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<DOCNO>PUBLICO-19940716-007</DOCNO>
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<DATE>19940716</DATE>
<CATEGORY>Cultura</CATEGORY>
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Os blues de Lucky Peterson no Estoril Jazz
Memórias do passado com raízes no futuro
Com a banda de blues de Lucky Peterson, coisa que raramente se ouve em Portugal, despede-se hoje a edição de 1994 do «Estoril Jazz/Jazz Num Dia de Verão».
Licenciado em tudo o que é blues (que é a mais completa escola da vida) Lucky Peterson é guitarrista, organista, «blues shouter» e o mais que, esta noite, quiser ser. Porque a verdade é que Lucky é um homem com sorte. Nasceu em família que vivia do blues. O pai explorava um clube em Buffalo, por onde passaram nomes que pesam em qualquer vida: Muddy Waters, Lightnin' Hopkins, Jimmy Reed, Junior Wells e Buddy Guy. E o jovem Peterson aprendeu depressa, mais depressa do que seria de esperar.
Começou logo por troçar do destino que o pai lhe pôs à frente dos olhos. Menino-prodígio do órgão Hammond, aluno de Jimmy Smith aos três anos, cúmplice, 24 meses depois, de um disco de Willie Dixon («Our Future»), transformado em estrela televisiva aos cinco anos, Lucky virou as costas a um futuro circense, de ecrã em ecrã até ao ecrã final, e dedicou-se à estrada, o que nos blues continua a ser uma das melhores maneiras de se dedicar aos blues. Dirigiu a banda de Little Milton, solou com Bobby «Blue» Bland, aprendeu nas cordas de Clarence «Gatemouth» Brown, andou com Rufus Thomas. Por essa altura já o órgão descobrira na guitarra uma irmã. Anunciava-se assim a dimensão multi-instrumental de Lucky Peterson (Hammond, piano, piano eléctrico, guitarra, voz).
Quem encontrava os seus blues ficava com eles (Wynton Marsalis ouviu, gostou e disse: «No Hammond não há hoje melhor.» Pena é que, no Parque de Palmela, onde hoje actua, Peterson tenha de se contentar com um sucedâneo, que em Portugal «isso de Hammond é uma coisa muito complicada», justifica-se o produtor Duarte Mendonça). Mas foi preciso esperar por 1992 para que toda a gente os encontrasse. Aconteceu isso num disco chamado «I'm Ready» (nós também!), mostruário, como há muito se não (ou)via, de um blues puro e duro, ligado à memória do passado e às raízes do futuro. Em França, que é terra onde o blues está bem estrumado, Lucky Peterson tornou-se um cabeça de cartaz dos palcos das músicas negras, título confirmado no ano seguinte com «Beyond Cool», um disco «o mais funky possível, com a condição de não deixar de ser um disco de blues; e sem deixar de ser funky». Pelo meio ficou, também com êxito de fazer inveja, uma digressão com James Brown.
Custa a crer que Portugal tenha mantido o blues tanto tempo dentro de um gigantesco parêntesis. Que me lembre, tivemos, vai para um par de anos, Buddy Guy no Coliseu, numa noite em que o som e a plateia massacraram os blues. Depois foi o deserto ou quase. Com Lucky Peterson, o blues regressa à cidade. Proibido faltar.
António Curvelo
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