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<DATE>19940528</DATE>
<CATEGORY>Cien_Tecn_Educ</CATEGORY>
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Entrevista com Jorge Vismara, consultor da Microsoft
«O momento de entrar no mercado multimédia é agora»
Pedro Fonseca
A televisão interactiva ainda não existe. Mas não se pense por isso que o multimédia não vai mudar a nossa vida. E todos os meios de comunicação, do cinema ao vídeo, passando pela imprensa e pela publicidade, vão sentir o impacto das novas tecnologias. Algumas delas já começaram a aparecer discretamente em cima das nossas mesas, como os CD-ROM. Jorge Vismara, um brasileiro consultor da Microsoft, esteve recentemente em Lisboa e disse a COMPUTADORES como imagina o futuro.
«Actualmente, a televisão interactiva é só fumaça». Não tem quaisquer produtos para oferecer e existe uma grande indefinição no respeitante à normalização. Mas uma coisa é certa: a televisão tal como a conhecemos vai desaparecer. O espectador desse novo meio de comunicação pode esperar um televisor (ou será um computador?...) personalizado. As novidades mais assustadoras podem surgir do lado da publicidade, obrigada a reconverter-se a um meio onde o espectador pode não querer ver anúncios.
Esta é a opinião de Jorge Vismara, um brasileiro a residir em Los Angeles (Califórnia), onde é consultor da Microsoft para a integração do Windows em automação de escritórios. Vismara terminou em Abril um seminário de três meses sobre multimédia na universidade da Califórnia e, depois de já ter estudado desenho industrial e cinema, na Alemanha, quer entrar no domínio da animação gráfica -- «uma área apaixonante».
Esteve na semana passada em Lisboa no «Multimedia' 94 -- II Congresso Internacional sobre a Tecnologia e a Utilização de Multimedia», onde teceu algumas considerações sobre a televisão interactiva (TVI). Para Vismara, a actual situação neste domínio é semelhante à emergência do multimédia, «uma tecnologia muito verde, sem forma e sem normas».
PÚBLICO -- As suas afirmações revelam um grande cepticismo em relação à televisão interactiva. Mas não é normal as coisas estarem no pé em que estão? Afinal, está-se no início.
JORGE VISMARA -- Há produtos que, não estando normalizados, começam a ter forma e a poderem ser vendidos. No caso da televisão interactiva continuamos sem normas e sem horizonte concreto. Quando comecei o seminário na universidade da Califórnia, houve uma coisa que me chamou a atenção: os números que mostram que a indústria do cinema vende bilhetes no valor de oito mil milhões de dólares anuais e que esta incipiente indústria de multimédia, que está a começar, que está a gatinhar, obtém valores de sete a 10 mil milhões de dólares.
P. -- Mas isso acontece porque se usa o termo multimédia numa acepção muito vasta.
R. -- Correcto. Multimédia na verdade não significa nada, nunca ninguém conseguiu definir o que quer dizer e nesse termo inclui-se tudo incluindo os vídeojogos Nintendo ou Sega. Mas quando se pensa que algo trivial como os jogos, incluídos dentro do nome multimédia, têm um grande peso, imagine-se quando se tiver enciclopédias em CD-ROM em massa e for esse o modo normal de os estudantes, dos nossos filhos, acederem à informação. Hoje, praticamente cada casa tem uma enciclopédia -- quando se tiver isso em CD-ROM, vai ser um mercado que atingirá o dos livros e que vale 50 mil milhões de dólares. É um mercado onde teremos acesso a praticamente todos os meios de informação intelectual -- de curiosidade intelectual, não só de jornais -- em ambiente multimédia. Nesse momento, o mercado estará amadurecido e quem não entrar agora, quando ele estiver fortalecido, será tarde. Ou seja, acho que o momento de entrar no mercado é agora, pela dimensão que se sente que vai ter.
P. -- Onde é que a multimédia se vai expandir mais? Será na TV, nos livros...
R. -- A televisão ainda vai demorar, porque requer uma infra-estrutura física, uma instalação de base que demora mais do que vender CD-ROM . Mas depois de instalada, terá um potencial de expansão, um significado muito maior do que o CD-ROM. Permite a interacção, pode-se entrar, por exemplo, num canal com jogos interactivos, de multi-participantes do país ou do mundo inteiro. Quando se chegar a esse ponto, não sei onde é que a multimédia nos vai levar.
P. -- Nesse caso, estamos a falar de informática e não de televisão. Porque é que o telespectador vai aderir a uma televisão que passou a ser um computador?
R. -- Não há um porquê. Ele vai aderir porque vai ser o que a nova televisão -- por cabo ou como se venha a chamar -- lhe vai dar. Ele não vai aderir voluntariamente.
P. -- Desaparece a televisão como a conhecemos.
R. -- Em lugar de ser uma televisão onde o espectador é um elemento passivo, vai ser uma televisão onde o espectador passará a ser activo.
P. -- Vai assistir-se à fusão da TV por cabo com o tele-shopping,...
R. -- ...com a Microsoft, com a Apple, com a IBM. A TVI vai trazer para a televisão novos parceiros, porque precisa de novas tecnologias, vai ter muita gente do «software», sobretudo sabendo que Bill Gates -- que sabe fazer negócios e tem muito dinheiro -- não vai deixar de investir. Já o está a fazer, mas falhou várias tentativas para ficar com a grande fatia do bolo.
P. -- Em que sentido?
R. -- Nalgumas associações com empresas americanas. Diz-se «nos corredores» que tentou ficar com 51 por cento do consórcio e fracassou.
P. -- Com que empresas?
R. -- Com a AT&T, Comcast, TCI, outras empresas [do cabo e das telecomunicações], mas não deixou de jogar. Aparentemente falhou, mas não deixou de estar atento e de participar no mercado.
P. -- Quem serão os vencedores nesse mercado?
R. -- Evidentemente, a TV vai ficar uma coisa mais interessante. Todos vamos ganhar, a nossa maneira de ver o mundo vai mudar, porque vamos estar acostumados a imagens com texto, filmes e vídeo. Algo a que não estávamos habituados. Vimos duma espécie de artesanato visual e passaremos para o «cinemascope» visual. Quem ganha? Numa lista que tenho com vencedores e perdedores, entre estes, estavam as lojas de aluguer de vídeos, os vendedores de «pop corn» -- nos EUA, não se vai ao cinema sem um saco de pipocas -- e mais uma meia dúzia de outras empresas.
[O estudo a que Vismara se refere chama-se «O mercado virtual: a intersecção da tecnologia, `media' e telecomunicações» e foi feito pela Unterberg Harris, em Abril de 1993. Cita ainda como perdedores as companhias telefónicas regionais, serviços de satélite ou fabricantes de «hardware» para vídeojogos. Em posição neutral, ficam editoras, fabricantes de «hardware» e de «software» para PC e fornecedores de serviços telefónicos de longa distância. Entre os vencedores, estão operadores e fornecedores de infra-estruturas de TV por cabo, fabricantes de servidores informáticos, serviços de informação e empresas de venda por catálogo, segundo o documento ].
P. -- Nessa fase do artesanato visual, quem pagava o luxo de ser telespectador era a publicidade. O que vai acontecer a este meio, quando se puder escolher não ter anúncios?
R. -- A publicidade vai ter que se modificar. Evidentemente que vai ter que aprender a utilizar o multimédia.
P. -- Como?
R. -- Por exemplo, hoje, quem faz um filme, não está preocupado com a publicidade. Mas se quiser vender o filme para uma TVI, necessitará de ter, no seu grupo de trabalho, alguém do «marketing» para escolher o que se poderá vender depois do filme pronto: um telefone, os sapatos do actor, os serviços que se vão ver, como o cabeleireiro que fez o penteado da actriz. Assim, além do grupo que trata do vestuário, da iluminação, vai haver uma agência de publicidade que vai tentar criar além do conteúdo do filme, do princípio, meio e fim, os elementos que permitam usufruir duma TVI. É uma ideia.
P. -- Uma ideia assustadora. Um filme recheado de publicidade?
R. -- A imaginação é barata. Eu só imagino.
P. -- E o que vai acontecer aos livros e aos jornais?
R. -- Com um pouco de sorte, consegue-se poupar a floresta, a água, a ecologia. Mas não acredito que se acabe com o papel. Vai haver, seguramente, muitos jornais interactivos. Não se vai ter, como se faz hoje, um jornal linear que começa com uma notícia que pode não interessar e em que se pode escolher o que se quer ler.
P. -- Vem aí o jornal personalizado?
R. -- Um jornal feito à medida, em que se configura o que se quer ver. Quem quer desportos, é só isso que vai ver, mas pode escolher os que quer. No jornal, quero só ver o que aconteceu com Lisboa, Portimão e Nova Iorque, o resto do mundo para mim não existe. Vai-se poder escolher. Mas, é um palpite, acho que os jornais e as revistas não vão desaparecer, são muito antigos, não desapareceram com a televisão, com o computador -- temos computadores e mesmo assim continuamos a imprimir. Talvez venhamos a assistir a um novo papel da informação escrita mas devem passar ainda um par de gerações para que, culturalmente, não se fique apegado à ideia de pegar num jornal e ler, ter o impulso de escolher o que se quer ler. Lê-se, por exemplo, o «Los Angeles Times», e acostumamo-nos ao estilo editorial do jornal e sabemos que o título de um artigo foi escrito para saber se é ou não interessante para ler. Como é que isso se vai substituir pelo interactivo? Vai demorar algum tempo -- nem sei mesmo se irá ser substituído. É uma incógnita.
P. -- Qual a sua opinião sobre as fusões -- algumas entretanto canceladas -- ocorridas pelo anúncio das «auto-estradas electrónicas»?
R. -- Em geral, as fusões reúnem um grande com um pequeno. Quando isso acontece, significa que o mercado é tão importante que justifica o investimento ou o endividamento do grande. Quando uma grande empresa decide endividar-se e ficar no vermelho para comprar outra empresa é porque pretende a muito curto prazo estar num trono maior. Quando a Sony comprou a Columbia Pictures, fê-lo para entrar no mundo do entretenimento no mercado americano. Eles farejaram que estava a acontecer alguma coisa. Porque razão comprar cinema num momento em que este não cresce, quando a venda de bilhetes se tornou estável, com um crescimento pequeno?...
P. -- Havia o mercado do vídeo...
R. -- Precisamente. Era para entrar no mercado do vídeo ou do multimédia. Quando se considera que os vídeojogos crescem 20 por cento ao ano e o mercado do CD-ROM cresce 50 por cento, começa-se a entender porque é que uma Sony que está ligada à electrónica investe numa empresa de entretenimento. É fácil ver qual a perspectiva que tinham. Como donos de tecnologia de ponta na electrónica, em computadores, em vídeo, farejaram esta oportunidade antes do público. Agora tem sentido, mas há dois anos atrás não fazia sentido.
P. -- Os valores de crescimento que apontou são particularmente impressionantes porque se trata de um mercado novo. Nos vídeojogos, por exemplo, a Nintendo anunciou prejuízos no final do ano fiscal, em Março, apesar de ter tido lucros desde 1990. Os CD-ROM estão desde o ano passado a dar o grande salto.
R. -- Quando se vendem pequenas quantidades têm-se margens de lucro grandes, mas caminha-se para maiores quantidades. Então, as margens de lucro descem, mas o valor total do lucro é maior porque se vende mais. No ano passado, venderam-se seis milhões de leitores de CD-ROM e este ano prevê-se que se chegue aos dez milhões. Dez milhões, mais os seis que se venderam em 1993, mais um milhão no ano anterior, são dezassete milhões de compradores potenciais de discos CD-ROM. Eu, que não sou um louco dos CD-ROM, já tenho cerca de 40 -- e ainda nem comecei a comprar. Os CD-ROM transformaram-se no meio de transportar informação por excelência. Não se pode mais pensar em disquetes.
Nesse seminário onde estive, a grande dúvida era se os vídeojogos conseguem assegurar com as suas plataformas proprietárias, o enorme crescimento dos CD-ROM. Vendeu-se um milhão de jogos contra seis milhões de CD-ROM. Atrevo-me a dizer que o CD-ROM vai prevalecer, mas os jogos ficam ainda com um pedaço de mercado, sobretudo porque não gostamos que as crianças joguem no nosso computador.
P. -- No entanto, a própria Sega já anunciou que estava interessada em ceder os seus jogos para PC.
R. -- Na verdade, o que eu acho é que se vão diversificar. É óbvio que não vão perder esse mercado.
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