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<DOCNO>PUBLICO-19940424-079</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940424-079</DOCID>
<DATE>19940424</DATE>
<CATEGORY>Diversos</CATEGORY>
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Ambiente e fundamentalismo
Jorge Paiva*
Quando não há argumentos que consigam «apagar» as verdades factuais que os defensores apresentam, chamam-lhes fundamentalistas.
Realmente, eles podem considerar-se fundamentalistas de ideias, mas não têm como fundamento o dinheiro, como aqueles que assim os apelidam.
Por outro lado, eles seriam fundamentalistas se acreditassem fanaticamente que conseguiam modificar esta sociedade materialista, economicista e mercantilista em que vivemos, pois só dessa maneira se conseguirá salvaguardar a espécie humana do suicídio colectivo para que caminha. Eles não acreditam que isso seja possível. E, tal como se pode ler no epitáfio do túmulo de Karl Marx no Cemitério de Waterloo em Londres, «os filósofos apenas interpretam o Mundo. O dinheiro, todavia, está a modificá-lo», os «ambientalistas» apenas interpretam os problemas ambientais e alertam para as consequências do que está a acontecer e para a catástrofe para que se caminha se a espécie humana não «arrepiar caminho». Mas o poder económico continua a destroçar a Natureza e a contaminar o Ambiente.
O dinheiro «cega» e os ávidos de lucro não se importam de negociar produtos que matam os outros, como as armas, a droga, os pesticidas proibidos, etc. Se não se importam de ter lucros vendendo produtos mortíferos, como se vão importar com negócios que prejudicam o ambiente? Se muitas vezes o dinheiro faz com que eliminem os próprios familiares, como se vão importar com a Natureza? Não admira, pois, que esses nos chamem fundamentalistas e outros nomes e até matem ou tentem eliminar os ambientalistas, como, infelizmente já aconteceu.
Como a Presidência Aberta sobre Ambiente e Qualidade de Vida, que em boa hora o dr. Mário Soares resolveu efectuar, poderá vir a «estragar» muita negociata, era preciso «calar» os ambientalistas, ou denegri-los, desde o início. E foi assim logo no primeiro dia desta Presidência Aberta, e até no primeiro «acto» que foi a conferência de imprensa dada pelo sr. Presidente da República. Aí, onde tive a honra de estar presente, um «jornalista» (?) da imprensa regional aproveitou a ocasião para iniciar a «batalha» e apelidou de fundamentalistas os defensores do ambiente. O sr. Presidente da República zurziu de tal modo naquele defensor das negociatas da região, que ele não tugiu nem mugiu mais. Certifiquei-me, pela imprensa, que no segundo dia o «esquema» continuou e houve vários «oradores» que continuaram o «disco» do fundamentalismo. Mais uma vez, o sr. Presidente da República os calou.
Felizmente que na nossa imprensa há jornalistas que honram a profissão e não estão subjugados ao poder económico. E, assim, José Manuel Fernandes não deixou passar em claro esta campanha e insere no PÚBLICO uma bela peça jornalística, intitulada «Regresso ao tema do fundamentalismo», em que argumenta inteligentemente contra a falsa mensagem que os senhores das negociatas e dos votos utilizam para tentar enganar os incautos.
Esses negociantes e angariadores de votos sem escrúpulos só se lembram da Natureza quando dela necessitam. Quando têm doenças que os podem levar à morte é que se lembram dos animais e das plantas que os podem salvar. Ainda há bem pouco tempo me perguntaram onde havia teixo (Taxus baccata L.) em Portugal, pois descobriu-se que o taxol, um produto extraído dessa bela árvore, é utilizado no tratamento de certos tipos de tumores malignos. O teixo é uma árvore já muito rara em Portugal, e, portanto, eu nunca disse onde encontrá-la. Felizmente para o teixo, investigadores californianos (Estados Unidos) conseguiram, no início deste ano, sintetizar laboratorialmente o taxol, que era extraído das folhas e casca do teixo.
Na verdade, se o teixo já tivesse sido eliminado pelos fundamentalistas económicos, aquele potente produto anticanceroso não teria sido descoberto. Mas o que se refere ao teixo é aplicável a muitas outras plantas e animais que estão a desaparecer, muitos dos quais nem sequer foram recenseados, quanto mais saber-se se tinham alguma utilidade.
É como destruir a flora do litoral e construir sobre as dunas. Estas, e as plantas que as mantinham no lugar, movem-se pela acção do vento e, depois, «aqui d'el rei» que os alicerces das casas estão a descoberto e que o mar está a «avançar»!...
Pois é, só se lembram de Santa Bárbara quando troveja!...
Nós, ambientalistas, podemos, por vezes, ser fundamentalistas, mas o que não somos é criminosos, pois nunca matamos ninguém, nem destruímos a Natureza, ao passo que alguns ambientalistas já foram mortos pelos destruidores da Natureza.
Desenvolvimento, sim, mas não económico-fundamentalista, antes sustentado, ou, melhor ainda, durável, levando em consideração que esse desenvolvimento se deve efectuar em benefício do próprio homem.
* professor na Universidade de Coimbra de Biologia e Botânica
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