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<DOCNO>PUBLICO-19941014-064</DOCNO>
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<DATE>19941014</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>PM</AUTHOR>
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Eleições de Novembro são decisivas para o Presidente americano
Clinton em campanha no Haiti e no Iraque
Paulo Moura, em Nova Iorque
Dir-se-ia que Clinton anda a perder o seu tempo com os problemas internacionais, quando devia ocupar-se apenas da campanha para as eleições do Congresso, de cujo resultado pode depender o seu futuro como Presidente. Mas a verdade é que o Haiti e o Iraque são neste momento os seus principais campos de batalha eleitoral.
Os candidatos democratas ao Congresso convidam Bill Clinton para as suas festas de campanha eleitoral. Mas quando o Presidente chega lá, fingem que não o conhecem.
Um jantar de campanha com a presença de Clinton é uma ocasião segura de angariação de fundos para qualquer candidato a senador, representante ou governador. O problema é que o Presidente, por alturas da sobremesa, faz um discurso. Na sua boa-fé, e com uma vontade sincera de ajudar o colega de partido, fala das suas conquistas na política externa e interna.
Na terça-feira, no início de uma «tournée» de apoio a candidatos democratas por vários estados (Ohio, Illinois, Michigan, Minnesota e Missouri), Clinton gabou-se dos seus êxitos no campo da economia, comparando-os com os fracassos dos republicanos, perante uma plateia de operários da fábrica da Ford Mustang, no Ohio, o principal centro industrial dos EUA.
«Em 8 de Novembro [data das eleições], é preciso escolher entre andar para a frente ou voltar às políticas republicanas dos anos 80, que provocaram a pior situação no emprego desde a Grande Depressão. Ninguém quererá voltar a esses dias em que exportávamos empregos em lugar de produtos. Ninguém quererá voltar a esses dias em que o nosso défice explodia e a economia ia pela encosta abaixo.»
Nem o conhecem...
Os candidatos ouvem com desconforto. E, quando chega a sua vez de discursar, desconversam, falam de outras coisas, não se vá pensar que têm alguma afinidade com Clinton. É que a maioria dos americanos não acredita que Clinton tenha conseguido algum êxito na economia, na política externa ou no que quer que fosse. Só 40 por cento das pessoas aprovam a forma como ele tem conduzido os negócios do país, uma percentagem inusitadamente baixa para um Presidente a meio do mandato.
É normal que o infortúnio de um Presidente se contagie a todo o partido. É normal que se pense que, se o Presidente democrata é comprovadamente um fracasso, se torna mais provável que um senador republicano tenha êxito do que um democrata. E, portanto, que se vote no candidato republicano. [Uma sondagem da cadeia de televisão ABC indicava ontem que 47 por cento dos votantes escolherão aos republicanos e 44 por cento os democratas].
Com as coisas neste pé, o que há a fazer é demarcar-se de Clinton. Fingir-se que nunca se concordou com ele, que se defende outras politicas. Para não se naufragar com ele.
Nos estados do Sul e do Oeste, onde a popularidade de Clinton é mais baixa, o partido decidiu que era bom que o Presidente nem aparecesse sequer. E o maior trunfo para um candidato democrata é poder dizer aos seus potenciais eleitores que votou contra os projectos legislativos de Clinton. Quando não foi de todo o caso, os candidatos concentram as suas campanhas em assuntos estritamente locais.
Do lado republicano, entretanto, a principal arma é acusar os democratas de terem apoiado os programas de Clinton e, quanto aos temas de campanha, a preferência vai, obviamente, para as questões nacionais.
Democratas sem maioria?
A posição de Clinton é, portanto, ingrata. Parece que, quanto mais fizer para defender os seus aliados, mais favorece os adversários, pelo que a atitude correcta talvez fosse não fazer nada. E, no entanto, o resultado das eleições de Novembro é crucial para o Presidente.
Vão estar em jogo a totalidade dos 435 lugares da Câmara dos Representantes, 35 dos 100 do Senado e 36 dos 50 postos de governador de estado. Com a impopularidade de Clinton e a crescente animosidade contra o «establishment» de Washington, tem-se como certo que os democratas, que detêm a maioria no Senado e na Câmara dos Representantes, vão perder lugares. Podem perder quatro no Senado, a favor dos republicanos, ou mesmo os sete que lhes garantem a maioria. Na Câmara, são capazes de perder uns 25 lugares, reduzindo consideravelmente a margem da sua maioria, ou perdendo-a mesmo, pela primeira vez em 40 anos, na opinião dos extremistas.
Casos como o do senador Ted Kennedy, do Massachusetts, ou o de Bob Kerrey, do Nebraska, cuja vitoria fácil nunca foi posta em causa, mas que estão agora em desvantagem nas sondagens, são agoirentos para os democratas.
Se o seu partido perder a maioria numa ou em ambas as câmaras, tudo indica que Clinton estará em apuros na segunda metade do mandato. Se a passagem das suas propostas de lei já foi difícil nos primeiros dois anos de presidência, com maioria em ambas as câmaras, sem maioria, a vida de Clinton seria um inferno. Devido a obstrução dos republicanos, alguns dos mais importantes programas do Presidente ficaram por aprovar na primeira legislatura do Congresso. Foi o caso da reforma da Assistência Social, da Lei do Crime, da ratificação do GATT e, principalmente, da reforma do sistema de Assistência de Saúde. Sem uma maioria democrata em ambas as câmaras, será impossível fazer passar as reformas. E, em consequência, vencer de novo as presidenciais, em 1996.
Se tudo correr bem...
Que pode então fazer Clinton? Uma coisa apenas: tentar, nas próximas três semanas, obter a todo o custo uma subida do seu índice de popularidade. Por isso é tão importante para ele resolver com êxito as crises do Haiti e do Iraque.
É sabido que a maioria dos americanos não tem grande paixão pelas questões internacionais. Mas está também demonstrado que, «a posteriori», eles se sentem orgulhosos e reconhecidos após a resolução de uma crise e que são os retumbantes êxitos militares na arena internacional que podem fazer subir mais rapidamente a popularidade de um Presidente.
Se, no Haiti, o processo correr como previsto, sem perdas humanas do lado americano, com o Presidente Aristide a regressar e as tropas da ONU a começarem a substituir as dos EUA como força de manutenção da paz, o índice de apoio a Clinton deverá subir. E se, no Iraque, Saddam Hussein retirar as suas tropas das proximidades da fronteira com o Kuwait, mediante a ameaça de um poderoso contingente militar americano a deslocar-se para a região, a popularidade de Clinton deverá subir ainda mais.
Com o Presidente democrata em ascensão, é possível que, em muitos estados onde os candidatos democratas estão em desvantagem nas sondagens (quase sempre por uma estreita margem), a tendência se inverta. Os democratas poderiam desistir de fugir de Clinton e adoptar como estratégia de campanha a acusação de que os republicanos, pela sua obsessão obstrucionista, são os responsáveis pelo fracasso das políticas presidenciais.
Está, portanto, ainda nas mãos de Clinton salvar o Congresso, a segunda metade do seu próprio mandato e até o seu segundo mandato. Por isso o Presidente anda a perder tanto tempo com as questões internacionais. Porque não é no Ohio nem no Illinois que anda verdadeiramente em campanha eleitoral: é no Haiti e no Iraque.
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