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<DOCNO>PUBLICO-19950212-024</DOCNO>
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<DATE>19950212</DATE>
<CATEGORY>Desporto</CATEGORY>
<AUTHOR>BP</AUTHOR>
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Valentim Loureiro «abre o livro» e acusa Pinto da Costa de «não cultivar o sentimento da gratidão»
«Adriano Pinto é mentiroso»
Bruno Prata
Valentim Loureiro decidiu «abrir o livro» e o principal alvo foi Adriano Pinto. «É mentiroso. Repito: é mentiroso», acusou, com um murro na mesa, o presidente do Boavista, que negou veementemente ter dirigido a Cavaco Silva uma carta a queixar-se do líder da AF Porto. Garante ainda que Adriano Pinto só terá ficado na lista do PSD porque ele próprio aceitou libertar Luís Filipe Menezes de uma promessa contrária. Manuel Damásio é elogiado e Pimenta Machado compreendido pela «sua coerência», que só não é total por ainda não se ter demitido da direcção da Liga.
Numa entrevista em que se defende da acusação de ter sido o Boavista a dominar a arbitragem durante anos -- «Os muitos êxitos que o FC Porto teve nos últimos anos sempre foram conseguidos com os tais presidentes [do Conselho de Arbitragem] que Pinto da Costa diz serem do Boavista» --, Valentim Loureiro acusa ainda o presidente do FC Porto de não cultivar «o sentimento da gratidão». Confirma ser credor de 23 mil contos do FC Porto, relativos às primeiras prestações da garantia bancária que salvou o Estádio das Antas de uma penhora e reclama uma recompensa financeira para o Boavista e para o Sporting por não terem sido abrangidos pelos subsídios para o Mundial de sub-20.
PÚBLICO -- Demitiu-se da presidência da Liga falando em traições. O seu substituto, Manuel Damásio, veio agora também ameaçar demitir-se e dizer que, afinal, você é que tinha razão. Acha que ele foi enganado?
VALENTIM LOUREIRO -- Não. Manuel Damásio demonstrou ser um homem sério, bem intencionado. Reagiu face a algumas desilusões que teve. Alguns dirigentes das associações demonstraram-lhe apreço pelo facto de ele ser um homem de diálogo e ele convenceu-se de que esses senhores também estavam de boa fé nas negociações. Depois, concluiu que estava enganado e por isso disse que eu tinha razão.
P. -- Damásio diz que, com estes estatutos, a Liga não tem condições para servir de aval ao empréstimo bancário contraído pelos clubes. Pinto da Costa veio logo dizer que isso não era verdade...
R. -- O que o sr. Pinto da Costa diz é respeitante ao empréstimo conseguido junto da banca com base no contrato assinado pela Liga com a Olivedesportos. Nessa questão, não há problemas, o dinheiro já está depositado à ordem da Direcção-Geral da Contribuições e Impostos [DGCI] e penso que já foram definidos todos os valores que cada clube fica a dever. Mas isto é apenas para as dívidas ao fisco de 1994. O que pode ser inviabilizado é a fiança que todos os clubes apresentaram no seu requerimento para pagar, em 10 anos, as dívidas contraídas até Dezembro de 1993. Nas negociações com o director-geral da DGCI, previu-se que a Liga, desde que institucionalizada, serviria de aval. Isto porque, se a Liga organizasse os campeonatos, podia reter as receitas a clubes que eventualmente não pagassem as prestações. Assim, a DGCI é capaz de solicitar a cada clube uma nova garantia bancária ou uma hipoteca de qualquer prédio. É nisto que Manuel Damásio tem razão. Em relação ao Boavista, não estou preocupado com esse problema. Dos clubes de grande dimensão, fomos o único que não teve necessidade de recorrer ao empréstimo bancário com base no contrato assinado com a Olivedesportos.
P. -- Ainda acha que o problema do futebol português tem sido a luta pelo poder na arbitragem, mesmo sabendo-se que, durante muitos anos, foi o Boavista a indicar o presidente do Conselho de Arbitragem [CA]?
R. -- O Boavista teve, de facto, alguns dos seus sócios a presidentes do CA, mas Lourenço Pinto não foi indicado pelo Boavista... Foi-o numa reunião qualquer em Aveiro, à revelia do Boavista. Reagi à sua nomeação, se bem que, depois, tenha tido oportunidade de verificar que ele foi um bom dirigente. Nunca prejudicou o Boavista, mas também não o beneficiou. Fizeram-no cair, por acharem que ele já não estava a cuidar dos interesses daqueles que o elegeram. As pessoas sabem que há quem entregue aos dirigentes da arbitragem, concretamente aos presidentes, listas de encomendas para vários jogos das várias categorias, e ele, a partir de determinada altura, não deverá ter satisfeito todas essas encomendas. Por isso foi deixado cair e substituído por Fernando Marques, com cuja eleição nós não tivemos também nada a ver. Fernando Marques optou pelo sorteio dos árbitros, fez um bom trabalho, mas nunca esteve sintonizado com o Boavista nem liderou de forma ditatorial o CA. Antes de Lourenço Pinto, tinha lá estado Pinto de Sousa, que eu cheguei a denunciar por achar que prejudicava o Boavista. Fernando Marques foi depois substituído por Laureano Gonçalves, que foi indicado por Adriano Pinto, com total concordância de Pinto da Costa. É uma pessoa de excepcional integridade e penso que, ao dar-se-lhe essa função, se pretendeu retirá-lo da Mesa da Assembleia Geral da AF Porto. Aí, sim, tinha sido um bocado imposto por mim, facto que nunca terá agradado a Adriano Pinto. Há uma coisa que era bom que se clarificasse: os muitos êxitos que o FC Porto teve nos últimos anos sempre foram conseguidos com os tais presidentes que Pinto da Costa diz serem do Boavista [sorri]...
P. -- Vai apoiar Manuel Damásio na próxima Assembleia Geral (AG)? Aceita passar a reter as receitas dos jogos que cabem às associações e à Federação?
R. -- Ao contrário do que diz o sr. Pinto da Costa, não ando a empurrar o sr. Manuel Damásio para situações de litígio. Manuel Damásio vai apresentar propostas que eu próprio já ventilei, em momentos também difíceis. Aliás, algumas estavam para ser debatidas na AG em que me demiti de presidente. Agora, vou aguardar para ver.
P. -- Acredita que Damásio se demita?
R. -- Não creio, porque, se o fizesse, era a denúncia plena de que havia realmente grandes traições. Quem não tem estado sintonizado com ele vai alimentar-lhe as propostas durante mais algum tempo, para que a actual situação se arraste.
P. -- Aceitava voltar à presidência da Liga?
R. -- De momento, não. Manuel Damásio é um bom presidente e interessou-se pela resolução dos problemas. Viver em Lisboa, com a sede no Porto, não facilita a sua missão, mas ele tem sabido ultrapassar essas dificuldades.
P. -- Que posição assumia se Pinto da Costa fosse proposto para presidente da Liga?
R. -- Já lhe disse que Manuel Damásio vai continuar. Qualquer dirigente de um clube português pode liderar a Liga, desde que seja capaz de pôr os assuntos do futebol em geral acima dos interesses do seu próprio clube. Foi o que eu fiz e é o que está a fazer o sr. Manuel Damásio. Há outras pessoas que revelam grande capacidade de liderança dos seus próprios clubes, mas não eram capazes de sobrepor o interesse geral ao particular. Até por isso, eu não estou a ver o sr. Pinto da Costa a aceitar ser presidente da Liga. Porque ele sobrepõe o interesse do FC Porto aos do futebol em geral.
P. -- Pinto da Costa e Pimenta Machado, tal como os responsáveis dos restantes clubes da I Divisão e Divisão de Honra, assinaram, a 26 de Maio, uma declaração a manifestar as adesões do FC Porto e do Guimarães ao projecto de revisão de estatutos proposto pela Liga. Mas a ideia que fica é que foram eles que criaram condições para a vitória das associações na última AG.
R. -- Pimenta Machado tudo tem feito para que o processo de reestruturação do futebol português não avance, para que a arbitragem continue tal como está e para que a Liga não desempenhe as funções de organismo autónomo. Mas ele tem sido o mais coerente, porque sempre disse isso. Só tem estado mal numa coisa: sendo membro da Direcção, já deveria ter-se demitido, porque, de facto, não defende as posições que colegialmente são decididas. Quanto ao FC Porto, é uma situação que compete a Guilherme Aguiar e a Pinto da Costa definirem -- se é o que diz o Guilherme Aguiar ou se é aquilo que parece que Pinto da Costa quer. Porque eu tenho alguma dificuldade em perceber essa situação [sorri]. Guilherme Aguiar representa na Liga o FCP e tem a plena confiança do seu presidente. Digo isto porque, quando eu era presidente, sempre que havia que tomar decisões polémicas, perguntava-lhe sempre se, de facto, o sr. Pinto da Costa estava solidário com aquilo que ele defendia. Ele respondia-me sempre que sim.
P. -- Quando é que sentiu que os interesses da Liga não se iriam concretizar?
R. -- Quando eu era presidente da Liga, Pinto da Costa fez-me sentir que talvez não fosse bom a Liga ficar com a arbitragem, porque isso poderia fazer com que os clubes se desentendessem. Eu acedi e nunca deixei de atender ao que os dirigentes dos vários clubes me sugeriam. Mas, a partir do momento em que Pinto da Costa, Adriano Pinto, Mesquita Machado e Pimenta Machado se encontraram num almoço em Famalicão, é evidente que estabeleceram uma estratégia para emperrar tudo. Nunca queira ouvir o que eu, no dia seguinte, disse a Adriano Pinto [dá o primeiro murro na mesa]. Li num jornal que se vão encontrar de novo os quatro para festejarem a vitória. Penso que estão todos bem identificados.
P. -- Mas, então, por que é que Pimenta Machado diz que você, enquanto presidente da Liga, vendia tudo para ficar com a arbitragem e para conseguir o regresso de Pinto de Sousa?
R. -- Isso é rotundamente mentira [murro na mesa]. É uma forma de atirar poeira para os olhos das pessoas e para as distrair das questões verdadeiramente de fundo que, neste momento, estão em causa: a aprovação de uns estatutos da FPF que não respeitam os requisitos para que seja conseguida a utilidade pública desportiva. Ele diz isso, mas não o faz para me atingir. Continuamos a ser amigos.
P. -- Então ele não o atinge quando diz que você anda a dar tiros de pólvora seca?
R. -- Pimenta Machado tem que dizer essas coisas para agradar à sua clientela. Mas, francamente, ele não me belisca minimamente, porque eu, enquanto presidente da Liga, sempre executei apenas as decisões da Assembleia Geral e da Direcção. É mentira que eu tivesse pretendido que Pinto de Sousa voltasse à liderança do Conselho de Arbitragem. Pinto da Costa é que disse a Pinto de Sousa, há uns meses largos, que queria que ele voltasse. Não fui eu [pausa]. Mas também lhe digo que eu estaria perfeitamente de acordo que ele, que é um homem impoluto e sério, voltasse.
P. -- Pinto da Costa acusa-o de incentivar um clima de instabilidade...
R. -- Para demonstrar que as posições de Pinto da Costa mudam com muita facilidade, faculto-lhe aqui parte de uma acta de uma reunião de Abril de 1994 [entrega ao jornalista três folhas com o timbre da Liga], em que se pode ler declarações dele a agradecer-me publicamente todo o interesse que, na opinião dele, pus na resolução do problema da penhora das Antas, bem como a elogiar a minha honestidade e sinceridade. Gosto do sr. Pinto da Costa, admiro-o, é um dos dirigentes que mais procuram trabalhar para conseguir os melhores resultados desportivos para o seu clube. Mas já lamento que ele se tenha pretendido meter na vida do Boavista, falando do seu departamento de futebol. Não cultiva o sentimento da gratidão.
P. -- Há quem ache que você começou a ser mal visto junto de Pinto da Costa à medida que o seu prestígio político foi aumentando...
R. -- Não creio que o meu protagonismo político cause alguma inveja ao sr. Pinto da Costa. Sou militante, desde 1974, de um partido que só recentemente me pediu para me candidatar e desempenhar funções públicas. De resto, nós, pais, trabalhamos muito a pensar no futuro dos nossos filhos, e Pinto da Costa ficou feliz quando o filho ingressou, aqui há três anos, no PSD e, também através do PSD, conseguiu um cargo na Câmara do Porto. Somos todos diferentes, mas, de uma maneira geral, no futebol e na política, os filhos seguem o alinhamento dos pais [sorri]. Não vejo, portanto, por que razão Pinto da Costa pode ter inveja.
P. -- Fala-se na possibilidade de ser criado um organismo para substituir a FPF...
R. -- Eu falei nisso na assembleia da Liga de 30 Julho. Desta vez, não falei sobre o assunto com ninguém, mas penso que a Associação Portuguesa de Futebol foi efectivamente registada. Não sei qual vai ser a evolução do processo, mas acho que, se a FPF não conseguir o estatuto de utilidade pública, há condições para um novo organismo. Isso tem pernas para andar e não venham lá esses letrados [dá mais um murro na mesa] dizer o contrário, concretamente o secretário-geral da FPF [António Sequeira], que fazia muito bem em estar calado, porque o papel dele é trabalhar dentro da FPF e não fazer apreciações públicas sobre estas matérias.
P. -- Está arrependido de ter servido de fiador no caso da penhora das Antas? Não foi essa, também, uma oportunidade que você tentou rentabilizar em termos de protagonismo? Há quem ache que você estava mais a defender os interesses do Governo do que os do FC Porto...
R. -- Nunca ninguém se pode arrepender do bem que faz. Não quero ter agradecimentos pessoais, mas também não quero ter prejuízos pela colaboração que prestei. Tenho a certeza de que, na altura certa, o FC Porto honrará os seus compromissos.
P. -- Já recebeu do FC Porto os 23 mil contos que adiantou para o pagamento das primeiras prestações?
R. -- Fui fiador, junto do banco que passou a garantia bancária ao FC Porto, de cerca de 400 mil contos. O FC Porto, por dificuldades, não pôde cumprir as primeiras prestações e a minha conta foi debitada em cerca de 23 mil contos. Tenho a certeza de que o FC Porto honrará os seus compromissos e não estou preocupado.
P. -- Há quem considere negativo o regime especial de pagamento das dívidas fiscais...
R. -- Se pudesse existir mais facilidades, tanto melhor. Mas é preciso ter em atenção que há clubes que cumpriram com tudo, como foi o caso do Boavista, e que têm de ser recompensados do cumprimento da lei. Já aquando do Mundial de Juniores, foram dados cerca de 300 mil contos ao Guimarães, para obras, idêntica quantia ao Braga, FC Porto e Benfica. Mas há clubes também com dimensão europeia, como o Boavista e o Sporting, que não podem continuar a ser prejudicados. São contas que nós temos de fazer com o Estado. Tenho-me mantido calado, mas, um dia destes, vou saltar.
P. -- Adriano Pinto acusa-o de ter escrito uma carta a Cavaco Silva a queixar-se dele. É verdade?
R. -- O sr. Adriano Pinto é um mentiroso [dá outro murro na mesa]. Repito: é mentiroso. É vergonhoso que venha a público com essa história falsa. Nunca escrevi ao sr. primeiro-ministro sobre Adriano Pinto ou para falar de futebol. Aquando da elaboração das últimas listas da Distrital do PSD do Porto, Luís Filipe Menezes disse-me, sem que eu lhe perguntasse nem o influenciasse nesse sentido, que Adriano Pinto não figuraria na lista, dado o seu comportamento --não sei se só em termos de futebol ou noutras matérias. Mais tarde, através do dr. Gonçalves Afonso, procurou saber se eu me importava que Adriano Pinto figurasse nas listas. Respondi que, se era do interesse do partido, eu nada tinha a ver. A história da carta é falsa e o próprio primeiro-ministro poderá confirmar isso a Adriano Pinto. Mas não creio que o faça, porque o primeiro-ministro não tem tempo para aturar Adrianos Pintos.
P. -- Como é que se vê ao lado de Adriano Pinto no apoio a Fernando Nogueira?
R. -- Ainda não vi lá o sr. Adriano Pinto, nem vi que ele se tivesse manifestado. Nas respostas desse senhor, vejo sempre ambiguidade. Se lhe perguntarem qualquer coisa, não responde enquanto as posições não estiverem definidas. E, se ele entender que a força se inclina para o outro lado, não tem nenhuma dificuldade em ir com os ventos.
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