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<DOCNO>PUBLICO-19941021-011</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19941021-011</DOCID>
<DATE>19941021</DATE>
<CATEGORY>Cultura</CATEGORY>
<AUTHOR>MRMS</AUTHOR>
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Luís Miguel Cintra, encenador da Cornucópia, em entrevista ao PÚBLICO
«Não quero extremar posições»
Marina Ramos
Conhecido pelas suas discordâncias com o secretário de Estado da Cultura, Luís Miguel Cintra, mantém agora uma atitude de «expectativa». Na guerra entre SEC e CML prefere o empate, embora sinta que os grupos são «joguetes» entre Governo e autarquia.
Luís Miguel Cintra, encenador, actor e director da Cornucópia concorda, em geral, com as mudanças que a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) quer implantar no teatro. Alega que os critérios de atribuição de subsídios «têm vícios, excepções e fugas» que é preciso corrigir. E embora continue politicamente mais próximo de Jorge Sampaio do que de Santana Lopes, aplaude o secretário de Estado se este mantiver o diálogo com encenadores.
Mantêm, contudo, uma posição de expectativa, preferindo que lhe chamem ingénuo, a entrar em atitudes de desconfiança que impeçam opções ponderadas de Santana Lopes. A SEC tem é de tentar resolver o problema do teatro português e «provar que as decisões que anuncia são verdadeiras». Haja o que houver, não tem medo de ficar sem subsídio. «O secretário de Estado não vai querer acabar com a cultura».
PÚBLICO- A SEC anunciou que só apoiará quatro companhias em Lisboa e os encenadores nem sequer ficam indignados?
LUÍS MIGUEL CINTRA -- Sempre protestei contra as medidas tomadas pelo secretário de Estado e continuo a não concordar com a política do secretário de Estado. Normalmente espero o pior da SEC. Quando fui para a reunião de segunda-feira passada com o secretário de Estado [o encontro entre este político e as companhias de teatro de Lisboa] ia preparado para encarar decisões difíceis. Fui confrontado com intenções, não com decisões. Por isso, acho louvável -- porque não é normal -- que se discutam com os criadores as opções que irão ser feitas. Santana Lopes disse que os apoios ao teatro não deviam competir apenas à SEC, mas também as autarquias e quis conversar amigavelmente com as companhias subsidiadas estas novas premissas.
P. -- Concorda com essa política?
R. -- Sou colocado numa posição que me desagrada e que acho incorrecta. A SEC vê o teatro como um problema, uma espécie de corpo estranho na cultura portuguesa. A existência de companhias de teatro é entendido como um problema porque se elas existem têm de ser subsidiadas. E quem é que lhes há-de dar dinheiro? Esta atitude por parte do responsável da Cultura do meu país não é uma atitude de que goste. Gostava era que dissesse: «Meus senhores o que é que posso fazer para lhes facilitar o trabalho e para que cada vez mais criadores tenham acesso ao teatro?». Essa é a função da SEC. De qualquer forma acho positivo que o secretário de Estado queira saber a opinião dos encenadores antes de tomar decisões.
P. -- Santana Lopes chamou-vos para comunicar factos, as decisões não estarão já tomadas...
R. -- Não sei se foi ou não uma reunião de fachada. Oxalá não tivesse sido. Depois do encontro, o secretário de Estado afirmou que ia digerir o que tinha sido dito e rever o que tinha decidido anteriormente. Disse até que tinha uma vesícula preguiçosa e precisava de algum tempo para digerir a informação. Quis despolitizar a questão dos subsídios para que ela não fosse transformada num problema entre partidos ou entre ele e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa [CML].
P. -- Esta é uma luta política. Não se sentem joguetes entre a CML e a SEC?
R. -- Às vezes sentimo-nos joguetes porque o verdadeiro problema, as relações do público com o teatro, está a ser esquecido. A guerra entre SEC e CML torna-se mais importante e não devia ser...
P. -- A SEC não está a demitir-se de apoiar a actividade teatral?
R. -- Jorge Sampaio tem razão quando diz que a CML não pode subsidiar companhias. Grande parte da actividade cultural do país está centrada em Lisboa, e a atitude da Câmara tem de ser em relação a toda a actividade cultural. A autarquia deve é estabelecer regras que até agora não foram explícitas nem organizadas dos apoios que dá, tanto na cedência de espaços, como na divulgação dos espectáculos. Os grupos têm de saber, no início de cada ano, com quanto e com o que é que poderão contar. O subsídio à actividade deve ser da responsabilidade da SEC.
Questões políticas ou culturais
P. -- A SEC ameaçou cancelar os subsídios em Lisboa, se a Câmara não apoiar uma companhia.
R. -- A SEC não nos disse isso. Fiquei com a sensação que o secretário de Estado iria rever a sua posição e precisava de voltar a discutir com a CML.
P. -- O que é que as companhias podem esperar deste braço de ferro?
R. -- Espero que Santana Lopes perceba que a situação em Lisboa tem de ser diferente da do resto do país. É injusto e incorrecto exigir à CML que subsidie regularmente o teatro. Surpreende-me que o secretário de Estado apresente à comunicação social medidas que parecem definitivas quando a nós diz que está a reflectir. Santana Lopes parece querer mudar as formas de apoio. E concordo com essa mudança. As regras de subsídios têm vícios, excepções e fugas e é necessário criar um novo regulamento.
Politicamente continuo mais próximo de Jorge Sampaio do que de Santana Lopes. É natural que haja uma guerra entre os dois. Só que uma questão cultural, não pode transformar-se num problema político. Se o secretário de Estado mantiver o diálogo e se quiser fomentar o teatro só tirei razões para aplaudir a atitude.
P. -- Está a defender Santana Lopes?
R. -- Estou a tentar que algumas medidas da SEC não sejam só de fachada, mas um facto. E não posso estar contra a criação do Instituto das Artes Cénicas (IAC) [organismo da SEC que tutela o teatro] se ele funcionar. Se ele não funcionar, estarei contra. Chegou o momento da SEC provar que as decisões que anuncia são verdadeiras. Estou numa atitude de expectativa.
P. -- À espera de quê?
R. -- Está na altura da SEC e da CML estabeleceram soluções para a actividade teatral.
P. -- E se uma companhia ficar sem subsídio...
R. -- Há que pedir responsabilidades ao IAC porque finalmente há um organismo ao qual pertencem duas pessoas habilitadas a discutir as questões teatrais: uma porque foi director de um grupo independente, Carlos Avilez, e outra porque tem um longa prática de trabalho com as companhias, António Xavier -- presidente do IAC. Por isso, há condições para se fazer uma análise técnica específica de cada problema. Quando perguntei, na reunião, porque é que essa análise ainda não foi feita, o secretário de Estado respondeu: «Ora ainda bem que vê coisas positivas naquilo que faço».
P. -- Não toma uma posição mais firme porque tem medo de retaliações...
R. -- Não quero extremar posições e fazer uma oposição ao secretário de Estado que o impeça de tomar decisões ponderadas. Se os grupos fecharem por falta de dinheiro serei o primeiro a protestar. Só que isso ainda não aconteceu. Não tenho medo de ficar sem subsídio. Isso deixar-me-ia indignado. Há todas as razões para acreditar que o secretário de Estado não vai acabar com companhias com 20 anos de trabalho. Ele não vai querer acabar com a cultura.
P. -- Não está a ser ingénuo?
R. -- Acredito que a um político convenha mudar de atitude. Acredito que agora pense que as coisas no teatro não são tão óbvias como sempre quis fazer crer. Prefiro ser ingénuo, desde que as decisões nos sejam favoráveis, do que entrar em atitudes de desconfiança que impeçam uma boa decisão. A SEC tem de tentar resolver o problema do teatro. A reunião entre as companhias e Santana Lopes [da passada segunda-feira] não pode ser apenas um espectáculo sem consequências.
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