<DOC>
<DOCNO>PUBLICO-19950225-136</DOCNO>
<DOCID>PUBLICO-19950225-136</DOCID>
<DATE>19950225</DATE>
<CATEGORY>Sociedade</CATEGORY>
<TEXT>
Se todos os Estados assinarem os compromissos preparados para a cimeira
«Copenhaga pode ser inovadora»
Luís Miguel Viana
Começa em 6 de Março mais uma Cimeira Mundial das Nações Unidas. Decorrerá em Copenhaga sob o tema «Desenvolvimento social». Desde Setembro que as Organizações não Governamentais portuguesas estão envolvidas nos trabalhos de preparação e, anteontem, promoveram um colóquio na Gulbenkian. O que está em causa é, uma vez mais, conseguir levar os compromissos políticos à prática.
O desemprego, a exclusão social e a pobreza são os temas-chave da Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Social, que se realizará em Copenhaga entre 6 e 12 de Março e que teve anteontem um colóquio preparatório na Fundação Gulbenkian (ver PÚBLICO de ontem). Maria de Lourdes Pintasilgo, a principal oradora, afirmou com veemência a sua crença no que pode ser feito para atenuar os dramáticos efeitos desses males no mundo.
Lourdes Pintasilgo exibiu a sua fé nos 180 Estados que vão estar presentes na conferência e no seu comprometimento em «não encetarem programas de desenvolvimento económico que não contemplem objectivos de desenvolvimento social».
No colóquio promovido pelas Organizações não Governamentais Portuguesas para a Cooperação e Desenvolvimento (44), a presidente da Comissão Independente para a População e Qualidade de Vida mostrou confiar também no advento de uma dimensão social nos programas de «ajuste estrutural» que o FMI e o Banco Mundial promovem nos países mais pobres.
É que nesses países, onde a ajuda ao tecido empresarial provoca pressões inflacionárias, opta-se por contrariar a escalada de preços diminuindo as despesas do Estado não na defesa ou na segurança interna, mas na saúde e na educação.
No Mali, exemplificou a ex-primeira-ministra, o fecho de todas as escolas foi a solução pensada para que a economia empresarial melhorasse um pouco. Devido a casos como este é que um dos pontos mais importantes que será levantado em Copenhaga «exige que não menos de 20 por cento dos orçamentos de Estado sejam dedicados às políticas sociais».
«Será uma cimeira inovadora se todos os chefes de Estado assinarem os compromissos preparados [nove]», disse Pintasilgo a concluir a sua primeira intervenção. «Teremos então muita matéria para trabalho, na sociedade civil e nas organizações não governamentais.»
«Não haverá emprego para todos»
Uma das intervenientes no colóquio, Graça Vasconcelos, logo disse da plateia o que muitas cabeças pensavam: «Achei muito optimista e muito entusiástica a intervenção da engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo. Mas isso é o costume...»
Nem a própria resistiu a rir-se do remoque. E, depois, reconheceu que a ausência «de números», quer dizer, «de coisas concretas», nos documentos preparados para Copenhaga tornará inevitavelmente vagos e meramente semânticos os compromissos que os Estados venham a assumir.
«O único número apresentado na lista de compromissos é o de as políticas sociais representarem 20 por cento dos orçamentos», concederia Pintasilgo. E mesmo os 20 por cento será um número capaz de suscitar um compromisso e de o fazer cumprir? «Não acredito que o seja para já, faltam ainda alguns anos para que seja aceite...»
E quanto ao desemprego, o que nos é consentido esperar? Nos 24 países mais desenvolvidos, a taxa média de desemprego é de 10 por cento, variando entre mais de 20, em Espanha, e menos de 4, no Japão. Já em África, com países como a Argélia, onde o desemprego jovem ronda os 40 por cento, mais de 60 por cento da população activa trabalham no «sector informal» -- eufemismo por que responde todo o trabalho na agricultura, na construção, mesmo na indústria ou nos serviços, onde os trabalhadores não têm qualquer vínculo ou segurança laboral, direitos ou fiscalização.
«Não acho que seja possível resolver o problema do emprego no actual sistema», confessou Pintasilgo. «Soube que Jacques Delors não se candidatou [a Presidente de França] precisamente para não ter de dizer que não há nem vai haver emprego para todos.»
E por que não salário máximo?
A pobreza também não parece consentir mais esperanças, por maior que seja o optimismo. As mais de duas centenas de pessoas que encheram a sala ouviram, com o estarrecimento habitual, números relativos aos países que são sempre recordados neste tipo de reuniões.
No Brasil, os 20 por cento mais ricos recebem, em média, salários 32 vezes superiores aos 20 por cento mais pobres. Na Índia, numa população de 850 milhões de habitantes, só cerca de 200 milhões têm o mínimo para viver e, destes, apenas 750 mil pagam impostos.
Falando de Portugal, como revelou um participante durante o período de debate, um estudo comparativo dos salários nacionais com a média europeia produziu resultados inesperados.
Os salários foram agrupados em três «patamares sintéticos»: no mais alto (altos quadros), os ordenados portugueses estão, surpreendentemente, acima da média europeia; no patamar intermédio (liderado por licenciados e bacharéis), baixa-se muito em relação à média; no patamar mais baixo (operários e indiferenciados), a diferença é abissal.
«Acho que é necessário, além do estabelecimento de ordenado mínimo, também o do salário máximo», foi a resposta que Maria de Lourdes Pintasilgo encontrou. E voltou a bater na tecla da solidariedade, além de parafrasear algumas das posições defendidas pelas organizações portuguesas nas reuniões preparatórias da cimeira de Copenhaga.
Estas defendem que a ajuda ao desenvolvimento se deve fazer numa perspectiva primordialmente social, considerando prioridades os cuidados de saúde primários, o planeamento familiar, a educação, a habitação, a água e o saneamento, o crédito e o apoio institucional. E também programas que garantam o trabalho para as populações mais pobres.
</TEXT>
</DOC>