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<DOCNO>PUBLICO-19940302-130</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940302-130</DOCID>
<DATE>19940302</DATE>
<CATEGORY>Cultura</CATEGORY>
<AUTHOR>FM</AUTHOR>
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Entrevista com Fernando Lopes
No labirinto de uma cidade negra
Augusto M. Seabra
Filmou um dos mais marcantes retratos de Lisboa nos anos 60, em «Belarmino». Contou a sua chegada à capital em «Nós por cá Todos bem». Agora, Fernando Lopes regressou com um texto de um escritor italiano e o corpo de um actor francês. Um regresso em tons sombrios: «Lisboa é uma cidade que tende sempre para o negro.»
«Ele passou ao lado de uma grande carreira», dizia-se de Belarmino, do «boxeur» que desaparecia no anonimato da cidade. A frase ficou emblemática, até porque seguramente esteve muitas vezes presente nos pensamentos dos realizadores do «novo cinema português», de que «Belarmino» de Fernando Lopes foi um dos exemplos pioneiros. Trinta anos depois, o autor volta a Lisboa com «O Fio do Horizonte», com Spino, obcecado por algo que poderá ter ocorrido agora ou há 30 anos. E, se Belarmino falhou a sua carreira no exterior, é em grande parte por aí que Lopes regressa, adaptando um texto de autor italiano, com actores franceses, director de fotografia espanhol, compositor polaco, etc.
PÚBLICO -- Belarmino, ele próprio, o «boxeur», era no fundo alguém que andava em Lisboa à procura do que poderia ter sido. Spino anda à procura de alguém, talvez dele próprio. Sucede mesmo que, quando o conhecemos, há uma televisão no local de trabalho e aí está a ser apresentado um desafio de boxe.
FERNANDO LOPES -- Esse imenso «raccord» é um facto de que só tive consciência «a posteriori», o que me leva mais uma vez a pensar que as razões da criação são estranhíssimas. A única premeditação aconteceu por causa do [Claude] Brasseur. À medida que íamos trabalhando juntos, eu ia-lhe falando das minhas manias e ele das dele. Ele quis saber coisas de filmes meus. Há qualquer coisa de misterioso para mim mesmo; o Spino é alguém que voltou a Lisboa 30 anos depois para se reencontrar noutro corpo.
Em relação à cidade, aí sim, eu pensei muito sobre a Lisboa do Belarmino e esta. Uma vez disse a um amigo meu, o Alain Tanner, um cineasta com talentos mais que estimáveis: «Acho que mereces o prémio definitivo da Câmara Municipal de Lisboa porque criaste uma ficção chamada `Lisboa, Cidade Branca'. Mas eu não estou nada de acordo contigo, porque isso é uma primeira aproximação a Lisboa, que simultaneamente pode aparecer como uma menina de 20 anos ou como uma senhora balzaquiana de 30, 40 anos, que te convida para sítios escuros.»
P. -- Lisboa é uma cidade cinzenta?
R. -- Eu não diria cinzenta, mas diria que Lisboa é uma cidade que tende sempre para o negro.
P. -- Não se teria justificado então fazer o filme a preto e branco?
R. -- Foi a primeira tentação que tive. O próprio Tabucchi gostaria que eu tivesse feito o filme a preto e branco.
Era demasiado óbvio. Também houve razões económicas, porque sabia que ia ter mais problemas de financiamentos em termos das televisões .
P. -- Embora o preto e branco esteja a ser esteticamente reavaliado de um modo quase...
R. -- A utilização do preto e branco hoje em dia é frequentemente feita por razões maneiristas.
O «boxeur» e Brasseur
P. -- Por exemplo, vendo curtas metragens de jovens realizadores, percebe-se um fenómeno de moda: fazer em preto e branco e em «scope», se possível.
R. -- Ora aí está uma coisa de que tenho pena. Acho que a relação do espaço teria sido muito mais forte no «scope», que mais uma vez não me deixaram utilizar. E aqui voltamos às questões de co-produção, porque isso não dá jeito nenhum para as televisões -- mas também era preciso ter o Canal Plus ou o Channel Four. As estéticas estão ligadas a decisões de produção.
P. -- Houve outros problemas relacionados com o estatuto da produção?
R. -- Para o papel do Spino todos me sugeriam o actor óbvio, o Bruno Ganz, com quem chegámos a ter contactos. Qualquer espectador normal iria dizer «trata-se de um filme metafísico», pelo toque e a presença do Bruno Ganz.
P. -- Mas não é um filme metafísico?
R. -- É, com certeza, um filme metafísico e, sendo-o, então o importante é que o actor tenha um peso físico, de andar e pisar o terreno como um «boxeur», e foi daí que me veio a ideia do Claude Brasseur. Rima e é verdade.
Voltando ao preto e branco, eu só estive tentado a uma pequena vingança. Disse: «Muito bem. Então eu vou fazer o normal, a cores. É o que vocês querem.» Por uma relação, que já vem dos meus primeiros filmes, com o cinema do Alain Resnais, lembrei-me do director de fotografia, o Sacha Vierny, que esteve quase assegurado. Ele gostava muito da história, mas eu disse: «Tenho muito medo de que ele me vá esmagar a mim com todo o aparelho visual do Peter Greenaway.» Ainda por cima, este medo era aumentado pelo facto de eu já não filmar há bastante tempo.
P. -- Isso foi um medo para si?
R. -- Foi, muito grande. Era como se eu estivesse outra vez a recomeçar a minha carreira de cineasta.
P. -- Sentiu um pânico semelhante ao de Spino?
R. -- Senti. Isso passa imenso no filme e acho que vivi mais a história do Spino que o próprio Brasseur. Aliás, já o disse, para o Brasseur era óptimo, porque ele é um «hiper-solitaire». Como todos os actores e no fim de cada dia de rodagem, ele dizia: «Fernando, vamos beber um copo.» E eu continuava a ser o Spino no realizador. É um pouco esta a história da fita.
Voltando ao Alain Resnais, nos tais acasos surrealistas, que, aliás, ligam muito bem com o Resnais e que eu adoro, aconteceu que, quando a fita já estava montada e estávamos a trabalhar em Paris, o Jacques Witta, o montador, disse-me que o tipo bom para fazer em francês a voz do António Valero, um actor espanhol que faz o inspector, seria o Pierre Arditti. Ele estava em ensaios para fazer o «Smoking/ No Smoking» do Resnais quando nós lhe enviámos uma cassete, sem ninguém acreditar que ele aceitasse fazer a dobragem. Ele, que é um enorme actor, começou a sua carreira em dobragens. E o Pierre, um dia, telefona-me e diz-me: «Já não faço dobragens, mas acho que este filme tem muito a ver com um realizador de quem eu gosto muito, o Resnais, com quem estou a trabalhar.» E foi assim que ele aceitou fazer a dobragem.
Numa casa comum
P. -- Este filme é uma co-produção espano-portuguesa-francesa, originalmente rodada em francês, embora também com uma versão dobrada em português. Como é que alguém que, enquanto representante da RTP, participa administrativamente em tantas co-produções se sentiu no papel de um cineasta que tinha de preencher as obrigações de uma co-produção?
R. -- A questão que se me pôs foi: qual é o olhar que vai prevalecer? Penso que essa é a grande questão das co-produções. Não tenho nada contra as co-produções, desde que haja um olhar que prevaleça. Permitam-me que eu reivindique que prevaleceu o meu olhar. Eu assumo arrogantemente e fora de moda a ideia de que há autores no cinema e, por muito pequeno autor que eu seja, fiz prevalecer o meu olhar de autor.
P. -- Mas quanto à rodagem em francês?
R. -- Quando aceitei trabalhar em francês, assumo-o plenamente, isso significava -- são os negócios das co-produções que podem ser criativos -- que, para trabalhar em francês, também tinha direito a dinheiro da França.
P. -- Há uma coisa extremamente importante de um ponto de vista quase didáctico: qual o regime das co-produções, ou seja, para além dos contributos propriamente financeiros, o que é que cada uma das partes traz e quais as obrigações em termos de técnicos, quadros, intérpretes?
R. -- Quando se entra numa co-produção, não há apenas os aspectos financeiros, há obrigações quase na lista dos postos a tomar. Há uma famosa cena no «Week-End» do Godard, uma co-produção com a Itália, em que aparecem uns gajos a dizer: nós somos os 20 tipos da co-produção italiana. Neste caso disse assim: «O que é que eu vou escolher da França?» Eu queria, não me foi imposto, o Claude Brasseur. Quis a Andréa Férreol desde o princípio. É alguém de quem gosto muitíssimo, é uma pessoa extremamente próxima de mim em afectividade, em generosidade, e não sei se fiz bem ou se fiz mal. Talvez seja com quem estou menos contente, não por ela, mas por mim e por um problema de argumento. Eventualmente, a personagem devia ser tratada de outra maneira. Depois disse que queria o Jacques Witta na montagem. Não teria tido problemas com o Sacha Vierny ou o Dénis Lenoir na fotografia.
P. -- Mas, afinal, foi outro, o espanhol Javier Aguiressobe.
R. -- Porque eu tinha um co-produtor espanhol que tinha muito pouco para me dar. Acabei por ter um actor espanhol, o Antonio Valero, mas, mesmo para esse papel, ainda cheguei a pensar na hipótese de ter um actor português.
P. -- Isso quer dizer que as co-produção obrigam...
R. -- Obrigam a postos importantes, porque, senão, eles não têm direito nem no Centre National de la Cinematographie, nem na Direcção-Geral do Cinema de Espanha, a ser co-produtores. Isto é preciso que se saiba. E têm de ser postos criativos. A questão é pertinentíssima e vai ter os maiores efeitos no cinema europeu e, eventualmente, no cinema português. Porque, se há cineastas portugueses que querem fazer filmes e vão ter de os montar, provavelmente, através de co-produções, têm de perceber que há quotas de criação que vão ter de ser preenchidas.
P. -- Dado isso como adquirido, até que ponto conseguiu gerir a rodagem em francês, sem estar a fazer um «filme francês»?
R. -- Uma das coisas interessantes nesta fita é que ela prova, do meu ponto de vista, que há uma cultura europeia, eu diria de casa comum: um autor italiano também escreve em português, um realizador português que também é capaz de se entender em francês, equipas portuguesas capazes de se entenderem em francês e em português, espanhóis capazes de se entenderem connosco porque temos culturalmente muitas coisas comuns. Isso tudo deu um trabalho extremamente exaltante durante dez semanas, entre a pré-rodagem e a rodagem e, finalmente, falávamos todos uma mesma língua. O problema da língua nunca se pôs. Porque nós estávamos a trabalhar num território que era o de imaginários comuns.
De Pessoa a Borges
P. -- Mas há um rasto que, curiosamente, é das coisas de que gosto mais no filme, que se prende com o próprio sotaque, o «accent». Penso na aparição de alguns «secundários», com um sotaque pronunciado: a Márcia Breia, por exemplo. Houve problemas, houve receptividade, a esse sotaque que, no fundo, é parte da personagem?
R. -- Curiosamente tenho tido algumas reacções a isso, da parte de amigos e cineastas portugueses. Sabe quem é que me convenceu a deixar o sotaque? O Jacques Witta, o montador do filme, e o Pierre Arditti, que dobrou em francês o António Valério...
P. -- E que faz uma verdadeira recriação da personagem.
R. -- Penso, aliás, que um dos problemas que se pode pôr em relação à personagem é que se sente que a voz é por de mais interpretativa.
Mas quanto ao sotaque, o Witta disse-me: «Eu, se fosse a ti, deixava ficar.» E eu disse-lhe: «Mas dá-me uma boa razão.» Há um lado de realismo fantástico neste filme e o sotaque aqui fica muito bem, porque isto é Lisboa, mas podia ser outra cidade, misteriosa, e este sotaque posto numa espécie de «no man's land» vai óptimo com o filme.
P. -- A propósito de realismo fantástico, António Tabucchi, autor da história original, tinha obviamente uma referência a Pessoa. No filme, a professora interpretada por Andréa Férreol, diz mesmo a uma aluna que estuda «O Livro do Desassossego» de Bernardo Soares que o Pessoa multiplicou as personagens. Talvez que uma grande dúvida perante o filme se possa resumir em referências literárias: tenho a impressão de que este filme reenvia sempre ao mesmo, num sentido labiríntico, e aí diria que, curiosamente, não é tanto um filme pessoano, mas borgesiano.
R. -- Isso foi uma enorme discussão que eu tive, já com a fita pronta e vista. No fundo, o Pessoa no meu filme é uma piscadela de olho, o filme é mais borgesiano e devo confessar que o Tabucchi não gostou que eu tivesse falado no Borges. Aliás um dos filmes em que mais pensei foi «A Estratégia da Aranha», do Bertolucci, adaptação do Borges. O Tabucchi, a reserva que me faz é que acha que escreveu um romance realista e que eu fiz um filme fantástico. Temos sobre isto imensas discussões porque acho que tudo o que o Antonio escreve é, de facto, muito realista num sentido perverso. Ao virar da página, ao virar da vírgula ou da frase, estamos no território do fantástico, pelo menos do realismo onírico.
P. -- Como ocorreu o encontro com António Tabucchi?
R. -- Foi em casa do Alexandre O'Neill, há trinta e tal anos. Ele tinha uma casinha na Rua de São Marçal, que era tão pequena que o Alexandre, com aquele gosto pelos jogos visuais, imagéticos, palavras e sentido de humor, lhe chamava «a cabine dos irmãos Marx». Foi aí que conheci o Tabucchi, que chegara de Itália para fazer um estudo sobre os surrealistas portugueses e, obviamente, foi ter com o O'Neill, com o Cesariny e com outros e, através disso, acabou por conhecer aquela que é a sua mulher, Maria José Lencastre, que, por sua vez, andava em torno do Fernando Pessoa.
P. -- É autora da «Fotobiografia».
R. -- Por essa via, como num romance do Tabucchi, ele caiu na armadilha do Fernando Pessoa e dela nunca se sai porque ainda por cima são várias armadilhas.
P. -- E você saiu, no filme?
R. -- Eu acho que saí.
P. -- Para cair na armadilha do Borges?
R. -- Houve um momento, quando da transferência do primeiro argumentista, Sérgio Vecchio, para o segundo, Christopher Frank. O Christopher era muito mais borgesiano. Foi ele que me começou a levar para aí. Foi curioso, porque ele falou muito comigo antes de aceitar escrever um novo argumento. Ele conhecia mal o Tabucchi. Gostou muito de lê-lo porque, curiosamente, o escritor Christopher Frank tinha algumas coisas próximas do Tabucchi, pelo menos em ironia, mas um dos escritores de referência para ele era o Borges.
P. -- Mais de 30 anos atrás, até em termos de filmagens, o Belarmino que se perde no centro da cidade não é também alguém que se perde num labirinto borgesiano?
R. -- É, absolutamente. Mas é curioso que eu só me dei conta disso depois de o filme estar pronto e quando algumas pessoas me chamaram a atenção para o facto. Isto não foi uma coisa conceptual, aconteceu. Depois dei-me conta de que a deriva do Spino acaba por ser tão parecida com a deriva do Belarmino, quando ele sai à noite do Ritz, onde eu, aliás, começo este filme, com o mesmo bolero que ouve e passa no Rossio -- é quase fantasmático. A única diferença é que o Belarmino ainda tem um gesto salvador, que não o salva de nada: quer lavar a cara nas fontes do Rossio que já não têm água.
Investigar o passado em Lisboa
P. -- E o «raccord» do Ritz?
R. -- Devo confessar que nós vimos vários sítios para fazer a cena de cabaré. E é esquisito como estas coisas funcionam, porque eu acabava sempre a dizer ao Jasmim: «Porque é que não a fazemos no Ritz?»
P. -- Jasmim de Matos, o cenógrafo e figurinista, tem uma contribuição reconhecível neste filme.
R. -- Tem, muito forte. E não só isso, como uma coisa que acho fabulosa, das de que tenho mais orgulho no filme. E agora é o meu gosto por algum cinema americano e pela ideia de que o cinema não é o real, o cinema inventa outro real. A rua das prostitutas não existe em Lisboa, foi fabricada, aquela rua pode existir em qualquer parte do Mundo. E devo confessar que eu, aí, pensei muito noutro filme: «Do Fundo do Coração». Assim como gosto dos documentários, o que eu adoro é a ideia de que o cinema fabrica o real. A Lisboa que existe em «O Fio do Horizonte», para mim, é uma Lisboa de Cesário Verde, enquanto a minha Lisboa do «Belarmino» era do Cesariny e do O'Neill.
Eu fui parar ao Cesário, a «O Sentimento de Um Ocidental», quando estava já na fase de pré-preparação e disse: «Como é que eu vou filmar Lisboa?» Lisboa está esgotada, vem cá toda a gente fazer filmes, as imagens estão banalizadas.
P. -- Ainda por via de uma referência literária, pode-se regressar às cinematográficas. Há um caso pontual, como «A Estratégia da Aranha», mas é evidente que o mais borgesiano dos autores cinematográficos é Orson Welles.
R. -- Eu não tive um filme do Orson Welles, tive todo o Orson Welles sempre na cabeça e há situações expressas no filme. Há personagens que eu fui roubar: a Márcia Breia a matar moscas é uma personagem roubada a «A Sede do Mal». Algumas discussões fortes que tive, por exemplo, com o Sérgio Vecchi, e que levaram a que depois não tivéssemos trabalhado até ao fim, têm a ver com uma leitura do livro do António que eu não tinha. A dele era mais tabucchiana quase do que a do Tabucchi. Para mim, o modelo matricial era o «Relatório Confidencial» do Welles, alguém que investiga o seu passado.
P. -- Investigou o seu passado neste filme?
R. -- Investiguei o meu passado cinematográfico, pelo menos. No momento em que estou a falar, impressiona-me imenso que agora, a 30 anos da estreia do «Belarmino», este filme faça circularmente a relação com uma ideia de morte. O «Belarmino» seria no Rossio, atrás de umas grades que acabavam por ficar em primeiro plano, a dizer: «Eu vou fazer campeões.» E aquilo passava-se num Portugal dos anos 60 e o «Belarmino» era uma metáfora do Portugal que nós éramos naquela altura. Nós os que queríamos, pelo menos, era salvar-nos. Não tanto no sentido cristão, mas no sentido de passar para outro lado. É muito estranho para mim, devo confessar, que, em «O Fio do Horizonte», com imensos problemas de facto metafísicos, como é que eu, sem me ter dado conta, fiz a circularidade das duas coisas, com uma personagem que quer repegar no seu passado e vai apegar-se à morte.
P. -- Outra questão de passado cinematográfico e, se calhar, também de alguma metafísica. Neste filme somos constantemente remetidos para uma intriga, um tempo e um espaço que não reconhecemos. O mais belo dos seus filmes, «Uma Abelha na Chuva», jogava magistralmente com todo o espaço «off». Entretanto, outras coisas surgiram no cinema português e induzem uma questão: perante matéria narrativa que tanto tem a ver com a noção do outro campo, poder-se-ia esperar algo mais próxima da «Abelha», mas, afinal, deparamos mais com um «thriller», tipo «O Lugar do Morto».
R. -- Não estou nada de acordo. É óbvio que «O Fio do Horizonte» não pretende ser um «thriller». Pode ser útil para a publicidade vendê-lo como «`thriller' metafísico», mas não acho que o seja, de todo. E a coisa por que mais me bati foi para que «O Fio do Horizonte» nunca fosse tomado por um «thriller» e devo confessar que aquilo que tem feito algum reconhecimento do filme, em Roterdão, Paris, Berlim e outros sítios por onde tem passado, é uma estranheza qualquer, passa para o lado do mistério, não do «thriller». Não tenho nada contra, há belíssimos «thrillers», mas eu nunca quis fazer um «thriller» e essa foi uma questão que tive sempre dentro da minha cabeça.
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