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<DOCNO>PUBLICO-19940518-176</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940518-176</DOCID>
<DATE>19940518</DATE>
<CATEGORY>Desporto</CATEGORY>
<AUTHOR>LA</AUTHOR>
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Capello, o gestor
O futebol e a política misturam-se em todos os países, na Europa, em África ou na América do Sul. Em Itália, o poder do futebol é tal que a política, obviamente, não lhe escapa -- ou vice-versa. São muitos os dirigentes de clubes que têm cargos políticos, mas, pela primeira vez na história, o presidente de um clube é também chefe de um partido e primeiro-ministro.
O treinador Fabio Capello dizia -- quando o Milan jogou no Porto, há pouco mais de um mês -- que, desde que Berlusconi entrou na política, o Milan passou a ter mais adversários fora do campo. O que parece ser verdade, porque se, já antes, D. Silvio tinha muitos inimigos por ser presidente do Milan e dono de três cadeias de televisão, depois que fundou Forza Itália e mostrou alguma força, os inimigos multiplicaram-se, ainda que os amigos tenham ficado mais amigos. Sacchi, Baresi e tantos outros dos seus actuais ou ex-empregados fizeram campanha ou declararam o seu apoio ao candidato Berlusconi. «As minhas ideias são outras, mas, neste momento, voto Berlusconi» justificava, por exemplo, o treinador da selecção italiana, Arrigo Sacchi.
No Milan, para já, a vida não mudou muito. Apesar de a FIFA já ter intimado Berlusconi a deixar a presidência do Milan, Sua Emittenza ainda não deu sinais de estar pronto para isso -- e, de qualquer forma, quando o fizer, nomeará alguém que ele próprio controlará totalmente, como o seu administrador-delegado Adriano Galliani, o seu irmão Paolo ou o seu filho mais velho nascido do primeiro casamento.
É neste cenário que o Milan procura manter a sua hegemonia no futebol italiano e europeu, perante a forte concorrência de uma Juventus que, à partida, parece cheia de grandes intenções mas contratou um treinador à antiga italiana, Marcelo Lippi.
Capello é um gestor. Aliás, entre o final da sua carreira de jogador e, até há três anos, iniciar verdadeiramente a carreira de treinador, Capello foi gestor do chamado Polidesportivo Milan, que centraliza as equipas de futebol americano, basquetebol e voleibol do universo Fininvest. Homem correcto mas algo tímido, Capello tem feito um trabalho limpo, sem suscitar grandes reparos nem fortíssimas adesões. Gere a equipa e, para isso, trouxe um conceito da economia: o «turn-over». Assim chamou à rotação dos jogadores dentro da equipa, nomeadamente dos estrangeiros.
Porque não é fácil dizer a Gullit, Laudrup, Raducioiu ou Papin que, desta vez, não joga. Aliás, poucos acreditavam que isso funcionasse numa equipa italiana -- Trapattoni era um dos mais cépticos -- mas, no fim, toda a gente deu razão a Capello. E, hoje, Cruyff faz o mesmo no Barcelona com bons resultados, porque conseguiu chegar ao fim da época com um plantel relativamente fresco, apesar de os principais jogadores terem mais de 60 jogos nas pernas.
Capello é discreto, paciente, eficiente, menos teórico e menos comunicativo que Sacchi ou Cruyff, mas sempre correcto e seguro. E ganhar o título italiano sem Lentini e Van Basten, e praticamente sem Papin, não deixa de ser uma obra de arte. E mais do que o jogo de Capello, são estas ausências que explicam o decréscimo de golos que o Milan tem tido: 74 no campeonato de 91-92, 65 no ano passado, apenas 36 nesta época. É indiscutivelmente a defesa -- a defesa que esta noite lhe falta -- que tem aguentado a equipa.
Em três anos, Capello ganhou três campeonatos e, nesse aspecto, vai muito à frente de Arrigo Sacchi, que, em quatro temporadas, só ganhou um. Mas Sacchi ganhou duas edições da Taça dos Campeões, não falhou na Taça Intercontinental nem nas supertaças europeias. E esse tem sido o lado fraco de Capello -- ainda não ganhou nada fora de Itália e tem falhado sempre nos jogos decisivos. Em Tóquio, nos dois últimos anos, com o Parma, na Supertaça europeia, perdendo em casa o troféu depois de ter ganho a primeira mão no terreno adversário, a final da Taça dos Campeões do ano passado com o Marselha. Fabio, o gestor a longa distância, o homem capaz de armar a equipa a longo prazo, parece ter mais dificuldades em motivar os seus jogadores na hora em que aparece o tudo ou nada.
A culpa não será só dele. O Milan tem envelhecido inexoravelmente e todas as equipas, ao envelhecerem, se tornam menos capazes de correr riscos, procuram mais a segurança -- o que se torna mais difícil de gerir quando há só 90 minutos, sem recuperação possível. No ano passado, o Milan chegou à final da Taça dos Campeões só com vitórias -- e perdeu o único jogo que não podia perder. Neste ano, também ainda não perdeu, ganhou seis vezes mas empatou cinco e nunca deu a ideia de domínio que deixara ao longo de toda a temporada passada. Quiçá, nesta noite, os deuses não favoreçam Fabio Capello, depois de tanto o terem feito sofrer ao longo da época com a falta de alguns dos seus melhores homens.
Manuel Queiroz
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