<DOC>
<DOCNO>PUBLICO-19940308-142</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940308-142</DOCID>
<DATE>19940308</DATE>
<CATEGORY>Cultura</CATEGORY>
<AUTHOR>FM</AUTHOR>
<TEXT>
«Ninguém percebe esta guerra!»
Apesar de viver em Lisboa, Eduardo Paim é o músico angolano com maior sucesso entre a juventude de Luanda. Mas também em Maputo ou na Cidade da Praia não há quem não o conheça. Faltava-lhe conquistar Portugal. «Kambuengo», o seu último trabalho, pode ajudar: durante várias semanas na lista dos discos mais vendidos, é o terceiro que o cantor edita fora do seu país e o primeiro a sair numa editora comercial, a Vidisco. Em entrevista ao PÚBLICO, Paim fala de velhas e novas polémicas.
PÚBLICO -- Sobre o seu novo disco, «Kambuengo», chegou a dizer-se que foi o MPLA a pagar a edição, premiando assim o apoio de Eduardo Paim a este partido durante as eleições, em Setembro de 1992. Há alguma verdade nisto?
EDUARDO PAIM -- Há quem diga isso, enquanto outros garantem que fui pago para assumir determinadas posições. A verdade é mais simples: enquanto músico profissional, aceitei um contrato proposto pela Angolarte [empresa angolana de espectáculos]. Se essa empresa está ou não ligada ao MPLA, isso é uma questão que não me diz respeito...
P. -- Mas aceitou também participar na campanha televisiva do MPLA...
R. -- Aceitei. Pediram-me a minha opinião e eu disse o que pensava. Afinal de contas, não sou apenas músico -- também sou povo! E como cidadão tenho o direito de exprimir as minhas opiniões. Mas, a partir daí, não se pode concluir que fui comprado. Fiz aquilo que faço sempre que vou actuar: pedi um determinado «cachet», e nem sequer a quantia exorbitante de que se fala...
P. -- Não quer dizer quanto foi?
R. -- Não vale a pena. Mas não foi nada por aí além, não fiquei rico.
P. -- Após as eleições, a guerra recomeçou em Angola. Como vê a situação actual?
R. -- As eleições foram realizadas sem uma base sólida. E por isso aconteceu a seguir tanta tristeza e tanta miséria. Se as coisas tivessem sido feitas de outra maneira, tenho a certeza de que tudo teria sido diferente. Acredito que hoje, com dois anos de democracia, Angola seria já um país a caminhar a passos largos para o desenvolvimento. As eleições acabaram, assim, por dar origem a uma nova guerra, muito pior do que as anteriores -- e eu sei o que digo, porque infelizmente assisti a todas. Hoje, os angolanos começam a sentir-se estrangeiros dentro da sua própria terra. Não percebo, ninguém percebe esta guerra! Não se compreende por que é que as pessoas estão a disparar umas contra as outras. Todas as partes envolvidas neste processo cometeram erros. Agora, uma das coisas que mais me impressiona é que temos um país em guerra e, não obstante, é possível ver, aqui em Portugal, angolanos a viver num luxo que nem sei como classificar.
P. -- Refere-se à saída de angolanos com dinheiro?
R. -- À saída de angolanos com dinheiro? O problema é que uns saem com muito, muito, mas mesmo muito dinheiro, e outros saem sem nada, sujeitando-se a coisas tristes à entrada em Portugal.
P. -- Essa é outra questão actual. Enquanto africano, radicado em Portugal, como é que sente o aumento do racismo e da xenofobia?
R. -- Devo confessar que dentro do círculo em que me movimento não sinto esse fenómeno. As pessoas com quem lido não se preocupam com a cor dos outros. Mas é verdade que tem havido um crescimento do racismo, e nota-se que os africanos são sujeitos a um controlo que é difícil compreender. Por outro lado, é preciso dizer que, se hoje os angolanos têm certos problemas quando pretendem entrar, é porque há muitos não angolanos a utilizar indevidamente passaportes do nosso país.
P. -- Voltemos ao seu novo disco, «Kambuengo». Conhecendo as primeiras versões de alguns dos temas, como «Rosa baila», parece-me que por vezes o seu fascínio pelo sintetizador prejudicou o resultado final.
R. -- Acredito que isso aconteça em algumas canções. Sinto realmente um grande fascínio pela técnica moderna. Gosto de utilizar os instrumentos electrónicos, de explorar todas as suas possibilidades, e já outras pessoas me chamaram a atenção para os perigos a que isso pode conduzir. Na verdade, tenho a intenção de fazer um disco onde possa utilizar não o sintetizador, mas os verdadeiros instrumentos -- o verdadeiro batuque, o violino ou o piano acústico. Um disco que, mesmo não tendo, à partida, tanto sucesso comercial, possa ser ouvido em qualquer altura.
José Eduardo Agualusa
</TEXT>
</DOC>