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<DOCNO>PUBLICO-19940609-152</DOCNO>
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<DATE>19940609</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>PM</AUTHOR>
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Comentário
Paulo Moura, em Washington
Como lidar com os «loucos»
Avaliado pelos padrões mentais de um homem como Bill Clinton, o «Grande Líder» Kim Il Sung é um louco. Como é louco o seu filho, o «Querido Líder» Kim Jong Il, e como são loucos o líder da junta do Haiti, Raoul Cédras, mas também o Presidente eleito, Jean-Bertrand Aristide, e os líderes da Somália e dos sérvios da Bósnia.
São loucos, nas suas motivações obscuras e comportamento imprevisível, e, como tal, não precisam de ser compreendidos, mas apenas detidos e eventualmente curados.
A Bill Clinton parece razoável que nenhum país governado por loucos tenha o direito de desenvolver um programa nuclear. Parece-lhe lógico e universalmente aceitável que os EUA possam ter o seu próprio arsenal nuclear, mas outros países não possam. E que quem ousa contrariar este princípio recue à mínima ameaça de intervenção ou de sanções económicas.
É aqui que parece estar a contradição: não se pode esperar que um louco se comporte segundo os cânones das pessoas normais. Fazê-lo é uma hipocrisia que só pode levar ao confronto.
Apesar de todos os avanços e recuos nos últimos anos, era cada vez mais evidente, para os técnicos da agência atómica das Nações Unidas e para os americanos, que o programa atómico da Coreia do Norte não se destinava apenas a fins pacíficos e que Kim Il Sung não estava disposto a abdicar dele.
O regime de Pyongyang é o único verdadeiramente comunista que resta no mundo. Cada vez mais isolado e cercado, com a crise económica a agravar-se, tudo indica que desenvolve o seu programa nuclear como uma derradeira forma de manter a independência e identidade. Nada leva a crer que o usasse de forma ofensiva.
E, se o programa nuclear é visto pelas autoridades de Pyongyang como essencial para a identidade e sobrevivência do regime, não é verosímil que abdiquem dele por mais sanções económicas que sofram. O plano de Clinton é, portanto, suicida.
Como, por causa do veto chinês, não vai ser possível fazer aprovar um embargo no Conselho de Segurança, os EUA vão convencer a aplicá-lo os países que têm relações económicas com a Coreia do Norte, um a um, começando pelo Japão e a Coreia do Sul. Mas nunca conseguirão fechar a longa fronteira com a China. E, mesmo que conseguissem aplicar um embargo total, é mais provável que isso aumentasse a mentalidade de cerco entre os coreanos, dispondo-os para uma atitude de confronto, do que que os fizesse ceder.
Kim Il Sung anunciou recentemente que uma das prioridades do país seria agora as relações comerciais com o estrangeiro. Os americanos não viram aí a oportunidade de entrar na Coreia do Norte com os seus instrumentos de fascínio, subvertendo o regime por dentro, como aconteceu em todos os países comunistas. Optaram pelo confronto. Resta agora saber o preço que terão de pagar para o evitar.
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