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<DOCNO>PUBLICO-19940729-101</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940729-101</DOCID>
<DATE>19940729</DATE>
<CATEGORY>Nacional</CATEGORY>
<AUTHOR>RVZ</AUTHOR>
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Demissão de Montalvão Machado poderá contribuir para veto ao SIS
Mais argumentos para Soares
Áurea Sampaio
Ficou esta semana pronto o diploma que regula os Serviços de Informações. O ponto final no polémico texto aconteceu na mesma semana em que se demitiu o único membro que restava do Conselho de Fiscalização das secretas. A atitude de Montalvão Machado veio a dar mais argumentos a Soares para não promulgar a lei. E há quem diga que o ex-deputado do PSD também se quis vingar de Fernando Nogueira. Afinal o tempo não cura todas as feridas.
Antes mesmo da nova lei quadro do Sistema de Informações da República ter dado entrada em Belém, o Presidente vai colhendo mais e mais argumentos para a sua não promulgação. Esta semana, a demissão de Montalvão Machado do Conselho de Fiscalização do SIS pode ter retirado quaisquer dúvidas a Soares. A expectativa é grande quanto à solução a adoptar pelo Presidente e tanto no PSD como na oposição o que se fazem agora são contas. O PR vai ter que apreciar nos próximos dias um conjunto de diplomas quentes e quase ninguém acredita que ele crie obstáculos a todos eles. Na mesa de trabalho de Soares vão estar as alterações à Lei de Imprensa, o Código Penal, as novas regras sobre o controlo dos rendimentos dos políticos e uma outra, não menos polémica, que regulamenta a instalação de estrangeiros em centros de acolhimento temporário.
A Comissão parlamentar de Direitos Liberdades e Garantias deu esta semana por concluido o seu trabalho no que toca à nova legislação sobre o SIS, que deverá ser de imediato enviada ao PR. Soares não deixará de ter em conta que nada de essencial foi mudado, o que contraria a expectativa com que abordou o assunto no último Conselho Superior de Defesa Nacional. Na altura não escondeu as suas dúvidas, mas fez questão em ressalvar a esperança de que o Parlamento lhas viesse a tirar. Mas isso não aconteceu. Após a aprovação do diploma no hemicíclo de S. Bento a catadupa de demissões só veio aumentar a confusão. Primeiro foram Anselmo Rodrigues e Marques Júnior, os dois membros do Conselho de Fiscalização ligados ao PS, a demitar-se alegando que a nova lei não só clarifica os poderes do Conselho como os limita. O PSD não achou graça, e fez tudo para tirar efeito político à atitude de Anselmo e Júnior, chegando o primeiro-ministro a afirmar que «há mais de um mês aguardava a manobra». O que os sociais-democratas desejavam evitar a todo o custo, era justamente o esvaziamento do órgão. Se houve demissões, elegem-se novos elementos, diziam com a maior das displicências. A presença de Montalvão aparecia com o mesmo estatuto de guardião do templo contra «manobras políticas».
A vingança de Montalvão
Mas eis que Montalvão roeu a corda. Como única razão de fundo para a sua demissão invoca a inoperacionalidade do órgão após a saída dos outros dois membros, o que era totalmente contrário à intenção política do seu próprio partido. No PSD explica-se a titude de Montalvão como «uma vingança» sobre Fernando Nogueira. É que o diploma sobre o SIS saiu do gabinete do ministro da Defesa, a figura que foi arrebatar a Montalvão o primeiro lugar de sempre na lista do PSD às legislativas pelo círculo do Porto. Tão magoado ficou Montalvão, que acabou por renunciar ao seu mandato de deputado e, diz quem sabe, este velho social-democrata nunca perdoará a Nogueira. O PÚBLICO tentou obter um comentário de Montalvão Machado sobre este assunto, o que foi impossível por se encontrar de férias.
O facto de o Conselho de Fiscalização não ter agora um único elemento, dá, no mínimo, argumentos ao Presidente para achar que algo não está bem no funcionamento do Conselho. A necessidade de repensar o órgão surgirá agora como inquestionável a Soares, já susceptível às exigências sobre a reformulação dos respectivos poderes.
Sabe-se, por outro lado, que o PS não avançará com um único nome para o Conselho antes da alteração da lei no sentido de que aos fiscais do SIS sejam conferidas reais possibilidades de averiguar aqueles serviços sem tutelas intermédias. Se o Governo não acolher esta ideia, o que na prática vai acontecer é um vazio na fiscalização da actividade dos serviços de informações, facto iniludivelmente delicado.
Mas a demissão de Montalvão teve ainda como consequência a fragilização do PSD. Como a eleição dos membros do CF depende de uma maioria qualificada de dois terços, isto significa que os sociais-democratas vão ter também que negociar um nome para substituir Montalvão que passe pelo crivo dos socialistas.
Quem vai ditar as regras a partir de agora é, no entanto, o Presidente. Após a recepção do diploma em Belém tem 90 dias para lhe dar um caminho. Mas é óbvio que este prazo não se vai esgotar. Porque para todos os efeitos o SIS está agora à solta. E Soares tem argumentos acrescidos para justificar uma atitude que obrigue a dar a volta ao texto.
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