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<DOCNO>PUBLICO-19941008-024</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19941008-024</DOCID>
<DATE>19941008</DATE>
<CATEGORY>Desporto</CATEGORY>
<AUTHOR>LF</AUTHOR>
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José Manuel Roseiro anuncia o regresso
«Segunda-feira lá estarei»
António Tadeia
É dos mais antigos elementos dos órgãos sociais do Sporting. Do conselho fiscal, José Manuel Roseiro passou para a direcção, ocupando-se das finanças do clube. Daí para cá tem ganho importância. Já se assumira como braço direito do presidente Sousa Cintra e estendera a sua influência ao futebol. Até que, na sua ausência, a direcção instaurou um inquérito a um seu colaborador, por desvio de um cheque de 500 contos. Roseiro não gostou e auto-suspendeu o mandato, até porque diz que o assunto «já fora resolvido».
Agora, com o resultado do inquérito na mão, anuncia que já está pronto a «retomar funções». Chega com um fato cinzento, que condiz com a sua habitual sobriedade. Mantém o «low-profile» ao dizer que «nunca» será candidato a presidente do Sporting. Mas o que não diz nem confessa é que tudo está muito longe de se resolver. Que há estratégias de tomada de poder dentro da própria direcção e que a sua atitude foi acima de tudo uma avaliação de até onde o presidente chegaria para o defender. A resposta de Cintra não foi nada conclusiva e, por isso, a próxima reunião de direcção em Alvalade deve ser explosiva.
PÚBLICO -- Qual é a sua posição no Sporting: vice-presidente em funções, suspenso ou demissionário?
JOSÉ MANUEL ROSEIRO -- Disse que suspendia as minhas funções até que ficasse concluído o inquérito do conselho fiscal. O inquérito foi entregue à direcção, mas quem define os pelouros é o presidente. Até ao momento ele ainda não disse que me ia exonerar esses pelouros e, se não o fizer, como espero, lá estarei na segunda-feira.
P. -- O que é que o levou a suspender o mandato?
R. -- Em Julho o Sporting emitiu um cheque a favor de um restaurante [A Toca do Lagarto]. E, num fim-de-semana, alguém levou o cheque e se apoderou dele. Eu já tinha dito ao Cardoso [do restaurante] que ia passar-lhe um cheque de 500 contos e espantei-me quando ele me perguntou por ele. Disse-lhe que já o tinha passado, mas ele insistiu que não o tinha recebido. Fiquei preocupado e avisei logo o banco para não pagar. Mas, do banco, disseram-me que já tinham pago. Nessa altura pedi a fotocópia do cheque e vi que tinha sido um coordenador do Sporting a levantá-lo. Ele estava em férias, mas veio a Lisboa e obriguei-o a repor o dinheiro, demiti-o e tivemos uma conversa muito desagradável. Tudo ficou sanado em princípios de Agosto.
P. -- Só em Setembro, porém, é que o caso assumiu outras proporções...
R. -- No dia 4 de Setembro, quando fui uma semana de férias, em reunião de direcção houve quem levantasse o problema ao presidente, sem lhe dizer que o assunto estava resolvido. Penso que só foi comunicado ao presidente que tinha desaparecido um cheque. Mais nada.
P. -- Esse alguém tem nome?
R. -- Não posso dizer. Entretanto, foi pedido um inquérito ao conselho fiscal (em 8 de Setembro) e, estranhamente, só a 26 de Setembro eu soube da situação, quando um elemento do conselho fiscal veio falar comigo para saber o que estava a passar-se. Fiquei admirado por não me terem dito nada. Já tinha pedido várias vezes a acta da reunião e disseram-me que ainda não estava pronta.
Achei um pouco deselegante não me terem dito nada durante três semanas. Se me tivessem dito concordava. Até achava bem. Mas como não me disseram nada, fico com a sensação que queriam esconder-me tudo. Fiquei aborrecido e disse que enquanto decorresse o inquérito não era lógico que estivesse presente. Não queria que me acusassem de tê-lo manipulado. Procedi de acordo com a forma como estes factos têm sido tratados, e infelizmente isto já aconteceu cerca de dez vezes neste ano. Chamamos a pessoa, demitimo-la e obrigamo-la a repor o dinheiro. Nunca se fez nenhum inquérito.
P. -- Neste caso, o que concluiu o inquérito?
R. -- Que houve excesso de zelo da minha parte. Ou seja, normalmente eu nem me devia ter metido. O cheque foi passado ao restaurante e eles é que tinham a obrigação de resolver tudo. Só posso ser acusado de querer que o Sporting continue a ser digno e que de lá saiam as ervas daninhas. Aconselha ainda a suspensão de sócio do infractor, mas isso eu já tinha feito, e sugere que lhe seja instaurado um processo-crime.
P. -- Deixa a ideia que se auto-suspendeu por duas razões: ficou magoado por lhe terem escondido o inquérito e não quis estar presente enquanto ele decorria. A última razão deixou de existir, mas a primeira ainda é actual. Continua magoado...
R. -- Fiquei bastante chocado. Custa-me ir a Alvalade todos os dias e não ter havido ninguém que me informasse. No sábado em que vim de férias, perguntei ao presidente se havia algum problema, porque tinha ouvido uns rumores e o presidente disse-me que não havia nada. Se não me disseram nada, se a acta da reunião não está pronta, até dá a sensação que querem esconder algo. E isso choca-me. Bastava darem-me a cópia da carta ao conselho fiscal.
P. -- Já lhe deram alguma justificação?
R. -- Estranhamente nenhum dos meus colegas -- pelo menos aqueles com quem falei -- tinha tido conhecimento da carta.
P. -- Acha que não tinham mesmo?
R. -- Acredito no que as pessoas me dizem. Aliás, já na reunião de direcção o Mário Matos tinha dito: «Mas para quê tanta pressa se o Roseiro volta para a semana?» Só que houve quem lhe dissesse que o inquérito tinha de avançar.
P. -- E isso está na acta?
R. -- O Mário Matos diz-me que sim.
P. -- Ainda não a viu?
P. -- Não. Quem normalmente as faz é o César Grácio e ele disse que não a tinha pronta porque ele próprio não percebera se tinham pedido o inquérito.
P. -- Como correu a reunião de direcção de segunda-feira, em que esteve presente apesar de auto-suspenso? Esclareceram o assunto?
R. -- Manifestei o meu desagrado perante o que aconteceu, pedi aos meus colegas de direcção que confirmassem quem fizera as insinuações que o «Record» tinha publicado e atribuído a um vice-presidente. Mas ninguém tinha dito nada. Pelo menos os presentes disseram-me que não tinham falado. Nenhum me criticou. Houve só um ou outro que me disse que eu me havia precipitado.
P. -- Como está a situação financeira do Sporting? Há quem diga que você quer sair para não ser associado ao descalabro financeiro.
R. -- Nunca disse que aí vem um descalabro. Na última assembleia geral foi aprovado um orçamento que previa um bom jogo europeu ou dois razoáveis. Tivemos um bom jogo, o que não foge ao que era esperado. Os investimentos estão justificados, foram feitos com base na venda de um jogador [Paulo Sousa]. Ultrapassaram um pouco a verba, mas a diferença estava já calculada em termos orçamentais.
A única coisa que não estava calculada era a interdição de dois jogos em Alvalade, que nos causou um prejuízo de cem mil contos. Mas cem mil contos num orçamento de três milhões e tal não são um descalabro. O Sporting tem várias soluções para esse problema.
P. -- De qualquer forma transparece para a opinião pública que você é um travão aos gastos do presidente. Que há diferenças de opinião.
R. -- É normal e até benéfico que haja perspectivas diferentes. Isso prova que nem ele é o ditador que dizem, nem eu sou seguidista. É normal que duas pessoas que convivem dia a dia tenham opiniões diferentes acerca de um ou outro investimento. Mas nunca houve uma afronta entre nós por causa de contratações ou de qualquer negócio que ele faça.
P. -- O Sporting gasta mais do que pode no futebol?
R. -- O Sporting está a gastar o que tem orçamentado. No início de época, propusemo-nos construir uma equipa que seja candidata efectiva à conquista do título. Para isso era preciso correr riscos e investir um pouco mais no futebol. Foi o que fizemos.
P. -- Falemos de casos concretos. O que quer Figo para renovar? A garantia que sai desde que apareça alguém a pagar um certo montante pela saída e uma percentagem pela transferência? Há desacordo entre si e Cintra a este respeito?
R. -- Não. Em relação ao Figo sempre estivemos em sintonia. O problema só passa pelo Figo, que tem de decidir se quer jogar em Portugal para o ano. A decisão é dele. Porque se ele disser que fica em Portugal estou convencido que chegaremos a um entendimento. Se ele quiser ir para Itália, não poderemos competir com as ofertas que lhe farão.
P. -- Acredita que ele renove? Se o fizer, a verba a que o Sporting terá direito sobe e ser-lhe-á mais difícil sair.
R. -- O Figo é um jogador muito esclarecido. Conhece perfeitamente a Lei de Transferências da UEFA e quanto pode ganhar em Itália. Não vale a pena pensar que podemos dar-lhe a volta, porque isso é impossível. Mas ele sabe que tem condições para, caso queira, impor essas cláusulas.
P. -- Já esteve mais optimista a esse respeito?
R. -- Sim. Mas também já estive menos. Já o vi muito interessado em ficar. Depois a renovação esteve quase fora de causa. E da última vez que falei com ele vi-o mais susceptível a passar da conversa à negociação.
P. -- Acha que tem clima para continuar na direcção?
R. -- Os directores têm manifestado interesse em que eu volte. Mas eu não posso voltar enfraquecido. Por isso, desde que haja uma reparação das declarações feitas a meu respeito, porei uma pedra no assunto.
P. -- E o presidente retractou-se?
R. -- Até ao momento não. Dizer que tem confiança em mim não chega. Isso nunca esteve em causa. A honra e a dignidade da minha família precisa de mais alguma coisa. Porque ele já dizia isso há uma semana e, no meio, deu aquela entrevista.
P. -- Você já não faz da reparação condição imprescindível... Ele não se retractou e você volta na segunda-feira...
R. -- Se não o fizer até lá fico enfraquecido e não poderei dar o melhor. Não fica mal a ninguém dizer que errou. Ninguém é perfeito.
P. -- Faz sentido dizer que você pode vir a ser candidato à presidência?
R. -- Não. Nunca serei presidente do Sporting. Todos os sócios do Sporting gostariam de ser presidentes do clube. Mas conheço as minhas capacidades. Por isso, o lugar de presidente está totalmente fora dos meus planos.
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