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<DOCNO>PUBLICO-19940422-214</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940422-214</DOCID>
<DATE>19940422</DATE>
<CATEGORY>Nacional</CATEGORY>
<AUTHOR>ASD</AUTHOR>
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Sérgio Vilarigues, 79 anos, dirigente do PCP
Fui preso há 60 anos em Alcântara, Lisboa, pela PSP, por andar a colar umas tarjetazitas, agitação para a libertação de um jovem comunista preso. Pertencia então à Federação da Juventude Comunista Portuguesa e entrei para o partido em 1935, quando já estava preso em Peniche.
Os polícias começaram a bater-me na esquadra do Calvário. Não acreditava que se vissem estrelas, mas garanto que vi. Entregaram-me à PVDE. Fui julgado em 1934 por um Tribunal Militar Especial, em Santa Clara, e apanhei 23 meses. Cumpri seis anos, primeiro nos calabouços do Governo Civil, depois no Aljube, em Peniche, em Angra do Heroísmo e no Tarrafal. O advogado de defesa era o José Magalhães Godinho e antes do julgamento disse-nos que o tribunal já nos tinha condenado, sabia as penas de cada um.
Em Peniche, em 1935, mandaram-nos fazer limpezas e eu recusei-me. «Varre!», «não varro», veio logo um aparato impressionante de guardas. Fomos parar às casamatas: era uma coisa muito engraçada, com portas baixas, tectos abobadados, lama por todos os lados. Ao fundo era o «ferro de engomar», um triângulo onde não cabíamos em pé.
A comida era sempre a mesma coisa -- sopa de repolho com feijão, e um pixelim seco ao domingo. Fizemos uma greve de fome, começaram a levar-nos bacalhau com batatas para ver se desistíamos.
Havia o calejão, de onde tinham retirado os cavalos por não ter condições e onde havia dúzias de ratazanas enormes que metiam medo. O meu maior castigo, ali, foi quando o então comandante capitão Manuel Reis, um homem histérico que depois foi director do Tarrafal, quis que eu lesse as entrelinhas de uma carta que escrevi à minha mãe... Fui dez dias para a poterna: era pior que a frigideira do Tarrafal. Oito metros de profundidade, 22 degraus e só no meio se podia estar de pé. Mesmo no Verão, caía água pelas escadas e não chegava lá luz. Fazíamos as necessidades fisiológicas e ninguém as tirava de lá. Havia também as furnas, uma caleira com um metro de largura, muito comprida, e éramos empurrados lá para dentro à coronhada -- cabia sempre mais um, achavam eles.
No dia 25 de Outubro de 1936, chegou o paquete Luanda com presos para o Tarrafal, e nós fomos levados também.
Tive sempre muita sorte, só fui uma vez para a frigideira porque me queixei de não haver papel higiénico -- arranjaram-nos pedaços de jornais e nós colámos uns aos outros e pusemo-nos a ler. Nessa altura já era director o capitão João da Silva, nunca vi bandido como este.
Saí em Julho de 1940 e, como não gostei de estar preso, nunca mais fui apanhado. Estive 32 anos na clandestinidade. Muitas vezes pensei: o que foi mais duro, se a prisão ou a clandestinidade. Creio sinceramente que a segunda é pior.
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