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<DOCNO>PUBLICO-19940625-101</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940625-101</DOCID>
<DATE>19940625</DATE>
<CATEGORY>Diversos</CATEGORY>
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«Ex-comunistas»
É extremamente interessante a argumentação de Joaquim Pina Moura quando pretende demonstrar o papel social da transformação dos partidos comunistas, tendo em conta a necessidade da sua actuação na chamada alternância democrática do poder. Infelizmente, não há bela sem senão e toda esta argumentação tem como vértice um princípio errado. Seria uma argumentação válida se em algum ponto da existência ideológica marxista-leninista, os comunistas proclamassem a sua intenção de ingressar na luta pelo poder burguês, prescindindo assim de um ideal de democracia avançada nos diferentes aspectos da sociedade.
É verdade que os partidos comunistas vivem um período de refluxo, a que não é obviamente estranho o desaparecimento da URSS e do socialismo em vastas zonas do globo, mas não é menos verdade que o socialismo é essencialmente uma questão de experiência, e não um modelo acabado em si. Parece-me claro, pelo menos para mim é, que o facto de se ter falhado uma experiência não dá lugar à ideia de que a política se resume às politiquices e lutas intestinas que, invariavelmente, afectam os partidos socialistas, sem que estes tenham apresentado, alguma vez, algum tipo de proposta diferente em termos de organização social, cultural e política, limitando-se, quando alguma vez chegam ao governo, a gerir de forma mais ou menos semelhante à da direita os destinos dos povos, como se este lhes tivesse sido confiado juntamente com os boletins de voto.
É verdade que movimento comunista internacional exerceu (e exerce) uma inegável influência junto de amplas camadas das populações, um pouco por todos os cantos do mundo, e que, com as suas vitórias e as suas derrotas, modificou de forma sensível os modos de vida e de produção nas próprias sociedades capitalistas. Já não creio que o seja a alegada sabedoria de vários desses partidos quando, aí sim, negando toda o legado de luta e intervenção que possuíam, bem como todo o seu ideário político (que me parece, bem debatido e estudado, apresenta possibilidades e capacidades muito interessantes, das quais considero a sociedade proposta pelo programa do PCP uma das mais avançadas, muito para além de qualquer sociedade socialista do Leste europeu), tentaram a conquista do poder, com os votos dos descontentes desses mesmos partidos socialistas, por vezes de tão má memória, tal como em Itália. Tentativa essa que, conjuntamente com manobras de engenharia eleitoral, visando acabar com os partidos ditos menos representativos, especialmente a Refundazione, se saldou por os deixar pouco mais ou menos no sítio em que se encontravam, com a agravante de hoje não se encontrar no poder uma coligação pentapartido, liderada pela Democracia Cristã, mas sim uma coligação de laivos neofascistas, o que me parece a mim bastante mais grave.
Quanto ao caso português, creio que o Partido Comunista será aquilo que os seus militantes quiserem que ele seja e, até hoje, as correntes chamadas ex-comunistas não só não conseguiram modificá-lo por dentro, como têm falhado todas as suas tentativas de «assalto» pelo exterior, tendo mesmo preferido, com a vantagem de terem uma cobertura em termos numéricos, a colagem ao Partido Socialista, a constituírem-se como uma alternativa partidária, à qual os próprios, desde o princípio, auguraram estar votada ao fracasso.
Carlos Artur Ferreira de Moura
Lisboa
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