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<DOCNO>PUBLICO-19940301-052</DOCNO>
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<DATE>19940301</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>PM</AUTHOR>
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Analista do Project for the Republican Future ao PÚBLICO
«Clinton fala como um republicano»
Paulo Moura, em Washington
Divididos após o fracasso da Convenção de 1992, os republicanos não conseguiram ainda encontrar uma estratégia concertada e eficaz de oposição a Bill Clinton. Aproximam-se as eleições para o Congresso e os temas com que contavam para as campanhas foram todos roubados pelo Presidente. A curto prazo, as perspectivas são más. Para 96, há várias estratégias na forja.
Num monitor de computador por detrás da secretária de David Teeo, analista da organização Project for the Republican Future (PRF), corre a notícia: «Associated Press, 14h30. O Presidente dos Estados Unidos, Bill Kristol, acaba de ser demitido das suas funções, por implicação em actividades criminosas.»
Bill Kristol é o presidente do PRF, uma organização independente criada em Novembro passado, com o objectivo de estudar estratégias de recuperação para o Partido Republicano. E o grupo de estrategos conservadores permite-se criar brincadeiras como a notícia na rede de computadores, porque sabe que tão cedo Kristol não será Presidente, nem os republicanos tão cedo ganharão umas eleições.
«Um dos principais objectivos do partido neste momento é desenvolver uma estratégia para as eleições para o Congresso, em Novembro deste ano», admite David Teeo, na conversa que teve com o PÚBLICO, na sede do PRF. Mas as perspectivas são moderadas. «Pensamos que podemos conquistar alguns lugares nas duas câmaras, mas ninguém acredita que se consiga a maioria. Temos possibilidade de ganhar de três a seis lugares, no Senado, e entre 20 e 25 na Câmara dos Representantes. Ficaríamos assim a uma curta distância da maioria, que passaria a ser um objectivo para 1996.»
A curto prazo, porém, o clima nos círculos republicanos é de pessimismo. Após a Convenção de 1992, o partido foi arrastado para a direita, o que não teve bons resultados eleitorais. A seguir, surgiu uma reacção contra os ultraconservadores e cavaram-se divisões profundas entre os republicanos. Estas divisões tornam difícil conceber e acordar numa estratégia para se opor às políticas de Bill Clinton. Este, por seu lado, está a ser extraordinariamente inteligente na forma como apresenta as políticas ao país e, ao mesmo tempo, está a apoderar-se, um a um, dos temas que tradicionalmente pertencem aos republicanos. Tais são, em suma, os problemas do partido da oposição.
O «republicrata»
«Clinton está a falar como um republicano, o que é perigoso», diz Teeo. Perigoso para os republicanos, esqueceu-se de precisar. Os temas com que contavam para fazer as campanhas eleitorais deste ano para o Congresso foram todos «roubados» por Clinton. Eram, principalmente, o combate ao crime, a reforma da assistência social, a Educação particular.
Mas, desde o seu discurso sobre o Estado da União, Clinton apoderou-se completamente do tema do crime. Tornou-o a sua prioridade para este ano. Vai apresentar ao Congresso uma lei de combate ao crime que inclui colocar mais 100 mil polícias nas ruas, penas mais pesadas para os autores reincidentes de crimes violentos. E não só. Ligou o discurso sobre o crime ao tema da família, do declínio dos seus valores, às mães solteiras, aos lares desfeitos. Os republicanos ficaram de boca aberta. Um analista encontrou o termo para definir o novo tipo de democrata que Clinton é: «republicrata».
Quanto à assistência social, com que os republicanos contavam para opor a reforma do sistema de Saúde, Clinton também não perdoou: a assistência social tem de ser reformada ao mesmo tempo que a Saúde. Os desempregados não podem ficar a receber eternamente subsídios; ou arranjam emprego ou são expulsos do sistema.
Aos republicanos parece restar apenas o tema da Educação. Querem o direito à opção pelo ensino particular, designadamente pelas escolas religiosas. Só que, em referendos feitos recentemente em vários estados, a proposta de concessão de «vouchers» pelo Governo para permitir aos pais optar pelo ensino particular foi derrotada por esmagadoras maiorias. A abordagem de Clinton parece ser bem mais popular: a reforma da Educação, para já, é criar programas para dar nova formação profissional a trabalhadores desempregados.
Mas, neste momento, o tema que mobiliza os republicanos é a reforma do sistema de Saúde. «A proposta de Clinton é má e nós temos a obrigação de nos opor», explica Teeo, embora reconheça que, no final, «vai ser aprovada uma lei, que talvez integre a maior parte das alterações propostas pelos republicanos, mas que ficará sempre conhecida como a Reforma Clinton». O Presidente vai ficar com os louros da reforma da Saúde, «como ficou com os da aprovação da NAFTA e do GATT, projectos intrinsecamente republicanos». «Não há nada a fazer. A nossa obrigação era apoiar a NAFTA e lutar por uma melhor reforma da Saúde, ainda que, quanto mais êxito tivermos, maior será o êxito de Clinton, e consequentemente, a nossa derrota.»
O sistema de Saúde poderá, no entanto, vir a desempenhar um papel político no futuro, pensa David Teeo. Há republicanos no Senado que nunca votarão a favor dele e pode ser que seja desse grupo que saia o candidato presidencial para 1996. Ele fará desse facto o tema principal da sua campanha, se nessa altura já for evidente o fracasso da reforma. Esse candidato seria, provavelmente, Bob Dole, o líder dos republicanos no Senado.
Objectivo: unir o partido
Para já, ao contrário dos republicanos, Clinton está a conseguir vender muito bem o seu «pacote de medidas desastrosas» considera Teeo. «Ele fala bem e está a conseguir dar uma visão de conjunto que parece dar sentido a todas as suas políticas. Está a ter êxito nisso. No fundo, essa visão de conjunto é a tese de que o Governo deve interferir em todas as áreas da vida social, económica, etc.» É normal que essa «visão de conjunto» tenha êxito em tempos de crise, admite Teeo. Os republicanos não têm essa vantagem. «Como partido conservador, não queremos mudar tudo, construir um novo mundo. Queremos conservar. Mudar apenas o que está errado, corrigir. Mas essa mensagem não é muito popular nos dias que correm.»
Outra vantagem dos democratas, explica-nos Teeo, é a sua vocação para se dirigirem a grupos específicos: as mulheres, os negros, os «gays». «Essa estratégia está a ser bem sucedida, numa sociedade cada vez mais dividida. Os republicanos não têm estratégias específicas para grupos. Dirigimo-nos à América como um todo. Esse sentimento de ser americano antes de pertencer a um grupo acabará por prevalecer, mas, por enquanto, está em crise.»
A própria criação do PRF é um sinal da crise que os republicanos atravessam. «Não temos o mesmo tipo de missão do Democratic Leadership Council», disse David Teeo, que explicou que aquele é uma organização de democratas criada em 1985, após a derrocada eleitoral do partido, para o afastar da esquerda, para onde algumas forças o estavam a levar. Mas foi ele próprio quem se lembrou da comparação. De certa forma, o PRF tem um papel análogo. É um grupo de republicanos moderados que pretende salvar o partido dos excessos de conservadorismo em que caiu após a Convenção de 1992.
Teeo reconhece que a estratégia ou, pelo menos, a imagem lançada na Convenção foi desastrosa. «O tema dos valores de família não foi compreendido pelos americanos, que se assustaram, não tanto com a mensagem, como com os mensageiros. O tema dos valores de família tem uma grande audiência nos EUA. Mas não o soubemos explicar bem. As pessoas pensaram que os republicanos não defendiam mais nada a não ser isso.»
Ultraconservadores como Pat Buchanan e os tradicionalistas religiosos como o tele-evangelista Pat Robertson fizeram prevalecer os temas dos «valores da família» e da «guerra cultural» e a linha contra a emancipação da mulher e contra o aborto, o que, como as eleições demonstraram, não contou com o apoio da maior parte dos americanos.
O processo de reconstrução do partido está, no entanto, em curso. Organizações como o PRF tentam influenciar a direcção e os republicanos do Congresso para a linha moderada. E há outras, como a Empower America Foundation (EAF), também recentemente criada, que tentam reconciliar as duas linhas do partido pela esquerda.
A EAF foi fundada por Jack Kemp, o líder republicano que representa a «nova visão» económica no partido. Kemp foi o primeiro republicano a opor-se às políticas económicas de Reagan. Defende a tese da «oportunidade» económica para todos e a atribuição de capital aos pobres, como forma de «trazê-los para o sistema». Para fundar a EAF, Kemp convidou William Bennet, intelectual republicano que representa a tendência moderada da chamada «reforma moral», que não se confunde com a preconizada pelos fundamentalistas religiosos.
Se se conseguir a reconciliação do partido através deste pacto, Kemp poderá surgir como o candidato republicano em 1996, apoiado pela estrutura já poderosa da EAF. Caso contrário, os republicanos terão de encontrar um candidato considerado acima dos políticos, que possa captar a onda de simpatia por Ross Perot, mas, ao contrário deste, com uma estatura moral acima de toda a suspeita. Por exemplo, Colin Powell.
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