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<DOCNO>PUBLICO-19940930-090</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19940930-090</DOCID>
<DATE>19940930</DATE>
<CATEGORY>Nacional</CATEGORY>
<AUTHOR>RVZ</AUTHOR>
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Iniciativa de Manuel Monteiro embaraça PS e PCP
PSD abraça moção de censura
Ana Sá Lopes e Ângela Silva
Não vai haver qualquer plenário extraordinário sobre a ponte: as propostas do CDS passam à comissão parlamentar e por ali vão ficar à espera de melhores dias. Venha a nós a moção!, aplaude o PSD, perante o embaraço do PS e do PCP. Os históricos do CDS digerem o «tiro» de Monteiro. E no PS, Manuel Alegre desafia o Governo a pedir a dissolução.
«A moção! A moção!». Ontem, no Parlamento, à mínima crítica ao Governo, os deputados do PSD não continham a «alegria» que a iniciativa do CDS lhes provocou. Resolver o «problema» com Soares - a moção de censura permitirá a discussão da ponte e do resto no Parlamento - e menorizar Guterres: «O dr. Monteiro tornou dispensável o eng. Guterres», dizia ontem Silva Marques na reunião da Comissão Permanente da Assembleia da República. E tudo no melhor dos mundos: é óbvio que a maioria absoluta aprovará o seu Governo, qualquer que seja o rumo que o debate leve.
Acalmada a maioria, Soares foi ontem alvo de um dos ataques mais demolidores provenientes do PSD a seguir à «Prova Oral» da RTP. «A entrevista do Presidente da República provocou em mim um choque moral impressionante», disse o vice-presidente Silva Marques, em tom de bradar aos céus. «Custa-me a acreditar que alguém transforme a luta política num cinismo insustentável».
A violência das críticas não apanhou o líder parlamentar do PS num dos seus melhores dias. A defesa pecou por excesso de auto-justificação da performance socialista: para Almeida Santos, Soares teve «o cinismo da franqueza. Foi frontal e sincero. Disse coisas de uma elementaridade atroz, disse o que eu aqui já disse mil vezes». Mas Silva Marques insistiu, «o Presidente da República foi de uma incoerência grosseira e chocante». Depois de traçar um quadro apocalíptico dos governos de Soares («situações de violência rara para os nossos costumes, vários mortos, prisões em série, graves `abaixamentos' do nível de vida da população»), o vice do PSD conclui que «ou estamos no domínio da incoerência extremamente chocante que eu denomino cinismo ou as pessoas perderam as faculdades intelectuais». Assim.
Quanto ao plenário extraordinário sobre a «crise concentrada na ponte», proposto pelo CDS, foi arrumado liminarmente pelo PSD. Primeiro, de uma maneira indirecta: ao lembrar que as propostas do CDS terão que passar pelas comissões parlamentares, com um apurado leque de audições a entidades envolvidas e o consequente relatório. Tudo para as calendas gregas, portanto. Depois, Guilherme Silva foi mais concreto: «Qualquer sessão extraordinária do Parlamento tem que ser justificada ao país» e a «acalmia da situação na ponte» deixou de obrigar a pressas ou a temores sobre os custos políticos da falta de pressa. Narana Coissoró denunciou o «artificialismo» do PSD em querer «ouvir trinta pessoas que nunca quis ouvir» a propósito das suas propostas, mas, com a moção de censura no horizonte, toda esta problemática fica superada.
O embaraço da esquerda
Foi com indisfarçável mau estar que a direcção do PS reagiu ao «tiro» do CDS-PP e ao protagonismo que Manuel Monteiro inevitavelmente ganhou na oposição ao Governo. Numa altura em que a bola parecia estar do lado de Mário Soares, António Guterres considerou «um erro político» a apresentação de uma moção de censura ao Governo argumentando que ela «pode condicionar e limitar a acção do Presidente» e, embora reconheça razões para censurar o Executivo, o líder socialista acha que em termos de oportunidade a iniciativa centrista faz o jogo do PSD.
Nitidamente preocupado em justificar a sua omissão, Guterres argumentou que um pequeno partido como o CDS pode permitir-se estas atitudes, ao contrário do PS que, como candidato a Governo, tem de ter «um comportamento mais sensato». E no ar ficou a dúvida sobre o sentido de voto dos socialistas à moção, não estando afastada a hipótese de se absterem, à semelhança, aliás, dos comunistas.
Ao posicionar-se na vanguarda da oposição ao Governo, o líder do CDS-PP provocou um claro agastamento nas hostes dos partidos de esquerda. No PS, a hipótese de uma moção de censura já tinha sido suscitada por José Lamego numa reunião do Secretariado, embora Lamego considerasse que o «timing» não era o mais adequado, preferindo apostar num momento mais próximo das eleições que ajudasse a dramatizar a pré-campanha para as legislativas. E quando Pacheco Pereira lançou às oposições um repto para que avançassem com uma moção de censura, a resposta concertada do PS foi dizer que deveria ser o PSD a apresentar uma moção de confiança. Na altura não faltou quem comentasse em Belém que, mais uma vez, os socialistas tinham entrado «na estratégia da pescadinha de rabo na boca». E ontem havia quem explorasse esta vertente dos acontecimentos, indiciando estar-se perante uma clara convergência estratégica entre Soares e a direcção centrista.
No CDS, defende-se o contrário. Monteiro terá decidido avançar com a moção depois da entrevista de Mário Soares à «Prova Oral», onde o Presidente deixou claro que não iria precipitar os acontecimentos enquanto não estivessem esgotadas as vias institucionais - com o Parlamento na primeira linha -, para debater a situação do país. A iniciativa centrista surgiria assim como uma prova de independência estratégica do CDS relativamente a Soares e este argumento terá contribuido para acalmar alguns dos históricos do CDS, nomeadamente Nogueira de Brito, que embora discordando da forma como Monteiro decidiu anunciar a sua iniciativa - sem ouvir a direcção do partido e avançando razões que os deputados centristas chegaram a questionar -, reconhece agora as vantagens políticas para o CDS-PP de despoletar este processo.
Contra a moção e ao lado do PS, surgiu o PCP. Lino de Carvalho denunciou «uma clara manobra de diversão e de embuste que, a concretizar-se, neste momento e nesta oportunidade, só serviria os interesses do PSD, dando-lhe a mão». E argumentando que «a verdadeira censura está na rua» e que a moção «vem num momento em que o Presidente da República pensa a hipótese de convocar a AR», o deputado alertou que «aritemicamente a moção não passa porque há uma maioria absoluta», pelo que «ela só serve para o PSD dizer que o país está errado, o PSD está certo, e as instituições funcionam».
Alegre pede
dissolução
Pacheco Pereira confirmou as teses comunistas e socialistas, ao confessar que o PSD «recebeu com muito agrado a notícia da moção de censura», porque ela «traduz na instituição parlamentar as críticas que têm sido feitas ao Governo». Para os sociais-democratas, a iniciativa de Monteiro surge como um mal menor comparativamente ao que poderia significar uma eventual tomada de posição de Soares. E a maioria não deixará de congregar esforços para tentar virar a moção ao Governo numa moção de censura ao PS, acusando-o de ter sido ultrapassado pelo mais pequeno partido da oposição.
Atento aos riscos, o socialista Manuel Alegre afirmava ontem que «se o primeiro-ministro acha que é preciso uma clarificação da situação política, então que peça a dissolução da Assembleia e a antecipação das eleições, porque é nas urnas que se esclarecem as cruzes». Uma tese cara a Belém e em perfeita consonância com as críticas que a resposta do PS ao repto de Pacheco Pereira suscitou no Palácio cor-de-rosa.
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