nacional, sem olhar a preços. Idem em relação aos Jogos Olímpicos, à Fórmula 1, ao Campeonato Mundial de Futebol, ao Rali de Portugal... O tempo em que pôde juntar Carlos Cruz, Herman José, António Sala e todas as vedetas da TV; o tempo de adquirir concursos e programas de entretenimento de grande produção; de iniciar a produção de novelas portuguesas depois de ter comprado as de grande sucesso à Globo. E "last but not least" reclamar e obter meios técnicos sofisticados sem paralelo no país. Foi o tempo de "mandar às urtigas" as obrigações do serviço público e utilizar a TV2 para a guerrilha contra as privadas. Era o tempo -- até por hábitos de 30 anos de monopólio televisivo -- dos quase 90 por cento de "share" e de "ratings" de 30 a 40 pontos.
Mas tudo mudou. A começar pelo dinheiro e também por outra sensibilidade política perante a chamada "concorrência desleal". Até porque, se alguma coisa não tivesse mudado ao nível governamental, qual o futuro das privadas, senão ainda mais negro do que se apresenta com quatro canais comerciais para um mercado tão curto como o português?
E, hoje, os números parecem confirmarem esta inversão. Pela primeira vez, o Canal 1 queda-se abaixo da fasquia dos 40% de "share" e as suas tabelas publicitárias descem perigosamente. Além dos sucessivos "buracos" revelados pela espartana administração Freitas Cruz.
Pela primeira vez, a ideia que cresce é a de que nem Moniz consegue travar a sangria. Melhor dito: é o próprio Moniz que se encarrega de o dizer com as negociações quase dadas em directo com a TVI, depois de ter alimentado tempos atrás um processo semelhante com a SIC via TV Globo. Com uma diferença -- pior para Roberto Carneiro e para a Quatro. Enquanto Balsemão teve a habilidade de nunca o assumir publicamente -- deixando as responsabilidades do namoro aos parceiros do Brasil --, Roberto Carneiro não só não levou Moniz como o deixou danificar o ambiente da sua estação.
É o eclipse de Moniz e do seu De Caras que marca uma viragem no meio televisivo nacional. Ainda é cedo para se saber se este já é ou não o fim anunciado do império da RTP e de quem a comandou uma década a fio. Há quinze dias ainda, De Caras era um dos programas de referência da RTP e um dos obrigatórios da televisão portuguesa. Funcionava também como um dos "argumentos" mais fortes da televisão pública para neutralizar (pela qualidade) as terças-feiras de debate na SIC. Com esta retirada espalhafatosa, há razões de sobra para acreditar que o eclipse (anunciado) de Moniz e do seu programa pode ser menos parcial do que se pensa.
José Mário Costa
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