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<DOCNO>PUBLICO-19940804-053</DOCNO>
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<DATE>19940804</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>JAF</AUTHOR>
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Debate parlamentar italiano adia crise política para o Outono
Uma moratória de Verão
Berlusconi prometeu governar por muito tempo e Bossi prometeu cooperar. Para a imprensa italiana, o debate parlamentar de terça-feira à noite foi uma pequena peça num jogo de longa duração. As hostilidades retomam-se em Setembro. Com esta moratória de Verão, a lira recuperou da queda da semana passada.
A lira subiu ontem de manhã e os operadores financeiros disseram que o primeiro-ministro Silvio Berlusconi os convencera de que não haveria crise governamental. Mas os escândalos e as suspeitas vão continuar. Fazendo o balanço do debate parlamentar de terça-feira à noite, o jornalista Indro Montanelli, director de «La Voce», escreveu que «o ajuste de contas não chegou a acontecer» e que o Governo tinha obtido uma «moratória».
No discurso que abriu o debate, o primeiro-ministro Berlusconi desafiara a Liga Norte e o seu líder Umberto Bossi a escolherem entre a lealdade ao Governo ou a ruptura, garantindo que não haveria alternativa sem eleições e que contava ficar no poder «por muito tempo» (ver PÚBLICO de ontem).
Na sua resposta, Umberto Bossi optou por um perfil baixo. Afirmou que não haveria «crise governamental nem eleições antecipadas», porque os eleitores não o desejavam. Denunciou, inversamente, a oposição e «obscuras manobras de terrorismo psicológico dos sobreviventes de 40 anos de compromissos entre direita e esquerda», que visariam empurrar a Liga para uma ruptura da aliança governamental. Jurou que não cairia «em provocações».
Depois de ter chefiado o «motim» do seu partido contra «o decreto Biondi» (que ameaçava as investigações judiciais sobre a corrupção) e de, na manhã de terça-feira, ter declarado que Berlusconi não poderia continuar a ser primeiro-ministro se não se separasse completamente da sua empresa (Fininvest), o líder lombardo proclamou, sob os aplausos unânimes da maioria: «Somos o pai e a mãe da destruição do velho sistema e somos o pai e a mãe do novo». Não foi apenas o discurso «musculado» de Berlusconi e a sua promessa de governar «por muito tempo» o que os «mercados» escutaram com agrado, mas também esta mensagem dilatória de Bossi.
Mas, como sempre, o recuo de Bossi é relativo e obedece à sua táctica habitual de num primeiro tempo garantir a unidade do Governo, para logo a seguir «flagelar» o primeiro-ministro, e no terceiro acto recuar de modo a evitar a ameaça de eleições gerais (a Liga detém no actual parlamento uma bancada que excede largamente o seu peso eleitoral).
A reserva mental de Bossi ficou patente no fim da sua intervenção. Depois da presidente da assembleia, Irene Pivetti (da Liga), lhe ter cortado a palavra por haver excedido o seu tempo, Bossi disse aos jornalistas que não pudera concluir a sua resposta: «Teria dito a Berlusconi que não o queremos fazer refém mas que ele, se quiser, pode fazer as malas e ir embora». O primeiro-ministro denunciara no seu discurso as afirmações de Bossi de ele era refém da coligação e estava nas mãos da Liga.
Onde é a Roménia?
O discurso de Berlusconi, anunciado como um espectáculo e marcado para as 20h00 locais -- a hora de máxima audiência televisiva -- não revelou nenhuma «surpresa», ao contrário do que prometera o seu porta-voz, o ministro Giuliano Ferrara.
«O debate não passou de uma peça num jogo de longa duração», escrevia ontem o «Corriere della Sera», de Milão. «Um jogo algo previsível de antemão, em que a maioria e a oposição recitaram os seus papeis, na expectativa da `rentrée' de Setembro. Ninguém acreditava que se encontrassem soluções, apenas se queria saber o estado de saúde do Governo e do seu presidente».
A oposição tentou contra-atacar, teve palavras duras, mas sem grande ressonância, pois todas as atenções se centravam na questão da unidade ou da divisão do Governo.
Massimo d'Alema, secretário nacional do Partido Democrático da Esquerda (PDS), tentou deslocar o debate para a questão mais grave: os ataques de Berlusconi ao poder judicial. Acusou o primeiro-ministro de «não ser credível quando ataca os juízes pois ele próprio está a ser objecto de investigações judiciais. São mil fios obscuros que o ligam ao passado», disse, em alusão às ligações de Berlusconi a Bettino Craxi e à loja P2.
E à afirmação de Berlusconi de que a Itália não era a Roménia de Ceausescu (argumento invocado para manter a propriedade das suas empresas), D'Alema retorquiu que, precisamente na Roménia de hoje, «o presidente do Conselho é o proprietário da televisão como em Itália». Foi apenas um bom momento de retórica parlamentar. No final, o líder neofascista Gianfranco Fini, da maioria governamental, concluiu sensatamente: «Não se passou nada».
Suspeitas americanas
O juiz Antonio di Pietro já partiu para férias mas nem por isso os escândalos param. «A desconfiança vem agora da América», noticiava a imprensa italiana, dando relevo a uma notícia do «Wall Street Journal» de terça-feira, segundo a qual a Fininvest estaria a ser investigada pelas autoridades financeiras norte-americanas na sequência da compra do grupo de comunicação MGM/UA pelos financeiros Giancarlo Parretti e Florio Fiorini. Berlusconi e a Fininvest teriam ajudado os dois financeiros a obter os 1,3 biliões de dólares implicados na operação, em termos que não teriam respeitado a legislação americana.
Davide Rampello, director das relações externas da Fininvest, desmentiu e comentou: «O artigo do WSJ parece ter um único objectivo: destruir a credibilidade de Silvio Berlusconi».
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