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<DOCNO>PUBLICO-19940615-046</DOCNO>
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<DATE>19940615</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>AGF</AUTHOR>
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Cimeira da OUA
Fracasso à vista
Os países da Organização de Unidade Africana (OUA) deram prioridade à resolução do conflito no Ruanda na 30ª cimeira que termina hoje em Tunes, mas são poucos os que acreditam que se obtenham resultados, até porque os Estados membros estão divididos.
Ontem, os chefes de Estado de quatro países vizinhos do Ruanda -- Zaire, Uganda, Burundi, Tanzânia e Quénia -- reuniram-se à porta fechada para discutir os termos de um cessar-fogo a apresentar às partes em conflito numa guerra civil que opõe a etnia hutu à tutsi. Esta guerra tribal, que eclodiu em Abril deste ano, já fez 500 mil mortos, na sua grande maioria civis.
No final da reunião não houve declarações, mas alguns dos participantes afirmaram que, mesmo que haja uma declaração conjunta sobre a situação no Ruanda, a verdade é que os países africanos estão profundamente divididos sobre a questão.
O Presidente zairense, Mobutu Sese Seko, defendeu o Governo ruandês (controlado pelos hutu, que constituem a minoria da população do país), enquanto que o Uganda apoiou abertamente os guerrilheiros tutsi da Frente Patriótica do Ruanda. Pelo que era pouco o optimismo quanto à possibilidade do cessar-fogo ser aceite.
«Estas conversações são uma perda de tempo. [Para pôr fim à guerra do Ruanda] tem que haver um vencedor no terreno. E isso seria um alívio para todos nós», afirmou à Reuter um alto responsável de um país da África Ocidental.
A acentuar o pessimismo sobre uma solução para a guerra civil no Ruanda, o Presidente interino do país, Theodore Sindikubwabo (na cimeira como observador), proferiu um discurso agressivo para com os tutsi. Sindikubwabo -- que pouco antes tinha feito um apelo à Frente Patriótica no sentido de se dar início a negociações directas entre tutsis e o Governo hutu -- afirmou que os guerrilheiros «querem exterminar os hutu». Um discurso descrito pelos jornalistas como o de alguém nada comprometido com o início de um processo de paz.
Esta cimeira era considerada pelos analistas como um teste à capacidade de a organização resolver os problemas africanos. A OUA, fundada nos anos 60 para lutar pela independência dos países sob o regime colonial, viveu um período áureo nos primeiros dez anos de vida. Depois tornou-se num organismo estéril, incapaz de resolver os principais conflitos de África -- Libéria, Somália, Angola e agora o Ruanda. Pelo que, o fracasso da cimeira poderá reforçar o desprestígio da organização, que, para os analistas, carece de redefinir estratégias para cumprir outro dos seus objectivos: a unidade do continente africano.
Para já, o único sucesso da cimeira foi a «reconciliação» entre a Nigéria e os Camarões, que disputam entre si a península de Bakassi, e que quase se envolveram numa guerra. Os presidentes dos dois países reuniram-se durante quatro horas, ao fim das quais saiu o compromisso de iniciarem em breve negociações em Lomé.
Mas algumas coisas estão a mudar. Sinal disso, foi o facto de, pela primeira vez na história recente da organização, os chefes de Estado não terem abandonado a cimeira findo o primeiro dia de trabalhos. Um facto que é extremamente relevante, uma vez que reflecte que os países africanos estão conscientes de que ou se esforçam por resolver os conflitos, ou o continente mergulha ainda mais no caos e na pobreza. Apenas os Presidentes egípcio, Hosni Mubarak, e senegalês, Abdou Diouf, abandonaram Tunes na segunda-feira.
Esta não «deserção» deveu-se contudo a outro factor: à presença de Nelson Mandela, recentemente eleito como primeiro Presidente negro da África do Sul. Alguns dos participantes afirmaram mesmo que foi Mandela que atraíu a Tunes tantos chefes de Estado -- 42 dos 53 países membros.
Mandela deu início a um vasto programa de contactos -- 30 encontros privados com líderes africanos. Ontem de manhã reuniu-se com o Presidente angolano José Eduardo dos Santos, numa entrevista que é considerada como o primeiro passo de Mandela para mediar o conflito em Angola. Logo a seguir foi a vez de Mobutu que parece estar a fazer o papel de «mensageiro» entre Eduardo dos Santos e a UNITA de Jonas Savimbi (que não participa na cimeira).
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