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<DOCNO>PUBLICO-19941125-096</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19941125-096</DOCID>
<DATE>19941125</DATE>
<CATEGORY>Nacional</CATEGORY>
<AUTHOR>RVZ</AUTHOR>
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Dívidas ao fisco geram acordo tácito entre maioria e oposição
O segundo consenso
Carlos Romero
Em poucos dias, maioria e oposição passaram de um esperado consenso para alterar o decreto das dívidas ao fisco, para o acordo tácito em não mexer mais no assunto. Tudo porque Cavaco não admitiu que se mexesse numa linha. E porque todos temem ser acusados de fazer o frete aos infractores fiscais. Ontem, o PS reclamou a presença de Catroga para falar das dívidas fiscais e fazer o ponto da aplicação do decreto. Até ao dia 6.
«Não vale a pena falar mais nisto». «Isto» é o decreto das dívidas ao fisco. A manifestação de desalento é de uma das primeiras figuras que no PSD criticou publicamente e em termos muito duros o diploma de Eduardo Catroga. E «não vale a pena» porque, tanto no Governo como na bancada parlamentar da maioria, toda a gente percebeu que Cavaco, na sua qualidade de primeiro-ministro e de presidente do partido, não quer nem ouvir falar do assunto. O primeiro-ministro tem mesmo repelido algumas tentativas de explicação técnica e pormenorizada do diploma em vigor, para eventuais ajustamentos. O polémico 225/94 nasceu e vai morrer assim, sem que alguém lhe mexa uma vírgula.
Mesmo a conhecida e crítica proposta de parecer do Conselho Económico e Social (CES) -- a discutir e votar hoje de manhã na Sala do Senado da Assembleia da República --, que os opositores do diploma sempre contabilizaram como uma vitória segura e fácil, corre alguns riscos de não passar. Os oito representantes do Governo no CES e alguns «apêndices» que alinharão com as posições do Executivo, somados a algumas ausências que não serão inocentes, poderão comprometer os dois terços de votos necessários para aprovar a proposta. Um parecer crítico do CES -- tido como o espelho da vontade do país -- seria politicamente inconveniente, e o Governo fez o que pôde para o abortar.
O primeiro grande consenso que parecia desenhar-se entre a maioria e a oposição, tendente a alterar o polémico decreto, faliu. Não por «culpa» da oposição, que deu mostras de não obstaculizar uma esperada iniciativa do PSD, mas antes por vontade e orientação do chefe do Governo, que desaguou na Assembleia e emudeceu completamente as vozes críticas da bancada laranja.
Um combate impopular
Agora outro consenso se desenha, mas de sinal contrário. A vontade de modificar o decreto-lei em pontos muito concretos durante a discussão do Orçamento, deu lugar, da parte da oposição, a discursos pouco convictos e mais generalistas sobre a situação das empresas devedoras, sobre as razões que conduziram à acumulação de dívidas superiores a mil milhões de contos ou sobre a necessidade de separar empresas e clubes de futebol. É assim que pode ser entendida a iniciativa do socialista Manuel dos Santos, ontem, durante a discussão do Orçamento, ao reclamar as explicações de Catroga sobre as dívidas ao fisco na Comissão Parlamentar de Assuntos Fiscais.
Quer dizer: a maioria não toma a iniciativa de alterar o decreto e a oposição não quer queimar-se num combate impopular. Unidos na convicção de que qualquer mexida no diploma pode ser lida pela opinião pública como um frete às empresas e clubes infractores, maioria e oposição puseram uma pedra sobre o assunto e deixaram sossegado o 225/94...
Um entendimento tácito que não significa acordo com o diploma. O número de quantos, dentro ou fora do Governo, no PSD ou na oposição, criticam abertamente o decreto-lei, continua a crescer. Para além dos pioneiros Filipe Menezes e Nuno Delerue, de Eurico de Melo, para além das dúvidas de Faria de Oliveira transmitidas a Catroga, sabe-se que algumas das figuras que têm aparecido publicamente a dar a cara em defesa da aplicação intransigente do decreto confessam, em privado, que «a lei está mal feita», mas «agora já não há nada a fazer». Barros Vale, o «jovem empresário» que tem liderado a contestação ao diploma, disse que em todos os contactos feitos no Governo e no Parlamento, «não houve uma única pessoa que não [lhes] tenha dado razão». E o PÚBLICO sabe que o dirigente da ANJE falou, por exemplo, com o social-democrata Rui Rio...
As críticas de Salgueiro
Ontem, João Salgueiro, que tem participado neste processo na qualidade de uma das três «personalidades de reconhecido mérito designadas pelo plenário» do CES, deu a conhecer ao PÚBLICO a sua posição sobre o assunto. Sem dramatizar o problema, Salgueiro subscreve os três pontos que têm desencadeado as críticas mais fortes ao decreto 225/94. «É pena que o diploma não tenha sido publicado no início do ano», «as facilidades [de pagamento] deveriam ter em conta a dimensão das empresas» e não apenas o montante da dívida, e a falta de resposta do decreto para as dívidas do Estado às empresas incumpridoras, são três reparos de João Salgueiro que coincidem com as posições de Eurico de Melo, das associações empresariais e da generalidade dos críticos.
Mas Salgueiro vai um pouco mais longe, ao defender que o decreto do Governo avançou numa altura em que a retoma económica não está ainda consolidada, o que cria dificuldades de pagamento às empresas em falta. «Seria melhor que este decreto tivesse saído um ano mais tarde», disse ao PÚBLICO o economista. Apesar de tudo, Salgueiro encara positivamente o decreto. Mas não acredita que ele acabe com o descontrolo fiscal que se tem verificado nos últimos anos, muito acentuado em 1993: «Não digo que o decreto seja inaplicável, mas talvez não vire completamente a página», concluiu.
Ao fim do dia de ontem, a Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) deu a conhecer a sua solução para «resolver» os problemas provocados pelo decreto. Barros Vale fez questão de reforçar a ideia de que a sua associação está metida no processo para «sensibilizar o Estado e os contribuintes no sentido de maximizar as receitas fiscais», desmentiu maids uma vez a ideia de que os empresários defendem qualquer tipo de aministia fiscal e sugeriu dois tipos de comportamento para «tornear» a intransigência do Governo: quem tiver condições financeiras para cumprir integralmente o decreto, que o faça; quem tiver dívidas deste ano e não conseguir pagá-las, que se dirija às repartições de finanças e inicie o pagamento do atrasado em finais de 1993. Há algum risco neste comportamento, mas é convicção generaizada de que «a lei é dura mas a sua aplicação vai ser mole».
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