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<DOCNO>PUBLICO-19940409-050</DOCNO>
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<DATE>19940409</DATE>
<CATEGORY>Cien_Tecn_Educ</CATEGORY>
<AUTHOR>AGRS</AUTHOR>
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O vírus da sida pode ser a causa directa de certos cancros, revela um estudo americano
O HIV é cancerígeno?
Sheryl Stolberg
Existem, pela primeira vez, dados que sugerem que o vírus da sida poderá ser a causa directa de determinados cancros. Até agora, pensava-se que o HIV era apenas uma causa indirecta de cancro, provocando o aparecimento de tumores malignos simplesmente porque fragilizava o sistema imunitário dos doentes com sida. Se os novos resultados se confirmarem, poderão ter imensas implicações no que respeita à maneira de encarar o tratamento dos doentes e o desenvolvimento de vacinas.
Investigadores norte-americanos anunciaram ontem ter mostrado pela primeira vez que o HIV é a causa directa de um cancro. Vários grandes especialistas da sida, porém, mostraram-se cépticos perante estes resultados, que dizem respeito a apenas quatro doentes.
Num estudo realizado na Universidade da Califórnia em São Francisco, que envolveu doentes com sida atingidos por um tipo invulgar de linfoma -- um cancro dos gânglios linfáticos --, Michael McGrath e os seus colegas constataram que o vírus da sida tinha tinha inserido os seus genes, dentro do património genético das células cancerosas dos doentes, ao lado de um «gene do cancro» ou «oncogene». Os oncogenes são genes que existem em todas as células e que têm uma função na multiplicação e diferenciação celular normal, mas que ocupam também um papel fundamental na formação dos cancros. Para estes investigadores, isso significa que o vírus da sida terá activado o oncogene, desencadeando a formação do linfoma.
Embora os linfomas sejam frequentes nos doentes com sida, os estudos realizados até agora faziam pensar que este cancro não era directamente causado pelo HIV, mas que surgia porque o vírus deprimia o sistema imunitário. «Os nossos resultados sugerem uma visão totalmente diferente dos efeitos do HIV», declarou McGrath. O novo estudo será publicado na edição de 15 de Abril da revista americana «Cancer Research».
Se os resultados se confirmarem, poderão ter profundas implicações, porque significam nomeadamente que mesmo quando existirem tratamentos eficazes contra a sida, as pessoas infectadas pelo HIV poderão apesar de tudo vir a desenvolver um cancro anos depois de terem sido infectados.
«Se os resultados forem exactos, acho que serão muito importantes», diz Irvin Chen, director do Instituto de Estudo da Sida da Universidade da Califórnia em Los Angeles. «Mas os dados não me parecem totalmente convincentes».
O tipo de linfomas que McGrath e a sua equipa estudaram é inédito e apresenta propriedades diferentes das dos linfomas que geralmente afectam os doentes com sida. Mas nem todos concordam com a sua existência. Assim, segundo Alexandra Levine, uma especialista de cancros associados à sida da Universidade da Califórnia do Sul, é possível que o que os investigadores de San Francisco pensam ser um linfoma não seja realmente um cancro, mas simplesmente uma reacção anormal contra o HIV. «Não acredito que eles tenham provado de maneira alguma que encontraram um novo tipo de cancro», diz ainda esta cientista. «Trata-se de uma curiosidade científica que exige estudos mais aprofundados, mas não de um linfoma classicamente associado à sida».
Em quase todos os casos, os doentes com sida que sofrem de linfoma apresentam tumores malignos «monoclonais» -- isto é, tumores que derivam de um único tipo de célula. E o tipo de célula de que derivam são quase sempre os chamados linfócitos B -- os glóbulos brancos responsáveis pela produção de anticorpos. No entanto, já foi identificado um pequeno número de casos -- entre 35 e 40 -- nos quais o linfoma deriva de um outro tipo de células imunitárias, os linfócitos T.
Mas no Hospital Geral de San Francisco, diz McGrath, os médicos têm visto aparecer um número crescente de linfomas que são pelo contrário «policlonais» e que derivam de um conjunto de linfócitos B e T e ainda de um terceiro tipo de células imunitárias que dão pelo nome de macrófagos. E nos últimos 10 anos, McGrath viu 280 doentes que padeciam deste invulgar tipo de linfoma. Hoje, diz o investigador, cerca de um terço da totalidade dos doentes do hospital que sofrem de um linfoma ligado à sida apresentam estirpes de células cancerosas que não derivam de linfócitos B.
A sua equipa analisou amostras de tecido provenientes de 30 doentes deste tipo. E em quatro casos, os cientistas dizem ter descoberto indícios que sugerem que o HIV se terá integrado dentro do material genético das células do tecido sempre no mesmo sítio e sempre ao lado do mesmo oncogene. Desde então, diz ainda McGrath, a sua equipa já identificou mais três doentes com o mesmo perfil.
Ainda não se conhece a frequência deste fenómeno. Mas o estudo sugere que este tipo de linfomas demora anos a desenvolver-se. E como a epidemia de sida está a entrar na sua segunda década de existência e as pessoas infectadas pelo HIV conseguem sobreviver durante mais tempo, é provável que apareçam cada vez mais casos, diz ainda McGrath.
Estes linfomas são muito difíceis de tratar. E segundo os autores do estudo, os novos resultados poderão permitir desenvolver novas estratégias terapêuticas, quer directamente contra o vírus, quer contra o gene que causa o linfoma.
Mas os resultados, a confirmar-se, também poderão vir a prejudicar os esforços que estão a ser feitos para desenvolver uma vacina contra a sida, diz por seu lado William Blattner, do Instituto americano de Estudo do Cancro. Em particular, daquelas que se baseiam na utilização de vírus da sida inactivados, pois poderiam desencadear, só por si, a activação de genes do cancro.
Exclusivo «The Los Angeles Times»/PÚBLICO
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