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<DOCNO>PUBLICO-19940712-039</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940712-039</DOCID>
<DATE>19940712</DATE>
<CATEGORY>Economia</CATEGORY>
<AUTHOR>TSSA</AUTHOR>
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Peter Sutherland, director-geral do GATT, ao PÚBLICO
"O proteccionismo nunca será a resposta para a economia europeia"
Teresa de Sousa, em São Paulo
"Há um risco de desenvolvimento de tendências proteccionistas, particularmente na Europa, sobretudo enquanto receita apetecível para fazer frente ao aumento do desemprego. Claro que o proteccionismo nunca será a resposta para a economia europeia". É a opinião manifestada por Peter Sutherland, numa entrevista concedida ao PÚBLICO pelo director-geral do GATT.
Em São Paulo para participar no III Forum Euro-Latino-Americano, o homem que levou a bom porto as longas e complexas negociações do "Uruguay Round" não quer nem ouvir falar da sua potencial candidatura à sucessão de Jacques Delors. Dinâmico, expansivo, de espírito independente, Peter Sutherland tem ideias claras sobre o futuro da União Europeia, sobre a importância do papel da Comissão no período crucial de revisão do Tratado, ou mesmo sobre o perfil do seu futuro presidente, numa interessante perspectiva de crescente independência relativamente aos governos nacionais e crescente interdependência relativamente ao Parlamento Europeu. Mas apenas à mesa do café, quando a conversa é informal.
Oficialmente, o seu silêncio parece ser de ouro como se vê na entrevista que concedeu ao PÚBLICO e até pode ser interpretado exactamente ao contrário: Peter Sutherland é mesmo um candidato à presidência da Comissão se a oportunidade surgir. Não é sobre isso que está disposto a falar. Prefere defender com veemência que lhe é característica o sistema multilateral de comércio, conseguido com o "Uruguay Round", e a futura Organização Mundial do Comércio destinada a fazer reinar no mundo o primado da lei em matéria de trocas internacionais.
Admite os riscos de desenvolvimento de tendências proteccionistas na União Europeia e adverte para as suas consequências: a Europa passaria a ser a breve trecho uma peça de museu. Acredita que nem a UE nem os Estados Unidos queiram suportar a responsabilidade e as consequências de não ratificar no prazo previsto o Acordo do "Uruguay Round".
PÚBLICO -- Ao longo do debate sobre as novas relações internacionais, no III Forum Euro-Latino-Americano, muitas vozes do Mercosul e, também, da Europa de Leste, queixaram-se do proteccionismo da União Europeia e olharam-no como uma ameaça ou, pelo menos, uma preocupação crescente. Acha que há razões para estas críticas?
Peter Sutherland -- Em primeiro lugar, convém dizer que toda a gente protesta contra o proteccionismo, em toda a parte. Mas penso que é justo dizer que há um risco de desenvolvimento de tendências proteccionistas, particularmente na Europa, sobretudo enquanto receita apetecível para fazer frente ao aumento do desemprego. Claro que o proteccionismo nunca será a resposta para a economia europeia.
De qualquer modo, mesmo que se deixem de parte os argumentos morais e políticos em sentido lato, por si sós suficientemente fortes, os próprios argumentos económicos são suficientes para demonstrar que a solução está em abrir os mercados e não em fechá-los. Virtualmente, cada um dos empregos criados na Europa nos últimos cinco anos resultou do crescimento das exportações para fora da União Europeia. Por exemplo, nos últimos três anos, houve um crescimento das exportações europeias para a América Latina de cerca de 22 por cento.
Mas há evidentemente muitas outras razões para justificar as vantagens de uma visão aberta do comércio. Por exemplo, quando olhamos para as grandes tendências demográficas mundiais, olhamos para a importância política dos resultados dos processos de transição económica nos países do Centro e do Leste europeu, mesmo junto às nossas fronteiras, as consequências tornam-se óbvias. O mesmo se pode dizer do Magrebe. Os números das Nações Unidas para o crescimento da população são suficientemente eloquentes sobre o que se irá passar nos próximos anos para desmotivar qualquer tendência proteccionista.
No contexto das negociações do "Uruguay Round", não creio que se possa dizer que a União Europeia tenha sido proteccionista. A soma final das reduções tarifárias aceites pela UE excederam os objectivos exigidos para cumprir as obrigações inicialmente previstas. Claro que há dificuldades e que há áreas em que as coisas são particularmente difíceis para a Europa, muito especialmente no sector da agricultura. E é sempre legítimo que outros argumentem que a abertura dos mercados não foi a suficiente. Mas, feitas as contas, o "Uruguay Round" como qualquer outra negociação comercial, é um "bargain" entre posições que são dificilmente conciliáveis. Eu, pessoalmente, continuarei a defender uma abordagem mais aberta, insistindo em que não haverá futuro para a indústria europeia, se procurar proteger-se da competição internacional. Se o fizesse, o resultado final seria a transformação da Europa numa peça de museu, em vez de uma área económica viável.
O perigo dos blocos fechados
P. -- Como sabe, a questão central deste Forum prende-se com o facto de a América Latina ser a última das prioridades externas da União Europeia. Os países do Mercosul, nomeadamente o Brasil e a Argentina, sentem que merecem uma recompensa europeia pelo enorme esforço de liberalização e de abertura realizado pelas suas economias nos últimos anos...
R. -- E na minha opinião, têm toda a razão. Esses países iniciaram autonomamente o processo de liberalização das suas economias e realizaram transformações dramáticas em matéria de políticas públicas. O Brasil, por exemplo, que historicamente esteve sempre associado ao proteccionismo, fez mudanças drásticas em matéria de reduções trifárias e de abertura do mercado. Por isso, tem razão em exigir que o esforço desenvolvido seja respeitado pelos outros.
P. -- Os países do Mercosul, particularmente o Brasil, parecem bastante preocupados com a NAFTA e desejosos de reforçar as relações económicas e comerciais com a UE para equilibrar a sua situação. Parece-lhe uma atitude compreensível?
R. -- Penso que o único sistema que funciona em última instância é o sistema global. Podemos criar áreas de comércio livre a nível regional, -- como o Mercosul ou a UE --, desde que seja sob o chapéu-de-chuva de um sistema multilateral de comércio. Se o chapéu-de-chuva fôr fechado, então os blocos regionais tenderão a desenvolver relações de conflito uns com os outros.
Podemos voltar a usar o exemplo do Brasil. O seu comércio com a América Latina representa apenas um quarto do total. O seu comércio com a União Europeia é muito maior, mesmo maior do que com os Estados Unidos. Por isso, a opção por uma simples zona de livre comércio americana ou puramente latino-americana ou, mesmo, por um pequeno grupo regional, enquanto opção estratégica nem sequer existe. O Brasil tem de se integrar num sistema económico global porque a sua economia funciona numa base mundial.
P. -- Pensa que seria vantajoso para a UE desenvolver uma zona de comércio livre com a América Latina...
R. -- Acredito que a Europa tem laços históricos particulares com a América Latina. Mas não acredito que devamos olhar para estas questões em termos de criação de relações preferenciais entre regiões. Isso leva a uma forma de bilateralismo que acaba por ser destrutivo. Creio que a América Latina deveria trabalhar no sentido do fortalecimento do GATT e da nova Organização Mundial do Comércio, ou seja, numa perspectiva mundial e, evidentemente, procurar desenvolver os seus laços históricos, políticos e económicos com a União Europeia e com os Estados Unidos.
A responsabilidade dos EUA e da UE
P. -- Põe imensa esperança e ênfase na nova Organização Mundial do Comércio acordada no "Uruguay Round". Pensa que não vai haver obstáculos à sua efectivação? Os processos de ratificação vão avançar?
R. -- A prioridade é, de facto, levar por diante os processos de ratificação. E há duas partes do Acordo que, de facto, concentram as atenções: a União Europeia e os Estados Unidos. Se uma delas falhasse o processo de ratificação até ao dia 1 de Janeiro do próximo ano, criar-se-ia um vazio em termos de liderança política pelo qual seria certamente responsabilizada. Tenho informação de que, em Washington, estão dispostos a cumprir os prazos. Houve algum atraso relativamente às previsões iniciais, que apontavam para Junho, depois, para Julho e, agora, para 15 de Agosto. Mas, seja em que data fôr, terá de ser feito.
Há também um debate na UE sobre as competências em matéria de OMC, entre a Comissão e o Conselho. Não me interessa saber como é que vão resolver essa questão, o que me interessa é que tanto a Comunidade como os Estados Unidos têm de estar preparados para que as coisas estejam prontas a partir do início do próximo ano. E tenciono continuar a dizer isto em voz alta. Há muitas coisas em causa, a começar pela própria credibilidade da nova organização. E o mundo inteiro está na expectativa de que a União Europeia e os Estados Unidos sejam capazes de liderar o processo.
Um dos aspectos interessantes do "Uruguay Round" é que levou a mudança de atitude por parte dos países em vias de desenvolvimento, que acabaram por constatar que o sistema multilateral de comércio é do seu maior aliado e que o maior risco para este sistema vem, justamente, dos países desenvolvidos, incluindo a União Europeia.
P. -- Sei que não vai gostar desta pergunta mas o seu nome volta a ser falado como potencial sucessor de Jacques Delors à frente da Comissão Europeia. É ou não é candidato?
R. -- Não tenho qualquer comentário a fazer. Só se pode ser candidato quando se é apontado por um ou vários países membros. A questão, naquilo que me diz respeito, não passa do campo das hipóteses.
P. -- Mas está interessado no lugar?
R. -- Não faço mais nenhum comentário, para além daquilo que acabo de dizer.
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