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<DOCNO>PUBLICO-19950123-048</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19950123-048</DOCID>
<DATE>19950123</DATE>
<CATEGORY>Mundo</CATEGORY>
<AUTHOR>TSSA</AUTHOR>
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O Presidente da Comissão Europeia, Jacques Santer, explica os objectivos do seu novo mandato em Bruxelas
«Se não houver consolidação, não haverá alargamento»
Santer recebe hoje das mãos de Delors as chaves do seu gabinete em Bruxelas. Passagem de testemunho do visionário que agitou a Europa nos últimos dez anos para o homem tranquilo e pragmático que quer consolidá-la. Motivo para uma entrevista em que o novo presidente da Comissão fala do seu estilo, dos seus propósitos e das suas convicções.
Hoje, em Bruxelas, ao meio-dia em ponto, o francês Jacques Delors entrega formalmente as chaves do seu gabinete ao luxemburguês Jacques Santer, para que as utilize nos próximos cinco anos. O grande visionário da Europa cederá o passo a um homem pragmático e experiente, dedicado à causa europeia, disposto a governar a nova Comissão de forma colegial e a trabalhar através do consenso com os 15 Estados-membros da União Europeia.
Nada melhor do que uma entrevista ao homem que, a partir de hoje, é o novo presidente da Comissão de Bruxelas para tentar compreender como será este início de uma nova era na vida do executivo comunitário, agora alargado a 20 comissários, com a adesão da Finlândia, Suécia e Áustria.
Santer tem o azar de suceder a um homem cuja personalidade e visão dominaram a Europa nos últimos dez anos. Mas parece ter a inteligência de assumir abertamente que é outro o seu estilo e, eventualmente, o seu papel. Delors lançou a Comunidade numa nova era. Cabe a Santer, em primeiro lugar, a tarefa de consolidar os ganhos e adaptar as estruturas.
Velho federalista por convicção, o novo presidente da Comissão Europeia está disposto a ser sobretudo pragmático e a procurar consensos, em vez de suscitar rupturas. Qualidades necessárias (mas não se sabe se suficientes) para levar a bom termo as duas mais difíceis tarefas que tem pela frente: a conferência intergovernamental de 1996, para rever o Tratado de Maastricht e preparar a Europa para o século XXI, e a entrada na terceira fase da UEM, em 1997 se possível e sem «flexibilizar critérios». Do seu bom êxito poderá depender, em larga medida, o objectivo estratégico fundamental da União: acolher os países do Centro e do Leste europeu. Matéria para a recente entrevista recolhida pelo jornal belga «Le Soir» e que aqui se publica.
PERGUNTA -- Sete meses após ter sido eleito pelos chefes de Estado e de Governo europeus, em Julho de 1994, a Comissão a que vai presidir recebeu um voto de confiança do Parlamento Europeu por uma larga maioria. Ficou surpreendido com a polémica gerada em torno das audições dos seus comissários?
JACQUES SANTER -- Os membros do Parlamento desempenharam o seu papel. Mas, de uma maneira geral, se por um lado se insistiu muito nas críticas, é preciso não esquecer que três quartos dos comissários transpuseram os obstáculos sem qualquer dificuldade. É verdade que alguns deles foram criticados -- as querelas políticas entre um parlamento e um governo são normais --, mas lamento que algumas das audições tenham resultado numa sanção individual. Pessoalmente, sou contra o facto de o Parlamento ter o direito de sancionar individualmente os comissários.
P. -- Sentiu-se prejudicado pelos comentários cépticos que acolheram a sua nomeação?
R. -- Esses comentários surgiram em circunstâncias precisas, após o veto contra [o primeiro-ministro belga] Jean-Luc Dehaene, mas eu exigi ser julgado pelos meus actos. E algumas das críticas foram abandonadas em virtude do modo como conduzi a formação da Comissão e a atribuição das pastas.
P. -- No fundo, as suas opiniões serão muito diferentes das de Jean-Luc Dehaene?
R. -- Seguramente que não. Nós os dois pertencemos à mesma família política e os nossos países conhecem-se bem e têm excelentes relações. Em termos da Europa, não há divergências de fundo entre Jean-Luc Dehaene e eu, apesar de as nossas personalidades e estilos diferirem.
«Sempre militei a favor do federalismo, mas...»
P. -- Ousaria afirmar que é um federalista?
R. -- Sempre militei a favor do federalismo, embora não creia que se consiga criar uns Estados Unidos da Europa à maneira dos EUA. É preciso, isso sim, encontrar uma estrutura nova. Não penso que seja importante falar-se de federalismo ou de confederalismo, dispenso esse tipo de considerações filosóficas. A minha preocupação é ver a Europa progredir.
P. -- Quais são os seus trunfos pessoais?
R. -- Gosto de trabalhar em «dossiers» em que há um trabalho político de que se pode retirar resultados concretos.
P. -- Quanto ao estilo Santer...
R. -- Não é um estilo fanfarrão, prefiro trabalhar de forma pragmática e concreta, mas com determinação. Não se trata de «arte pela arte».
P. -- Será, por conseguinte, um árbitro no seio da sua equipa?
R. -- Devido ao modo de funcionamento da Comissão, e sobretudo de uma Comissão de 20 membros, é preciso adoptar um estilo colegial. Mas para isso impõe-se arranjar meios, e é precisamente esse o espírito da nova repartição de competências: assegurar uma melhor cooperação e uma melhor coordenação entre os comissários. Nenhum deles poderá considerar a sua pasta como uma coutada pessoal, cada um exercerá as suas competências em harmonia com o conjunto da Comissão.
Eu próprio fiquei com três pastas decisivas para os cinco próximos anos: os assuntos institucionais, as questões monetárias e económicas e a política externa e de segurança comum.
P. -- Quais são os principais «dossiers» que terá sobre a sua mesa nestas próximas semanas?
R. -- Em primeiro lugar, é necessário definir o programa de acção da Comissão. No Parlamento Europeu transmiti uma mensagem de política geral que é preciso agora especificar. O segundo «dossier» consistirá na redacção do livro branco sobre a adesão à União dos países da Europa Central e de Leste. Por último, a Comissão dedicar-se-á a dar andamento às decisões tomadas na cimeira europeia de Essen. Neste capítulo não basta definir estratégias, há sobretudo que as pôr em marcha!
P. -- John Major já excluiu a possibilidade de «qualquer reforma constitucional» da União e François Mitterrand insistiu sobretudo em que se concretize o Tratado de Maastricht antes de se pensar em ir mais longe. A conferência de 1996, que deverá reformular o tratado, não começou lá muito bem, pois não?
R. -- É certo que se tem que explorar e esgotar todas as possibilidades do Tratado de Maastricht, mas também é verdade que este inclui diversos campos que deverão ser objecto de uma revisão. Para além disso, vai ser igualmente necessário rever as estruturas das instituições tendo em vista um melhor funcionamento da União alargada. Tudo isto deverá estar definido antes do alargamento; não se pode afirmar, por um lado, que se deseja proceder ao alargamento da União e, por outro, querer conservar as estruturas actuais.
P. -- O que pensa das declarações de John Major?
R. -- Uma outra tarefa da Comissão é a de tentar convencer os parceiros da melhor forma de resolver determinados problemas.
A virtude de se ser pequeno
P. -- Acha que dispõe de trunfos políticos particulares?
R. -- Em primeiro lugar, tenho a confiança dos chefes de Estado e de Governo. Depois, provenho de um Estado-membro pequeno, o que me permite uma certa independência de espírito e proporciona, igualmente, margem de manobra na procura de compromissos de progresso.
P. -- Algumas declarações feitas em Paris e Bona levam a pensar que as opiniões de franceses e alemães sobre a construção europeia seguem percursos diferentes. A sua análise é também esta?
R. -- É positivo que o grupo franco-alemão tenha uma posição convergente em determinados domínios sem que, por isso, pretenda assumir a direcção. A Comunidade só tem a ganhar, em termos de um melhor funcionamento, com o reforço do eixo Paris-Bona -- o pior que podia acontecer era que este pilar se desmoronasse. Está actualmente em curso um debate e eu fico satisfeito com isso, é sinal de que as coisas estão a mexer.
P. -- Partilha das ideias expressas pelo partido do chanceler Helmut Kohl de que a Comissão deveria tornar-se um «governo europeu»?
R. -- Aquilo que eu vou fazer é empenhar-me em manter o carácter forte da Comissão.
P. -- E é favorável à criação de um núcleo duro?
R. -- Não me choca o princípio de uma Europa a várias velocidades, desde que isso constitua um meio para se atingir um fim comum, como, por exemplo, no quadro da União Económica e Monetária. O núcleo duro não deve ser fechado, mas, antes, ter um poder magnético para atrair aqueles que não fazem parte dele; é necessário encontrar-se o modo de permitir aos retardatários juntarem-se ao grupo. O que eu refuto, isso sim, é a institucionalização desse sistema.
P. -- Os grandes países desejam ver aumentado o seu peso na União e os pequenos querem preservar o seu lugar. Como é que acha que se pode conciliar estas posições?
R. -- Fala-se muito em harmonizar determinadas regras no plano económico ou no plano social, mas nós não podemos fazer isso através das nações. Toda a arte do edifício europeu consiste em conciliar a representação dos diferentes Estados-membros com uma estrutura que garanta o funcionamento da União. Hoje, mais do que nunca talvez, toda a gente deve ser tratada com igual dignidade, não apenas ao nível da Comissão e do Parlamento, mas também na adopção de decisões do Conselho de Ministros.
Por exemplo, se analisarmos os resultados concretos das presidências do Conselho de Ministros, verificamos que os pequenos países, como os do Benelux, sempre apresentaram resultados excelentes, ao passo que as presidências dos grandes países nem sempre foram tão satisfatórias. Acontece muitas vezes que um país mais pequeno não tem outras ambições para além de servir a Comunidade, de modo que as suas propostas, não estando maculadas com segundos pensamentos de cariz político, são mais facilmente aceites por todos os parceiros.
P. -- François Mitterrand advogou, em Estrasburgo, o arranque da União Económica e Monetária (UEM) em 1997. Acredita nisso?
R. -- Fiquei satisfeito com a vontade expressa pela presidência francesa de avançar com determinação no processo de passagem à terceira fase da UEM. De um modo geral, estou confiante em que conseguiremos preencher as condições necessárias para passar à fase três em 1997; pelo menos se houver vontade política e se os critérios de convergência forem rigorosamente cumpridos.
P. -- Exclui, então, a flexibilização desses critérios?
R. -- Absolutamente. Reportando-me à minha experiência com a união económica belgo-luxemburguesa, que é igualmente uma união monetária desde 1921, de todas as vezes em que se verificaram divergências na política económica, tivemos problemas. É necessário haver uma convergência económica para levar a efeito uma união monetária -- aquilo que se aplica a um pequeno mercado aplicar-se-á ainda com mais propriedade a um grande.
Mas estou confiante: o panorama internacional está a melhorar. Em todos os Estados espera-se uma retoma do crescimento, pelo menos para o médio prazo; as convulsões monetárias de Agosto de 1993 foram ultrapassadas mais facilmente do que se previra. Apesar de se ter temido o desmoronamento do sistema monetário europeu, este acabou por sair reforçado, e a segunda fase da UEM iniciou-se sob bons auspícios, a 1 de Janeiro de 1994, com o arranque do Instituto Monetário Europeu, cujo papel não deve ser subestimado. Os Estados-membros apresentaram planos de convergência que estão sujeitos a uma fiscalização multilateral. Todos estes elementos levam-me, pois, a pensar que alguns países conseguirão cumprir os critérios de convergência em 1997.
P. -- Quais são as iniciativas que tenciona adoptar no sentido de, conforme tem insistido, aproximar a Europa dos cidadãos?
R. -- A política europeia deve satisfazer as expectativas dos cidadãos resolvendo, antes de mais, os seus problemas, e o primeiro deles é o desemprego: é preciso transferir a estratégia do livro branco para a realidade concreta. Mas torna-se igualmente necessário um projecto mobilizador, e, neste domínio, não pode ter sido o Tratado de Maastricht a ser mal apresentado ou mal compreendido. O que urge é dar aos jovens uma verdadeira perspectiva europeia e devolver a este continente a sua própria identidade, uma identidade que está para além das fronteiras nacionais.
Consolidar primeiro
P. -- Sob a presidência de Jacques Delors, a Comissão foi frequentemente incómoda para os Estados. Agora, sob a sua liderança, ela será mais gestora, menos visionária?
R. -- Graças à acção de Jacques Delors, foram criadas numerosas estruturas, e agora é preciso fortalecê-las antes de se passar à construção de novas. É este o espírito que me anima: consolidar aquilo que fizemos para que os objectivos não sejam desvirtuados, para que não se diluam numa zona de comércio livre após a adesão dos países de Leste. Cimentar aquilo que já existe e que é ainda frágil parece-me ser uma tarefa primordial.
P. -- Mas não vai poder demorar muito, estamos quase em 1996...
R. -- Isso é verdade. A conferência intergovernamental constituirá uma peça-chave desta legislatura, será ela que determinará as estruturas europeias no dealbar do séc. XXI.
P. -- E crê que os Quinze estão amadurecidos para essa reforma fundamental?
R. -- Se queremos atingir um fim -- a abertura aos países de Leste e ainda a outros --, é preciso que arranjemos os meios para o fazer. Se não houver consolidação, não haverá alargamento.
Michel de Muelenacre/«Le Soir»
[Tradução de Maria João Reis]
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