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<DOCNO>PUBLICO-19940717-099</DOCNO>
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<DATE>19940717</DATE>
<CATEGORY>Desporto</CATEGORY>
<AUTHOR>MQ</AUTHOR>
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Final clássica num «Mundial» atípico
Do nosso enviado
Manuel Queiroz, em Los Angeles
Este foi o Campeonato dos três mundos: o primeiro, justiça se faça, foi o novo, esta América que o futebol achava que não seria capaz de o receber com dignidade e que afinal se colocou já em posição de receber outra prova igual num futuro mais ou menos próximo; o segundo e o terceiro são naturalmente a Europa e a América do Sul, que, habituadas a dividir entre si louros, honrarias e reconhecimentos, desta vez se apresentam na final, como quase sempre, mas num palco diferente, desconhecido até agora.
Os Estados Unidos, eles também, ainda se beliscam para ver se não sonham acordados: «Ainda não posso crer que tudo tenha corrido tão bem. Nem um problema, nenhuma violência, um futebol belo, extraordinário», dizia anteontem Alan Rothenberg, durante a apresentação de dois «sponsors» para a sua nova Liga, a MSL, o campeonato americano profissional ao nível de I Divisão que começará em Abril. Este foi um Campeonato de sonho no país da magia e da ilusão. Do cinema, é verdade, que Hollywood está aqui ao lado e o filme que vai passar no Rose Bowl, esta tarde, é um clássico.
Há 30 dias poucos acreditariam nisto, mas os americanos encheram os estádios, viram os jogos na televisão, descobriram que o «soccer» não era a violência (dos espectadores) que eles temiam e que fez até dos treinos verdadeiros espectáculos de segurança, com helicópteros e tudo. O futebol descobriu um novo mundo, que na ordem do futebol é o terceiro ou mesmo o quarto, mas que está destinado a ter um outro papel num futuro próximo.
O balanço do «Mundial» dos estádios cheios (batidos os recordes de total de espectadores por um número próximo do milhão), dos golos (a média desta segunda fase está em 3,1, quando foi de 2,6 no México-86 e de 2,07 no Itália-90), do futebol positivo (os casos de Tassotti e Leonardo foram ilhas num mar de correcção), faz-se numa frase de Carlos Bilardo, o antigo seleccionador argentino vencedor em 1986 e finalista em 1990: «Foi o `Mundial' mais bonito que já vi. Não foi um `Mundial' de grandes jogadores, tirando talvez Bebeto e Romário, porque Maradona quase não jogou, Baggio está muito só na Itália; não foi um `Mundial' de altíssimo nível técnico, mas foi um `Mundial' de retorno à pureza do futebol, que tem que crescer nesta direcção.»
Bilardo é capaz de ter razão, como terá o seleccionador brasileiro, Carlos Alberto Parreira: «Sempre disse que este `Mundial' não ia trazer grandes novidades tácticas, ou técnicas. Nesse aspecto, não houve grandes diferenças em relação à prova anterior, ou ao México.» Telé Santana, outro treinador brasileiro: «Este `Mundial' foi bonito porque a bola esteve sempre perto da baliza. Isso é bom. Mas correu-se muito e pensou-se pouco, e o que me espanta é que mesmo grandes equipas entraram nisso. Como é que a Alemanha pode perder com a Bulgária daquele jeito? Como é que a Itália pode ter estado à beira de perder com a Nigéria? Faltam jogadores que saibam fazer do futebol a ciência ligada à arte. Porque o Brasil, a Itália, a Argentina, têm jogadores para isso, mas fizeram-no poucas vezes. O Zinho, por exemplo, é um jogador excelente, mas no Brasil tem que fazer tantas coisas que se esquece até de como marcar um golo.» Ou seja, foi um «Mundial» atípico.
Todas as equipas se preocuparam muito com os aspectos físicos. Os horários dos jogos -- a final joga-se às 12h35 locais de Los Angeles -- e o calor que surpreendeu toda a gente levaram a melhor sobre algumas selecções, como a Alemanha, que esteve nas últimas três finais e que, com uma elevada média de idades, não conseguiu passar dos quartos-de-final. O seleccionador italiano, Arrigo Sacchi chegou a dizer que havia dois «Mundiais», o da Costa Leste (quentíssimo) e o da Costa Oeste (fresco). E até certa altura foi verdade.
Este é um dos factores que pode influenciar o jogo de hoje, a final clássica entre duas equipas que podem conquistar o «tetra». A Itália teve que jogar o prolongamento com a Nigéria, ganhou à Espanha com um golo ao 88º minuto, para não falar do que sofreu na primeira fase -- em suma, chega ao Rose Bowl mais desgastada, conseguindo as mesmas coisas que o Brasil mas com o dobro do suor.
«A Itália está mais desgastada, não tem vários jogadores importantes, mas uma final ganha-se com o coração. E isso a equipa italiana já mostrou que tem», diz Telé Santana.
«Claro, se o Baggio não jogar é óbvio que no plano individual a Itália fica em desvantagem em relação ao Brasil. Mas uma final ganha-se com o colectivo, com a equipa», afirma por seu turno Arrigo Sacchi. E trocar jogadores tem sido ponto forte da Itália, que ficou sem Evani logo no primeiro jogo por lesão, ficou sem Baresi logo após o intervalo do segundo com a Noruega, em que o guarda-redes Pagliuca também foi expulso aos 20', ficou sem Tassoti após o jogo com a Espanha, com oito jogos de suspensão por ter partido o nariz a Luís Enrique no jogo arbitrado pelo mesmo Puhl que será o juiz esta tarde.
E o árbitro é outro dos homens de quem se fala, precisamente por não ter visto -- nem ele, nem os juízes-de-linha, nem o delegado da FIFA ao árbitro -- a cotovelada que significou a maior punição na história do «Mundial». A FIFA apressou-se a dizer que a escolha feita pelo Comité de Arbitragem foi unânime, mas não agradou aos italianos. É que, depois do episódio Tassoti, os italianos temem que Puhl tenha a tendência para os prejudicar de forma a mostrar a sua independência. Mas Puhl é, seguramente, um dos melhores árbitros do mundo.
Do lado brasileiro, reina a calma na equipa, que sente ser mais forte do que uma Itália que teve até que mudar o seu jogo para chegar onde chegou. Do «pressing» constante dos primeiros jogos, desgastante e arriscado, passou a ser uma equipa mais calculista e a esperar mais pelos adversários. É que, verdadeiramente, nunca uma equipa a fazer aquele «pressing» ganhou uma competição de um mês como é esta e em condições de desgaste elevadas a uma enorme potência, com o calor e os horários. O Brasil confia na sua organização e em Bebeto e Romário, uma dupla que torna o golo tão fácil que às vezes até se deslumbra e falha as bolas mais fáceis. Este jogo só tem um problema, como dizia um dos muitos jornalistas brasileiros: «É a primeira final nos últimos 24 anos. Estes jogadores só viram o Brasil perder. A pressão pode ser muito grande e a Itália é profissional de Copa do Mundo. Se deixarem, ela ganha mesmo.»
É uma final clássica, embora só tenha acontecido anteriormente em 1970, no México, quando o Brasil de Pelé, Gerson, Tostão, Jairzinho, ganhou por 4-1. Em Campeonatos do Mundo estas equipas defrontaram-se mais três vezes: em 1978, na decisão para o 3º lugar, com vitória do Brasil por 1-0; em 1938 a Itália venceu por 2-1 e em 1982 venceu por 3-2 no jogo dos três golos de Paolo Rossi que levaria depois a sua selecção ao título mundial. Para além de se decidir aqui quem vai ser o primeiro tetracampeão da história, também há um desempate a fazer na conta-corrente particular de cada um.
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