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<DOCNO>PUBLICO-19941007-119</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19941007-119</DOCID>
<DATE>19941007</DATE>
<CATEGORY>Economia</CATEGORY>
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Mesa-redonda sobre a recuperação da economia mundial
William Echikon
Ninguém esperava que as economias da Europa ficassem para sempre em crise. Mas, ao cabo da pior recessão dos últimos 40 anos, o continente está agora a recuperar. Os números relativos a lucros e a crescimento sobem. A Europa está a colher os frutos de um crescimento rápido na América do Norte e, o que é mais importante, na Ásia -- exportações. Assim, quando os ministros das Finanças se reuniram em Madrid na semana passada, para a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), os espíritos estavam animados. Mas serão as boas notícias duradouras?
Os mais pessimistas dizem que a viragem pouco contribuirá para resolver os dois mais difíceis problemas com que a Europa se debate: o desemprego e os défices orçamentais. A maior parte dos economistas prevêem que o número de desempregados continue a crescer, particularmente na Europa continental, pois as empresas -- principalmente as que estão a ser objecto de privatização -- estão a ver a sua dimensão reduzida. E a média do défice orçamental permanece imutável nos 6,5 por cento, bem acima do objectivo estabelecido no Tratado de Maastricht, que era de 3 por cento. Nenhuma «explosão» nas despesas públicas será capaz de sustentar a recuperação.
Mas existem razões para se estar optimista. A retoma económica, só por si, fará reduzir os défices orçamentais, minorando a necessidade de proceder a cortes politicamente difíceis nos gastos. O desemprego poderá também descer. Um pessimismo excessivo, sem razão de ser, poderá ter levado as empresas a despedir demasiados trabalhadores no princípio da década de 90. O número de pessoas em idade de trabalhar está a crescer muito mais lentamente que na recuperação do início dos anos 80 -- e daí ser possível que venha a haver algumas contratações.
Lembremo-nos de que ninguém previa esta recuperação. Portanto, a tendência poderá ser ainda no sentido de se subavaliar os seus efeitos benéficos. Os defensores da moeda única europeia poderão revitalizar a sua competitividade na concorrência económica a nível mundial. A hora deles está a chegar.
Após o colapso embaraçoso do mecanismo da taxa de câmbios da União Europeia, poucos economistas esperavam uma retoma, mesmo pequena, em 1994. Engano. De súbito, as economias europeias encontram-se novamente em ebulição. A produção industrial está em alta, com uma taxa de crescimento anual que quase atinge os dez por cento na França, Alemanha, Holanda, Itália e Suécia.
Por que erraram as previsões? E de onde provém a retoma? Mais importante ainda, irá ela permitir à Europa superar os seus dois grandes problemas: elevadas taxas de desemprego e défices orçamentais? Para responder a estas questões, William Echikson e Saskia Reilly, da World Media, juntaram três economistas eminentes com pontos de vista muito diferentes -- um americano, um francês e um terceiro alemão.
Norbert Walter é economista sénior no principal banco da Alemanha, o Deutsche Bank. Jean-Paul Fitoussi é director do prestigiado Observatoire Français des Conjonctures Economiques, em Paris. E Edmund Phelps, professor na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, é conhecido pelo seu trabalho conjunto com o vencedor do Prémio Nobel Milton Friedman sobre o crescimento natural do desemprego.
PERGUNTA -- Vamos começar pela questão essencial: até que ponto consideram significativa a retoma da Europa?
NORBERT WALTER -- A retoma é significativa. Começou nos países que desvalorizaram a sua moeda, o Reino Unido e a Itália, e agora juntou-se-lhes o resto da Europa. Do meu ponto de vista, esta retoma baseia-se nas exportações para o Sudoeste asiático, o que é um fenómeno estrutural, e no melhoramento das exportações para a América do Norte, o que é basicamente um fenómeno cíclico.
EDMUND PHELPS -- As economias da Europa Ocidental estão a caminho da recuperação e as respectivas taxas de desemprego aproximam-se dos seus valores naturais. O lado negativo é que esta taxa natural de desemprego aumentou muito nos últimos anos e, portanto, nesse sentido, a retoma não é tão significativa como o teria sido há tempos atrás. A Grã-Bretanha talvez possa baixar o desemprego até aos 6,5 por cento, mas creio que em França esse valor irá quedar-se entre os oito e os nove por cento.
JEAN-PAUL FITOUSSI -- As retomas em França e na Alemanha não são como a da Grã-Bretanha, que teve uma desvalorização competitiva. Os franceses e os alemães estão a sofrer as consequências de uma política monetária adversa e mesmo assim estão em processo de retoma, pelo que esta me parece estrutural.
P. -- E quanto à velocidade da retoma? Segundo as primeiras reacções, parece que a Alemanha está muito mais optimista do que a França...
N.W. -- Creio não haver grandes diferenças quanto à velocidade da retoma, embora ache que tem toda a razão quanto às diferenças na percepção. As melhores previsões em relação à taxa de crescimento económico alemão para 1994 são da ordem dos dois por cento, quase o mesmo do que a francesa. Mas, enquanto na Alemanha achamos que já saímos do fosso, as sondagens em França mostram uma atitude muito menos optimista. Isto pode estar relacionado com o processo político, com o facto de se aproximarem as presidenciais francesas do próximo ano.
J.-P.F. -- Acho que a retoma em curso em França é mais forte do que se esperava. Os valores previstos para 1994 são inclusive superiores aos dois por cento e a taxa de desemprego está a diminuir.
E.P. -- A esta distância, parece que as duas economias estão a recuperar mais ou menos à mesma velocidade. A economia francesa começou há muito mais tempo e tem uma taxa de desemprego bastante mais alta do que a alemã. Mas, como anteriormente sugeri, a taxa de desemprego para que se encaminha a França é também provavelmente muito mais elevada do que a alemã.
N.W. -- Não tenho assim tanta certeza, Edmund. Nós, na Alemanha, somos os campeões mundiais em esconder o desemprego. Temos uma semana de trabalho curta, temos trabalhos públicos, e tudo isso provavelmente representa uns três pontos percentuais do nosso desemprego, pelo que, se acrescentássemos este valor, a respectiva taxa alemã ficaria muito perto da francesa.
E.P. -- Os franceses estão a fazer coisas muito semelhantes.
P. -- E quanto ao resto da Europa? Se olharmos para os números, a Dinamarca e a Irlanda, por exemplo, parecem estar a sair-se muitíssimo bem, enquanto a Espanha e a Itália ainda estão ao «ralenti». Estará a retoma a acentuar uma divisão Norte-Sul?
N.W. -- A Dinamarca e a Itália realizaram um bom trabalho no que diz respeito aos problemas que tinham, obviamente, nos anos 70 e 80. Fizeram alguma coisa em relação à dívida pública e reestruturaram os sectores tradicionais, deixando para trás os mais fracos e transformando os outros no sentido do crescimento e de uma melhor orientação.
J.-P.F. -- É menos doloroso seguir uma política dessas num país pequeno do que num outro grande como a Itália ou a Espanha. Estes dois Estados partem com um elevado nível de desemprego (na Espanha ainda é de 20 por cento ou mais) e os italianos com uma dívida pública gigantesca e problemas orçamentais.
Custos salariais e desemprego
P. -- Passemos agora aos problemas estruturais da Europa. O prof. Phelps disse que a taxa natural do desemprego se mantém muito alta -- significa isso que seria conveniente uma política do tipo da americana?
E.P. -- Na minha perspectiva, nas duas últimas décadas a Europa fez praticamente tudo o que de errado se pode fazer. Aumentou o custo dos despedimentos, o que, de facto, faz crescer o custo das contratações, e impôs um aumento enorme nos impostos sobre o trabalho, tanto nos encargos patronais como nos rendimentos individuais. Isto a culminar um momento mundial desfavorável. As taxas de juro reais estão altas e os preços da energia, embora tenham baixado bastante, recuperaram em certa medida, especialmente o da energia antes de impostos.
J.-P.F. -- Concordo que houve uma má gestão do sistema fiscal. O aumento dos impostos sobre o trabalho contribuiu muito para o desemprego. Além disso, o prof. Phelps estará lembrado de que este problema teve origem no Presidente Reagan e nos seus grandes défices orçamentais, que causaram uma enorme subida nas taxas de juro.
N.W. -- Encargos elevados sobre os vencimentos e um alto nível salarial, acrescidos de uma rigidez nos salários, ajudam a explicar a razão por que os nossos níveis de desemprego são tão grandes. Outro problema é o proteccionismo aos sectores em decadência. E concordo que a dívida pública constitui mais uma dificuldade, porque mantém as taxas de juro altas e, em especial, não é usada para baixar os custos de financiamento para as indústrias em rápido crescimento, mas sim para o consumo.
Mesmo assim, não estou totalmente pessimista. O «baby boom» do pós-guerra e o aumento do peso das mulheres na força de trabalho são em grande parte responsáveis pelo incremento da nossa taxa natural de desemprego durante as décadas de 70 e de 80, mas agora a situação demográfica está a tornar-se mais favorável.
J.-P.F. -- Não concordo. Nunca se conseguiu demonstrar que a situação demográfica desempenhe algum papel económico no desemprego. Além disso, os custos de contratação e de despedimento diminuíram de facto na Europa, em particular em França, e o mercado de trabalho tornou-se muito mais flexível do que era nos anos 70. O verdadeiro problema é uma política monetária completamente incompreensível na maioria dos países europeus.
A Coreia aqui à porta
P. -- Presumo que se refere às altas taxas de juro alemãs, e isso leva-nos à importante questão da moeda única europeia. Agora que a retoma se aproxima, será possível atingir esse objectivo?
J.-P.F. -- A necessidade de uma moeda única deve-se, em parte, à necessidade de evitar choques como o que ocorreu aquando da reunificação alemã, que provocou taxas de juro elevadas. Se nessa altura tivéssemos uma moeda única, na Alemanha as coisas teriam sido bem diferentes.
N.W. -- Uma moeda única tem muito significado, pois reduz os riscos e os custos de transacção, mas não constitui um remédio quando os países prosseguem políticas diferentes. Contudo, se alguns Estados europeus ainda lutam para tentar competir também na pista mais rápida, o núcleo não devia deixá-los para trás.
P. -- E quanto a outros passos na direcção de um mercado único europeu?
N.W. -- O mercado único já tornou a Europa mais competitiva. No final da década de 80 e no início dos anos 90 assistimos, em quase toda a parte, a um aumento substancial da quota do investimento no produto interno bruto, mas, infelizmente, esse processo foi interrompido pela recessão. Espero sinceramente que lá para 1995 estejamos na senda de uma maior actividade do investimento na Europa, e, espero bem, não apenas na Europa Ocidental, mas também na Central e do Leste. Lembrem-se de que temos uma Coreia à porta. Se deslocarmos uma parte do nosso investimento para a Europa Central, onde existe trabalho especializado com salários mais baixos, isso vai ajudar a produtividade e a competitividade por todo o continente.
E.P. -- Pelo menos em França tem havido uma atitude bastante proteccionista no que diz respeito à integração do Leste europeu. Não sei se a retoma vai ajudar no sentido do derrube das barreiras, até porque a atitude proteccionista tem vindo a aumentar na Europa Ocidental desde que o muro de Berlim caiu. Há, ainda assim, a esperança de que esta tendência seja travada e, nessa altura, talvez o comércio entre a Europa Ocidental e a de Leste possa começar a crescer.
J.-P.F. -- Mas, se for desviado um importante fluxo de investimentos para a Europa de Leste, isso implica problemas no mercado de trabalho da Europa Ocidental. Lembre-se de que estamos a falar de países que têm baixos custos laborais e trabalho especializado. Se os integrarmos, corremos o risco de uma reacção violenta -- vejam os pescadores franceses [que recentemente se amotinaram].
N.W. -- Nós temos os funerais mais caros e mais demorados para as indústrias moribundas. Os europeus estão a ficar para trás, sobretudo no que diz respeito à criação de novos produtos e à tentativa de estar presentes nos grandes mercados dinâmicos do mundo. Deixámos passar a nossa oportunidade de participar no dinamismo do Sudoeste asiático e da América do Sul. Ainda temos tempos de desenvolvimento demasiado longos para os novos produtos, e este facto está relacionado com a interferência governamental.
J.-P.F. -- Não é correcto dizer-se que a Europa não é competitiva. Os nossos custos do trabalho não são assim tão maus, especialmente quando comparados com os do Japão. O verdadeiro problema continua a ser o dólar subvalorizado.
E.P. -- Talvez esse valor baixo seja o seu valor natural.
J.-P.F. -- Quando, em 1985, o dólar estava a dez francos (contra pouco mais de cinco hoje), também era o seu valor natural. A Reserva Federal impõe o valor natural que quer, e temos que engolir uma perda de competitividade apenas devido à política financeira americana.
E.P. -- Neste ponto discordamos completamente. Nos últimos seis ou nove meses, os mercados monetários começaram a reconhecer que a retoma das economias europeias indicia uma retoma das respectivas moedas.
A distribuição do trabalho
P. -- Será que a estrutura de custos europeia é demasiado elevada?
J.-P.F. -- Eu diria que a Europa tem um sistema social de produção melhor do que o americano. A questão é a seguinte: poderá a América não ter um Estado-providência? Poderá a América permitir o aparecimento de milhões de trabalhadores pobres?
E.P. -- Nenhuma das duas regiões se pode dar ao luxo de qualquer dessas patologias. Acho que os EUA têm que fazer uma coisa e a Europa duas. Se vamos subir estes índices salariais abissalmente baixos no fundo da escala do mercado de trabalho, os Estados Unidos têm que oferecer subsídios aos empregadores para os trabalhadores com salário baixo. Na Europa, por seu lado, têm que se mover muito mais na direcção de um mercado de trabalho livre, disso resultando que alguns salários cairão para os níveis americanos. E então também terão que estabelecer subsídios aos salários.
A Europa tentou resolver o seu problema salarial recorrendo ao instrumento errado. Introduziu restrições ao salário mínimo e permitiu uma pesada sindicalização em toda a economia, e isso solucionou de facto a questão, mas à custa de um problema gravíssimo de desemprego.
N.W. -- Estamos a fugir ao cerne do assunto ao tratá-lo como uma questão bilateral entre a Europa e a América, já que a principal competição para os produtos «standard» vem da Europa Central e de Leste e do Sudoeste europeu. Se a Europa Ocidental integrar o Leste europeu, permitindo assim uma maior diferenciação salarial, creio que, no futuro, o continente inteiro terá taxas de crescimento mais altas e será mais rico. Mas na Europa continuamos a falar da redistribuição de mercados como se a integração fosse um jogo de soma zero, e é muito mais importante quebrar este impasse do que instituir subsídios aos salários.
De qualquer modo, com os seus défices orçamentais, a Europa não pode permitir-se tais sacrifícios. Em vez disso, deveríamos pensar se seria possível lucrar com uma melhor distribuição do trabalho numa Europa mais vasta.
Coesão social e crescimento
J.-P.F. -- Está a falar da Alemanha, onde os salários baixos já são muito altos, porque os salários na América são muito baixos e em França estão num ponto intermédio. A coesão social é um factor de crescimento e alguns países asiáticos foram bem sucedidos porque a preservaram. Não se pode dizer à população europeia que, para ficar mais rica, tem primeiro que ficar mais pobre. Não iam entender isso, em especial por que é que íamos pedir sacrifícios àqueles cujo rendimento já é muito baixo.
N.W. -- Não acredito que isso seja fazer um sacrifício, trata-se antes de um investimento. Os nossos governos estão a seguir políticas estúpidas, antiquadas e imprudentes ao subsidiar as actividades tradicionais como a extracção de carvão e a agricultura.
E.P. -- O Estado-providência na Europa e as intervenções a nível da indústria criaram uma espécie de classe ociosa de desempregados. Na Grã-Bretanha temos o desemprego de longa duração dos mais velhos e na Itália o desemprego juvenil. A Europa tem que tomar medidas para, selectivamente, modificar e retirar todo um conjunto de medidas do Estado-providência que colocam o preço do trabalho fora do mercado.
Não se pode apenas dizer que vamos ter um mercado livre para o trabalho sem taxas correctoras e subsídios, partindo do princípio de que, no futuro, tudo será pago às gerações vindouras. Isto simplesmente não é viável. Os subsídios aos salários no extremo inferior do mercado de trabalho são necessários para tornar possível às empresas a contratação de trabalhadores com baixos salários e, uma vez instituída uma medida desse tipo, haveria uma aceitação política muito maior, por parte da população, da expansão do comércio com a Europa de Leste.
J.-P.F. -- Não lhe chame proteccionismo, chamemos-lhe antes recompensas adequadas para o trabalho. As pessoas não podem ser ostracizadas e postas à margem da economia.
P. -- Vamos concluir: a longo prazo, estão optimistas ou pessimistas quanto à Europa?
N.W. -- Estou impaciente, porque não aproveitamos totalmente as oportunidades de que dispomos. Por outro lado, não diria que a Europa está condenada ao fracasso, acho até que há por aí imensos jovens a tentarem modificar os processos políticos.
J.-P.F. -- Estarei muito mais optimista em relação à Europa desde que esta solucione o problema político de como ajudar a Europa de Leste e a Rússia. Se conseguirmos fazê-lo como deve de ser, estarei muito optimista.
E.P. -- Acho que saímos do século europeu já há muito tempo e que agora estamos a sair do século americano. Estamos a entrar numa nova era, que será muito dura tanto para a América do Norte como para a Europa Ocidental, em virtude de uma competição maior da Ásia e das economias emergentes da América Latina.
[Tradução de Paula Taipas]
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