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<DOCNO>PUBLICO-19941013-134</DOCNO>
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<DATE>19941013</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>JMLH</AUTHOR>
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Afinal, nem tudo vai bem em Moscovo
José Milhazes, em Moscovo
A queda abrupta do rublo em relação ao dólar veio mostrar o exagero aparente da recuperação da economia russa tão apregoada pelo presidente Boris Ieltsin, durante a recente visita aos Estados Unidos. A barreira simbólica dos 3000 rublos por dólar foi quebrada e agora procuram-se culpados. O desastre pode ter sido provocado pela concessão a empresas públicas, por parte do Governo, de enormes créditos e pela emissão maciça de moeda pelo banco central. A oposição exige conhecer os responsáveis por estes erros. Ieltsin, para evitar um confronto político de maiores proporções, já «cortou» algumas cabeças e pode em breve entregar outras aos seus adversários. A do próprio primeiro-ministro, Tchernomirdine, obrigado a interromper férias no Mar Negro, está na balança.
O presidente Boris Ieltsin dava ontem sinais de tentar desesperadamente salvar o Governo e a sua política económica, perante uma das maiores crises no mercado financeiro russo. A oposição, ao agendar para dia 21 a discussão de uma moção de censura ao Executivo, mostrou ao mesmo tempo que vai aproveitar esta oportunidade para obrigar o Presidente, no mínimo, a fazer alterações substanciais nos quadros e na política do Governo russo.
Ieltsin começou por demitir Serguei Dubinin, ministro interino das Finanças, e por propor à Duma que demita Victor Guerachenko, presidente do banco central da Rússia. Além disso, ordenou a criação de uma comissão especial que investigue as causas da queda brusca do rublo em relação ao dólar. É claro que estas medidas visam travar o pânico no mercado financeiro e acalmar a opinião pública, mas são insuficientes não só para conseguir esses objectivos, como para travar o ataque da oposição ao Executivo.
Em três semanas, o rublo sofreu em relação ao dólar uma desvalorização de 68,14 por cento, queda recorde na história do país.
Procura de culpados
São muitas as razões apresentadas para justificar a queda abrupta do rublo na Bolsa de Valores de Moscovo. As autoridades acusam os bancos privados de especulação. Segundo Guerachenko, a desvalorização deve-se «à procura especulativa do dólar por algumas estruturas comerciais e pela população».
Guerachenko, acusado por Ieltsin de ter precipitado a crise, defendeu a sua política no Parlamento, e este demonstrou-lhe ontem apoio, pelo menos temporário, quando decidiu discutir apenas na próxima semana o pedido presidencial para que ministro interino das Finanças seja demitido.
Há quem avance hipóteses verdadeiramente fantásticas para explicar esta crise. O diário «Komsomolskaia Pravda» não exclui que a queda do rublo possa dever-se ao «lançamento no mercado de `dinheiros sujos', por exemplo, dos milhares de milhões [das mafias] tchetchenes». E alguns analistas falam da possibilidade de os bancos ocidentais terem posto à venda no mercado financeiro russo grande quantidade de rublos.
Mas as verdadeiras razões da crise financeira parecem ser outras. Conhecidos economistas e até alguns membros do Governo russo consideram que o desastre no mercado financeiro foi provocado pela concessão a empresas públicas, por parte do Executivo, de enormes créditos e pela emissão intensa de moeda pelo banco central. É precisamente isto que Anatoli Tchubais, ministro para as privatizações, critica, quando afirma: «A desvalorização do rublo é o ponto alto do castigo pelos erros do Governo, a factura a pagar por recuos no campo da política financeira nos últimos três, quatro meses.»
Segundo Konstantin Borovoi, presidente do Partido da Liberdade Económica, na véspera da queda do rublo o Governo russo concedeu entre três mil e quatro milhões de créditos a empresas públicas, o que deve ter sido fatal para a moeda. É sabido que os bancos privados e as empresas públicas utilizam frequentemente os créditos estatais não para investir na produção, mas para ganhar juros chorudos na especulação financeira.
Iegor Gaidar, ex-primeiro-ministro e um dos mais destacados economistas russos, considera que o desastre no mercado financeiro se deve ao facto de «os depósitos em dólares se tornarem mais atraentes do que os depósitos em rublos». Além disso, diz que a causa primeira dos males do rublo se deve «ao aumento acelerado da massa monetária a partir de Abril; duplicou em comparação com a Primavera de 1993».
Oleg Latsis, economista e membro do Conselho Presidencial da Rússia, opina que esta queda do rublo pode ter sido provocada pelos grupos ligados à exportação de matérias-primas, pois a desvalorização da moeda torna competitivos os preços do petróleo, gás e metais. Visto que estes sectores estão ligados à figura de Victor Tchernomirdine, este poderá ver-se em maus lençóis se a comissão criada por Ieltsin entender ser isso uma acção de «lobbying» por parte do primeiro-ministro.
Outros economistas apontam como motivo para a queda do rublo a perda de confiança dos círculos financeiros no actual Governo, que se teria mostrado incapaz de cumprir as suas promessas e conter a inflação.
Aspecto importante é ainda o facto de o Executivo e o banco central terem deixado de vender milhões de dólares na bolsa, a fim de manter a estabilidade do rublo. Este ano, as autoridades gastaram mais de dois mil milhões de dólares com esse objectivo. Logo que deixou de haver «injecções estatais» na bolsa, o rublo passou a ter o seu valor real. Isto parece significar que a queda do rublo se deve procurar no agravamento da crise económica. Todas as afirmações do Presidente e dos seus ministros sobre a «estabilidade económica e financeira», sobre o «bom clima para o investimento estrangeiro», foram ignoradas pelas leis do mercado.
Consequências sociais
A queda do rublo em relação ao dólar vai provocar o aumento inevitável da inflação (que em Setembro foi de 7,7 por cento, depois de, no primeiro semestre, ter permanecido nos 6 por cento e de em Agosto ter sido somente de 4 por cento). Noventa por cento dos produtos alimentares consumidos em Moscovo e em São Petersburgo são importados. Ora, a queda do rublo levará certamente ao aumento brusco dos seus preços, o que resultará no crescimento da inflação e, inevitavelmente, do descontentamento social.
Se anteontem o salário médio mensal russo correspondia a 62 dólares, ontem equivalia apenas a 48. Não foi por acaso que, na reunião do Conselho de Segurança da Rússia, o presidente Ieltsin se apressou a afirmar que não iria permitir o aumento dos preços. Mas já se atrasou: é que em muitas lojas de Moscovo as etiquetas já apresentam novos preços.
Consequências políticas
Nesta situação de crise, a oposição aproveitou para lançar uma nova ofensiva contra o Governo. A maioria dos deputados da Duma já decidiu que, no próximo dia 21, o Parlamento deverá discutir a aprovação de uma moção de desconfiança ao Executivo. Mas, tendo em conta a actual legislação, é difícil acreditar que este caia. Mesmo que a moção receba o apoio de 226 deputados, ou seja, da maioria, o Presidente não é obrigado a demitir o Governo.
Três meses após a aprovação da primeira moção de desconfiança, a Duma poderá aprovar nova moção; então, o Presidente pode demitir o Executivo, ou dissolver o órgão legislativo. Como a câmara baixa do Parlamento, em conformidade com a Constituição, pode ser dissolvida pelo Presidente após um ano de funcionamento, isto é, após Janeiro de 1995, é de prever que os deputados não entrem em confronto com Ieltsin, temendo represálias depois dessa data.
Será assim de esperar que Ieltsin e os parlamentares cheguem a um compromisso. Não se substituirá todo o Governo, mas apenas os ministros mais polémicos. As mudanças no Executivo ocorrerão muito em breve e já terão sido ontem discutidas entre Ieltsin e Tchernomirdine, obrigado a interromper as suas férias. O Presidente poderá também apresentar um novo programa para travar a crise. Caso contrário, o Inverno na Rússia será de grande combate político, voltando a recear-se uma «explosão social».
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