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<DOCNO>PUBLICO-19940513-048</DOCNO>
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<DATE>19940513</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>FCOL</AUTHOR>
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China continua a baralhar observadores quanto aos dissidentes
As autoridades chinesas continuam a emitir sinais contraditórios quanto à sua política de direitos humanos. Ontem, o regime anunciou a libertação de uma conhecida dissidente, deteve outro e autorizou um terceiro a seguir para os Estados Unidos. Familiares de um outro, a cumprir pena, disseram que ele foi recentemente hospitalizado, devido à gravidade do seu estado.
O porta-voz da associação chinesa de direitos humanos, Yang Zhou, foi detido ontem em Xangai, revelou a mulher do dissidente. «A polícia chegou por volta do meio-dia, revistou-nos a casa, confiscou documentos e levou o meu marido», disse Li Guoping, contactada pelo telefone pela Agência France-Presse, de Pequim.
Trata-se da sexta detenção de um dissidente chinês num mês e a quinta de um membro desta associação, com sede em Xangai. Yang, 50 anos, foi levado para local desconhecido, enquanto o secretário-geral da organização, Wang Fucheng, está sob residência fixa num hotel da cidade desde 14 de Abril. O presidente, Li Guotao, foi detido a 2 de Maio e Dai Xuezhong, outro militante da associação, no dia seguinte. Na sexta-feira passada, foi a vez do pintor Lin Muchen, também activista dos direitos humanos, ser detido, quando se preparava para seguir para os Estados Unidos, munido de passaporte e visto. Em Pequim, a polícia tinha detido, no final de Abril, Zhai Weimin, antigo dirigente estudantil do movimento pró-democracia de 1989, que terminou com a repressão do exército na madrugada de 4 de Junho desse ano.
Apesar das indicações de intransigência das autoridades face às pressões internacionais, especialmente dos Estados Unidos, que querem fazer depender a prorrogação do estatuto MFN (de nação mais favorecida, respeitante a condições de exportação para o mercado americano) da melhoria da situação no capítulo dos direitos humanos na China, alguns observadores interpretam outros casos, de libertação ou autorização para saída do país, como sinal de que Pequim é permeável ao que sempre considerou «ingerência» nos seus assuntos internos.
Ontem, enquanto detinha em Xangai mais um dissidente, o regime anunciava, através da agência Nova China, a libertação condicional, alguns meses antes do cumprimento integral da pena, de uma conhecida dissidente religiosa. «Zhang Ruiyu, que tinha sido condenada em Agosto de 1990 por ter conspirado para derrubar o Governo por meio de actividades religiosas, foi libertada condicionalmente», disse a agência.
O grupo de direitos humanos Human Rights Watch, dos Estados Unidos, afirma no seu último relatório que Zhang, antiga professora de Educação Física, com cerca de 50 anos, terá sido gravemente ferida pela polícia quando a sua casa foi assaltada pelas autoridades, em Maio de 1990, tendo-lhe sido confiscadas bíblias e outro material religioso. A organização de direitos humanos referiu ainda que Zhang foi queimada na face com bastões eléctricos e espancada, ficando com vários dentes partidos. A activista tinha passado um total de mais de sete anos na prisão antes da sua última condenação.
Gestos para Washington ver?
A decisão foi tomada por um tribunal da província de Fujian, no Sul do país, «porque ela cumpriu o regulamento da cadeia e se comportou bem durante a detenção». A China não costuma anunciar a libertação de dissidentes, a menos que isso lhe traga alguma vantagem quanto à imagem de que o regime goza a nível internacional, fazem notar alguns especialistas. O presidente Bill Clinton deverá decidir até 3 de Junho se continua a conceder o estatuto MFN a Pequim.
Entretanto, soube-se também ontem na capital chinesa que Bao Tong, o mais alto responsável do regime a ser detido depois das manifestações de 1989, foi transferido há um mês para um hospital local devido ao agravamento do seu estado de saúde. A filha, Bao Jian, disse a jornalistas estrangeiros ter estado com o pai, no início da semana. «O seu estado continua grave, tem a cara inchada e deformada e fala com dificuldade», contou.
Bao Tong, 62 anos, economista, era o principal colaborador do secretário-geral do Partido Comunista Chinês, Zhao Ziyang, afastado na sequência da repressão militar em 1989. Detido em Maio desse ano, Bao foi condenado, em Julho de 1992, a sete anos de prisão, por «actividades contra-revolucionárias» e «divulgação de segredos do Estado». Segundo os seus familiares, ele sofre de infecção na tiróide e sistema linfático, tendo sido operado na prisão a pólipos nos intestinos.
O caso de Yu Haocheng, 68 anos, é diferente. Ontem, este dissidente, antigo director da Casa de Edição do Povo, dependente do Ministério de Segurança Pública, anunciou ter recebido, finalmente, autorização para seguir para os Estados Unidos, depois de anos de esforços infrutíferos nesse sentido.
«Obtive um passaporte a 9 de Maio, através da minha unidade de trabalho, e estou muito contente, porque já não acreditava que isso fosse possível», disse ele à agência Reuter, contactado telefonicamente em Pequim.
Este especialista de direito constitucional, fervoroso adepto das reformas políticas e apoiante público do movimento pró-democracia de 1989, espera partir no final do mês para a Universidade de Columbia ( Nova Iorque), que o tinha convidado para leccionar.
No mês passado, um dos mais célebres dissidentes chineses, Wang Juntao, foi autorizado a seguir para os Estados Unidos, para receber tratamento médico, depois de ter cumprido cinco anos de prisão pelo seu papel no movimento de 1989.
Mas o mais célebre dos activistas, com um currículo de dissidência política que vem desde o final da década de 80, Wei Jingsheng, continua, segundo a família, detido à guarda da polícia, desde há mais de um mês, numa residência governamental nos arredores de Pequim. A preocupação das autoridades é, claramente, mais do que agradar a Washington, «retirar das ruas» as vozes dissidentes mais destacadas, a três semanas do aniversário do «4 de Junho».
Fernando Correia de Oliveira
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