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<DOCNO>PUBLICO-19940603-055</DOCNO>
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<DATE>19940603</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>APC</AUTHOR>
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Bombardeamento contra o Líbano mata 45 guerrilheiros do Hezbollah
As provas de força de Israel
Alexandra Prado Coelho
Depois do rapto de um líder fundamentalista, a força aérea israelita voltou ao Líbano para bombardear um campo de treino do Hezbollah. Numa altura em que o processo de paz com a Síria está num impasse e Rabin se mostrou desiludido com a mediação americana, Israel aproveita para dar provas de força no território libanês, sob controlo sírio.
No raide aéreo mais sangrento de sempre contra o Líbano, Israel bombardeou ontem um campo de treinos do movimento pró-iraniano Hezbollah no Vale de Bekaa, matando 45 pessoas, segundo números fornecidos pelo ministro libanês dos Negócios Estrangeiros, Fariz Bouez. Fontes do Hezbollah citadas pela Reuter disseram que o raide provocara 31 mortos e 30 feridos.
O grupo guerrilheiro reagiu imediatamente lançando 25 roquetes «katiucha» sobre a região da Galileia, no Norte de Israel, e outros nove sobre a zona ocupada pelos israelitas no Sul do Líbano, mas sem fazer vítimas nem estragos materiais, segundo fontes militares israelitas. Israel pôs as suas tropas em estado de alerta ao longo da fronteira e a população do Norte do país foi aconselhada a passar a noite nos abrigos devido ao risco de novos ataques de roquetes.
O Alto Conselho de Defesa libanês reuniu-se de emergência sob a presidência do chefe de Estado, Elias Hrawi, e decidiu apresentar uma queixa à ONU, pedindo uma reunião do Conselho de Segurança. Fariz Bouez classificou o bombardeamento como um «massacre» e uma «agressão contra a soberania e segurança do Líbano», e considerou-o uma prova de que Israel está a tentar fazer fracassar o processo de paz israelo-árabe. O Hezbollah apelou ao Líbano para abandonar definitivamente as conversações de paz, suspensas desde o massacre de Hebron (em que um colono israelita matou dezenas de muçulmanos que rezavam numa mesquita), e prometeu uma «resposta global a todos os níveis».
Segundo testemunhas citadas pela France Presse, cerca de uma dezena de caça-bombardeiros e helicópteros israelitas «pulverizaram» o campo do Hezbollah, situado a cinco quilómetros da fronteira síria, com dezenas de bombas e dispararam depois contra os guerrilheiros que tentavam fugir pelas montanhas próximas. O ministro da Defesa libanês, Mohsen Dallul, afirmou que entre os mortos se contavam muitos jovens, alguns com 12 e 13 anos. Israel sublinhou por seu lado que se tratou de um ataque contra um campo de treino, considerado portanto um alvo militar.
Os sírios «vão-se manter quietos»
O bombardeamento de ontem seguiu-se à espectacular operação do passado dia 21 de Maio, em que comandos israelitas em helicópteros raptaram Mustapha al-Dirani, antigo guerrilheiro do Hezbollah e hoje líder de um pequeno grupo fundamentalista islâmico, quando este se encontrava a dormir na sua casa, numa localidade também próxima do Vale de Bekaa. Israel pensa que Dirani poderá ter informações importantes sobre o paradeiro de Ron Arad, um piloto israelita desaparecido no Líbano em 1986 e que se crê que ainda esteja vivo, talvez no Irão.
A operação para capturar Dirani foi vista pelos observadores como uma prova de força, uma tentativa de Israel contrabalançar a imagem da retirada militar de Gaza e Jericó, na sequência do acordo de paz com os palestinianos, com uma outra imagem: a de um Exército que continua a ser poderoso e capaz de garantir a defesa do Estado judaico. Ou seja, uma forma de levantar a moral aos próprios israelitas, sobretudo a oposição de direita, que não vê com bons olhos a forma como tem decorrido o processo de paz.
Os analistas afirmam que não é por acaso que o Governo israelita escolheu este momento para lançar acções militares contra o território do Líbano, um país que continua a viver sob o controlo da vizinha Síria. Atingir o Líbano e infligir-lhe humilhações como o rapto de Dirani -- em que o Exército libanês não revelou qualquer capacidade de resposta a uma evidente violação da sua soberania -- é atingir a Síria. Fazendo humor com a situação, o diário francês «Le Monde» publicava juntamente com a notícia do rapto do líder fundamentalista libanês um «cartoon» em que o Presidente sírio, Hafez al-Assad, comentava: «Eles não respeitam nem sequer o nosso território ocupado».
Ontem Rafael Eitan, que foi chefe do Exército israelita na altura da invasão do Líbano em 1982, disse não acreditar que a Síria respondesse militarmente aos bombardeamentos. «Não estou preocupado com os sírios. Enquanto estivermos a duas horas de tanque de Damasco, eles vão-se manter quietos». Eitan referia-se à posição estratégica que Israel detém nos Montes Golã, um planalto na fronteira com a Síria e que foi território sírio até à ocupação pelo Exército israelita em 1967.
São precisamente os Montes Golã que estão no centro das negociações de paz entre Israel e a Síria, que, apesar dos esforços do secretário de Estado norte-americano Warren Christopher, se encontram num impasse difícil de ultrapassar. Na terça-feira passada, o primeiro-ministro israelita, Yitzhak Rabin, declarou-se desapontado com os resultados (ou a ausência deles) da recente visita de Christopher a Damasco.
Mediação de Christopher «esgotada»
Embora os norte-americanos tenham dado a entender que se registaram progressos, a verdade é que Assad rejeitou as propostas israelitas para uma retirada em várias fases dos Montes Golã em troca de uma paz total com a Síria. Além disso, recusou também contactos directos com os israelitas. Para Rabin, isto é um sinal de que a mediação de Christopher se «esgotou a si própria».
Tudo indica que Assad está disposto a esperar o que for preciso. Os Montes Golã não têm população síria -- apenas algumas aldeias druzas -- e a sua importância é sobretudo estratégica porque, sendo um planalto, permitem a quem os ocupa controlar o que se passa ao longo da fronteira do país vizinho. São ainda importantes porque permitem o controlo de cursos de água, um bem fundamental na região. Apesar de tudo, Assad pode esperar, até porque, segundo alguns analistas, os maiores benefícios que Damasco poderá tirar do processo de paz serão dados pelos EUA: a retirada da Síria da lista dos países que apoiam o terrorismo, por exemplo.
Israel, por seu lado, também não pretende sair deste processo apenas com um acordo de paz com a Síria e já fez saber que espera de Washington vários milhões de dólares em armas e equipamento que diminuam os riscos da perda dos Golã.
De qualquer forma, enquanto as negociações com a Síria não avançarem, as negociações com o Líbano permanecerão igualmente num impasse. «O que eu espero realmente é que os sírios deixem de colocar obstáculos no caminho de uma paz com o Líbano», declarou ontem o vice-ministro israelita a Defesa, Mordechai Gur. Para Jeffrey Heller, da Reuter, a mensagem de Israel aos sírios é a seguinte: apertem as rédeas dos grupos radicais palestinianos (a maior parte dos quais estão baseados em Damasco) e soltem-nas no Governo de Beirute. Um «conselho» que Assad não parece muito disposto a aceitar.
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