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<DOCNO>PUBLICO-19941230-041</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19941230-041</DOCID>
<DATE>19941230</DATE>
<CATEGORY>Economia</CATEGORY>
<AUTHOR>RVLD</AUTHOR>
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Lei das OPA pode dificultar a concretização da transacção
CMVM tem a última palavra
Ricardo Valadares
António Champalimaud quer comprar o controlo do BTA sem lançar uma OPA sobre o banco como obriga a lei. Para tal vai ter de pedir à CMVM que o dispense de tal procedimento. Só que, à luz da lei, à partida não há grandes justificações para o não lançamento de uma oferta pública de aquisição. A não ser que o interesse nacional se sobreponha ao dos demais investidores.
António Champalimaud está disposto a garantir o controlo de metade do capital social do Banco Totta & Açores (BTA). Mas isso, só por si, poderá não chegar para que o negócio venha a concretizar-se. Isto porque é necessário agora que as autoridades financeiras nacionais -- Ministério das Finanças, Banco de Portugal e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) -- autorizem a transacção.
As maiores complicações poderão surgir pelo lado da CMVM, entidade responsável pela aplicação da legislação sobre os títulos cotados em Bolsa. Acontece que o BTA está cotado na Bolsa de Lisboa. E, segundo a legislação em vigor, qualquer accionista que pretenda adquirir uma percentagem superior a 20 por cento no capital de uma empresa cotada terá de lançar uma oferta pública de aquisição (OPA) parcial, caso a percentagem do capital a adquirir se situe entre 20 por cento e 50 por cento, e uma OPA geral para a tomada de uma posição superior a metade dos direitos de voto.
António Champalimaud pretende adquirir cerca de 49,5 por cento do BTA. Mas como o empresário já anunciou que não está interessado em lançar uma OPA, vai ter de pedir dispensa de lançamento desta oferta à CMVM. A Comissão terá de analisar o pedido e ver se na lei existe alguma cláusula que possa dispensar Champalimaud do lançamento da oferta. No entender de alguns juristas contactados pelo PÚBLICO, neste caso concreto não deverão existir motivos para dispensa.
O artigo do Código do Mercado de Valores Mobiliários que estabelece as situações em que a CMVM poderá dispensar o lançamento de uma OPA é o 539. Para os juristas, apenas a última alínea deste artigo (a alínea h) poderia fundamentar uma dispensa. Isto porque se trata de "uma cláusula geral que pode abarcar tudo", comentou um advogado. Esta alínea refere que se pode conceder dispensa sempre que a necessidade de lançamento de uma OPA resulte "de outros factos de natureza semelhante que tornem a obrigatoriedade da oferta iníqua para a pessoa singular ou colectiva que teria de lançá-la, desnecessária à adequada protecção dos interesses dos titulares dos valores mobiliários que dela seriam objecto, ou, nas circunstâncias particulares do caso, contrária a esses interesses".
Sim ou não?
Sobre o conteúdo daquela norma, um legislador disse que comporta "conceitos indeterminados e subjectivos. Tal poderá levar a CMVM a dispensar António Champalimaud de lançar uma OPA. Mas não creio que isso venha a acontecer", concluiu. Mas há também quem acredite que Fernando Costa Lima, presidente da CMVM, poderá conceder "luz verde" à operação sem obrigar ao lançamento de uma oferta pública de aquisição. Neste caso, argumenta-se que se alguém, para comprar a posição do Banesto no Totta, tiver de lançar uma OPA, então nunca se chegará a realizar o negócio. "Isto prejudicaria todo o mercado, e em especial os milhares de accionistas do banco", justificou um analista.
Acontece que quando o novo código para o mercado de capitais foi criado -- há cerca de três anos -- um dos objectivos da nova legislação era a protecção dos pequenos accionistas. Se a dispensa de OPA for concedida, então estes investidores poderão sentir-se discriminados uma vez que apenas dois accionistas, o Banesto e Carlos Menezes Falcão, terão a possibilidade de alienar os seus valores a 5563 escudos cada. Um preço, recorde-se, muito superior às cotações mais recentes efectuadas em Bolsa pelas acções do Totta. E a legislação das OPA destina-se, precisamente, a zelar pela igualdade de oportunidades entre pequenos e grandes accionistas, deixando a CMVM praticamente sem argumentos para dispensar a realização de um operação daquele tipo. Acresce que Costa Lima sempre tem defendido que não se pode proceder a uma "interpretação conjuntural da lei".
Outra das instituições que obrigatoriamente terá de se pronunciar nesta operação é o Ministério das Finanças. Pelo facto de o BTA ser ainda uma banco em fase de privatização -- com cerca de 13 por cento do seu capital em mãos estatais -- e António Champalimaud pretender adquirir uma posição superior a dez por cento, faz com que Eduardo Catroga tenha de dar o seu acordo à operação. Ao que tudo indica, nada levará o Governo a chumbar esta venda, uma vez que o próprio Executivo se tem empenhado em trazer de volta para Portugal o controlo do BTA. Por último, também o Banco de Portugal será chamado a pronunciar-se sobre este negócio. Mas aqui, à semelhança do que se pensa poderá vir a acontecer com o Ministério das Finanças, não deverão ser levantados obstáculos de maior.
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