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<DOCNO>PUBLICO-19940823-069</DOCNO>
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<DATE>19940823</DATE>
<CATEGORY>Diversos</CATEGORY>
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O não-artista
No passado dia 16, no programa 20 Anos, 20 Nomes da SIC, Herman José resumiu a temática à seguinte máxima: «(praticamente) tudo pelo dinheiro». Até há cerca de seis anos atrás, eu era seguramente um dos maiores fãs do Herman. Admirava a elegância, subtileza e provocação corrosiva que emanava do seu humor inspirado nos fabulosos Monthy Python e «bebendo» muito do melhor humor inglês.
Tinha classe, tinha ousadia e era muito imaginativo (quase nada era tabu), sem «patrocínios», era por assim dizer o «abc da contracultura» pela lufada de ar fresco que representou na altura em que surgiu (1984). Era o «monarca» absoluto do humor português. Actualmente vai perdendo lenta mas seguramente os fãs da primeira fase (que são sempre os melhores) e grande parte dos «recém-convertidos».
Nas perguntas acutilantes de Miguel Sousa Tavares encontravam-se algumas respostas para o problema. Perante uma crise económica nacional bem mais grave do que a de 1984 (porque esta tem fundos comunitários) e perante um novo-riquismo crescente, o nosso «monarca» não se inspira, nem «investe» tiradas de génio como outrora só ele sabia (criação de «personagens» actuais, os «cromos» da nossa praça, por exemplo).
O seu problema é que humor de categoria não convive bem com «jet»-seis (já que o «jet»-sete é mais discreto) nem com «parolos de telemóvel» (como Pedro Abrunhosa tão bem descreveu numa canção sua), ninguém acredita que Herman esteja a fazer o humor de que gosta, nem que «isto» seja o seu melhor. Herman é, hoje em dia, o exemplo perfeito do «não-artista», ou seja, não inova, já não provoca com classe e, pior do que tudo, é «prisioneiro» do «statu quo» (vulgo Estado-laranja), e o problema não é o de gostar de dinheiro (quem não gosta?), só que o prestígio do «verdadeiro artista» deve ser usado para impor condições e não aceitá-las e para desbravar novos caminhos, independentemente de certos poderes, até porque agora há mais televisões.
O seu humor de hoje resume-se ao provérbio «Muita parra e pouca uva», o que é dramático para um homem de 40 anos que, supostamente, deveria estar no máximo da sua forma (não confundir audiência com excelência). Para minha pena e de muita gente, o nosso «monarca» atravessa assim um longo «exílio na montra principal (vulgo televisão)», que nem esporádicos programas de fim de ano, alguns momentos em concursos e a tão célebre falta de concorrência podem desculpar.
Pedro Miguel Salgado
Lisboa
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