<DOC>
<DOCNO>PUBLICO-19940817-119</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940817-119</DOCID>
<DATE>19940817</DATE>
<CATEGORY>Sociedade</CATEGORY>
<TEXT>
Comemorações do aniversário da morte do delfim de Hitler
Semana Hess sob vigia
Christoph Seitz*
Ainda é cedo para dizer que tudo correu bem, admitem do gabinete do chanceler alemão Helmut Kohl. Até domingo as autoridades vão manter-se de prevenção para impedir manifestações e distúrbios provocados pelos neonazis na semana de aniversário da morte de Rudolf Hess, o «mártir» que em Maio de 1941 -- e à revelia do Fuhrer -- saltou sob a Grã-Bretanha para negociar uma paz separada.
As autoridades do Luxemburgo não hesitaram em actuar quando descobriram, na tarde de sábado, que os neonazis estavam a desfilar nas ruas da cidade. Em poucas horas a polícia prendeu cerca de cem neofascistas, na sua maioria «skinheads», que se tinham concentrado frente à embaixada alemã. Estavam de braço direito erguido na saudação hitleriana, gritando palavras de ordem nazis e incomodando quem passava. O que é que se passou?
No sábado, logo após o meio-dia, o «National Infotelefon» -- um serviço telefónico, tipo atendedor de chamadas, dirigido por neonazis e que fornece informações aos «adeptos» da causa - apelava para que se evitasse a Alemanha para a realização das marchas de comemoração do aniversário de Rudolf Hess. Para celebrar o braço direito de Hitler, que morreu há sete anos, a 17 de Agosto de 1987, os neonazis tinham inicialmente planeado reunir-se publicamente em mais de 30 cidades alemãs. Mas as autoridades locais proibiram quase todas estas manifestações. Então o «Infotelefon» deu «ordem de comando» para que rumassem para uma «marcha no Luxemburgo».
Os desfiles de sábado eram supostos ser um prelúdio à «Semana de Comemoração» de Hess. Muito próximo do aniversário de Hitler (20 de Abril), o 17 de Agosto é por esta ordem a data de maior importância no calendário nazi. É o dia em que o «mártir» morreu na prisão de Spandau, em Berlim.
Quem era Rudolf Hess, o que que ele fez, porque é que está ser venerado quase tanto como o próprio «Fuhrer»?
Hess conheceu Hitler nos anos que precederam o «coup d'etat» dos nazis em 1923, no qual ambos tomaram parte. Os dois estiveram presos e tornaram-se amigos íntimos. Hess começou a trabalhar como secretário e ajudante máximo de Hitler. Idolatrava o futuro ditador e foi ele próprio quem inventou a saudação nazi, levantando o braço direito seguido das palavras «Heil Hitler».
Com a tomada do poder em 1933, Hess tornou-se oficialmente o número dois do regime. Anos depois, após o início da II Guerra Mundial, Hess foi convencido por um antigo amigo que deveria tentar um acordo de paz com a Grã-Bretanha. Mesmo nunca tendo mencionado o caso a Hitler -- e esta é a tese histórica dominante -- Hess tinha certeza de que o ditador concordaria com tal plano, o que mais tarde se veio a provar ser uma ilusão.
Em Maio de 1941, sem o conhecimento de Hitler, Hess voou para a Grã-Bretanha, atirou-se de pára-quedas e entrou em contacto com elementos do gabinete do primeiro-ministro Winston Churchill. Mas os britânicos não acreditaram que Hitler concordasse com tal plano. Para mais, a sua aceitação implicaria que a Alemanha se tornasse na maior potência europeia.
Após a guerra, os britânicos devolveram-no à Alemanha para ser julgado em Nuremberga. Acusação: conspiração contra a paz internacional. Foi condenado a prisão perpétua. Morreu encarcerado 46 anos depois, com 93 anos. Hess foi o único nazi preso após a guerra que nunca voltou à liberdade. Dado que os neonazis sempre exigiram a sua libertação, depois de ter morrido passou de símbolo a mártir.
Desde 1987 que os neonazis comemoram a data com marchas e discursos. Em Agosto do ano passado 500 neonazis desfilaram, ilegalmente, pelas ruas da cidade de Fulda. A polícia decidiu não interferir por não desejar «provocar uma situação de escalada». Os neofascistas qualificaram a manifestação como tendo sido um sucesso e desejavam agora repetir o acontecimento.
Mas este ano, as autoridades alemãs, de modo a evitarem as acusações segundo as quais deixam os neonazis fazer o que querem, reagiram de forma mais severa a manifestações organizadas e concentrações. A maioria das acções foi proibida. Contudo, partidos e organizações neofascistas têm-se reunido por todo o país desde sábado e já foram presas mais de 100 pessoas.
O Governo de Brandemburgo, a região envolvente de Berlim, proibiu todo o tipo de reuniões relacionadas com o aniversário da morte de Rudolf Hess, tornando, assim, impossível a qualquer pessoa juntar-se para lembrar o delfim de Hitler de forma legal.
Apenas nas cidades de Estugarda e de Heilbronn foram permitidas duas reuniões do Partido Nacional-Democrata (NPD), de extrema-direita. As autoridades alegaram que estas poderiam ser efectuadas, uma vez que o NPD é um partido legal. O orador de ambas é Günter Deckert, o dirigente do NPD que, na semana passada, foi condenado por um tribunal de Mannheim a apenas um ano de prisão, com pena suspensa, tendo sido o protagonista do «escândalo da justiça» que ainda agita a Alemanha (ver texto ao lado).
Além desta situação específica e do incidente do Luxemburgo, até agora as autoridades locais alemãs mostraram-se relativamente rígidas em relação a acções neonazis, pelo que não foram registados tumultos de maior.
Mas a semana de comemoração do aniversário da morte de Rudolf Hess termina apenas no domingo. Mais acções neonazis podem ser planeadas até então. Todos o sabem. Até o ministro alemão do Gabinete do chanceler Helmut Kohl que afirmou, no princípio da semana, ser «demasiado cedo para dizer que está tudo bem».
*jornalista alemão convidado pelo PÚBLICO
</TEXT>
</DOC>