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<DOCNO>PUBLICO-19940608-007</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940608-007</DOCID>
<DATE>19940608</DATE>
<CATEGORY>Sociedade</CATEGORY>
<AUTHOR>LFS</AUTHOR>
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Câmara assina protocolo com a EIA sem aprovação da assembleia municipal
Universidade de Cascais a todo o custo
Luís Filipe Sebastião
A Universidade de Cascais deu ontem mais um passo para a sua concretização. Apesar da polémica da véspera que atravessou as várias forças políticas com assento na assembleia municipal, a autarquia assinou ontem o protocolo de colaboração com a empresa promotora. Sem Soares e com Carlos Monjardino a reconhecer que o sítio «não é o melhor».
Contra ventos e marés, o presidente da Câmara de Cascais, José Luís Judas, assinou ontem à tarde com a EIA (Ensino, Investigação e Administração) um protocolo para a instalação de uma universidade no município.
O pior é que a polémica da localização na Quinta da Alagoa prossegue, agora na assembleia municipal, que poderá não aprovar a cedência do terreno caso a recusa da Junta de Freguesia de Carcavelos alastre à bancada do PS. E Carlos Monjardino também escolheria «outro sítio» para instalar a universidade.
A Assembleia Municipal de Cascais reuniu-se na segunda-feira à noite, véspera da assinatura do protocolo de colaboração entre a autarquia e a EIA. Embora a cedência do direito de superfície e o protocolo tenham sido aprovados na passada quarta-feira pelo executivo municipal -- apenas com o voto contra do vereador da CDU, Carlos Sota, devido à «pressa» com que decorreu o processo --, os documentos ainda não foram sujeitos à ratificação pela assembleia municipal, condição indispensável para a cedência do terreno.
De qualquer forma, no período antes da ordem de trabalhos os ânimos aqueceram entre os deputados das várias bancadas e o presidente da autarquia. O primeiro interveniente, Manuel Damião, presidente da Junta de Freguesia de Carcavelos, para onde está prevista a instalação da universidade, saiu da bancada do PS para questionar José Luís Judas se era verdade o que a imprensa relatou nas últimas semanas, já que «nem a Junta de Freguesia nem a Assembleia de Freguesia tiveram a mais pequena informação» sobre o assunto.
Carlos Rosa, do CDS, lamentou que a assinatura do protocolo tenha sido marcada antes do assunto ser analisado pela assembleia e com o envolvimento de Mário Soares num processo tão rocambolesco quando, argumentou, «o Presidente da República não terá nada a ver com isto». Mesmo assim, à cautela, e provocando algumas gargalhadas entre a assistência, pela proximidade política que muitos dos promotores possuem com o chefe de Estado, corrigiu: «Penso que não terá. Nunca se sabe...»
O autarca não sabia ainda que Soares trocou a assinatura do protocolo por uma exposição em Lisboa, com a desculpa de que o Falcon em que regressava ao país, vindo de Espanha, não poderia aterrar em Tires. Embora naquela pista costumem aterrar sem dificuldade os Falcon 50 da equipa de Formula 1 «Williams» e da «Finer» de João Pereira Coutinho, conforme esclareceu ao PÚBLICO o director do aeroporto, António Penaguião.
Universidade «de aviário»
Quem não se poupou na sua intervenção foi Carlos Carreiras, do PSD, partido que Judas derrubou da cadeira presidencial com maioria absoluta. Além de criticar o «total desrespeito» pela assembleia, o vogal social-democrata estranhou a «mistura de interesses públicos e privados» no lançamento da universidade. Ainda por cima «usando abusivamente o nome do concelho». Contudo, apesar das dúvidas suscitadas pela utilização da designação do município por uma entidade privada, a EIA já pediu o registo da denominação.
O PCP, através de João Fragoso, veio a terreiro chamar a atenção para uma anterior deliberação camarária, em Fevereiro de 1991, no sentido de não serem aprovadas mais nenhumas construções no parque da Alagoa e de ser proposta a instalação da Universidade Moderna na Quinta do Junqueiro.
Segundo João Fragoso a cedência do direito de superfície à EIA «contraria o legado daquele espaço». Este aspecto, é também defendido pela Associação de Moradores da Alagoa, com base no alvará de loteamento que consta dos processos judiciais que moveu contra os urbanizadores, e que estabelece claramente a cedência de 33.251 metros quadrados «para parque». E que pode levar a que os herdeiros dos doadores venham a levar o caso a tribunal. No entanto, Carlos Rabaçal, também do PCP, foi mais longe e questionou se alguém do executivo «sabe o conceito de campus universitário?» «Será uma universidade de aviário», prosseguiu, ou «um serviço a alguns amigos?»
«Estamos a discutir a continuação de uma lixeira em Carcavelos ou se vai ter uma universidade?» respondeu José Luís Judas, numa alusão ao abandono dos 13.300 metros quadrados a ceder à EIA, dentro do mais bem tratado jardim concelhio. E para quem contestou a mudança de destino para o terreno, o autarca argumentou que «uma universidade é, por definição, um centro de juventude». «Onde há a contradição? Ou pode ser para jovens desde que não sejam universitários?», questionou o ex-sindicalista, apesar de se estar a referir a uma universidade privada.
Muitas universidades
«Esta Câmara não quer cá esta universidade. Quer cá muitas universidades», afirmou Judas, esclarecendo que estão também na calha departamentos de investigação marítima da Faculdade de Ciências de Lisboa, a Lusíada, a Moderna e a Escola de Belas Artes. No entanto, acabou por reconhecer que não foi consultada a associação de moradores e a junta de freguesia porque estas, «por muito que estejam contra e estejam a discutir, a universidade é um projecto que interessa ao concelho, mesmo que não interesse à freguesia e aos moradores». E se, acrescentou, a autarquia e a assembleia assim o entender, será «ali que se faz a universidade».
Apesar do burburinho que se instalou na sala, Judas ainda carregou mais o ambiente classificando de «pressões corporativistas» as críticas e deu a entender que a pressa do processo também tem a ver com candidaturas a fundos comunitários do Quadro Comunitário de Apoio. No fim da reunião, Manuel Damião adiantou ao PÚBLICO que a junta de freguesia vai manter a oposição ao projecto, e que irá votar contra na assembleia municipal. Como o seu voto pelo PS poderá representar o mandato a mais de que os socialistas gozam, aumenta a possibilidade de recusa do protocolo ontem assinado.
Questionado sobre esta possibilidade, Carlos Monjardino, presidente da assembleia, não acredita que isso aconteça, porque «a câmara deverá chegar a um consenso com a assembleia». «Se pudesse escolher, e com o conhecimento que tenho do concelho, talvez encontrasse um outro sítio que me agradasse mais», adiantou Monjardino, embora compreenda o esforço do presidente da autarquia para levar a universidade para o concelho. Todavia, admitiu que o local escolhido «não é o melhor».
Apesar de todas estas indefinições, o protocolo para a instalação da universidade foi assinado, mas com a indicação de que só entrará em vigor após a aprovação pela assembleia. O processo deu entrada no Ministério da Educação na segunda-feira e deverá iniciar a actividade lectiva no próximo ano com 300 alunos. Apesar das várias solicitações, não foi possível obter quaisquer declarações de Afonso de Barros, futuro reitor, sobre os objectivos pedagógicos da Universidade de Cascais.
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