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<DOCNO>PUBLICO-19940520-043</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940520-043</DOCID>
<DATE>19940520</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>JAF</AUTHOR>
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Corrida à sucessão de Delors, em clima de cepticismo
Novo «Sr. Europa», procura-se
A um mês da cimeira de Corfu, a União Europeia procura sair do clima de pessimismo em que tem vivido nos últimos anos, fruto da recessão económica e das contradições entre os interesses nacionais dos Doze. Jacques Delors, o presidente da Comissão Europeia, está no fim do seu mandato. A corrida à sua sucessão só agora verdadeiramente começou. Mas o próximo «Sr. Europa» tem pela frente uma tarefa muito difícil.
Três em cada quatro europeus estão descontentes com a maneira como os seus governos estão a governar os respectivos países, segundo uma sondagem feita nos 12 países da União Europeia. Se o número é desencorajador em relação às políticas domésticas, deixa alguma réstia de esperança quanto à própria UE, pois «apenas» metade dos inquiridos está também insatisfeita em relação à maneira como o espaço político e económico comum está a ser governado.
Entre os povos da União, os dinamarqueses (que quase fizeram afundar os sonhos europeus, com o «não» ao Tratado de Maastricht, há dois anos) são naturalmente os que continuam a acreditar menos na Europa comunitária: apenas 39 por cento pensam que a ideia da UE é «uma coisa boa», uma queda de nove pontos, num mês. Até em França, país tradicionalmente considerado como um dos pilares da ideia comunitária, a adesão ao «espírito europeu» está agora nos 53 por cento, uma descida de três pontos em relação a Abril. A Europa não pode estar mais por baixo. Agora, dizem os optimistas, as coisas só podem melhorar.
Mas, para o filósofo francês Edgar Morin, há mesmo «o risco de recuo» face ao que já foi conseguido e não é só a UE que está neste momento em jogo. Com a lentidão do processo de construção europeia, perdem os Doze, mas também toda a civilização ocidental, diz ele.
Morin, que se encontra em Barcelona, onde ontem recebeu das mãos do Rei de Espanha, Juan Carlos, o prémio Catalunha 1994 pela sua obra como sociólogo, admite que «os próximos anos serão decisivos para decantar o processo, seja na direcção de uma integração ainda maior» da Europa ou «na direcção de uma separação» entre os diferentes países que a compõem.
A Comissão deu recentemente uma ideia exacta de como estão a ser aplicadas no direito interno de cada Estado-membro as 265 directivas dos Doze sobre o Mercado Único da UE -- oficialmente em vigor desde 1 de Janeiro de 1993. Segundo os dados de Bruxelas, a Dinamarca, embora tendo uma opinião pública muito pouco europeísta, vai à frente na harmonização legal, com 94,2 por cento das decisões transpostas para a sua ordem nacional, contra 89,3 por cento da Grã-Bretanha, 82,2 por cento da França, ou 81,3 por cento da Alemanha E Portugal?.
Evocando a corrupção política nos vários países europeus, Morin pensa que «a opinião pública exige actualmente uma certa moralidade que, a não ser satisfeita, poderá levar a uma crise geral das democracias». Os partidos políticos, diz o sociólogo francês, «actualmente em plena crise de representatividade, estão em estado de esclerose».
20 milhões de desempregados
O principal problema social e económico dos europeus é, sem dúvida, o desemprego. Com mais de 20 milhões de elementos da sua força de trabalho forçadamente fora de actividade, a UE, com Jacques Delors à frente, quer atacar decisivamente a questão na cimeira de Corfu, a 24 e 25 de Junho.
Para os observadores em Bruxelas, os chefes de Estado e de Governo da União estão ansiosos por evitar que a reunião, que assinala o fim da presidência grega, seja um «flop» de relações públicas, o que iria ajudar a empurrar ainda mais para para baixo nas opiniões nacionais a ideia da Europa.
«Começa a haver um certo pânico, porque ninguém quer que a cimeira encerre sem tratar verdadeiramente o assunto número um que é o desemprego», disse um diplomata europeu, citado pela agência Reuter. «Os líderes dos Doze querem a todo o custo evitar um desastre de relações públicas, mas parece que ninguém sabe muito bem onde está a cartola de onde vai sair o coelho».
Para Delors, que está a meses de acabar o mandato, a cimeira de Corfu poderá ser a última oportunidade para «deixar a sua assinatura» numa retoma do optimismo e da construção europeia. Mas poucos acreditam que ele consiga arrancar da reunião na ilha grega a luz verde dos governos para o seu ambicioso (e caro) plano de criação de empregos, através de megaprojectos nos sectores viário, ferroviário e de telecomunicações.
A sucessão de Delors, depois do problema do desemprego, poderá ser o tema dominante da cimeira, pelo menos no que disser respeito às habituais conversas de corredor.
Ontem, a corrida à sucessão terá entrado oficiosamente na sua fase definitiva, com o lançamento semiformal da candidatura do irlandês Peter Sutherland, 48 anos, director-geral do GATT.
Trata-se da terceira candidatura, depois da do britânico Leon Brittan, comissário europeu para as relações externas, e da do ex-primeiro-ministro holandês Ruud Lubbers. Um quarto homem estaria prestes a lançar-se na compita pelo lugar de Delors: o actual primeiro-ministro belga, Jean-Luc Dehaene.
Naquilo que o «Financial Times» classificava ontem de «processo opaco de selecção» e de «corrida tão permeável a `outsiders' como uma eleição papal», os jogos de bastidores ainda agora começaram. Mas, seguindo a lógica de que, depois de um francês, Jacques Delors, «republicano, laico e socialista», seria a vez de dar a presidência da União Europeia a um conservador, originário de um pequeno Estado. Tanto Sutherland como Lubbers ou Dehaene preenchem esses requisitos. A corrida deverá ser animada. Espera-se que não contribua ainda mais para dividir os Doze.
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