<DOC>
<DOCNO>PUBLICO-19940707-061</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940707-061</DOCID>
<DATE>19940707</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>JAF</AUTHOR>
<TEXT>
Cimeira de Pretória sobre Angola
Luanda tenta comprometer Mobutu
O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, vai procurar obter hoje do seu homólogo zairense, Mobutu Sese Seko, o compromisso de que cessará a ajuda logística e militar à UNITA de Jonas Savimbi.
Mas o encontro entre ambos, em Pretória, é também um teste à capacidade africana de resolver os seus próprios problemas, como já disse o anfitrião, Nelson Mandela. Prova disso é a presença do chefe de Estado de Moçambique, Joaquim Chissano -- que poderia ser definido como uma espécie de «padrinho» de Eduardo dos Santos, enquanto Mobutu funcionaria, naturalmente, como «padrinho» de Jonas Savimbi.
Apesar do secretismo que tem rodeado os preparativos da reunião, fontes em Maputo acreditam que Chissano irá pressionar o Presidente de Angola a ser mais flexível nas negociações com a UNITA, enquanto Mobutu se comprometeria a obter o mesmo de Savimbi. O ideal, dizem essas fontes, seria que se pudesse avançar para uma cimeira Eduardo dos Santos-Savimbi, considerada essencial para ultrapassar o impasse nas negociações.
Mas uma fonte militar em Luanda citada ontem pela agência Lusa sugeria que José Eduardo dos Santos vai pretender mais. Concretamente, que confrontará Mobutu com uma proposta para a criação de uma polícia de fronteira mista.
Este corpo incluiria polícias e militares não só de Angola e do Zaire como de outros países da África Austral -- e, naturalmente, sul-africanos. O objectivo evidente seria tornar mais eficaz a vigilância nos 1.700 quilómetros de fronteira entre Angola e o Zaire, por onde, diz Luanda, passa a quase totalidade do apoio de Kinshasa à UNITA.
A mesma fonte indicou que Eduardo dos Santos vai exigir que o Zaire aceite as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre sanções à UNITA. A criação deste corpo de patrulha multinacional seria uma medida de boa fé.
Diplomacia africana
Esta iniciativa paralela às ineficazes conversações de paz em Lusaca sob a égide da ONU, conduzidas pelo maliano Blondin Beye, testará as capacidades diplomáticas africanas e, neste caso específico, de Nelson Mandela, num momento em que se espera que a África do Sul comece a assumir um papel de protagonismo na região e no continente.
Causou surpresa o convite feito por Mandela a Joaquim Chissano para estar presente, mas este é provavelmente um sinal de como será exercida essa diplomacia -- de forma cautelosa e procurando chamar quem estiver em melhor posição para fazer avançar o processo. Embora, diga-se, a ideia de envolver Maputo nas negociações não seja nova, pois já em Março de 1993 o chefe da diplomacia moçambicana, Pascoal Mocumbi, indicara que o seu governo podia dar um contributo útil à paz em Angola.
A ideia acabou por ganhar corpo em Tunes, em meados do mês passado, na cimeira da Organização de Unidade Africana. Quando regressou a casa, proveniente da Tunísia, o Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, deixou escapar que o seu país iria apoiar a «iniciativa de Chissano».
O Presidente de Moçambique tem estreitas ligações com a direcção do MPLA desde os anos 60 e, desde a independência, na década seguinte, existiu uma «relação de irmãos» entre os dois países. Embora Moçambique tenha sempre apoiado abertamente o governo do MPLA, desde os tempos de Samora Machel que os dirigentes moçambicanos vêm tentando convencer Luanda da necessidade de uma solução negociada com a UNITA.
A actividade humanitária da ONU em Angola é dirigida pelo ex-ministro moçambicano do Comércio, Aranda da Silva, que goza de prestígio entre a UNITA, e cuja actuação terá contribuído para que o envolvimento de Moçambique no processo angola seja olhada com menos desconfiança pelo movimento de Savimbi.
Quanto ao outro «padrinho», Mobutu, espera-se que tenha um papel de apaziguamento. É que o Presidente zairense não está em posição de poder desperdiçar uma oportunidade para recuperar crédito político em África. Círculos políticos em Luanda acreditam que ele seja hoje portador de uma mensagem de Savimbi à reunião.
Sobre esta cimeira vai pairar a figura de Nelson Mandela -- e um eventual êxito da «solução africana» em Angola daria inegavelmente ímpeto à cruzada do Presidente sul-africano por uma maior intervenção da OUA. Na cimeira de Tunes, Mandela afirmou que os africanos devem resolver os problemas africanos. Trata-se agora de mostrar que são capazes.
José Pinto de Sá, em Maputo, e Lusa
</TEXT>
</DOC>