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<DOCNO>PUBLICO-19941226-035</DOCNO>
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<DATE>19941226</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>FS</AUTHOR>
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Secretário-geral da Aliança Atlântica optimista sobre futuro da organização
A NATO continua a postos na Bósnia
Pierre Levèvre, em Bruxelas
Na primeira grande entrevista concedida à imprensa desde que entrou em funções em Outubro de 1994, o secretário-geral da NATO. Willy Claes, revela o seu pessimismo quanto ao desfecho do conflito bósnio e o seu optimismo em relação à Aliança Atlântica. Depois de longa hesitação, os Estados Unidos resolveram-se pela abertura desta organização aos países da Europa central e oriental. Mas a Rússia opõe-se firmemente a essa evolução.
PERGUNTA -- Os americanos retiram-se, sem prevenir os seus aliados, do controlo do embargo marítimo; o francês Alain Juppé imputa o fracasso na Bósnia aos Estados Unidos; o presidente da Comissão Europeia Jacques Delors considera prematura a ideia de lançar o debate sobre o alargamento da NATO; o embaixador alemão Hermann von Richthofen queixa-se a esse respeito das pressões norte-americanas e fala da divisão da Aliança. Não estamos perante a desunião no seio da NATO?
WILLY CLAES -- Não partilho dessa abordagem de tipo sensacional, que não traduz de forma alguma a situação no seio da organização. Em primeiro lugar, os americanos não abandonaram o embargo -- anunciaram simplesmente que, no que respeita ao embargo sobre as armas, já não estão dispostos a assegurar o controlo do lado bósnio.
Delors criticou o momento do início do alargamento, mas engana-se, já que não começámos nada. Foi tudo decidido muito antes, na cimeira de Janeiro de 1994, em que se disse claramente que a NATO optava por um alargamento que seria o resultado de um processo evolutivo. O que se decidiu agora não pode ser motivo de admiração. É absolutamente normal que, numa instituição democrática como esta, se tenha algumas divergências de opinião. Já houve outras, como a crise interna da Aliança durante os incidentes do Suez.
P. -- Não há, mesmo assim, divisão no seio da NATO entre os que preconizam uma política de neutralidade na Bósnia e os que identificam agressores e vítimas?
R. -- Na questão bósnia, não é a NATO que tem a responsabilidade da estratégia nem da direcção das operações, são as Nações Unidas. Nós só temos alguns mandatos -- Sharp Guard e Deny Flight --, mais nada. Quando ao resto, é a ONU.
P. -- Mas a NATO não perdeu a sua credibilidade política quando ficou reduzida à impotência, perante o cerco de Bihac ou o sequestro dos «capacetes azuis»?
R. -- Não estamos impotentes, até porque dispomos, sem dúvida, dos meios militares necessários para parar o cerco. É, no entanto, verdade que perdemos uma parte da nossa credibilidade porque as autoridades da ONU consideram que é necessário evitar uma abordagem militar do problema de Bihac. Assim, não fechamos as portas nem tomamos medidas unilaterais. Respeitamos a autoridade das Nações Unidas.
A verdade, e isso é fundamental, é que existe uma contradição, que receio que seja insolúvel, entre a missão dos «capacetes azuis» no terreno -- manutenção da paz, operações humanitárias -- e o que nos querem pôr a fazer, isto é, impor a paz enviando aviões. Sempre que a NATO possa intervir, arriscamo-nos, com efeito, a que as tropas no terreno sejam as vítimas.
Esta contradição tem origem no facto de a comunidade internacional, no início desta tragédia, ter rejeitado a estratégia militar. Tanto o lado americano como o europeu recusaram pôr os necessários meios militares à disposição da procura de uma solução.
P. -- Tirando conclusões desta cooperação entre a ONU e a NATO, o que preconiza?
R. -- Não creio que a Aliança Atlântica ainda possa aceitar condições de trabalho que, em certos momentos, nos paralisam. Precisamos de mandatos mais claros, mesmo que seja necessário distinguir manutenção e estabelecimento da paz. Os problemas existentes na Somália, no Ruanda e agora na Bósnia apontam para que será preciso um novo debate de fundo sobre as regras do jogo.
P. -- Quais serão as implicações para a NATO se o Congresso norte-americano votar a favor do levantamento do embargo sobre as armas?
R. -- Nessa altura temos de ver como reagirá o Presidente americano -- ele tem muitos poderes, mesmo em relação ao seu Congresso. Estou convencido de que a Administração Clinton vê com clareza todas as consequências negativas de uma decisão unilateral, quer se trate do futuro da ONU e, portanto, do diálogo da comunidade internacional, das relações entre os Estados Unidos e a Europa, quer se trate da situação no terreno. Portanto, mesmo com uma decisão do Congresso, a história não terminou e não creio que se deva considerar uma decisão unilateral nos nossos cenários a curto e médio prazo.
É, porém, certo que a corrida contra-relógio já começou. Por duas vezes encontrei-me com o chefe da bancada republicana, o senador Dole, e ele não tem dúvidas de que podemos contar com essas iniciativas. Seria, portanto, preferível chegar a um cessar-fogo e a negociações, antes de essas medidas serem adoptadas.
P. -- Como interpreta a oposição da Rússia aos projectos de declarações da cimeira de Budapeste sobre a Bósnia, assim como o seu veto a uma resolução da ONU sobre o embargo petrolífero contra os sérvios bósnios? Ela é mais aliada dos sérvios do que parte integrante de uma arbitragem internacional?
R. -- Aqui na NATO, ainda não chegámos a conclusões na nossa análise sobre essa questão. Depois da surpresa que tivemos na semana passada, haverá mudança estratégica na chefia russa? Ainda temos de consultar muitas fontes e não somos os únicos a estar na expectativa antes de chegar a conclusões. Pessoalmente, continuo bastante optimista. Creio que os russos estão prontos a continuar a cooperar seriamente no seio do grupo de contacto, como estão prontos a continuar a cooperar com a Aliança Atlântica.
P. -- Depois do discurso muito duro do Presidente Ieltsin em Budapeste, o que é que, de facto, lhe permite manter esse optimismo?
R. -- Não nego que foi difícil, mas vários elementos concorrem para a minha posição. Nomeadamente, quando do Conselho Atlântico de quinta-feira passada, perguntei a Kozirev se tinha objecções ou emendas aos dois documentos que estavam sobre a mesa -- o programa individual da parceria para a paz, que é um trabalho muito desenvolvido, e um documento sobre a estruturação do diálogo, que inclui a cooperação em matéria de segurança --, e ele disse-me que não. Então perguntei-lhe se só lhe faziam falta mais explicações sobre o alcance das decisões tomadas pelo Conselho; e ele respondeu que sim.
Estamos dispostos, sem conceder o direito de veto, mas em nome da transparência, a dar as respostas de que Moscovo necessita para retomar a cooperação, como de resto já se tinha discutido com Ieltsin em várias capitais, depois de a cimeira da NATO em Janeiro passado ter optado por um alargamento no fim de um processo evolutivo. Deve haver maneira de retomar essa cooperação de forma positiva, num futuro muito próximo.
P. -- Isso não lhe parece ser um veto da Rússia contra o alargamento da NATO?
R. -- Não vejo nenhuma instituição internacional na Europa que esteja disposta a conceder um direito de veto ou sequer um direito de controlo a um país qualquer. Isso foi claramente dito aos russos. Mas insisto no facto de que não procuramos dividir a Europa, criar um segundo Ialta ou isolar a Rússia. Estamos a favor de uma arquitectura de segurança no continente, contendo de resto aspectos políticos, económicos e militares, com os russos. Será simplesmente preciso, talvez, convencê-los das nossas boas intenções.
Contudo, uma coisa é certa, e pude verificá-la em Budapeste: quanto mais fortes são os discursos de Ieltsin, mais os países da Europa central insistem em entrar para a NATO num lapso de tempo ainda mais curto. Ele deve aperceber-se dos efeitos negativos que está a produzir, sobretudo na Europa central e mesmo em certas repúblicas da antiga União Soviética.
P. -- Que tem a dizer, a esse propósito, ao discurso de Vaclav Havel e dos seus homólogos do centro da Europa sobre a insuficiência da resposta ocidental às suas necessidades de segurança, quer se trate da hegemonia russa ou de um regresso do espectro nacionalista?
R. -- Falei longamente com Havel em Budapeste e, de facto, ele não escondeu a sua inquietação. Como secretário-geral, respondo que iniciámos o processo de alargamento e já decidimos sobre o método a seguir para desenvolver o diálogo interno que deve dar resposta à questão de como alargar. Se tudo correr normalmente, poderemos informar a esse respeito todos os parceiros interessados antes do conselho ministerial de Dezembro de 1995.
P. -- Pensa que os receios de Havel são fundamentados?
R. -- Não tenho nenhuma bola de cristal que me diga o que se passará na Rússia depois de 1996, mas sei que o Ocidente faria bem em tomar bastante cuidado com a sua defesa colectiva e não considerar tudo isso como definitivamente ultrapassado. No Ocidente, vivemos, talvez demasiado, como se a paz estivesse definitivamente adquirida e como se tivéssemos garantido, de uma vez por todas, a estabilidade e a segurança. E eu tenho dúvidas a esse respeito.
P. -- As eleições de 8 de Novembro passado nos Estados Unidos reforçaram a tendência para o descomprometimento americano na Europa?
R. -- De facto, não podemos subestimar a tendência isolacionista que caracteriza uma parte da opinião pública americana. Talvez essa parte se tenha afirmado mais com o reforço da presença dos republicanos no Congresso. E digo talvez porque, nas minhas discussões, bastante agrestes, com o dirigente republicano Dole, este confirmou a vontade do seu partido de reforçar a NATO e apoiar fortemente o movimento de alargamento.
P. -- À luz dos recentes acontecimentos e da impotência da NATO na Bósnia, como definiria o papel essencial futuro da organização, neste momento privada do seu inimigo?
R. -- Em primeiro lugar, seria conveniente não abandonar totalmente a antiga noção de defesa colectiva. Nunca se sabe. Os desafios com que nos confrontamos hoje são talvez mais complicados ainda do que os que conhecemos durante a guerra fria. O primeiro de entre eles consiste em alargar a estabilidade e a segurança a leste. A NATO pode contribuir nesse sentido, numa medida mais ampla do que em termos puramente militares, daí a parceria para a paz e o início de um processo de alargamento.
Mas há outros desafios. Estamos perante o perigo da proliferação das tecnologias militares modernas e das armas de destruição maciça e devemos, de facto, desenvolver uma estratégia de contraproliferação. Além disso, vemos renascer um pouco por toda a parte nacionalismos exacerbados e o perigo de conflitos regionais. Pelo que, mais do que nunca, temos de nos especializar também em operações de gestão de crise e de manutenção da paz.
* jornalista de "Le Soir",exclusivo PÚBLICO / «World Media»
[Tradução de Ana Barradas]
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