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<DOCNO>PUBLICO-19940621-062</DOCNO>
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<DATE>19940621</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>ANP</AUTHOR>
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Henri Emmanuelli sucede a Rocard na direcção dos socialistas franceses
E se Delors não vier?
Ana Navarro Pedro, em Paris
Liquidado Rocard, o Partido Socialista Francês escolheu como líder transitório Henri Emmanuelli. O que não é muito relevante, quando o problema que hoje se coloca é o da própria sobrevivência do PS, perdido algures entre a sombra tutelar de Mitterrand e a expectativa duma candidatura presidencial de Jacques Delors. E se Delors não se candidatar?
O novo primeiro-secretário do Partido Socialista Francês, Henri Emmanuelli, tenciona convocar, no Outono, um "congresso extraordinário ou uma convenção nacional" para definir o novo programa político e a nova estratégia dos socialistas. Até lá, Emmanuelli limitar-se-á a tentar gerir um partido em total deliquescência após o desaire das eleições europeias e, sobretudo, desde a «condenação à morte» de Michel Rocard, anteontem.
Quase ninguém acredita que Emmanuelli consiga impor uma viragem à esquerda ao PSF, apesar da sua profissão de fé no velho partido da rosa e do punho cerrado. «O PSF perdeu uma parte importante do seu eleitorado por razões de fundo, porque deixou de se dirigir aos seus eleitores», declarava na semana passada ao diário «Le Figaro» aquele que ainda era apenas o deputado socialista de Landes. «O PSF tornou-se elitista, deixou de se posicionar politicamente, e continua a adicionar as ambiguidades políticas», acrescentava Emmanuelli.
As sobrancelhas espessas e o ar sombrio desvendam-lhe um carácter um tanto brutal - e que lhe valeu já a alcunha de "Ayatollah do PSF". As frases assassinas e as apreciações simplistas são a sua especialidade. Por exemplo, quando o ex-primeiro ministro Laurent Fabius (que nunca se livrou da sua fama de menino rico de boas famílias) tentou conquistar a direcção do PSF em 1988, Emmanuelli assassinou-o em dois tempos: «Não se herda o PSF como um Aston Martin».
Afinar uma análise, discernir os diversos cambiantes de um argumento «é complicado e demorado», diz ele. Palavras como «consenso» ou «unanimismo» não existem sequer no seu vocabulário. Várias vezes ministro durante o reinado socialista, Emmanuelli seria nomeado tesoureiro e «número dois» do PSF em 1988. A posição de tesoureiro da campanha presidencial de François Mitterrand, no mesmo ano, quase que lhe provocou a morte política em 1993, quando rebentaram todos os grandes escândalos dos financiamentos ocultos do PSF. Jogando então tudo num só golpe, Emmanuelli pede a demissão do seu cargo de deputado e volta a candidatar-se, para "lavar a honra". Os eleitores de Landes dão-lhe 51 por cento dos votos.
Mas, com um percurso destes, a pergunta que vem ao espírito é: que diabo vem fazer um tipo como Emmanuelli no meio das intrigas florentinas, das relações traiçoeiras e das lisonjas ontuosas que são o pão-nosso de cada dia no PSF? A sua escolha para suceder a Michel Rocard tem dois significados. Primeiro, trata-se de dar um "satisfecit" à base militante, pouco sensível à noção de que a esquerda tradicional acabou com a queda do Muro de Berlim e com a derrocada do império soviético. Nesse plano, as convicções de Henri Emmanuelli (por exemplo, que o Programa Comum da Esquerda e o Congresso fundador de Epinay são ainda tudo o que há de mais moderno no socialismo), serão um reconforto para os militantes. Mesmo se, a prazo, isso equivale a adiar a procura vital de um projecto e de um programa virados para o século XXI.
Em segundo lugar, Emmanuelli foi escolhido para novo primeiro-secretário do PSF porque não é um chefe de corrente, e porque não tem o perfil necessário para sonhar com uma candidatura à Presidência da República, em Maio de 1995.
Emmanuelli é portanto um líder de transição -- mas para servir quem, e que interesses? Laurent Fabius, que colocou o peso de toda a sua corrente na balança a favor de Emmanuelli, disse-o claramente no sábado à noite: para se apagar, na altura devida, em favor de Jacques Delors. Ou seja, quando o actual presidente da Comissão Europeia findar o seu mandato, a 5 de Janeiro de 1995 -- e se candidatar pela esquerda à Presidência da República.
O silêncio de Delors
Existem, porém, muitas incógnitas neste guião. Em primeiro lugar, Delors nunca disse se vai ou não ser o candidato do PSF. A ideia da sua candidatura partiu sempre de François Mitterrand, como trave-mestra de uma ofensiva contra Rocard. A pedido do presidente, Delors teria aceite alimentar a dúvida, afirmam aqueles que frequentam o Eliseu. Mas dizem os mesmos que, em privado, Delors não cessa de repetir que não tem o mais pequeno desejo de se candidatar. Com 70 anos para o ano, o presidente da Comissão Europeia parece, com efeito, preferir colocar todas as suas esperanças na sua filha, a antiga ministra Martine Aubry.
Mesmo em termos práticos, a sua candidatura é dilemática. Se só a anunciar em Janeiro, não lhe sobra tempo que chegue para levar a cabo uma campanha eleitoral correcta. Se a anunciasse já, arriscava-se a perder todo o seu prestígio de líder europeu. E depois, Jacques Delors sabe que o capital de simpatia nas sondagens desapareceria a partir do momento em que regressasse de Bruxelas para mergulhar nas pequenas baixezas da campanha.
As hesitações são ainda mais compreensíveis quando se sabe que a outra grande questão que se coloca ao PSF é a da própria sobrevivência do partido fundado por François Mitterrand.
Há um ano, uma piada dos socialistas dizia que «Mitterrand iria deixar o PSF no estado em que o encontrou». Hoje, a piada diz que «quando Mitterrand morrer, já o PSF terá morrido». Fascinado pela morte, Mitterrand parece querer assombrar a política francesa como um «espírito malfazejo». Mesmo se só lhe sobra o seu próprio campo político para o fazer.
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