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<DOCNO>PUBLICO-19940715-123</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940715-123</DOCID>
<DATE>19940715</DATE>
<CATEGORY>Economia</CATEGORY>
<AUTHOR>CPNT</AUTHOR>
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A comunidade internacional vai auxiliar a Palestina com três mil milhões de dólares e Samir Huleleh, colaborador próximo de Yasser Arafat, diz que os portugueses terão oportunidades na reconstrução. Optimista, não deixa contudo de reconhecer que a tarefa que o seu povo tem pela frente é árdua: «É por isso que têm de rezar por nós».
Samir Huleleh, do Conselho Económico para o Desenvolvimento e a Reconstrução da Palestina
«Rezem pelo povo palestiniano»
Samir Huleleh é um dos responsáveis pelo PECDAR (Palestinian Economic Council for Development and Reconstruction), o programa de reestruturação e desenvolvimento para os territórios ocupados, possibilitado pelas ajudas internacionais, que serão controladas a partir do Banco Mundial. Muito próximo de Yasser Arafat, Samir Huleleh irá integrar proximamente o Ministério da Economia.
A sua presença no seminário realizado pela Associação Industrial Portuense na zona árabe de Jerusalém foi muito notada, pelo tom optimista do seu discurso, mas também pelos apelos que lançou ao investimento estrangeiro. «A Palestina não tem outra opção senão caminhar para uma economia aberta, em competição com outras nações. Não podemos ir para uma economia fechada, proteccionista, porque não temos dinheiro nem a experiência que os outros já têm. Temos de proteger a nossa economia, mas através da concessão de incentivos aos nossos industriais e agricultores», afirmou.
São 30 mil milhões de dólares que este homem vai ajudar a gerir e a aplicar até ao final de 1998. Por isso mesmo, foram muitas as perguntas que cerca de três dezenas de empresários dos territórios ocupados lhe lançaram. Muitas ficaram ainda sem resposta. O que deixou claro que a confusão era ainda mais que muita.
Em entrevista exclusiva ao PÚBLICO, Samir Huleleh mostrou-se optimista em relação ao futuro da Palestina e não hesitou em afirmar: «Abrem-se oportunidades para muitas empresas portuguesas, que podem concorrer aos projectos de construção de infra-estruturas, aproveitando os subsídios e as ajudas da comunidade internacional.»
PÚBLICO -- Quanto tempo precisam para pôr ordem na economia palestiniana?
SAMIR HULELEH -- Cerca de três meses. Nessa altura, já teremos ministérios funcionais e departamentos de apoio devidamente organizados.
P. -- Não está a ser demasiado optimista?
R. -- Isto será só para um bom começo, depois teremos ainda muito que trabalhar.
P. -- Como podem avançar sem ter um banco central?
R. -- Para já, recorreremos ao Banco da Jordânia e de Israel. Será melhor do que improvisarmos um sistema em que ninguém confiará. Acreditamos que a nossa economia irá ter uma estreita ligação com o dólar, o que pode ser uma garantia para o investimento estrangeiro. De momento, não temos estrutura capaz de controlar devidamente os movimentos financeiros.
P. -- Mas isso não é um entrave aos fluxos de capitais estrangeiros?
R. -- É verdade que é um problema não termos um sector financeiro activo. Mas também não temos, para já, mercados externos, devido às restrições às exportações. Por isso somos tão pequenos e a maior parte dos industriais tem as suas fábricas na Jordânia. Daí podem exportar.
P. -- Mas demorará muito tempo até que se possa afirmar que a Palestina tem uma comunidade empresarial activa, ou não?
R. -- Nós temos uma comunidade empresarial activa, só que não está organizada. Uma das razões é a não existência de um Governo que os ajude. São pessoas que nunca tiveram acesso a subsídios, ou beneficiaram de qualquer política proteccionista. Por isso não há ainda comparação possível entre eles e o tecido empresarial da Jordânia ou de Israel. Acredito que se tivermos mercados maiores -- e, na sequência do acordo [com Israel], podemos ter mercados maiores --, um bom sector financeiro, capaz de financiar bons investimentos, e um governo com políticas e incentivos fiscais, estimularemos a criação desse tecido económico. Não tenho quaisquer dúvidas de que estaremos então prontos a competir com os nossos vizinhos. Não propriamente com Israel, nem com Portugal, mas talvez com a Jordânia, Síria, Líbano -- com todos aqueles que estão mais ou menos no nosso grau de desenvolvimento.
P. -- Vão receber muito dinheiro da comunidade internacional. Mas de nada adiantará se não forem capazes de o aplicar nos sítios certos. Já têm ideias concretas acerca destas aplicações?
R. -- Claro. Vou-lhe dizer mais uma coisa. Os nossos recursos humanos não são como os europeus ou mesmo os portugueses. Porque os portugueses não construíram a Europa. Mas nós construímos o Egipto, os países do Golfo, a Jordânia e ajudámos mesmo a construir a Síria. Os palestinianos são pessoas capazes de constituir governos, países e empresas internacionais. Temos grandes investimentos palestinianos, muito bem sucedidos, na Suíça, na América do Sul e na América do Norte, por exemplo. O que nós precisamos é de uma política que atraia os recursos humanos e o dinheiro que está fora do país. Sobretudo o dinheiro.
Mas imagine: um pequeno país como o nosso tem agora à sua disposição 30 mil milhões de dólares, o que é dez vezes o nosso produto nacional bruto. Com isto, muitos investidores estrangeiros vão querer estar presentes.
P. -- Se não tiverem uma boa solução política, toda a estratégia económica pode falhar.
R. -- Concordo consigo na generalidade. Corremos um alto risco de instabilidade política e de segurança, mas é só no curto prazo. Mas faremos o nosso melhor para ultrapassar e dominar isso, desde já. Estamos precisamente a ultimar um acordo com Israel que automaticamente garantirá a paz a nível regional e não somente entre Israel e a Palestina. Por isso, numa estratégia de médio e longo prazo, não tenho dúvidas acerca do nosso sucesso.
Estou a ser optimista? Não. Estou apenas a dizer-lhe que temos objectivos muito claros, que a força de vontade é grande. O Banco Mundial está cá e está impressionado com a nossa capacidade. Não com a capacidade das nossas instituições, porque ainda não as temos, mas como indivíduos que podem ser capazes de levar isto a bom porto.
P. -- Mas tudo pode ser deitado por terra se falhar a solução política.
R. -- Claro. É por isso que têm de rezar por nós, no mínimo.
Apesar de Portugal ficar longe...
P. -- E que mais desejam de Portugal?
R. -- Precisamos da vossa ajuda em dois aspectos básicos. A visita desta missão já é um sinal importante. Estive a estudar o perfil das empresas que cá estão e, tal como as nossas, trata-se de pequenas e médias empresas que empregam poucas dezenas de trabalhadores. São empresas de âmbito familiar, com uma experiência parecida com a que vamos ter de enfrentar. O que quer dizer que é possível a constituição de «joint-ventures», a transferência de tecnologia e «know how». Quer dizer ainda que as trocas comerciais são possíveis, pois trabalham no calçado ou nos têxteis. E, apesar de Portugal ficar longe, estamos a falar de dois países do Mediterrâneo.
Por outro lado, abrem-se oportunidades para muitas empresas portuguesas, que podem concorrer aos projectos de construção de infra-estruturas, aproveitando os subsídios e as ajudas da comunidade internacional. É verdade que, como Governo, Portugal não contribuiu muito, porque também não pode...
P. -- Também somos um país pobre.
R. -- Não propriamente pobre... Não se atrevam a comparar-se connosco... Mas vocês têm experiência em sectores que nos interessam. Estamos a tentar aprender coisas sobre a vossa experiência no turismo, nas pescas e na agricultura. Há muitas possibilidades de estabelecer as mais variadas relações. Não estou a dizer que será uma relação parecida com a que temos com a França ou os Estados Unidos. Mas será uma relação entre dois povos com muitas similaridades. E se vocês se consideram os pobres da Europa, nós consideramo-nos os pobres do Médio Oriente. Então já temos algo para trocar: como sentir a pobreza, como lidar com ela, como sair dela e como melhorar a nossa economia e eficiência nos investimentos.
P. -- Que sectores pretendem desenvolver?
R. -- O turismo será o sector número um. Não imediatamente, porque, para já, a nossa prioridade vai para o desenvolvimento da agricultura. Este será um sector que ocupará o terceiro lugar, a seguir à indústria. Em quarto lugar, aparecerá os serviços. E este sector em Portugal ocupa 55 por cento do tecido económico, o que será idêntico ao que se passará por cá. A indústria deverá atingir uma percentagem de 25 por cento -- actualmente ocupa apenas oito a nove por cento da nossa economia, por isso teremos de mudar este cenário.
P. -- E que sectores industriais?
R. -- Aqui, temos indústrias muito conhecidas desde os anos 40. Por exemplo: mármores e pedreiras para a indústria de construção, únicas na região. Temos produtos farmacêuticos e indústrias químicas que já exportam um pouco para todo o mundo. Temos ainda o calçado, muito representativo em Hebron. Deverão reparar que muito do calçado dos israelitas é feito em Hebron.
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